Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 15
Viver é se entregar


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal!
Vou entrar em época de prova, não sei como vai ser. Mas posso dizer que me diverti muito escrevendo esse capítulo. Ah, e OBRIGADA pela recomendação, Naiane. Fiquei verdadeiramente emocionada :')



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Clarice acordou seis horas da manhã, já que em uma hora Frederico a buscaria para conhecer o tal casarão da família Escobar no interior. Uma sensação ruim pairava em seu estômago, e ela estava com muita ânsia de nervosismo. Pegou o celular para desligar o despertador e viu uma mensagem de Frederico:

"Dizem por aí, mas não tenho certeza, que meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem também que meus olhos brilham, dizem também que é amor, mas isso sim é certeza."

Ela reconheceu a frase imediatamente. Era Dom Casmurro. Isso a fez redobrar a coragem.

Após tomar banho e preparar o equipamento fotográfico, ela ficou esperando Frederico chegar. Imaginou como seria conhecer a família dele, se deveria abraça-los, sentar na mesa e puxar assunto, sorrir enquanto passa manteiga no pão, beijar Frederico na frente da família. Era tudo muito novo.

Ela vestia uma camiseta preta com uma estampa de dois peixes em cima de duas bicicletas, uma saia florida e sandália. O tempo estava fresco, então dava para se vestir perfeitamente assim.

Seu celular tocou. Era Frederico. Ele havia chegado.

Clarice deixou um bilhetinho para Tati e desceu até a frente do prédio, onde Frederico esperava no seu carro preto.

– Oi! – ela o beijou rapidamente, e jogou suas coisas no banco de trás. – Achei que a gente iria com seu pai no mesmo carro.

– Ele teve que ir buscar minha avó com seu carro, e como é no lado oposto de onde você mora, ficou certo que eu te buscaria.

– Entendi... - ela se ajeitou no banco, desconfortável. - Frederico, você acha que vão gostar de mim?

Deu para ver pela expressão dele que ele estranhou a pergunta. Provavelmente porque Clarice nunca demonstrava fragilidade, e ela estava ali, perguntando temerosa e esperando a aprovação da família dele.

– Quem tem que gostar sou eu. Não precisa se importar com isso.

– É cruel. – ela começou a falar enquanto ele dirigia. – As diferenças, quero dizer. Todo mundo sabe desde pequenos que somos todos diferentes, mas que isso é normal. E quando nós criamos a coragem de abraçar nossas singularidades ficamos intimidados quando chega alguém que com o olhar nos derruba. É como se nossa vida fosse torta e não desse para desentortar. Então o que cabe a mim?

Frederico dirigia concentrado. Ele então colocou a mão na coxa dela, um gesto carinhoso e protetor.

– Cabe a você continuar abraçando sua singularidade e não se deixar derrubar. Desde pequeno me expresso por pequenos gestos, porque mover montanhas sempre foi pesado demais para mim. Clarice, você moveu montanhas com uma mão, e parece que não pesou. Já cada gesto meu pesa o mundo.

– Parece que não pesou, mas pesa todos os dias. As montanhas parecem muralhas. - ela falou pensativa.

– Você, Clarice, conseguiu diminuir o peso de cada gesto meu. Conseguiu me mostrar cor onde eu via monocromático. – Frederico então fechou os olhos bruscamente, mas abriu rapidamente, pois dirigia. – Desculpe.

– O quê?

– Isso foi brega. Desculpe.

– Eu não achei brega. Você sabe se expressar muito bem, sabia disso?

– Sabia. No ENEM minha nota na redação foi a mais alta da minha turma da escola.

– Metido! – Clarice riu. – Você já escreveu poemas?

– Poemas? Não tanto. Eu gostava de escrever crônicas na época da escola. Nunca gostei de me reduzir em versos, de ser forçado a rima.

– Não precisa necessariamente ter rimas. Só precisa fazer sentir.

– Só precisa fazer sentir? Bem, acabo de descobrir que Clarice Vianna é minha poesia favorita então!

– Você fala como se eu fosse uma musa! Frederico, para de me deixar sem graça. – Clarice deu um tapinha no ombro dele.

– Eu acho que você é tipo minha outra metade. – Frederico falou com um sorriso no rosto.

– Por quê? Faltava uma metade de você? Acho que não. Você sempre foi inteiro, mas comigo agora você transborda.

– Prefiro assim. – ele comentou enquanto saía de São Paulo. – Gosto de transbordar com você.

Clarice parou no silêncio para observar Frederico. Não é como se nunca o tivesse notado, mas agora ela via diferente. Via Frederico seu namorado, Frederico que é magro e seus ossos da coluna ficam a mostra como um dinossauro. Frederico que tem uma voz baixa, rouca e suave ao mesmo tempo, e um toque ainda adolescente quando desafina no meio da frase. Os óculos equilibrados no nariz, os olhos pretos como jabuticaba que passam a inteligência oculta que ele esconde por medo de reprovação.

– Frederico... – ela sussurrou enquanto ele dirigia. No rádio tocava Meu Sol, de Vanguart, e o dia estava claro e azul. Parecia uma cena de filme o modo como a luz do sol iluminava o rosto de seu namorado, o modo como ele segurava no volante, a trilha sonora e sua jaqueta jeans. – Qual é sua melhor memória?

Ela achou conveniente perguntar. Conhecer ele era uma atividade muito prazerosa.

– Acho que... foi quando eu estava com a minha mãe no casarão. Eu tinha nove anos e ela decidiu me levar até o bosque que fica atrás do lago do casarão. Quando a gente chegar você vai ver. Eu sempre queria entrar no bosque, mas nunca me deixavam. Falavam que era perigoso. Naquele dia ela me disse que na verdade eu não podia entrar antes porque naquele bosque morava duendes, e que eles não gostavam de crianças. Então ela disse que eu já não era um menino, já era um rapaz. Ela me disse que eu já tinha a força de um adulto, e que os duendes me respeitariam por isso. Eu entrei no bosque com ela e fiquei triste. Não havia duendes. Ela então sussurrou no meu ouvido que era porque eles ficaram com medo de mim. Eu me senti muito corajoso naquele dia. E foi aquela coragem que me fez aguentar o que aconteceu três dias depois.

Ele deu uma pausa. Clarice temia o que seria.

– Três dias depois ela morreu. E eu já não estava tão forte. Depois daquele dia nunca mais entrei no bosque com medo dos duendes, de eles notarem que talvez eu não fosse tão forte assim.

Clarice teve que segurar as lágrimas. Ela raramente chorava, mas via a emoção nos olhos de Frederico, e ela percebeu que o amava naquele momento. Que ele era mais forte do que se permitia mostrar.

Não havia palavras naquele momento. Nunca há, não é? Nunca há quando sente de verdade.

– Clarice, diga alguma coisa. – ele falou depois de alguns segundos em silêncio constrangedor.

– Obrigada.

– O quê?

– Obrigada.

Ela não queria explicar. Estava agradecida. Sua mãe nunca fora capaz de passar algo parecido a ela, mas estava feliz que pelo menos Frederico tivera momentos bons com a sua. Estava agradecida por ele ter confiado a ela tal coisa, e estava agradecida ao universo, ou ao destino, ou a qualquer coisa sobrenatural que tivesse colocado ele na sua vida.

Naquele instante ela não queria estar em nenhum outro lugar.

Chegaram meia hora depois. Frederico estacionou o carro ao lado do carro de seu pai e eles desceram.

Era um casarão lindo, reformado e mantido no estilo do século XIX. Clarice sentiu-se intimidada com tamanha riqueza cultural daquela casa, o jardim bem cuidado ao redor, o ar puro que emanava das árvores. Era um terreno gigantesco, um casarão de dois andares amarelo com escadaria na frente. Ela queria imediatamente fotografar.

– Eu não sabia que você era tão rico, Frederico! – ela ironizou enquanto eles subiam a escadaria.

– Na verdade esse casarão dá um baita prejuízo para meu pai. Mas minha avó não desapega daqui, então fazemos isso por ela.

– Mas você não tem boas memórias aqui?

– Tenho, mas nelas só sobrou a saudade.

Ele abriu a porta, que dava em um corredor com vários quadros bonitos. Estava assinado por Elis.

– São belos.

– São da minha mãe.

– Nunca me disse que ela pintava.

Ele sorriu, e segurou na mão dela, massageando com o dedão.

– Está preparada? – ele sussurrou.

– Não. Mas vamos logo com isso. – ela sussurrou de volta e eles entraram na sala de estar.

No sofá estava sentado uma mulher, uma menina e um homem. Na poltrona estava sentada uma velha, que só poderia ser a avó de Frederico. Clarice sentiu-se avaliada quando pisou ali.

– Fred, que bom que chegou! – falou a avó dele. Frederico puxou Clarice pela mão e foi cumprimentar a avó.

– Vó, essa é Clarice, minha namorada.

– Seu pai falou mesmo de uma namorada. É um prazer, Clarice. – a velha falou. Era elegante, mas arrogante. A velha olhou para o cabelo de Clarice, as tatuagens expostas, a roupa, as sardinhas serpenteadas no rosto.

– O prazer é meu. – Clarice disse apreensiva. Então virou-se e cumprimentou Dr. Leonardo. – E é um prazer conhecer o senhor também.

– Filho, então essa é a famosa Clarice? Não tinha me dito que ela era tão bonita. – disse Dr. Leonardo, que se levantou para dar um abraço nela.

Ela não sabia se o ‘bonita’ era real ou ironia, mas ela esperava que fosse a primeira opção. Não queria causar má impressão.

Clarice cumprimentou a tia Leninha, que parecia ainda sonolenta e mau humorada com o mundo, como era de se esperar. Cassiana foi a mais animada entre eles.

– Nunca pensei que viveria para ver Frederico namorar! Você é linda, Clarice.

– Obrigada. Você também é.

Cassiana tinha cabelos cacheados e olhos parecidos com os de Frederico. Era alta e magra, e tinha um silêncio barulhento.

– Onde está tio Lúcio e tio Paulo?

– Eles chegarão depois do almoço, querido. Estão cansados por causa da viagem. – respondeu a tia Leninha meio impaciente.

– Ah, sim. Clarice, quero te mostrar a casa.

Ela deu um tchau meio temeroso aos demais na sala, e seguiu ele.

Ele ainda segurava a mão dela enquanto subiam os degraus para ter acesso ao andar de cima. Ele entrou em uma das portas do corredor com ela, e perguntou:

– Achou tão ruim assim?

– Eu morri um pouco por dentro. Sua tia parece ter me odiado!

– Não, não. Ela odeia tudo, relaxa.

– Mas Cassiana parece ser incrível.

– Ela é minha prima favorita. Bem, ela é minha única prima, então...

Clarice riu um pouco, e falou:

– Bocó.

Ela se jogou na cama de casal naquele quarto e observou toda a estrutura bela de madeira no quarto. O chão de madeira, o guarda-roupa, a cabeceira. O sol que entrava pela janela iluminava perfeitamente Frederico que estava em sua frente.

– É a segunda vez que te vejo sendo iluminado assim pelo sol hoje.

– Eu fico bonito assim?

Ela assentiu com a cabeça, e então fechou os olhos.

– Eu gosto do cheiro de madeira.

– Aqui costumava ser meu esconderijo quando brincava de esconde-esconde com minha mãe, Cassiana, tio Lúcio e tio Paulo. Eu escondia na fresta do guarda-roupa, já que sempre fui bem magro. Desisti desse esconderijo quando eles começaram a sempre me procurar aqui primeiro.

Clarice abriu então os olhos e se levantou, caminhando até ele.

¨¨¨

Frederico sentiu as mãos dela tocarem seus olhos, ela sussurrar em seu ouvido que ficasse quieto, e que ouvisse os pássaros piarem no lado de fora.

Ela o beijou.

– Sentiu isso?

– O quê?

– Eu passando um pouco de mim para você.

Ela arrastou ele até a cama, e apoiou a cabeça dele em seu colo. Ela fazia carinho no cabelo dele quando sussurrou, como se contasse um segredo:

– Sempre senti medo do amor. E das dores que ela podia causar.

– E não tem mais medo?

– Se ela um dia dores causar, posso ter certeza que valeu a pena.

Ele olhou para ele na perspectiva do colo dela. Era mais linda de manhã, quando está com o dia inteiro pelo frente, disposta a viver até o pôr do sol.

Frederico terminou de mostrar o casarão minutos depois, contando um pouco sobre as histórias que aquelas paredes já haviam presenciado.

Antes do almoço, eles foram com Cassiana até o lago. A garota era introspectiva e andava silenciosamente ao lado deles.

– Frederico me contou que você toca muito bem. – Clarice tentou puxar assunto.

– Sério? Que gentil da parte dela. – Cassiana falou.

– Eu gostei de seu chapéu. – Clarice continuou.

Cassiana tocou no chapéu preto, que caía bem nela.

– Obrigada.

Quando chegaram no lago, sentaram em um tronco caído na beira da água. Clarice tirou a câmera fotográfica e começou a registrar.

– Então é fotógrafa? – Cassiana perguntou enquanto Clarice achava um ângulo.

– Sou.

– Eu e Frederico temos fotos nesse lago quando tínhamos menos de sete anos. Neste mesmo tronco.

– Sério?

– Pois é. – Frederico comentou.

– Quero fazer uma foto igual!

Cassiana voltou correndo do casarão com a foto dos dois juntos pequeninos minutos depois. Os primos riam enquanto tentavam imitar perfeitamente a cena.

– Acho que seu braço estava um pouco mais afastado. – Clarice disse ao Frederico enquanto ele se equilibrava no tronco.

Click

Foi.

Na hora do almoço entrou tio Lúcio e tio Paulo sorrindo com sacolas nas mãos. Frederico se levantou da mesa apressadamente e abraçou os tios como se não os vessem por anos.

– Frederico, meu sobrinho! Sua avó me contou que tem uma namorada, estou certo? E quem seria ela? Ah! – tio Lúcio se aproximou de Clarice e a abraçou. – Como é linda!

Ela sorriu para ele, e parecia um sorriso sincero.

– Frederico só falou carinhosamente de você. – Clarice disse ao tio Lúcio.

Paulo deixou as sacolas em cima da pia, e tirou de dentro um pacote de doce, no qual colocou na geladeira.

– Que bom que foi carinhosamente! Frederico, que menina maravilhosa.

Clarice riu. Paulo foi até ela e também a abraçou.

– Gostei das suas sardinhas. – Paulo falou e tocou no nariz dela. – Cadê Cassi? Quero ver minha violoncelista favorita!

Cassiana abraçou os tios também e eles se sentaram para comer após cumprimentarem o resto das pessoas na cozinha. A vó Olga analisou o filho enquanto eles comiam o frango assado.

– Lúcio, por que demorou tanto, meu filho? Fiquei preocupada.

– Na verdade mamãe, é que eu e Paulo estávamos ocupados cuidando de alguns papéis.

– Papéis? Precisa de alguma ajuda com isso? – o pai de Frederico propôs. Era só falar de papelada que ele se interessava.

– Não, não. Está tudo certo. É uma notícia que esperamos para contar quando todos estivessem juntos. – tio Lúcio pegou na mão de tio Paulo por baixo da mesa. – Mas faz um ano que estamos lutando para fazer adoção de uma criança. Finalmente conseguimos! Em uma semana poderemos conhecer nosso garotão.

Haviam lágrimas nos olhos dos dois. Frederico quis chorar também. Tio Lúcio era uma das pessoas mais importantes de sua vida, e ver ele tão feliz e emocionado valia toda a pena.

– Parabéns, tios. Eu quero tanto conhecer meu priminho.

– Parabéns. – Clarice falou. – Não preciso conhecer vocês para saber que esse moleque vai ter uma família incrível.

Clarice colocou a mão na coxa de Frederico, uma espécie de apoio. Ele colocou sua mão em cima do dela.

– Você vai ser vó de novo, mãe! – disse Lúcio, olhando esperançoso para a mãe.

– É. Serei. – a velha disse amargamente, e voltou a comer, olhando fixamente para a comida.

Lúcio e Paulo trocaram olhares silenciosos, como se já esperassem a reação. Foi Cassiana que quebrou o gelo.

– Isso é incrível! Agora terei um primo que preste no lugar do Frederiquinho.

– Cala a boca, Cassi! – Frederico disse, e começaram a rir.

– Então é menino? – tia Leninha perguntou. Ela estava sentada ao lado da mãe na mesa.

– É sim. Ele tem quatro anos e se chama Henrique. Estamos ansiosíssimos para conhece-lo pessoalmente!

– Parabéns, irmão. – Leninha falou.

Durante a tarde, Frederico e Clarice foram novamente para a beira do lago sozinhos. Ela massageava o cabelo dele, e estava introspectiva, olhando para o horizonte. Ele pegou no queixo dela e deu um beijo tímido, despertando nela um sorrisinho.

– Gostou daqui? – ele perguntou.

– É lindo. O casarão me transporta no tempo, parece que vivemos na época de D. Pedro II. – ela falou. – E esse lago parece ser tão limpo que eu poderia nadar agora mesmo.

– Quer nadar?

– O quê? Não, não. Melhor não.

Frederico se levantou e arrancou a camiseta.

– Está calor. Ora, vem!

– Eu não trouxe roupa, Frederico! – Clarice exclamou enquanto encarava o peito nu e magro dele. Combinava perfeitamente com ele.

– Tem roupa extra nos quartos! Alguma coisa vai te servir.

Clarice tirou a camiseta e a saia sem timidez, e ele puxou ela pela mão, e caíram no lago, rindo. Nas beiras era raso, então dava para nadar tranquilamente ali. Ela jogou água no rosto dele, sorrindo maliciosamente. Parecia perfeito.

– Ei! – ele disse.

– Seu cabelo fica engraçado molhado – ela comentou quando ele tirou os fios do rosto. Os óculos dele estavam molhados.

– O principal problema em ser míope é nunca poder nadar em paz.

– Pelo menos com essas gotinhas nas suas lentes dos óculos fica camuflado seus olhos olhando para meus peitos. – ela disse, e ele jogou água no rosto dela em provocação. De fato estava encarando o sutiã preto e simples que ela usava.

Nadaram por alguns minutos até que a tia Leninha gritou do casarão que era para eles entrarem para tomar o café da tarde.

– Já vamos, tia! – gritou Frederico, e sorriu ironicamente para Clarice.

Eles saíram do lago, e Clarice vestiu a camiseta de Frederico que era grande o suficiente para cobrir suas coxas.

– É ali o bosque? – ela perguntou enquanto Frederico se enfiava nos seus shorts vermelhos.

– É. – ele respondeu apreensivo.

– Vamos lá?

– O quê?

– Eu quero ir lá.

– Não acho uma boa ideia...

– Frederico, por favor.

Ela foi correndo descalça até lá, e ele seguiu ela sem ter escolha. No limite do bosque ela analisava as árvores, as cores das folhas, os barulhos dos pássaros.

– Sua mãe estava certa. – ela disse. – Aqui tem magia.

– O quê?

– Me sinto mais corajosa aqui. – Clarice abraçou Frederico. – Quero entrar.

De mãos dadas entraram no bosque, o barulho das folhas secas nos pés deles, os pássaros piando de modo incessante. Não viram nenhum duende. Provavelmente estavam escondidos, com medo da coragem deles. Ou com medo do amor que emanavam.

Subiram correndo as escadas de madeira do casarão no som dos gritos da avó de Frederico depois de alguns minutos. “Não corram, vão escorregar!”, ela disse. Se jogaram naquela mesma cama, se beijaram sem deixar nenhum espaço entre eles. Se beijaram e mostraram que amavam sem precisar dizer ‘eu te amo’. Não precisa quando é real.

¨¨¨

Qualquer dúvida que Clarice tinha em amor acabou ali. Valia a pena. Toda a dor, todo o medo. Valia a pena. Ela sempre suportou o peso do mundo sozinha, mas dividir com alguém mostrou-se bom. Isso não significa fraqueza. Longe disso; isso significa coragem o suficiente de aceitar ajuda.

Eles se vestiram e desceram para comer o resto do café da tarde. Na mesa estava vó Olga conversando com tia Leninha que secava a louça.

– Vocês não se desgrudam mesmo, hein. – disse tia Leninha enquanto guardava um prato no armário.

Os dois só sorriram e sentaram na mesa para comer. Tinha pão, presunto e queijo, manteiga e café. Enquanto comiam o tio Lúcio gritou da sala.

– Frederico, venha aqui!

Frederico olhou pedindo compreensão para a namorada, e ele saiu ainda mastigando o pão.

– Então, Clarice. – vó Olga começou a puxar assunto. – Mora com seus pais ainda?

– Não, senhora. Moro com uma amiga

– Ah. – a velha não parecia satisfeita. – E trabalha do quê?

– Sou fotógrafa.

– Entendi. Deve ser difícil arrumar emprego com tanta tatuagem, não é?

Clarice teve que se segurar para não acabar se descontrolando.

– As pessoas aceitam bem.

– Por que tanto desenho no corpo, querida? Tem quantos anos mesmo?

– Dezenove.

– Dezenove! É tão menina ainda!

– Eu sempre gostei de tatuagens, e ano passado eu viajei para vários países, e como recordação fiz algumas tatuagens. – Clarice continuou explicando, impaciente.

– Mas isso vai estar para sempre na sua pele! Quando chegar na minha idade não será tão bonito, querida.

– Quando eu estiver na sua idade lembrarei com carinho a história de cada tatuagem. Não se preocupe com isso.

– Seus pais pensaram no quê?

– Em nada. Eles não se importam, e eu também não.

– Você não fala com eles?

– Não.

A velha fez uma careta. Clarice imaginou o que ela pensava. “Meu neto gostou disso?”, “Espero que eles terminem logo”, “Qual o problema dessa garota?”.

– Se eu fosse seus pais teria aconselhado você sobre essas coisas de tatuagem. Destrói toda a delicadeza da mulher. Além disso, passa uma mensagem negativa.

O exato momento em que ela falou isso Frederico chegou, e ao seu lado estava os tios Lúcio e Paulo. Clarice olhou para os três homens na porta, e saiu da cozinha irritada.

Não, ela não estava triste. Estava irritada. Até quando cuidariam da vida dela? A tia de Frederico ficou o tempo todo quieta. O que ela pensava sobre? Ela não procurava aceitação. Já tinha desistido disso a muito tempo. Ela só procurava o respeito, e dizer que tatuagem passava uma mensagem negativa era tão retrógrado quanto afirmar que lugar de mulher é na cozinha.

Ela sentou-se na escada do casarão, olhando para as árvores altas que serpenteavam todo o local. Em seu lado sentou o tio de Frederico, Lúcio.

– Me desculpe por isso.

– Não tem problema. – Clarice falou.

– Minha mãe foi muito má com você. Desculpa mesmo.

Clarice encarou Lúcio, Devia ter quase cinquenta anos, o sorriso lembrava o de Frederico, as mesmas covinhas. Tinha o cabelo já grisalho, e passava uma simpatia imediata.

– Como é? – Clarice perguntou sem nem perceber.

– O quê?

– Ser filho dela.

Lúcio suspirou.

– Ela queria que eu fosse advogado também. Mas fiz Arquitetura na faculdade. Nessa mesma época arrumei meu primeiro namorado, e quando ela descobriu fez o maior drama, dizendo que eu a mataria de desgosto. Foi difícil. Claro que foi difícil. Mas eu escolhi ser feliz, Clarice. E valeu toda a pena.

– Você parece ser o único que sorri de verdade entre seus irmãos. – Clarice comentou ousadamente.

– Leo sempre foi o preferido da mamãe porque fez tudo o que ela mandava. Leninha vive embaixo da saia da mamãe até hoje. Eu fui o único que decidi voar em uma brisa diferente e nessa viagem encontrei a felicidade. Eu confio em você, Clarice. Confio em você que salve meu sobrinho.

– Como? - Clarice não tinha entendido.

– Frederico sempre precisou da aceitação do pai, e acha que assim será feliz. Eu sei que não. Você pode salvar ele disso, Clarice. Tiro-o daqui. Mostre-o os prazeres reais da vida.

– Clarice? – Frederico gritou, procurando-a.

– Oi? – ela respondeu de volta, olhando para cima dos degraus, vendo-o com os olhos atentos.

– Ah, você está com o tio! – ele sorriu satisfeito.

– Eu estava apenas dizendo a ele. – ele começou. – Que Henrique terá os melhores pais do mundo. - por opção decidiu mudar de assunto.

– Obrigado, Clarice. – Lúcio colocou a mão na coxa dela.

– Já estamos indo embora. Venha comigo. – Frederico a chamou.

Era fim da tarde. Eles colocaram as coisas no carro, se despediram. A tia Leninha e a vó Olga foram secas na hora da despedida, os tios Lúcio e Paulo foram carinhosos e simpáticos, dr. Leonardo pediu que ela fosse jantar na casa deles para discutirem detalhadamente sobre Machado de Assim, e Cassiana foi doce, e disse que queria ver mais vezes Clarice. Clarice adorou ela de verdade. Via nela o potencial de fugir da brisa, como Lúcio fugiu.

E via em Frederico o potencial de fugir da mesma brisa, antes que fosse tarde.


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Notas finais do capítulo

Ai ai, gente, preciso contar que tô numa vive maravilhosa de música brasileira. E ultimamente ando vendo poesia em tudo. É estranho, mas tá bom assim. Não me decepcione, mundo. Tá legal, muito legal...

Aliás, já assistiram Hoje Eu Quero Voltar Sozinho? Assisti recentemente o filme, porque só tinha visto o curta metragem, e genteeee que coisa linda. O tom do filme é perfeito, a trilha sonora, fotografia.
Apaixonada