Camélias escrita por My Dark Side


Capítulo 8
Mathàir. Mallachd.


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente linda!
Feliz Natal e um próspero Ano Novo para todos os bruxinhos e bruxinhas da história!
Agora nós iremos começar o terceiro ano da Camillë, onde várias coisas hão de acontecer, teremos novos personagens e uma diferença se comparada ao primeiro ano, além disso iremos conhecer outros lugares do mundo mágico. Ops, não posso dar spoilers.
Espero que gostem!
Nos vemos lá embaixo!



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Mordi a mão ao ponto de ficar com a marca dos meus dentes na pele, antes de sair respirei fundo e vesti as luvas, fui a última a deixar o vestiário, mas pude me misturar com os outros jogadores. Vários estavam animados com o primeiro jogo da temporada, a torcida apenas deixava-os mais agitados e eu ficava nervosa. Repassei todas as jogadas na minha mente, sem conseguir me acalmar segurei a vassoura debaixo do braço e juntei as mãos para rezar.

— Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o Vosso nome, venha a nós Vosso reino, seja feita a Vossa vontade. Assim na Terra como no Céu, o pão nosso de cada dia nos dai hoje...

— Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. — Twwik começou a sussurrar simultaneamente. — Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, amém.

Beijei as mãos pensei nos meus pedidos e agradecimentos. Fiz o sinal da cruz pequeno e suspirei, eu estava me sentindo melhor, mas não mais calma.

— Todos prontos? — a capitã disse com uma das mãos na cintura. — É o primeiro jogo oficial de vários aqui e meu primeiro como líder. Até ano passado nunca fui titular, e agora nós temos vários alunos do terceiro ano participando. Vamos fazer esse um jogo incrível e nos divertir um monte. Se ganharmos será um bônus, okay?

Concordamos. As jogadoras reservas do segundo ano pareciam prestes a desmaiar, Caitlin pulava tanto que parecia um sapo, ela sempre quis mostrar seu talento de batedora (mesmo que ainda não tivesse a oportunidade). Eu... nem me lembro mais de como me coloquei nessa furada.

Oh, espere. Se não me engano foram nos testes do ano passado. Passei tanto tempo das aulas de voo fazendo manobras para checar o Gio de vem em quando que acabei ficando apaixonada pelo esporte, ainda mais depois de assistir a primeira partida de quadribol, a maioria era louca pelo apanhador: mas as artilheiras eram incríveis. Ele ficou torcendo para mim durante o teste e nós comemoramos quando eu passei.

Eu não poderia ser titular, mas era boa suficiente para ficar no banco e substituir caso algo desse errado. Como o sexto e sétimo ano foram para Durmstrang vários foram escalados e promovidos mês passado, era a minha chance de mostrar que eu podia fazer parte do time. Não que eu quisesse ser a titular nos próximos anos, só gostaria de mostra-los que não foi um erro me escolher. Conferi o rabo de cavalo pela milésima vez, então ouvi Raymond começar a narração do jogo, cumprimentando os torcedores e comentando sobre a falta de pessoas na plateia.

— Mas minha gente, vamos nos alegrar, porque é a abertura oficial da temporada de quadribol de dois mil e quatorze! Batam palmas para nossa incrível madame Hooch! — ouvi a salva, meu coração acelerou. — Tomem cuidado com os balaços, eles são temperamentais. E caso avistem o pomo de ouro: não deem dicas para os jogadores! Se quiserem ajudar, apontem para o lado oposto. Agora vamos receber o time da Lufa-Lufa! A capitã deste ano é a senhorita Felix Brown, ela também faz parte do grupo de artilharia, sob seu comando estão os primos William Ortega e Nicola Jones, nossos batedores; o vice capitão é o apanhador que muito amamos Kieran Skeeter. Agora receberemos os novos titulares: o quartanista Ernest Mirai será o goleiro, as terceiranistas Camille Duff e Quione Peregrine ajudaram Brown a cuidar da goles.

Sobrevoei o campo juntamente dos outros, fixei meus olhos na em Felix para saber quando mudar a posição: ela amava coreografias com as vassouras e nos ensinou algumas. Vi-a fazer o número um, na contagem. Um, dois, cinco. Acelerei enquanto Quione freiava, fizemos a fila indiana que seguia o número de nossas camisas, dando a todos a chance de ler nossos sobrenomes impressos no amarelo. Vi os grifinórios com a bandeira da Lufa-Lufa, alguns com da Corvinal. Na Sonserina estava parecendo uma grama de tão verde com alguns lagos aqui e ali. Quando estávamos quase no fim vi um texugo começar a nos seguir, o feitiço de algum dos torcedores.

— Do outro lado do rinque... Ops, quero dizer “do outro lado do campo”, temos o time das águias. Velozes e poderosas. O capitão e apanhador é Viktor White, seu gêmeo Yuri White é o vice capitão e goleiro do time, enquanto isso a caçula Kenna está na torcida da Sonserina, beijos para essa linda. Os artilheiros são quartanistas já conhecidos, além do nosso quintanista favorito, Eric Wagner, Tiffany Keys e Ulisses Heron. E... Opa! Vejo duas novatos no ar, serão elas? Serão! As incríveis, as fantásticas, Fall e Winnie Dale! Apesar de serem bem jovens na aparência, essas filhotes de águia já fizeram a festa no ano passado, acho que todos lembram daquele balaço que quebrou a janela da sala da diretora! Além...

— Para o centro, pessoal! — Felix gritou sinalizando para ir ao círculo de início, já ficar em posição para quando a goles fosse jogada.

Brown e White foram para o centro, eu não entendia por que ele insistia se o trabalho dele era encontrar o pomo o mais rápido possível. Lembro que no primeiro ano Gio contou que os White trocavam mensagens entre si usando os pés, a forma como movimentavam era uma jogada diferente. Observei o que ele fazia, aproveitando que estava na diagonal dele. Direito. Direito. Esquerdo. Direito. Esquerdo.

Que eles não tenham mudado a combinação. Bom, se o Gio sabe, provavelmente o Derek sabe também. Isso quer dizer que ainda está secreto.

Coloquei a mão na ponta do cabo da vassoura e me inclinei para a frente, levantando as cerdas, Quione percebeu o movimento e assentiu. Assim que a goles subiu, Quione acelerou numa descida e pegou a bola antes que o Wagner chegasse nela, aproximei as mãos do corpo, fui para o espaço entre a plateia e o campo, seguindo abaixo do chão por entre as estruturas de madeira, emergi atrás do gol, os artilheiros estavam focados na bola, quando passei pelo o arco ela jogou, enganando White — ele pensou que ela jogaria no de menor valor — e passou a bola para mim. Joguei a goles por baixo da vassoura e ela entrou no aro.

— Isso! — comemorei vendo o placar mudar.

Um texugo voou da torcida e dançou no campo. Raymond mudou o placar e continuou a narração.

— A goles está com o loiro! — Twwik gritou, ouvi o guiso do balaço, ele estava vindo na minha direção. — Menina Mêlli!

Esperei até o último segundo e despenquei, a descida trazia uma onda de adrenalina indescritível, o vento bateu no meu rosto, eu sentia que o balaço me seguia, segui em zig zag até a batedora do meu time, ela já estava preparada. Ela rebateu-o para longe, Quione estava tentando tirar a goles dos corvinos, mas algo estava errado, onde estariam os outros dois... Voei na direção dela, senti Twwik puxar a minha orelha, olhei de esguelha na direção dele, percebi os dois artilheiros voando por trás das torres da plateia. Arregalei os olhos, fiz a curva para aquela direção, atravessei-os, eles pararam atônitos quando os interceptei atrás da coluna vermelho e dourada.

— Sabia que a novata iria atrás de nós. — franzi as sobrancelhas e olhei para as outras, Brown estava desviando de balaços e Quione estava desesperada, a artilheira estava batendo nela, tentando empurrá-la para fora do caminho.

— Não vai até lá não. — eles me circundaram. — Nós vamos ganhar esse jogo.

Orgulho é uma coisa horrível. Um ponto preto veio do horizonte na nossa direção, Nox sempre aparecia nos momentos mais inoportunos, com algumas tentativas consegui escapar.

Os corvinos acompanhavam os jogadores nos dias de aula letivos e prestavam atenção em manias, tiques, características marcantes das pessoas do time adversário. Eles faziam o possível e impossível para ganhar, não era à toa que no último ano eles ganharam a copa das casas — e praticamente todos os jogos de quadribol do ano. Eles não depositavam a esperança no apanhador, aproveitavam que ele era realmente incrível para serem guiados pelo goleiro. Maldição dos gêmeos num mesmo time, a chance de falharem um com o outro é mínima.

Enquanto um está no alto procurando por um vislumbre dourado, o outro observa o desempenho dos adversários, então com a troca de sinais em momentos oportunos, é possível aumentar as chances de ganhar da maneira certa.

Por isso que eles ganharam neste jogo, com uma diferença de duzentos pontos.

— Se divertiram, meninas? — Felix perguntou com um sorriso, mas podíamos perceber que estava cansada.

— Eu achei bem legal. É divertido ver como o time novo se comporta. — Nicola comentou e William concordou com ela.

— Todos nós queríamos ganhar, sempre tem aquela pontinha que diz no fundo da cabeça e almeja o troféu. — Kieran começou, colocando a mão no ombro da capitã. — Temos que melhorar, interagir mais e ficar ainda mais unidos, assim conseguiremos nos superar, não é?

Quione mordeu os lábios e levantou a mão baixinho, ele lhe deu a vez.

— Foi o meu primeiro jogo, eu fiquei com muito medo. Eu... eu não sei se vou conseguir fazer no próximo.

— Se você não conseguir, é só colocar outro no seu lugar. — “E no meu”, completei em pensamento.

Eles me encararam com pena e decepção, eu recebia esses olhares desde que as aulas começaram. A partir do momento que saltei no castelo ao lado de Dante parecia que o mundo tinha parado e todos estavam desapontados com a minha atitude. Apertei uma mão na outra, dei as costas e sai do vestiário, ao invés de seguir para o castelo andei na direção do canteiro de abóboras. Nox me acompanhou planando, ao chegarmos próximos, ele pousou na cerca.

Tinha outra carta da vovó.

Quando peguei o envelope, percebi que estava ainda mais pesada que as outras: eu estava evitando responder desenvolvendo muito, ela estava estranhando. A cada semana ela parecia dobrar o número de páginas, eram muito maiores que aquelas em que exagerava.

— Nox... Você acha que eu estou fazendo errado?

Quer mesmo ouvir minha resposta?

— Não precisa. — suspirei.

—Você lerá a carta, Mêlli? — Twwik pulou para o lado de Nox e me encarou com os olhos amarelados opacos.

Sacudi a cabeça.

Texugos voadores?

Franzi o cenho para o que Nox disse, mas logo vi a mesma ilusão do jogo de quadribol, um texugo pulando no ar, segui-o com os olhos, quando me virei completamente senti um jato de água me acertar.

Aguamenti.

Minha roupa ficou encharcada, o solo sob meus pés virou lama. Os dois alunos da Sonserina gargalharam, Richards e Copper estavam curvados segurando a barriga, suas risadas machucavam meus ouvidos. Eu precisava me afastar deles, é o que seria melhor. Dei um passo para trás, mas acabei escorregando e caindo na poça que fora criada.

— Incrível! Parece mesmo aquela sereia dos contos trouxas! O que você nos contou era verdade, Zia.

— Eu sempre tenho razão. — a menina jogou o cabelo por cima do ombro. — Até que a idiota da minha irmã foi útil. Só queria saber... Por que a lufana ainda não virou espuma?

— Por que ela é minha sereia. — Gio falou chegando por trás deles. — E se vocês fossem mais espertos, teriam vindo me perguntar o segredo dela antes de partir para cima.

— Está nos chamando de burros?

— Se a carapuça serve. — o sonserino franziu as sobrancelhas confuso, Giovanni revirou os olhos. — Vão embora logo.

Os outros se mantiveram no lugar, calados, até olharem para a distância e ver a dupla assustadora que os aguardava. Eles rosnaram e ameaçaram, mas, no fim, decidiram que seria melhor deixar para outra ocasião. Gio estendeu a mão para me ajudar a levantar, ignorei-a e levantei apoiando as minhas mãos no chão. Twwik escalou meu cabelo e voltou para o meu ombro, começou a tirar os fios que tinham se grudado no meu rosto.

— Vamos, Dante. — tirei o excesso de barro da saia enquanto andava na direção de Derek e Dante, o grifinório sorriu, seus olhos brilhando como pedras preciosas.

Sua mão envolveu a minha de modo que parecia uma criança andando com a mãe, ele me seguiu ficando um passo atrás. Ele era do segundo ano e ignorado pela maioria dos mais velhos, apenas alguns conversavam com ele, o que, de fato, era uma pena. O garoto era inteligente, curioso e uma ótima companhia. Muito melhor que os outros alunos de meu ano, e aquelas criaturas que eu chamei uma vez de “amigos”.

— Cami, você foi ótima no jogo! Como se sentiu? Você fez a primeira marcação da temporada...

— Nós perdemos. — interrompi.

— Mas você queria ganhar? — olhei para ele, seu sorriso era inocente, mas tinha uma pitada de conhecimento por trás.

— Queria.

— Por que? — questionou. — Você não precisa ganhar para mostrar que é incrível. Já consegue falar com sereianos! Além de ser ótima com poções, você consegue fazer todos os feitiços da aula sem problemas, e o professor Neville parece gostar muito de você.

Funguei, passei as costas da mão no nariz. Dante acelerou e começou a caminhar na minha velocidade. Começou a contar suas partes favoritas do jogo de quadribol que aconteceu naquela tarde. Enfatizando principalmente na entrada, nas primeiras marcações e a quando White pegou o pomo de ouro.

— Foi uma queda incrível! O modo como ele consegue ficar bonito ainda tão bagunçado é uma distração para a torcida. Ele faz quase que uma dança ao mergulhar, rodopiando como um peão, isso ajuda na visão por acaso? Se eu fizesse o que ele faz ficaria tonto. O irmão do Viktor, o Yuri, não faz nada. Ele só fica observando os jogadores e dando ordens como se fosse o capitão, mas eu tenho que admitir que é muito difícil enganá-lo, por isso que a sua jogada no início foi essencial para deixá-los irritados. Muito irritados mesmo, eu fiquei atrás do gol da Corvinal e o modo como ele olhou para você foi matador. Você jogou quadribol antes de vir para Hogwarts?

— Eu nem sabia o que era quadribol, meu pai ouvia de vez em quando, mas normalmente brincávamos no lago. — respondi. — Ele preferia ver competições de natação e patinação. Esportes trouxas ele gostava bastante.

— Isso é muito demais. Minha mãe jogava quadribol comigo, o papai ficava assistindo e batendo fotos. Ele é nascido trouxa, ficou bem desapontado porque a mamãe só contou pra ele que era bruxa quando foi explicar o porquê das flores que ele comprou estarem roxas e não amarelas. Sabe? Ele brincou um monte de vezes com a mamãe que ela parecia mágica, sem saber a verdade. Quando descobriu ele ficou triste, de pouquinho em pouquinho voltaram a se falar.

Tentei pensar em algum momento que tive em família, com a família completa... Acho que quando minha mãe estava fazendo a mesa do jardim, a vovó fez bolos de caldeirão com gotinhas de limão, o papai estava me ajudando a cuidar das rosas. Elas estavam enormes e nós tivemos que podá-las. Mamãe estava transfigurando pedaços de madeira e metal para fazer a mesa, ela fez uma redonda, outra quadrada, ficou mudando as formas por um bom tempo até decidir qual seria. Depois foi fazer os detalhes com tinta e fogo, tudo só com magia. Quando sentamos a mesa comendo e conversando, lembro que ri um monte, foi um dia bem feliz.

— Não tenho muitas fotos... Ou pelo menos não lembro delas, talvez a minha avó tenha guardado uma. — arregalei os olhos procurando a carta da vovó nas vestes, elas não estavam lá.

Tenho certeza que desamarrei da pata do Nox, mas... Ela caiu. Quando jogaram água eu soltei ela no chão e me esqueci de pegá-la.

— Dante, eu tenho que voltar, a carta da minha avó não está aqui. — virei para o garoto, estava prestes a manda-lo ir para o castelo, mas suas feições mostraram que tinha outras ideias.

— Eu vou com você.

Ele correu de volta, procuramos ao redor da poça e até entre as abóboras, mas não encontrei nada. Até Nox tinha sumido, o que não me deu a chance de pergunta-lo o que acontecera. Não queria ter perdido aquelas mensagens, elas eram importantes para mim. Ainda mais por serem da vovó e ela ter o trabalho de mandar mesmo depois do fim terrível que o verão teve...

— Não se preocupe, nós vamos acha-la. — Dante assegurou, sorrindo. — Você quer ir para o castelo ou fazer outra coisa?

— Vamos para o salão comunal, podemos passear e conversar com o Pirraça. — olhei para o céu nublado. — Vai chover logo.

Entramos na câmara ao lado do Salão Principal, haviam alunos de todas as casas ali, alguns veteranos do mesmo ano que Ian enrijeceram ao ver o garoto que me acompanhava. Só pude suspirar. Eu sabia o motivo pelo qual eles eram tão cautelosos ao redor dele, mas isso já estava chegando ao inacreditável, estava virando um hábito. O fato de Francis ser conhecido como “vidente” e ter contado para todos que o primeiro Grifinório a ser escolhido no ano passado seria um grande vilão não quer dizer que vai acontecer.

Não é?

— Hei! O que ele está fazendo aqui? — um corvino perguntou. — Nós não queremos pessoas da laia do Você-Sabe-Quem nessa escola.

Revirei os olhos e sentei num cantinho, tentei distraí-lo com sussurros. Eu sabia que apesar dele ter conhecimento de tudo, não tinha ideia do motivo. Ele contou a mim que quando perguntara para outros as respostas que recebera eram todas variáveis de “Seu monstro! ”. Então, no fim das contas, ele apenas ignorou. Era uma dificuldade até mesmo fazer os trabalhos em grupo, pedia sempre para fazer sozinho, porém os professores insistem em interação social.  Comigo tentaram me parear com os mesmos que eu costumava fazer duplas no ano passado, mas eu me recusei. Preferia fazê-los com desconhecidos do que com aquelas pessoas.

— Ah, aí está o motivo de nós termos ganhado. Uma inútil que acha que sabe de tudo.

A voz estava distante, mas eu sabia que não era sobre mim, olhei por cima do ombro e vi Quione se encolhendo. Ela estava assustada com as farpas que estava recebendo, não era comum isso acontecer com ela. Tão quieta e sempre gentil, era pacífica... Talvez esse jogo tenha impactado ela... E eu ainda falei aquilo depois do jogo terminar.

— Peregrine, vem cá. — ela olhou na nossa direção, eu acenei e pedi para ela se aproximar. — Como você está? — perguntei quando ela estava em pé ao meu lado.

Ela franziu o cenho e sua boca abriu, assustada e confusa. Talvez fosse surpresa.

— V-você está... falando conosco? — soou ofendida e decepcionada, mas consegui uma faísca de alívio.

— Senta, vamos conversar. Não é, Dan? — sorri para o garoto, ele estava até se espichando todo animado.

— Você é a apanhadora, não é? Quione Peregrine? Você é incrível! — ele se levantou num pulo, esticou a mão. — Sou Dante Wystan. W-y-s-t-a-n. Não Tristan. As pessoas tendem a confundir. — ele deu de ombros. — Eu amei as suas investidas! O seu voo foi muito bom para um primeiro jogo, eu vi pessoas do meu time no treino, são tão atrapalhados que dá até dó. Todos nervosos com o jogo do fim do mês.

— Apanhadora? — ela riu. — Não, eu sou a artilheira. Minha avó era apanhadora, no entanto. Sério? Eu... fiz todos perderem. Não que ganhar seja importante, mas eu sou apenas uma novata.

— Os corvinais não são tão santos quanto parecem. Você não notou que a maioria dos jogadores já eram velhos conhecidos? Pelo menos um ano de experiência. Srta. Peregrine, você fez muito.

Eles se sentaram e continuaram a conversar, apoiei o cotovelo no braço da poltrona e os observei. Gradativamente ela se iluminou, voltando a ser a garota gentil da aula de herbologia, amiga fiel de alguns corvinais por ali. Achei que depois de hoje os amigos dela estariam do seu lado, mas acho que ela estava procurando por eles, como as pessoas são diferentes umas das outras: enquanto alguém ataca, outro protege.

— Onde está o Collins?

— Na biblioteca, nós ficamos lá até agora a pouco. — ela respondeu. — Depois dele me pegar no vestiário ele me levou para a biblioteca para distrair. — corou, seus olhos brilhando. — O Brian é muito gentil.

— Legal. — percebi um avião de papel entrando na sala. — Que bom que ele é um amigo de verdade. — ela assentiu ficando ainda mais vermelha, talvez fossem possíveis namorados.

Encostei o nariz nos dedos, a aeronave flutuou e planou diante dos meus olhos, esperando que eu fizesse o mínimo esforço para pegá-la. Eu tentava ignorá-las ao máximo, mas o feitiço que elas possuíam era inteligente demais, se eu ignorasse por muito tempo elas ficariam me seguindo até eu tocá-las. Por sorte não entravam nas salas de aulas, senão eu teria muito mais que sete detenções; minha paciência se esgotou com cinco seguidores. Até mesmo Dante pediu para que eu abrisse os papeis de uma vez: as pessoas olhavam ainda mais.

— Vem logo aqui. — agarrei a dobradura, amassando as asas e sentindo as bordas do pergaminho mais falhas, como se tivesse sido rasgado.

Minha querida Mimillê,

Sei que lê apenas para si e faz questão de incendiá-los, já que nunca recebo uma resposta. Porém não quero prolongar esta farsa entre nós, você parece dar tudo de si para me suportar, por isso vou sugerir uma conversa amigável no jardim durante a primeira meia hora do jantar. Tenho certeza de que me verá se ficar de costas para o lago.

Retiraremos nossos apelidos.

Giovanni.

Mordi os lábios enquanto dobrava o papel várias vezes para colocar no bolso, minha mão formigou, trazendo a lembrança de que estava quase na hora de usar a poção novamente. Faltava pouco tempo para o jantar, percebi ao ver o relógio na parede. Meia hora seria suficiente para que eu chegasse ao salão comunal, passasse o remédio e decidisse sobre ir ou não à suposta “reunião” que Gio organizou para nós.

— Dante, eu vou sair, okay? Falo com você depois do jantar. — me despedi dele e com um aceno fiz o mesmo com Quione, os dois pareciam se dar bem.

— Menina! — Twwik chamou, se manifestando verbalmente pela primeira vez. — Você vai ver o menino Gio? Por favor? — sua voz afinou quando ele fez o pedido, o que me levou a revirar os olhos.

— Sim, Twwik, já que você insiste tanto eu vou.

Cruzei com alguns alunos do sétimo e sexto ano que pareciam extremamente afobados, alguns estavam até carregando uma enorme quantidade de casacos, provavelmente se preparando para a viagem que aconteceria dali três semanas. O Torneio Tribruxo, que desde o ano em que Harry Potter participou vem acontecendo de quatro em quatro anos, coincidindo com o mesmo ano da Copa de Quadribol — fato que soube através dos murmúrios deste ano. Neste ano ela ocorreria em Durmstrang, e a próxima será em Beauxbatons, no ano antes de vir para Hogwarts, aqui foi sediada. As provas se tornaram menos mortíferas, apesar de ainda serem bem perigosas, pergunto-me quem se encarregou de organizar o evento tendo em vista o desastre de 1994. Claro que em 1998 Hogwarts estava sendo reconstruída e reformada, o que foi de grande ajuda, o torneio levou à escola escandinava oitenta alunos, o que tornou possível a acomodação para o ano letivo daquele ano.

— ...Giovanni está? — pelo nome familiar acabei virando a cabeça e encontrando Derek indagando seus colegas de turma, aqueles que me “atacaram” após o jogo.

— O Lelly?

— Conhece outro, Richards?

— Infelizmente, não. E talvez eu tenha visto ele ir para a torre do relógio.

“Já imaginou se alguém pulasse do relógio? ”

A fala de Gio veio como um flash na minha mente, o que me fez correr para o pátio abaixo do relógio o mais rápido possível. Virei para os corredores procurando onde ele poderia estar, quando avancei para a parte sem telhado percebi o quão escuro estava, o céu estava salpicado de estrelas e a lua minguante se escondia atrás das nuvens ralas, o ar fresco do outono bateu em meus braços, fazendo os pelos se arrepiarem com o contado inesperado.

Meus sapatos retiniram no piso de pedra, enquanto eu buscava por qualquer sinal do falso italiano, ouvi um miado característico daquele monstrinho felino. Foi só virar meu corpo que ele entrou em meu campo de visão.

Não sabia se agradecia Miss Marple ou xingava-a até o fim da existência, o costume horrível de subir em lugares altos e simplesmente ficar ali descansando, uma vez eu tive que pegá-la na torre de astronomia. Como um gato que mora abaixo do lago tem força para subir até lá eu não faço a mínima ideia. Pior que ter um animal de estimação como a Miss Marple era somar isso a acrofobia, ir para lugares altos e perigosos apenas para catar a maldita da gata, assim como Gio estava fazendo no momento, engatinhando sobre as telhas escorregadias para pegar a gata preta, de longe eu conseguia perceber o esforço que ele estava fazendo para não olhar para baixo.

Apesar de ajudar, o que a bendita fez? Decidiu caminhar para o mais longe e subir nas estátuas nas esquinas. Quando vi que ele tentava se levantar meu coração parou, prendi a respiração. Ele estava a quatro metros do chão pelo menos.

— Psiu. — ouvi seu sussurro no meio da noite calada. — Miss Marple, volte aqui! Por favor.

Segui-o com os olhos, até finalmente o que eu esperava acontecer, na parte mais lodosa do telhado — onde já tinha musgo — ele escorregou e caiu, rolando telhado abaixo. Minha varinha já estava preparada, por isso apenas apontei para onde ele aterrissaria e murmurei:

Molliare. — foi como se ele tivesse caído num colchão, por causa do susto, seu peito dele subia e descia rapidamente, seus olhos estavam arregalados com o pavor, a boca aberta tentava puxar a maior quantidade de ar possível.

Seu choque era tão grande que ele nem percebeu que eu estava me aproximando, muito menos quando parei de frente para seus pés, esperando que ele sentasse e me visse. Levou algum tempo para que se recuperasse, penteou os cabelos para trás com os dedos enquanto usava o braço direito para se apoiar e erguer, sentou-se e finalmente me viu.

— Cam..

— Você é burro? — a pergunta saiu seca. — Você é idiota? — dei alguns passos duros em sua direção. — Você quer morrer? — enfatizei a última palavra, a raiva borbulhando no meu estômago. — Tem ideia do que acabou de fazer? Você poderia ter morrido! — bradei fechando minhas mãos em punhos, a esquerda apertando ainda mais o cabo da varinha. — Seu idiota! Seu burro! — segurei-o pelo colarinho da camisa e fiz com que ele se levantasse atrapalhado. — O que raios você diria para os seus pais?! “Ah! Minha gata é amante de alturas, estou disposto a morrer para cuidar dela ”? — empurrei-o até a coluna de pedra. — Por acaso é isso que faria seus pais aceitarem a sua morte? Uma coisa tão ínfima que não fará a menor diferença já que você sabe que seus pais te amam e tem pleno conhecimento de que seu gato pode se virar sozinho? Sabe o quanto eu daria para ter ao menos certeza que a minha mãe me ama como a sua te ama? Eu daria o mundo! Eu só queria entender o motivo dela ser tão horrível num momento e tão amável no outro! O porquê de ela fazer meu coração de brinquedo e fazer eu questionar todas das minhas escolhas. Eu só queria saber o motivo dela não querer que eu a chame de mãe e afirmar que eu não sou filha dela, compreender o motivo pelo qual ela gosta de arrancar o que me faz feliz ao dar “conselhos sábios”, a razão dela insistir que todos aqueles que se envolverem com a nossa família v-vão morrer.

Não sei em que momento elas começaram a cair, mas as lágrimas desceram minhas bochechas fazendo trilhas salgadas que eu conseguia sentir nos meus lábios. Meu nariz fungou e eu senti a bola de sentimentos subir meu peito criando um nó na minha garganta, minhas palavras se tornaram gagas, mas ainda assim eu continuei falando, desabafando a carga que suportei nos últimos dois verões, o que não consegui contar no ano passado e se intensificou agora. Minha boca tremia e minha visão se tornava borrada, senti braços me envolverem e me segurarem num abraço, impedindo-me de desmoronar por completo. Meus joelhos envergaram, afundei ainda mais a cabeça no ombro dele, nós escorregamos para o chão, ele se apoiou na parede e ficou desse jeito comigo por minutos, até que eu estivesse rouca e os soluços se tornassem fracos.

Amassei sua camisa segurando o tecido com as duas mãos sobre seu peito, apoiei minha testa sobre elas e deixei que tudo se acalmasse. Ele não mudou de posição em nenhum momento, permanecendo sempre com os braços protegendo minhas costas, assim como o próprio nariz cheirando meu cabelo.

Minhas mãos sangraram, eu pude sentir o sangue escorrendo das minhas palmas para a camisa dele e pelo meu pulso, as feridas recém-abertas arderam e fizeram meu choro se intensificar, elas ardiam com a lembrança de minha mãe murmurando palavras de proteção e dizendo o significado das inúmeras mensagens transmitidas pela letra “M”. Era ‘Mãe’ nas mais variadas línguas, eu lembrava de mencionarem isso numa reunião escolar, mas pouco antes do verão acabar ela disse para mim que o verdadeiro significado era “Maldição”.

 Mathàir. Mallachd.

— Van... — choraminguei me encolhendo, sem me importar com meus joelhos arranhando no piso. — Eu não quero ficar sozinha...

Ele me fez virar de lado, ainda apoiada sobre ele, mas dando-lhe visão das minhas mãos. A varinha escorregou e rolou para o chão, eu sabia da preocupação em seus olhos, ele fora o primeiro a ver aquelas feridas se abrirem e sangrarem initerruptamente naquele dia quando o trem partiu às 11 horas. A vó Emer não sabia de nada, a vovó Yasea não tinha ideia do que significava, eu fiquei calada sobre o assunto, já que eu mesma não tinha ideia de onde aquilo havia surgido.

— Você não vai ficar sozinha. — ele disse, ouvi-o abrir um frasco com a boca, então derramar a poção arroxeada nas minhas mãos, ele a espalhou com a ponta dos dedos e de pouco a pouco a dor passou, amortecendo a sensação nos meus dedos. — Porque nós prometemos cuidar um do outro.


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? Tivemos um jogo de quadribol, Dante, Quione, e um final um tanto conflitante, não é?
Agora o próximo capítulo só ano que vem! Que bom que está próximo.
Desejo felicidade para todos! E até logo!
Se quiserem conversar também, é só mandar mensagem. ^-^
Até a próxima!



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