Vinícius olhou pra mim e eu olhei pra ele com uma expressão do tipo “Ferrou”, e Marília olhou pra gente com uma expressão do tipo “Ferrou mesmo”.

Ela chamou a gente pra parte de trás da loja, onde não tinha quase ninguém e começou a falar que estava tendo a sensação de que ia falar mais uma profecia e quando foi nos procurar achou um portal pra Doces e Travessuras e eu sussurrei pra Vinícius:

—Como assim, você não fechou o portal?

—Eu disse que sabia fazer um portal, não que eu sabia fechar ele depois.

Enquanto isso, Marília nos dizia o quanto nós tínhamos sido irresponsáveis, que poderíamos ser pegos, que Vera poderia aparecer e muitas outras coisas poderiam aconteceu de ruim, que poderia morrer mais gente e tudo mais. Eu fiquei pensando qual era o problema de sair pra comprar meia dúzia de pacotes de doces num lindo dia onde não se tinha nada pra fazer, e no meio do discurso dela eu me lembrei da carta de Ryan (deu pra perceber o quanto eu estava prestando atenção) e do nada eu perguntei pra ela:

—A gente vai almoçar com os outros?

Marília suspirou, percebendo que ninguém estava prestando atenção nela.

—Vocês vão poder almoçar com os outros normalmente, mas voltam para a casa de noite. Inclusive, seria melhor vocês voltarem agora.

—Não tem nada pra fazer naquela casa! Eu não pude escolher!

—Vocês não podem ficar aqui! Vocês podem morrer ou matar alguém!

—Vai, deixa a gente se divertir numa loja de doces, pelo menos! A gente só vai estudar pelos próximos seis meses e depois nós vamos sair em busca de três coroas. Nenhuma dessas coisas envolve diversão! É chato ficar estudando enquanto os outros se divertem e não poder fazer nada nunca.— Esse argumento foi bem convincente. Eu poderia ser advogada se eu fosse Comum. —Por favor!

E foi assim que conseguimos passar uma tarde na loja de doces. Mas não podíamos sair de lá, o que acabava sendo legal do mesmo jeito, já que ali tinha muita coisa pra fazer, de verdade. No segundo andar da loja, tinha uma parte de criação de doces, ou seja, eu passei minutos e mais minutos criando ovelhas de algodão doce que tinham vida de verdade, e mesmo que elas tenham ficado com uma cara esquisita, o doce era bom.

De repente escutamos o barulho de alguma coisa caindo e olhamos pro andar de baixo. Era Marília. Ela estava pálida e os olhos dela estavam brilhando mais que o normal, de azuis foram para preto e a voz dela mudou quando ela começou a falar

“Dois já foram escolhidos pela grande profecia.

Depois do treino, a busca se inicia.

Um dos escolhidos reinará e o outro sofrerá.

A filha do Sol voltará para avisar,

Mas muito tarde será quando souber,

A poção que estará no filho das florestas o embriagará.

O Centro devem encontrar e duas das três já, pelo acaso, sumirão

E para a última os heróis esperarão.”

Então, dos olhos dela saiu um tipo de fumaça que foi para seu bolso e eles ficaram azuis novamente e ninguém prestou muita atenção, como se profecias fossem ditas todo dia naquela loja de doces. Minhas ovelhas e algodão doce saíram correndo desesperadas e o chiclete explosivo de Vinícius explodiu. Descemos até Marília e ela estava mole, quase desmaiada. No bolso dela havia uma bola de vidro, provavelmente com a nova profecia.

Vinícius abriu um portal no meio da loja e com muito esforço levamos ela de volta para a casa, já que usar um feitiço seria perigoso. O portal se fechou sozinho quando colocamos Marília numa das camas.

Ela começou a dormir e ouvimos a profecia novamente pelo menos umas cinco vezes.

—Isso pode significar que um de nós vai morrer?

—Profecias deixam as coisas com uns duzentos significados, no mínimo. Assim, depois de acontecer tudo vamos descobrir que o significado será o que não pensaríamos.

—A filha do Sol voltará. A não ser que exista alguma filha de Apolo por aqui e eu não estou sabendo, com certeza isso não tem um bom significado.

—Isso me lembra da minha prima. Eu já te contei que a Mahti era minha prima?

—Não, mas é muito bom saber. Só não entendi o que tem a ver com a Mahti.

—Nem eu, só lembrei. O mais legal é esse negócio de “filho das florestas”. Já viu árvore tendo filhos?

—Isso pode ter alguma coisa a ver com a floresta mágica?

—Deve ser alguma coisa relacionada aos indibruxos, sabe, os que moram na Floresta Mágica de Helsing.

—Até agora eu não entendo o nome da floresta ser alemão sendo que a gente mora no Brasil!

—Talvez seja porque você não prestou atenção nas aulas de História Mágica. Na verdade, ninguém presta atenção, mas eu sei porque a minha avó me contou que na época dos pais dela os bruxos das trevas invadiram a Europa e eles vieram pra cá com mais montes de navios cheios. Veio bastante gente da Alemanha, e daquelas países cheios de gente ruiva.

—Isso explica a escola ser cheia de gente loira.

—Mas quem não tem essa cara de europeu, ou nasceu Comum ou é descendente dos indibruxos. No seu caso, seu pai era Comum. No caso do Ryan, ele é descendente de indibruxos.

Enquanto isso, a profecia continuava sendo repetida, e eu comecei a analisar o final.

—O “Centro” pode ser o bairro dos Anjos ou a floresta mágica. Certo. Só não entendo pra quê esperar!

—Talvez a gente tenha que esperar pra outra pessoa destruir a Última.

—Por que escolheram a gente pra procurar se não é a gente que vai destruir?

—É melhor não questionar muito o que a Profecia diz. Afinal, a gente devia contar pro diretor que agora existe mais uma PPMDH. Ou seja, uma Profecia que Pode Mudar o Destino da Humanidade.

—Se eles quiserem sequestrar alguém, esse alguém vai ser o diretor. E podem invadir as lembranças dele. Essa profecia tem que ficar entre a gente. E outra, quando a Joana foi expulsa, você acha mesmo que ele estava normal? Eu acho que a escola tem mais de um espião, que deve ter lançado um feitiço no diretor. Talvez deve ter usado até uma poção.

—E quem pode ser um espião? Afinal, se formos ver por quem sobreviveu, só vamos descobrir isso no dia do casamento do meu neto!

—Se você tiver um neto, né! Eles podem matar a gente antes, também existe esse detalhe.

Então, a conversa terminou ali. Mas os problemas, esses sim continuaram.