Não sei se posso classificar meu comportamento como “frio”. Aquilo deve ter sido bom para ele, não o vejo mais reclamar do nosso trabalho. Pelo visto, ele entendeu o que ele tem que fazer aqui. Talvez por causa disso ele não fale mais comigo, mas eu não me importo. Até porque, daqui a alguns meses nós teremos que sair para procurar uma Coroa que não fazemos ideia se realmente existe. Depois daquele dia eu comecei a questionar a profecia. Claramente, aquilo acontecia, mas poderia ser alguma coisa psicológica, afinal. Talvez, Marília seja louca e o lado inconsciente de Vera a fez seguir o que ela disse. Comentei isso com Vinícius.

–Eu já tinha parado pra pensar nisso- Ele me contou- Mas minha avó acredita na profecia.

–Você passou pra ela o endereço da casa?

–Ela não teria outro jeito de me responder, não é?

–Se essa carta tiver sido interceptada nós podemos nos considerar escolhidos mortos!

–Por que iriam querer saber o que um menino escreve pra avó dele?

–Por que iriam querer interceptar cartas de um dos escolhidos pela profecia? Um tipo de Harry Potter da vida, que não morreu quando tentaram te matar?

–Você está preocupada de mais com isso!

–Eu não quero que mais gente inocente morra, só isso. Mas eu também não quero ficar brigando com você! Depois que terminarmos todo esse estudo, nós vamos sair por aí procurando a Coroa juntos!

–Vocês não vão começar pela Coroa. -Marília invadiu o quarto.

–Como assim?!

–Eu descobri que existem duas réplicas dela. São três coroas, e a original só pode ser destruída depois que as outras não existam mais. Cada uma dessas coroas tem um nome. A Única é a primeira réplica. Ela é única, pois todas as outras tem seis pedras vermelhas, mas a Única foi fabricada errado. Ele tem sete. A outra é a Poderosa. Ela é até mesmo mais difícil de destruir do que a original. E a última é a Última.

–Não precisamos perguntar a explicação do nome.

Vinícius abre a boca para discutir, mas a fecha no momento em que me olha. Provavelmente ele se lembrou do que eu falei pra ele.

O clima no quarto fica tenso até que Marília vai embora. Eu olho pra ele.

–Nós precisamos nos ajudar. Não vou te obrigar a ser meu amigo ou qualquer coisa do tipo, mas não vai rolar busca nenhuma se você continuar explodindo a cada coisa que ela fala-Eu falei e levantei uma sobrancelha- Ou você pensa que eu não percebi que você ficou com raiva? O que tem de ruim em destruir os que mataram os seus pais?

Ele parou pra pensar nisso, e depois de alguns minutos ele me diz, com um meio sorriso:

–E quem disse que precisamos fazer tudo isso sozinhos?

–O que você está querendo dizer com isso, afinal? Chamar outras pessoas pra nos ajudar? Isso é uma ideia idiota, com certeza. A Marília não vai gostar e vai dar em mais briga ainda!

–Por que tudo que você diz tem a Marília no meio?

–Eu só tô dizendo que a gente não pode fazer isso, ok? Só isso.

Então, eu estava pretendendo dizer como aquele dia estava a maior chatice da face da Terra quando escutei um barulho na janela. Era um passarinho de papel, como aqueles que eu usava pra mandar cartas.

–É pra você-Vinícius disse-, eu não uso esse feitiço.

–Que estranho! Eu não passei o endereço pra ninguém...

Eu abri a janela e segurei o pássaro, que se transformou numa carta de Ryan.

“Larissa,

Você ainda vai almoçar com a gente, certo? Vai ficar realmente chato se você não estiver lá pra puxar o saco do professor, enrolar no final da aula pra falar com a Marília ou salvar os alunos durante um ataque. (Me imagine rindo do que eu acabei de escrever). O que eu mais quero dizer aqui é que vamos sentir sua falta, alguns mais do que outros. E se você estiver se perguntando como foi que eu respondi sua carta, saiba que eu simplesmente pedi pra ele mandar de volta. Esse feitiço é mais maneiro do que parece, sabe, quando eu terminei de ler a carta, as suas palavras sumiram e eu escrevi por cima e mandei seu origami de volta.

Minha mãe perguntou de você e pediu pra eu te mandar um pedaço da torta que ela fez, mas como não deu muito certo, aí embaixo tem uma foto da torta!

–RLS”

E embaixo da assinatura tinha uma foto do pedaço da torta de amora que a mãe do Ryan sempre faz com as amoras do pé que eles tem em casa. O pior é que eu AMO essa torta e eu tive que me contentar com uma foto dela. Eu guardei a foto dentro da mochila e suspirei. Eu vou realmente sentir falta dos meus amigos... Quem sabe, se eu salvar o mundo direito eu possa voltar a ter contato com eles... Isso é loucura!

Aquele dia estava muito chato. Não tinha nada pra fazer e nós começamos a ficar irritados, quando Vinícius teve uma ideia.

–Tá a fim de sair desse depósito de poeira?

–Sair como e pra onde?

–Sair por um portal pro bairro dos Anjos.

–E você vai fazer um portal?- Quando comecei a perguntar, ele começou a fazer o portal, que era azul, nas costas de madeira do nosso espelho.

–Já fiz.

Eu, mesmo sabendo que é totalmente loucura, entrei no portal.

O bairro dos anjos não estava muito cheio hoje. O primeiro lugar que entramos foi na Doces e Travessuras. Eu estava com o meu dinheiro, andando feliz pela loja e experimentando alguns doces novos que estavam em potinhos de um lado da loja. Eu e Vinícius experimentamos Línguas Açucaradas, Morcegos de Mascar (eu levei um pacote desses), Comuns de Morango (que eram como bonequinhos de Comuns com vida de verdade, mas eram feitos de morango), Chocolates das Cavernas (que não eram das cavernas de verdade, mas eram bem legais), e muitos outros doces malucos na loja. Eu não poderia sair de lá sem um pacote de Bruxinhas Coloridas.

Estava tudo muito legal até que ela apareceu.

Marília descobriu que saímos da casa.