A 100 Heartbreaks escrita por Juliiet


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Oi genteeee! Sei que sumi, mas eu realmente to passando por um tempo sem inspiração :(
Enfim, era pra eu ter postado esse capítulo há um tempo já, mas o francês tava acabando com meu tempo, então não. Mas hoje terminou! :)))
Muito obrigada mesmo pra Dana Medeiros, que fez uma recomendação *.*
Boa leitura :**



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Os dias logo caíram numa fácil rotina. Com isso eu não quero dizer que tenham ficado monótonos ou coisa do tipo. Como pode ver o mundo ao redor ganhar cor todos os dias ficar chato alguma vez? E era basicamente o que acontecia comigo quando eu via Dai. Eu acordava, como sempre, em meu mundo cinzento, mas conforme ia fazendo meu caminho para a cozinha e começava a ouvir os ruídos do seu trabalho no jardim, as paredes ao meu redor ganhavam cor, a luz que refletia no vidro das janelas da minha casa parecia brilhar mais vivamente e o ar que eu colocava para dentro dos meus pulmões parecia me deixar subitamente mais consciente do seu significado.

O de me manter viva.

Eu estava viva.

Era apenas difícil acreditar nisso quando eu estava enterrada em minha solidão.

Eu preparava o café – para dois – e ia para fora em minha camisola e casaco, levando uma xícara para Dai. Seu sorriso era como meu sol particular, mesmo quando o dia parecia nublado. Eu nunca tinha tido um amigo antes, mas agora percebia que havia perdido muito. Havia algo de suave, fácil e doce em se aproximar de alguém sem a expectativa – ou mesmo a vontade – de se apaixonar. Sem medo das esperanças perdidas, do futuro incerto. Não havia nem haveria nada mais do que aquilo entre mim e Dai.

E, pela primeira vez, eu estava feliz sem amor.

O garoto parecia florescer junto com meu jardim. Ele havia mostrado uma habilidade natural para cuidar das plantas e parecia feliz em fazer isso. Ele sempre limpava as mãos sujas de terra em seus jeans quando me via segurando sua xícara de café, e então vinha em minha direção, vestindo um sorriso e as adoráveis manchas de sujeira nas calças.

Nós trabalhávamos juntos depois disso, às vezes lado a lado, normalmente sem dizer uma palavra. Dai era uma pessoa naturalmente tímida, calada, mas que parecia sempre em paz em seu silêncio. Eu não sentia motivo para perturbar essa paz e os anos de isolamento me transformaram em uma pessoa bastante retraída.

Eu não me importava. Contentava-me com sua presença silenciosa.

Porém, naquele dia em especial, Dai estava diferente.

Olhava-me o tempo todo e tentava conversar, embora acabasse gaguejando e não dizendo nada que fizesse muito sentido. Seu rosto normalmente pálido estava num estado constante de vermelhidão desde aquela manhã, deixando rastros em suas bochechas e pescoço.

Com medo de que o sol pudesse estar fazendo mal a ele, já que era uma manhã particularmente quente, eu sugeri que fôssemos para dentro.

Normalmente era o que fazíamos na hora do almoço. Dai ia se lavar e depois me ajudava a preparar algo simples para nós dois.

– Tudo bem – foi sua resposta.

Entramos e ele foi direto para a pia, jogando água em seu rosto e pescoço, como se estivesse com muito calor. Fui até o armário e peguei uma toalha limpa para ele.

– Quer um copo de água? – perguntei, entregando-lhe a toalha.

– Sim, por favor.

Ele se secou enquanto eu colocava água num copo, mas algumas pontas de seu cabelo estavam úmidas e grudavam em sua pele. Ele sorriu para mim quando me pegou fitando-o, suas bochechas no tom mais vivo de carmesim. Eu franzi o cenho e entreguei-lhe o copo, percebendo que seus dedos eram mais ásperos do que pareciam quando tocaram os meus.

Será que Dai estava doente?

– Você quer parar por hoje? – perguntei. – Está muito quente lá fora.

Ele terminou de beber e colocou o copo na mesa, balançando a cabeça.

– Não, claro que não. Eu posso continuar sozinho se você não quiser continuar lá.

– Não, eu estou bem – respondi. – É que você parece meio vermelho.

Ele só ficou ainda mais vermelho depois disso.

– Vem – falei. – Vamos descansar um pouco na varanda.

Lá era sombreado e ventilado. Fui à frente, sentindo Dai seguindo-me de perto. Eu não tinha cadeiras na varanda. As que estavam ali antes estavam tão velhas que, se alguém sentasse nelas, se quebrariam. Então eu as havia tirado de lá. Dai e eu nos sentamos no chão, lado a lado, apoiados na parede da casa.

– Sabe de uma coisa, Ceri? – Dai perguntou alguns momentos depois. Eu o havia convencido há alguns dias a me chamar apenas pelo meu nome, mas ele ainda parecia incomodado com isso, embora tivesse cedido. – Eu não sabia que alguém podia ser feliz num lugar como esse.

Virei para olhá-lo, mas ele estava com a cabeça para trás, os olhos fechados. Era simplesmente estranho ouvi-lo começando uma conversa, principalmente uma com aquela. Tirando no primeiro dia, com seu pedido sincero e desesperado, Dai não me falava dos seus sentimentos.

– Num lugar como esse? – perguntei, não entendendo o que ele queria dizer com aquilo.

Ele abriu os olhos, mas não me olhou. Ao invés disso, olhou ao seu redor. Minha pequena cabana, o jardim da frente, agora cheio de flores e brotos, a pequena cerca branca ao redor. O lugar ainda possuía sua qualidade meio mágica e, para mim, as borboletas que surgiam de vez em quando entre as flores, eram pequenas fadas; as pedras cobertas de musgo, duendes disfarçados e o garoto que agora abria os olhos para isso tudo, o produto de um sonho.

E isso eu temia. Que minha solidão o tivesse criado para me dar algum alívio. Que um amigo tenha sido, de alguma maneira, o prêmio de consolação que minha própria mente resolvera me dar para curar a dor de cem corações partidos.

Mas sua mão era bastante real quando cobriu a minha.

– Eu disse que sempre fui sozinho – falou, sua voz tão baixa que eu precisei me aproximar para ouvi-lo melhor. – E é verdade. Eu sempre fui sozinho, mesmo que me rodeasse de pessoas. Eu sempre tive medo da solidão e achei que, se tivesse muitas pessoas ao meu redor, não me sentiria sozinho. Eu estava errado.

Não disse nada. Apenas deixei-o continuar, sem nunca tirar os olhos de sua mão grande quase engolindo a minha, que estava apoiada no chão.

– Talvez seja porque eu nunca fui eu mesmo com as pessoas – continuou, ainda olhando ao redor. – Por eu sempre ter oferecido o que achava que queriam de mim e não o que eu era de verdade. Mas o ponto é que eu nunca pensei que pudesse ser feliz vivendo num lugar tão isolado. Você é feliz, Ceri?

Sua pergunta me pegou tão de surpresa que puxei minha mão da dele e me afastei alguns centímetros. Dai se voltou para me olhar, mas sem nenhuma reprovação ou surpresa. Ele parecia apenas esperar pacientemente por minha resposta, como se pudéssemos ficar ali para sempre.

Feliz? Eu era feliz? Até pouco tempo, a única felicidade que eu experimentara era a doce e amarga do amor. De estar apaixonada. E depois, nem isso.

A solidão me trazia segurança. Nunca felicidade.

Ele sorriu, mas não parecia um sorriso muito verdadeiro.

– Não precisa me responder se não quiser... – sua voz foi se apagando enquanto ele se aproximava e pegava minha mão para envolver entre as suas. Elas estavam suadas e quentes. – Percebo que você é bem reservada. Mas... – seus olhos pareciam maiores ao fitar os meus. – Mas eu gostaria que você soubesse que com você eu posso ser eu mesmo. E eu sou feliz aqui. Sou feliz com você.

Sou feliz com você.

Era como se eu pudesse ouvir a voz dele repetindo essas palavras dentro da minha cabeça durante toda uma eternidade. Como se aquele momento não tivesse passado, mas sim se repetisse num vórtice eterno.

Sou feliz com você.

Puxei minha mão novamente. Mas ele não a soltou dessa vez.

– Eu não quero que você tenha medo de mim – ele sussurrou, seus lábios mal se mexendo. Eu podia perceber as minúsculas gotas de suor logo acima deles, já que agora me recusava a encarar seus olhos. – Não quero que fuja de mim.

Suas palavras quase não faziam sentido para mim, porque a única coisa que eu continuava escutando era...

Sou feliz com você.

– Sei que você não pode me ajudar – continuou, aproximando-se mais e usando uma das mãos para afastar meu cabelo do rosto, enquanto a outra continuava segurando a minha. Seus dedos eram ásperos sim, mas seu toque era tão...tão doce. – Não estou pedindo o que já me foi negado. Mas preciso ser sincero. Eu não desisti do amor.

Seus dedos agora forçavam meu rosto para cima, para encarar aqueles olhos ingênuos, agora tão determinados que pareciam prestes a fazer um buraco em minha alma.

– Eu não desisti de você.

Não.

Puxei minha mão e afastei-me dele antes que Dai pudesse ter qualquer oportunidade de me segurar. Levantei-me, deixando meus cabelos ocultarem meu rosto. Ou as lágrimas que corriam o sério risco de transbordar por meus olhos.

Olhei para baixo, para ele, ainda sentado no chão, olhando-me atormentado. Depois olhei para a mão que ele tinha segurado entre as suas. Não parecia a minha mão. Não era mais ossuda e minha pele não parecia mais quebradiça, como papel velho. Eu vivia mudando, sempre fui inconstante, isso era parte do que eu era. Mas havia muitos anos que eu não via minha pele daquele jeito.

Jovem. Rosada. Viva.

– Acho melhor ir preparar o almoço – balbuciei e entrei em casa.

Cambaleei até a cozinha, querendo ficar sozinha para me acalmar. Eu não sabia o que estava acontecendo, ou melhor, eu sabia, mas não entendia porque nunca havia acontecido antes.

Comecei a pegar panelas e espalhá-las aleatoriamente pelo balcão até que resolvi me sentar à mesa com uma tábua para cortar algumas cenouras. Mas enquanto cortava a primeira em pequenas rodelas, vi meu reflexo na lâmina. Levantei-a e olhei a mim mesma, distorcida naquela superfície.

Eu estava como o amor que fui um dia. Fresca, jovem, bonita. Meus olhos brilhavam como duas estrelas, com seu próprio brilho. Minha pele parecia saudável e bem cuidada. Meus cabelos caíam como uma cascata de seda em meus ombros.

De repente percebi outro reflexo na faca. Era Dai, que surgia atrás de mim. Eu não precisava nem vê-lo direito para enxergar a esperança em seus olhos, a motivação por trás de suas intenções.

Eu tinha me preocupado tanto em não me apaixonar que tinha ignorado completamente a possibilidade de ele se apaixonar por mim.

É porque ninguém nunca amou você, Ceri. As pessoas amam o que você pode dar a elas. Mas ninguém nunca amou você.

Larguei a faca, mas não me virei. Senti uma lágrima solitária molhando minha bochecha.

Você é feliz, Ceri?

Pensei em Dai. Em sua companhia silenciosa, em sua ingenuidade, em sua pressa de amar, mas sua calma em viver.

E a resposta veio fácil.

Sou feliz com você.


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Notas finais do capítulo

Se tiver algum erro, por favor, me avisem.
Beijos e até o próximo! :**