Infinito escrita por The Escapist


Capítulo 2
2 - Yesterday


Notas iniciais do capítulo

Eu tive uma interpretação bem óbvia da música.Até pensei que, por ser uma das minhas beatlesongs preferidas seria mais fácil, mas esse capítulo me deu trabalho, viu?

Boa leitura.



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Três meses após começar a trabalhar no banco, Isabella já era a queridinha de todo mundo, inclusive do chefe. Marcelo, que não era uma pessoa naturalmente generosa quando o assunto eram elogios, não pôde ficar indiferente ao fato de que ela era uma profissional talentosa. Ao final do período de experiência, tiveram uma reunião, na qual ela recebeu além do feedback sobre o seu desempenho, a certeza de que continuaria na empresa.

Não que isso fosse exatamente uma surpresa. Ela sentia que tinha se saído bem mesmo enquanto era novata. Aquele não era, afinal, o seu primeiro emprego, e por todas as conversas que tivera com o chefe durante o tempo de estágio probatório, não tinha motivos para sentir-se insegura. Acontece que Marcelo era apegado às normas da instituição e gostava de fazer tudo conforme mandava o figurino.

Quando saiu da sala do gerente e retornava à sua mesa, percebeu que alguns dos colegas estavam reunidos em volta da mesa de Inácio. Como não havia mais clientes no banco, pois já passava das quatro horas da tarde, aquilo era permitido. Provavelmente estavam combinando a próxima happy hour. Três meses fora tempo suficiente para assimilar além das rotinas do trabalho, os gostos e hábitos dos colegas quando tiravam a gravata.

— Chegou a rainha da capitalização! — quem falou foi Fernando, um dos seus melhores amigos desde que chegara.

Se Inácio havia sido o seu guia no que se referia aos processos internos e toda a política da empresa, Fernando havia ajudado muito com a parte social, apresentando-a a todos.

— Então, onde será a noitada dessa vez?

— Seis em ponto — disse Inácio. — Lembrando que a primeira rodada é por conta da novata.

— Ex-novata, você quer dizer, não é, meu bem? O poderoso chefão acabou de dizer que eu passei pelo teste.

— Teste do sofá? — Inácio brincou e Isabella tentou fazer uma cara de indignação, mas falhou horrivelmente na tentativa e o máximo que conseguiu foi arrancar risadas dos outros.

— Olha o assédio moral. Mas tudo bem, a primeira rodada é por minha conta, afinal, meu salário vai aumentar.

A reunião dispersou-se quando o “todo poderoso” saiu da sala e deu uma olhada na direção do grupo. Então todos retornaram às suas mesas e trataram de colocar as pendências em ordem. Isabella conseguiu ir embora às cinco e meia, por isso ainda teria tempo de ir em casa se arrumar antes de ir encontrar o pessoal.

Combinaram de se encontrar por volta das sete e meia no barzinho — Seis em ponto era apenas o nome do lugar —, mas quando Isabella chegou lá, às oito horas, encontrou apenas Inácio. Reparou que ele estava com a mesma roupa que usara o dia inteiro, não deveria ter ido em casa.

— Cadê todo mundo? — perguntou, depois de cumprimentá-lo.

— Eu não sei, cara. Quando eu saí, eles ainda ficaram, não sei se virão.

— Vamos pedir alguma coisa? — Isabella sugeriu quando percebeu que ele não estava bebendo nada. — A primeira é por minha conta, lembra?

— Claro! O que você vai querer? — Geralmente quando os amigos saiam juntos, eles bebiam chope, mas Isabella achou particularmente atencioso da parte de Inácio perguntar sua opinião.

— Bom, eu vou querer apenas um desses coquetéis de fruta com baixo teor de álcool.

— Ah, fala sério, eu aqui doido pra ver você bêbada! Deve ser engraçado.

Inácio chamou o garçom e pediu um drinque sem álcool para ela e uma cerveja para si, além de alguns petiscos. Eles ficaram conversando enquanto esperavam que os amigos chegassem. Falaram sobre algumas coisas do trabalho, o que os incomodava mais, alguns dos problemas que tinham que lidar, a pressão, o cumprimento das metas, etc. Passou mais de uma hora e ninguém chegou.

— Acho que nós levamos um toco coletivo.

— Agora você vai ter que se contentar comigo. — Antes que Inácio falasse mais alguma coisa, o seu telefone tocou. Ele tirou o aparelho do bolso. — Desculpa, eu vou precisar atender, é a minha mãe. — Isabella apenas sorriu, sem se incomodar. Não gostava quando as pessoas ficavam falando no telefone enquanto conversavam com ela, mas naquele caso, tinha que abrir uma exceção. — Oi, mãe... Não, flor, eu não tô mais no trabalho, mas vou demorar um pouco a chegar em casa, tá? Não precisa me esperar... Mãe! Por favor! Escuta, eu já sou grande, esqueceu? Tá bom, mãe, tá bom. Vê se não vai ficar acordada até tarde me esperando, tá? Tchau. — Quando ele desligou o telefone, reparou que Isabella estava rindo. — Ela ainda me trata como se eu fosse criança.

— Geralmente é o que toda mãe faz. Mas você não me contou que ainda mora com seus pais!

— Tem um monte de coisa sobre mim que eu não te contei, Isabella!

— Uau! Então conta.

— Você acha que eu sou do tipo que sai contando a vida inteira pra primeira maluca que aparece? — Isabella voltou a rir, dessa vez uma das suas risadas, que Inácio adorava ouvir. O sorriso dela era algo encantador. Ele tomou um gole da bebida, e olhou diretamente nos olhos dela. — Na verdade, não há muita coisa que mereça ser contada.

— Não fala assim, cara. Qual o problema, você tem uma história triste, ou ruim ou o quê?

— Não, minha história é bastante ordinária, pra falar a verdade.

— Problemas com os seus pais? Você foi molestado ou algo assim? Fala! Você tá me deixando curiosa. — Quando percebeu que ela não iria parar de ser chata enquanto ele não falasse, Inácio pediu mais um par de caipirinhas de cajá e pôs-se a falar sobre a sua história de vida.

O estranho era que ele não gostava de falar sobre a própria vida, mas com Isabella sentia-se à vontade. Falou sobre a relação distante com o irmão mais velho, sobre a morte do pai há dois anos, sobre sua preocupação com a saúde da mãe e sobre sua insatisfação com o rumo que a sua vida tinha tomado.

— Então, meus pais sempre foram ótimos, fizeram o possível para me dar uma boa educação, eu sou um fracasso por minha própria conta — disse, com bom humor.

— Você não é um fracassado, Inácio, que isso, cara?

— Eu sou sim. Olha só, o Maurício chegou depois de mim, e já foi promovido. Você provavelmente vai ser a próxima. Enquanto eu não saio do lugar. Eu não tô dizendo que vocês não merecem, mas eu não sou bom o bastante.

— Você não deveria ser tão severo consigo mesmo, sabe? Você é um sujeito talentoso, competente, inteligente.

— E você é uma mentirosa, que eu sei! Mas essa não é a questão. Talvez essa seja um maluco, estranho ou sei lá, mas quando eu olho pra minha vida, o que eu penso é: caramba, no que foi que eu me transformei? Eu sinto falta do tempo que eu era um moleque, as coisas simplesmente pareciam mais fáceis.

Yesterday

All my troubles seemed so far away

— Eu não gosto da pessoa que eu tô me tornando, sabe? Um profissional meia boa, que faz o básico, eu não sou brilhante em nada!

Suddenly
I'm not half the man I used to be
There's a shadow hanging over me

— Isabella arregalou os olhos. Havia conhecido uma pessoa bem humorada, não acreditava que Inácio fosse tão autodepreciativo daquele jeito. — Eu tenho inveja do meu irmão bem sucedido e estraguei as coisas com a minha ex-mulher.

— Espera você já foi casado?

— Não, modo de falar. Mas eu poderia ter casado, se não tivesse sido um imbecil com ela.

— O que você fez?

— O que todo imbecil faz quando tem a garota perfeita?

— Você a traiu? — Inácio balançou a cabeça. Era a primeira vez que falava sobre o assunto com alguém, nem mesmo com Valéria tinha discutido, não houvera tempo para conversas quando ela descobriu. Às vezes pensava que não se arrependia da traição em si, afinal não era nada mais que qualquer homem não fizesse, mas o maior erro tinha sido magoar Valéria.

Why she

Had to go I don't know

She wouldn't say

I said

Something wrong now I long

For yesterday

— O grande problema de vocês, homens, é que vocês transformaram traição em algo banal.

— Você fala como se as mulheres não traíssem também! — Isabella fez uma careta, não tinha como argumentar com ele, afinal. — Eu não tô dizendo que o que eu fiz foi certo, ok? Eu me arrependo profundamente de tudo. Eu não devia tê-la magoado, só que eu fiz. Agora não posso mais mudar isso.

Yesterday

Love was such an easy game to play

Now I need a place to hide away

Oh, I believe

In yesterday

Os dois ficaram em silêncio por vários segundos, como se não soubessem mais como sair daquela situação. Se por um lado Inácio sentia-se leve por “confessar seus pecados” para Isabella, por outro, via-se completamente vulnerável. Mostrara a ela um lado seu que nunca mostrara a ninguém.

Foi ela quem quebrou o silêncio:

— Eu sabia que tinha uma mulher no meio. Toda essa depressão, todo o drama. Tinha que ter uma mulher no meio. Sabe aquela história de que todos os homens são iguais? É verdade. E, o fato de você se arrepender, não muda o que você fez, cara. Não muda mesmo. — Inácio a encarou e percebeu que ele já não era o tema da história. Ela agora referia-se a si mesma. Alguém a tinha magoado também.

— Você quer me contar a sua história? — Isabella pensou um pouco e tomou um gole de caipirinha antes de responder.

— Mas eu precisar de um pouco mais disso.

Inácio olhou para o relógio. Passava da meia-noite. Pensou em sua mãe e quis ligar para saber como ela estava, mas desistiu. Não queria acordá-la se ela já estivesse dormindo, em todo caso. Pediu novas doses de caipirinha.

Oh, yesterday

Came suddenly


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