Assim

Que o dia amanheceu

Lá no mar alto da paixão

Dava pra ver o tempo ruir

Cadê você? Que solidão!

Esquecera de mim

Inácio acordou com o barulho do aspirador de pó. Abriu os olhos e foi atingido pela luz do sol que entrava pelas cortinas abertas do quarto, enquanto sua mãe limpava tudo. Por um instante, pensou que era segunda feira e que ele teria que levantar e ir trabalhar. A ideia quase o fez chorar, mas felizmente olhou para o celular e percebeu que ainda era sábado.

— Mãe, eu tô tentando dormir — disse, emburrado. Voltou a se deitar e puxou o travesseiro para cobrir a cabeça. O fato de estar fazendo faxina no seu quarto num dia de sábado enquanto ele ainda dormia, era mais um indício de que sua mãe provavelmente não estava muito bem da cabeça. — Mãe, pelo amor de Deus, eu tô tentando dormir.

De novo, seu apelo foi ignorado e ele tentou dormir mesmo com o barulho. Mas isso também não era possível, pois além do barulho do aspirador, a mãe começou a conversar.

— Poxa, mãe, você não me dá uma folga, né? — Inácio bufou, jogando os lençóis para o lado. Levantou da cama e foi até o aspirador, desligou o botão. — Eu não consigo ouvir o que você tá falando com esse troço ligado, mãe!

— Eu perguntei onde você foi ontem que chegou tão tarde. — Ele resmungou, sem dar uma resposta precisa. — Você tá namorando? — Inácio coçou a cabeça, confuso com a pergunta. Em parte porque ouvi-la de sua mãe era meio constrangedor, mas também porque ele não sabia em que ponto exato estava o relacionamento com Isabella. — É sempre a mesma coisa quando você começa a namorar — ela continuou, num tom de reprimenda. — Eu queria que você tomasse jeito na vida, Inácio. Eu tenho tanto medo de morrer e deixar você aí jogado, sozinho. Não sabe nem arrumar a própria cama. — Ela estava agora ajeitando o lençol da cama dele e colocando as fronhas limpas nos travesseiros.

Claro que amar a mãe era uma coisa óbvia, mas naquele momento, Inácio sentiu o peito encher-se de carinho por ela. Não porque ela arrumava sua cama, cuidava da sua roupa e fazia sua comida, mas por ela cuidar dele, se preocupar e conhecê-lo como ninguém. Ela certamente merecia um filho melhor, mas se contentava com ele.

— Pelo menos traga essa mulher aqui pra eu conhecer.

Ela terminou de limpar o quarto e saiu. Inácio fechou a porta e voltou para a cama, desarrumando os lençóis novamente. Ficou deitado, mas não dormiu mais. Pegou o telefone, pensou um pouco e discou o número de Isabella. Esperou, com o aparelho colado ao ouvido enquanto a ligação era completada. Ela atendeu no quinto toque, e sua voz parecia mal humorada.

— Você tava dormindo? — perguntou.

— Vou fazer de conta que é uma pergunta retórica — ela respondeu do outro lado da linha. Inácio a ouviu bocejar. — O que aconteceu? Por que você quis me ligar de madrugada?

— Eu só queria ouvir tua voz, eu acho. — Ele mesmo concordava que aquilo soava piegas demais, mas estava só começando. — E tem mais Isabella. Eu queria poder dormir e acordar ouvindo tua voz. Eu não me importo que esse sentimento não seja recíproco, eu só preciso que você saiba.

Amar é um deserto

E seus temores

Vida que vai na sela

Dessas dores

Não sabe voltar

Me dá teu calor

— Eu não deveria dizer isso pelo telefone, eu sei, mas apenas me ocorreu que eu não tenho que ficar perdendo tempo imaginando coisas. Eu gosto de você de uma maneira que eu não pensei ser possível gostar de alguém. E ok, você pode me chamar de exagerado, dramático ou o que seja, mas a ideia de ver você todos os dias e ter que ficar longe, ter que me controlar, é tão dolorosa. Eu sei que eu não mereço, que eu não sou digno, mas eu te amo.

Vem me fazer feliz

Porque eu te amo

Você deságua em mim

E eu oceano

Esqueço que amar

É quase uma dor

Só sei

Viver

Se for

Por você

O silêncio que se seguiu aquela declaração foi tão longo, que Inácio perguntou-se se ela continuava ouvindo ou talvez tivesse adormecido. Ele não a culparia se ela tivesse pegado no sono. Com tantos momentos para se declarar, tinha escolhido um não muito propício e nada romântico.

Continua....