Estava na ponta dos pés descalços, tentando ter uma visão melhor do pequeno embrulho azul que ocupava pouco espaço do berço branco com detalhes em azul e repleto de ursinhos com sorrisos estranhos que davam medo.

Ao meu lado, o menino loiro de cabelos bagunçados encarava o mesmo bebê e, assim como eu, parecia tentar entender como alguém conseguia ser tão pequeno assim.

"Acho que quero um irmão também." Ele comentou alto, depois de vários segundos em silêncio.

Virei, lançando-lhe o meu melhor olhar mortal, o qual não era grande coisa na época, mas eu já tinha certa experiência.

"Você vai acordar Hugo! Fale mais baixo." Imitei as palavras que mamãe havia dito ao papai naquele mesmo dia de manhã. "E você já tem uma irmã, Scorps." Completei. Minha voz não passava de um sussurro baixinho, para não incomodar meu irmãozinho recém nascido.

"Não é a mesma coisa. Brincar com Aimée não tem graça, ela me expulsa do quarto dela." Ele soltou um bufar baixinho, enquanto encostava o rosto na grade do berço. "Todos os bebês tem essa cor estranha?"

"Ele não tem uma cor estranha!"

"Claro que tem! Olha como o rosto dele é rosa. Parece até que a cor do cabelo escorreu para todo o rosto." Scorpius e seus comentários com total sentido.

Eu realmente me senti ofendida por Hugo que não podia se defender, ainda.

"Ele é fofinho, Scorpius! Mamãe disse que ele é dessa cor porque nasceu semana passada, mas logo passa."

"É estranho."

"Não, não é. Você que é estranho." E me afastei do berço, cruzando o braço na altura do peito, do mesmo jeito que Hermione fazia, para dar bronca em mim ou no papai.

Inclusive, tinha a mesma mania dela: Levantar o nariz, como se tivesse razão em tudo.

E quando incluía Scorpius Malfoy, eu tinha sempre razão, mesmo.

Ele abriu a boca para, provavelmente, iniciar uma de nossas inúmeras broncas quando um choro alto se espalhou rapidamente. Arregalei os olhos, no mesmo instante que Scorpius.

"Eu falei para você falar baixo!" Disse alto, sobre o som do choro de Hugo.

"Eu estava falando baixo. Você que começou a brigar comigo."

"Não comecei."

"Começou sim"

"Não mesmo!"

"Mas o que está acontecendo aqui?" E era a voz de mamãe, entrando no quarto e pegando Hugo no colo.

"Scorpius disse que Hugo é estranho."

"Rose me chamou de estranho."

"Não acredito que estão brigando de novo." Ela soltou uma risada baixinha, enquanto acalmava o pequeno ruivinho nos seus braços. "Fiz bolo de chocolate, vocês querem um pedaço?"

"Eu vou chegar primeiro que você!" Scorpius praticamente gritou, correndo porta afora.

"Você roubou! Pode parando aí mesmo." Gritei mais alto ainda, antes de ir atrás dele.

Hugo não tinha dias tranquilos em casa.

***

No jardim de infância, nos já dividíamos a mesma mesa.

Era basicamente do mesmo jeito que aconteceu durante todos os nossos anos escolares: Quem chegasse primeiro, guardava a cadeira do lado e não deixava, sob hipótese nenhuma, outra pessoa sentar ali.

Nem preciso comentar que já levei algumas broncas de professores por causa disso.

De qualquer forma, naquele dia, deveríamos estar prestando atenção no que a 'senhorita Dolores' - também conhecida como sapo rosa - dizia, algo sobre soma e subtrações.

Mas é claro que Scorpius não me deixava concentrar por mais de cinco segundos. A cada instante, ele inventava algo diferente para chamar a atenção.

"Para de bater o lápis!" Sussurrei para ele, segurando o lápis que ele batia freneticamente no tapão da mesa. "Isso é irritante!"

Essas palavras nunca deveriam ser pronunciadas por mim. Era só dizer aquilo que ele abria aquele sorriso estilo 'obrigado pela informação, agora sei exatamente o que fazer para te tirar do sério.'

Scorpius Malfoy era a criatura mais irritante que já caminhou sobre a Terra.

"Não acho irritante." Ele sussurrou de volta e puxou o lápis, antes de voltar a batê-lo. Bufei baixinho, tirando o objeto das suas mãos e arremessando longe.

E, é claro, eu tinha um excelente senso de alvo. Aquele negócio tinha que bater logo na cabeça de quem? Da cara de sapo rosa.

Como por reflexo, assim que atingiu, eu e Scorpius abaixamos nossas cabeças e encaramos o papel, tentando segurar a risada, sem muito sucesso.

"Quem foi que jogou esse lápis em mim?" A gentil professora gritou alto, provavelmente com a cara tão rosa quanto as roupas que usava.

Eu, sinceramente, não entendia como ela conseguia ser professora do infantil. As tias deveriam ser pessoas animadas e felizes, que amassem seus alunos.

Tinha a certeza que elas nos odiava.

"Foi um de vocês dois não foi?" Ela praticamente cuspiu sobre nos dois.

Ergui os olhos, com a melhor expressão de anjinho, a mesma que usava para me livrar dos castigos da mamãe.

"Não fiz nada, professora." Disse, abrindo um sorrisinho sem graça. Scorpius balançava a cabeça freneticamente, concordando comigo.

"Se eu pegar vocês dois fazendo qualquer movimento suspeito, vou escrever aos seus pais."

Suspeito. Era uma palavra que eu não entendia muito bem na época mas apenas concordei.

Naquela mesma aula, tive que entregar a minha agenda das princesas para ela. Mamãe e papai foram informados sobre "a falta de respeito com a professora" só porque eu ri, assim que ela se afastou de nós.

Aquela mulher era louca!

***

De: Rose. Para: Scorpius.

Você foi convidado para o meu aniversário de 7 anos! Vai ter bolo, doces e vamos na piscina. Vou me vestir de Ariel e Hugo vai ser o Linguado! Não esquece, é no sábado. Você vai né?

Para: Rose.

Não cei nao. Esqueci de ver com a minha mãe.

Para: Scorpius.

Sei se escreve com 's', Scorpius, e não com 'c'

Para: Rose Chata

Se eu quizer escrever com 'c' de Rose Chata eu escrevo.

Para: Scorpius que não sabe escrever.

Quiser é com 's'! E eu não sou chata.

Para: Rosie

Claro que é. Fica me corrigindo.

Posso levar Dobby no sábado? Ele não vai querer ficar com a Aimée em casa, ela não brinca com ele.

Para: Scorp

Papai disse que Dobby não pode ir, da última vez ele rasgou a bandeira do Chudley Cannons do papai.

Para: Rosie

Foi sem querer. Ele não vai fazer mais.

Ei, você viu como a cara de sapo tá estranha hoje? Que negócio é esse na blusa dela?

Para: Scorp

Mas ele não pode ir. Eu vi. Não sei, parece um olho... Tá me dando medo.

E foi só eu mandar aquele bilhetinho por debaixo da mesa para Scorpius que a Cara de Sapo apareceu atrás de nós.

Eu tive certeza que aquilo na blusa dela era realmente um olho!

"O que é isso na sua mão, Scorpius?" Ela perguntou, em alto e bom tom.

"Nada professora. É meu lanche." E, de um jeito que eu ainda não entendo, ele colocou o papel na boca e começou a mastigar, com um enorme sorriso.

Dolores ficou vermelha no mesmo instante e, como quem se segura para não explodir, ela apenas murmurou, trocando o olhar entre eu e Scorpius.

"Para a sala do diretor. Agora!" E de cabeça baixa, rindo baixinho, saímos quase que correndo da sala.

Recebi mais um "relatório de comportamento" naquela tarde.