Miguel e Davi escrita por Lola Vésper


Capítulo 7
Capítulo 7 – Yesterday – 09/03




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Dizer a Davi que o amava fora fácil comparado com o que aconteceu dias depois. Miguel nunca contara para o outro a história de sua família ou porque começara a morar com Bia pouco tempo antes de conhecê-lo, mesmo que tivesse nascido e crescido no Rio. Claro, morar com a família apenas lhe pouparia despesas, mas a situação era mais complicada do que isso.

Davi lhe contara que os pais tinham se divorciado quando contara que era gay e eles tiveram opiniões divergentes sobre isso. A mãe achava que era uma doença e queria que ele fosse à igreja; o pai achava que era normal e não havia nada de errado com o filho. Eles já não eram o casal mais feliz de todos e essa fora a gota d’água. Mas, os dois ainda tinham contato com Davi, a mãe agindo como se a conversa sobre a homossexualidade do filho não tivesse acontecido, mas dizendo que o amava mesmo assim.

Miguel não tivera a mesma sorte. O pai morrera quando ainda era pequeno e a mãe se provara uma víbora. Encorajado pela aceitação de seus amigos e o apoio particular de Bia, ele contou para a mãe a verdade, que não chegara a gritar, mas colocara o filho para fora de casa do mesmo jeito, com não mais do que uma mochila e algumas trocas de roupa. Se não fosse por Bia ter passado em uma faculdade no Rio, Miguel provavelmente estaria morando na rua naquele momento.

Às vezes, pensava sobre a família, sobre a mãe e a irmã mais nova, Celina, que levara um tapa ao tentar intervir por ele. Às vezes queria voltar para casa e ter de volta os dias em que sua mãe não o desprezava e pudesse se abraçar a ela como fazia quando tinha cinco anos e o escuro escondia monstros invisíveis.

Infelizmente, ele não podia.

Mesmo assim, continuara a frequentar os mesmos lugares de sempre. E, ao que tudo indicava, a mãe e Celina faziam o mesmo.

Havia um restaurante vegetariano que Miguel adorava. Ele não era vegetariano, mas Celina era, e que em sua mente o lugar estava associado à comemoração, pois era sempre lá que comiam quando queria festejar alguma coisa.

E, quando Davi lhe contou que passar em uma faculdade no meio do ano, Miguel não conseguiu pensar em nada melhor.

Ao entrar, percebeu que a mesa em que ele normalmente sentava estava ocupada. Não apenas isso, mas era lá que a mãe e Celina estavam.

Seu constrangimento deve ser sido palpável, pois Davi lhe perguntou se havia alguma coisa errada. Miguel acenou com a mão para indicar que estava bem, mas tinha vontade de sair correndo antes que elas percebessem que estava ali. Porém, os dois já eram conduzidos a uma mesa por um garçom, e Miguel não soube o que dizer a Davi. Pior do que isso, Celina avistara o irmão e agora sorria para ele.

Devia aproximar-se e cumprimentá-las? Se Celina estivesse sozinha, Miguel não teria pensado duas vezes, mas com a mãe deles ali… Será que ela ficaria irritada com sua presença como tinha parecido ficar antes? Consideraria mal-educado se ele se aproximasse ou o contrário? Miguel não soube o que fazer. Então, resolveu apenas fingir que não vira Celina e seguir Davi até uma mesa perto do banheiro.

Quisera ele ter pensado que era um lugar ruim antes de ter sentado. Mas se preocupando tanto em observar a mesa com as duas que ele não percebeu o que estava fazendo.

Celina, porém, pareceu aprovar a mesa em que o irmão sentara e a primeira coisa que foi, com cochilar alguma coisa para a mãe deles e se dirigir aos banheiro, parando na mesa de Miguel, como se o visse pela primeira vez.

– Miguel! – ela cumprimentou, no auge de sua alegria.

E ele não pôde reprimir um sorriso quando a viu.

Continuava exatamente do que jeito que ele se lembrava. Com seus catorze anos, baixa e cheinha, ela era a representação da alegria. Em um passado que agora parecia distante, Miguel estava acostumado a chamá-la de “princesa guerreira” e nada parecia ter mudado. Era fofa a uma primeira vista, como um ursinho de pelúcia, mas o hematoma em um braço sugeria outra coisa. Sugeria que a menina vinha brigando na escola por causas que achava justas como sempre fizera.

Os olhos, claros como contas, faiscavam de alegria em ver o irmão.

Miguel teve que se levantar e abraçá-la. Era sua irmãzinha e não a via por meses.

As dificuldades vieram quando teve que apresentá-la a Davi. Era fácil dizer quem Celina era, mas e Davi? Era seu amigo? Seu namorado? Um colega?

Mas não precisou dizer quem Davi era. Falou apenas seu nome e viu a irmã avançando para ele de braços abertos:

– Cu!

– Me desculpe? – disse Davi meio constrangido enquanto retribuía desajeitadamente o abraço da menina.

– Cu. – ela repetiu, causando desconforto mesmo a Miguel. – Uma abreviatura de cunhado! – explicou por fim, trazendo um sorriso aos lábios de ambos. – Eu lembro porque saiu de casa, Mi.

– Na verdade, ele não… – Miguel começou a explicar, porém, mais uma vez, foi impedido de dar uma explicação. A mãe se aproximava em passos firmes, e segurando o braço da filha mais nova com força, começou a tentar arrastá-la dali.

– O que você está fazendo? – Celina gritava, atraindo a atenção de todo o restaurante. – Quero ficar com Miguel. Quero ficar com Miguel!

Vendo que a mãe não tinha forças contra a filha que esperneava e que todos estavam olhando, Miguel tentou interferir. Proferiu palavras de calma e clamou por paz. Mas, quando se referiu a mulher a sua frente como “mãe”, apenas recebeu o tapa que ela ameaçara lhe dar pouco antes de ele sair de casa.

– Nunca mais me chame disso, – ela falou baixo, os pequenos olhos brilhando com as lágrimas. – Meu filho está morto.

Miguel não teve uma reação. Apenas observou enquanto Celina finalmente cedia aos esforçou da mão, chocada, e era levada para fora do restaurante. Nenhuma das duas voltou, então elas provavelmente tinham voltado para casa sem esperar que seus pedidos chegassem.

Depois de alguns momentos, Miguel finalmente deslizou de volta para a cadeira e, com o passar do tempo, as pessoas voltaram para suas conversas, ainda olhando de soslaio para ele de vez em quando. Um garçom até parou para perguntar se ele estava bem.

Mas Davi era o mais preocupado. Exigiu uma explicação mesmo quando Miguel insistiu que não era nada. E não parou de falar até que Miguel lhe contasse a verdade.

– Caramba! Eu sinto muito. Não fazia a menor ideia – ele disse, no final, atônito. – Uau! Deve ser bem difícil…

– Algumas vezes eu penso sobre isso, e é insuportável. – Miguel confessou, tentando impedir as lágrimas de algum lugar no fundo, que insistiam em que querer chegar à superfície.

Davi esticou as mãos sobre a mesa, os olhos mel pingados de verde preocupados. Miguel lhe deu as mãos e eles ficaram assim por um tempo, Davi tentando consolá-lo.

– Estou aqui, – o de cabelos arrepiados disso, sorrindo um sorriso forçado.

Claro, às vezes simplesmente imaginava que nada tinha mudado e que ainda morava em sua antiga casa, e algumas vezes ao acordar, quase sentia o cheiro das torradas de Celina vindo da cozinha e o café forte da mãe. Ainda vivia no ontem às vezes, apesar de saber que nunca voltaria a ser como era. Não se dependesse da mãe deles, pelo menos.

Nunca voltaria atrás, pois não suportaria voltar a viver no armário, mas sentia falta da mãe e de Celina mesmo assim.

Pelo menos tinha Bia – e agora Davi – para lhe servirem de consolo. Não eram como a família tinha lhe sido, mas era melhor do que nada.


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Notas finais do capítulo

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