— Há alguma coisa de que você sente falta, Crowley? Alguma coisa que você poderia ter feito, mas não foi capaz e agora tudo está perdido para sempre?

A imagem do filho veio-lhe imediatamente à cabeça, porém ele fingiu não pensar nada, deixando apenas escapar um meio-sorriso sem querer:

— Não que eu me lembre. E você, my dear? Há algo sobre o que gostaria de falar?

— Gostaria de ter cuidado melhor do meu irmão…

— Oh… — ele disse somente. Estava certo de que precisava falar algo mais, contudo, além de não fazer a menor ideia de como conduzir aquela conversa, poderia se denunciar. Olhou o relógio para marcar seu desconcerto e Lavignia se deu conta de que precisava fornecer-lhe mais uma dose.

— Ah, já vou pegar a seringa.

Crowley olhou-a se levantar e sair. Por um momento quis saber como seria se a sua vida humana tivesse sido, de fato, humana. Deu-se conta de que seria uma boa resposta… Deixa para lá.

***

Quando Lavignia voltou de seus aposentos, já não era Crowley que estava ali. Quem estava parado diante dela, com uma arma apontada para sua cabeça, era Dean. Ela sentiu o peito estalar e suas veias encheram-se da vontade de correr a abraçá-lo, fazendo com que ela desse dois passos na direção dele, mas parasse, tomada de um calafrio inexplicável. O homem à sua frente se parecia com Dean, mas um brilho cortante havia tomado conta de seus olhos e ofuscado algo muito importante.

Dean foi quem deu os passos que faltavam na direção dela pegando-a pelo braço com certa violência, deixando transparecer a marca que levava.

— Vamos sair daqui — ele disse enquanto a puxava para si, fazendo-a caminhar.

— Dean, espera, o quê… — era inútil tentar se desvencilhar dele, com a pouca força e o pouco jeito que tinha.

Ele olhou-a, uma ira gelada transpassando-lhe o olhar.

Você quer brincar, você quer ficar

Você quer ter tudo

Você começou a mexer com a minha cabeça

Até eu enlouquecer

Talvez eu devesse saber, talvez eu devesse saber

Que você sairia pela porta

Diante daquele olhar, Lavignia não teve coragem de dizer mais nada. Porém entendeu que ele não era o Dean que conhecera.

***

Quando Crowley voltou de sua última diligência, uma invocação descabida, percebeu, parado no meio do cômodo, diante da seringa cheia no chão, que caíra numa armadilha. Tecnicamente ele não deveria se importar por ter perdido uma bolsa de sangue num percalço do caminho, mas maldito sangue que circulava por sua veias, por que ela aceitou ir assim de tão bom grado? Ela não era uma prisioneira, e em breve os dois fariam um passeio ao ar livre como ela pedira. Sentiu-se estúpido. Sentiu-o duas vezes, porque agora sentia.

[...] Mesmo se as estrelas e a lua colidirem

Nunca vou querer você de volta na minha vida

[...]

Você não merece saber

O que eu costumava pensar de você

Não mais

Você teve sua chance, mas desperdiçou

As coisas não ficariam por aquilo mesmo.