Vivendo uma canção escrita por Dessa_Soliman


Capítulo 7
Yesterday


Notas iniciais do capítulo

Ei, sétimo dia de desafio. Esse foi o mais complicado de todos, admito. Baseado em Yesterday, The Beatles.
07/09/2014
OBS: Hoje é meu aniversário *-* o que talvez explique a dificuldade de escrever algo baseado em uma música tão triste em um dia tão animado -.-



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–Eu, hm... Eu fui um pouco covarde, Jack. – Hiccup sentou-se na grama, os olhos sempre baixos, para as flores em suas mãos. Ele mantinha um sorriso saudoso no rosto e os pensamentos longe, enquanto lembrava-se de sua vida.

De sua incrível vida.

Hiccup conhecera Jack num dia trágico. Tinha quinze anos e se encontrava em uma triste situação. Fora um dos piores dias que já vivera, mas também fora o motivo que levara-o a conhecer o ser mais incrível do mundo.

Valka, naquele fatídico dia, batera o carro em que os dois encontravam-se, morrendo na hora. Hiccup permanecera preso nas ferrugens até o momento em que o resgate conseguira tirá-lo. Ele lembrava-se da ambulância, do branco, da dor momentos depois.

Mas o que mais lembrava-se era de quando acordara, no hospital, praticamente dopado. A dor era inexistente, naquele momento. Nada lhe parecia nítido. Nada. Nem mesmo seu pai. E por vários dias tudo parecia distante demais da realidade.

Até aquele enfermeiro novo chegar. Hiccup lembrava-se de achar que tudo era muito barulhento quando aquele garoto estava perto dele. Ele conversava, ajudava-o em sua recuperação e ria. Ria muito. Às vezes sentia raiva dele.

Raiva a ponto de odiá-lo.

Porque ele se odiava. Ele sentia falta da mãe e não conseguia pensar que estava sem uma perna. Não conseguia assimilar a nova sensação, as muletas, as próteses temporárias. O pai tentava dar tudo de melhor para ele, até sua recuperação, e mantinha-o no hospital, internado. Mas ele sabia, era só para não ter que olhar para Hiccup.

E isso pesava no outro. Pesava a ponto de ele odiar todo mundo, porque se odiava. Era culpa dele a morte da mãe, afinal de contas. E, por isso, afastava a todos.

Até que ele estourou com aquele enfermeiro todo amores pra cima de todo mundo. Disse para ele conversar com ele somente no dia em que ele fosse a personificação física do inverno.

E Jack apareceu, no outro dia, com cabelos platinados e de olhos azuis.

Malditos olhos azuis.

Hiccup sabia que fizera uma cara hilária, mas não pudera conter a surpresa. Porque aquele enfermeiro ridículo estava desgraçadamente parecido com o personagem de um desenho infantil, que se passava como espírito do inverno. E ele riu. Primeira vez em dias, mas ele riu.

Jack mudara sua vida completamente.

Daquele dia em diante, Hiccup permitiu que Jack se aproximasse dele, lentamente. Sua recuperação correu bem e, ao final, ele até mesmo andava normalmente com sua prótese. Às vezes ela incomodava. Mas isso não significava nada.

Nem os seis anos de diferença entre ele e Jack.

Jack formou-se em enfermagem quando Hiccup entrou na universidade. Os dois continuaram a se ver e sair. O enfermeiro era seu amigo constante, para todas as fases e sua força. Até mesmo quando a namorada terminara com ele, o garoto, que continuara com cabelos platinados depois de tantos anos, fora seu maior apoio.

E Hiccup se pegou apaixonado pelo enfermeiro, depois de uns meses. Ele era incrível, em todos os aspectos, e fora importante para o outro, em todos os momentos.

Jack era maravilhoso.

Ele era uma pessoa boa, uma pessoa alegre, uma pessoa confiável. Amava seu emprego, mesmo com a maldita carga horária que quase não lhe dava tempo para nada. E amava o que fazia, mesmo com todos os momentos depressivos que tinha de passar.

Jack era amável.

E Hiccup amou-o, por muito tempo, em silêncio.

Foi em uma noite de bebidas entre os dois que o mais novo se declarara. Vergonhosamente. A língua meio leve demais. E depois ficou dias sem saber como encará-lo. Jack era seu porto seguro e ele temia ter perdido isso.

Mas ele não perdeu. E Jack apareceu a porta de seu apartamento, seis dias depois do acontecido, com uma caixa de pizza e uma sacola de filmes. Hiccup ficou tão surpreso que só pode deixar o amigo entrar, fechando a porta logo em seguida. Ele se pegou preso aos olhos castanhos, já que ele não usava mais as lentes desnecessárias, e reparou que os cabelos estavam crescendo, e ele não os descoloria mais.

E ele nem mesmo soube que filme assistiam, porque estava mais interessado nos lábios de Jack junto aos seus. Assim, do nada. Logo que desligaram as luzes, e juntaram-se ao sofá-cama, o mais velho já beijava-o e o prendia contra o fofo das almofadas.

Fora o início do relacionamento de ambos.

E eles fizeram tudo muito rápido. O pai de Hiccup, depois de tanta insistência por parte do moreno, aceitou o relacionamento de ambos, mas acabou sendo morto, violentamente, pouco depois. Mas Jack estava ao seu lado, segurando a sua mão e o mantendo estável.

Hiccup era feliz.

Até o dia em que Jack descobriu o câncer em fase terminal. Os problemas de ambos pareciam tão distantes, mas Hiccup sentiu que agora eles seriam eternos. Os dois não souberam como agir naqueles últimos momentos. Tentou, realmente tentou, parecer forte para o amor da sua vida não sofrer nos últimos dias. Ele tentou mesmo. Mas foi difícil, e dolorido na maioria dos momentos.

E Jack, mesmo com todo o tratamento, não sobreviveu mais que seis meses. Hiccup ficou ao seu lado até o final. Manteve-se junto a ele, segurando suas lágrimas e tentando ao máximo acalmar a dor de seu amor, prometendo coisas que, inicialmente, pareceram-lhe impossíveis de serem realizadas, e amando-o. Hiccup amou-o em todos os momentos. E continuava amando-o depois de sua morte.

E agora ali estava ele, em frente ao túmulo de seu único amor, com rosas e camélias brancas, puras como Jack fora. Era a definição de Jack. O dia estava frio, como na morte dele, e o vento parecia ter parado momentaneamente, dando-lhe tempo com seu amor antes de voltar a castigar a cidade.

–Eu consegui cumprir a maioria das promessas, Jack. Adotei um gato, preto, que eu chamei de Toothless, e ele é meio de lua. Mudei daquele emprego chato, e agora trabalho com designer arquitetônico. Consegui comprar um apartamento, maior, que dá espaço para um atelier próprio. E eu superei meu medo de altura, acredita? Viajei para a Europa. De avião. – Hiccup soltou um riso sem graça, coçando a cabeça antes de olhar para cima, finalmente olhando para o nome de Jack entalhado na pedra de mármore branco. Branco, puro, como Jack. – Eu até consegui visitar sua irmã. Ela não me culpou de nada, como você prometeu. E seu sobrinho está enorme. Ele disse que sente saudades. Eu também sinto, meu amor. Você se foi tão cedo. Mas eu fui covarde, Jack. Eu não consegui superar sua morte, não completamente. Então, eu achei que era melhor dizer, para que você soubesse que mesmo assim eu te amo, e que, depois de tudo, quando eu também partir, vamos ficar juntos, ok? Porque eu prometi que ia continuar vivendo, Jack, e eu estou fazendo isso. E estou conseguindo. Bem, até. Só que, por favor, me perdoe, Jack, não vou poder cumprir aquela última promessa. Não vou poder arranjar outra pessoa. Eu ainda te amo, enfermeiro idiota. E vou te amar para sempre. E não se preocupe, está tudo bem.

Permitiu-se chorar, deitando a cabeça contra o mármore. Sua roupa molhara com o orvalho presente na grama, mas ele não se importou. O frio alastrava-se em seu corpo, mas ele sentia-se bem em desabafar daquela forma. Ele ia uma única vez por ano naquele lugar. Somente uma vez, como prometera a Jack. E era sempre no dia de morte dele.

A única vez que ia. Como prometera. Continuou a desabafar como fora seu ano, como já fazia a dois anos e então conseguiu acalmar seu choro.

Levantou-se, caminhando para fora do local. Dirigiu seu carro até a cafeteria perto de sua casa, já pensando em pedir um café preto, forte e sem açúcar, e uma fatia de bolo de chocolate. Como fazia todos os anos naquele dia. Porque Jack amava bolo de chocolate.

Mas, antes que pudesse fechar corretamente a porta de seu carro, assim que saíra dele para entrar na cafeteria, um garoto de skate bateu nele, derrubando-o, com força.

–Desculpa aí, tio. Eu não te vi. O Senhor ‘tá bem? – Hiccup olhou para cima, ainda meio tonto.

Uma brisa suave passou pelos dois, e o mais velho aceitou a ajuda do garoto para levantar-se. Franziu a testa, tentando lembrar-se de onde o conhecia.

–Sou Jamie. Posso te oferecer uma xícara de café como desculpas? – O garoto apontou para a cafeteria logo a frente, com um sorriso enorme no rosto.

–Claro, estava indo para lá agora mesmo. E não se preocupe, está tudo bem.

Hiccup caminhou com o garoto, que descobriu fazer o curso de pedagogia, e abriu a porta da cafeteria, sentindo novamente a brisa suave. Olhou para o céu, com um sorriso calmo no rosto, antes de entrar na mesma.

“-E não se preocupe, Jack, está tudo bem. Talvez eu consiga cumprir minha última promessa.”

Hiccup pensou, com um sorriso nos lábios enquanto via Jamie caminhar ao seu encontro, como todos os dias das últimas semanas, na mesma cafeteria de sempre.

A cafeteria que marcou o início da amizade. A cafeteria que marcou o início de um novo relacionamento. A cafeteria cuja qual Hiccup parara de esconder-se e deixou de viver o ontem para finalmente viver.

E, no ano seguinte, Hiccup fora ao cemitério, com camélias brancas e rosas amarelas, com algumas poucas orquídeas rosa. Colorido, como nunca. E sentou-se em frente ao túmulo, com um pequeno sorriso nos lábios, narrando, como todos os anos, os dias de sua vida.

E pode sentir novamente aquela brisa suave quando levantou-se, prometendo voltar no ano seguinte. Ele não sabia porquê Jack tivera de partir, mas ele entendia que podia continuar a vivendo.

E Hiccup nunca esqueceu-se de Jack, mas ele vivera novamente, por Jack. E por ele.


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Notas finais do capítulo

Deuses, está sendo mais complicado que o esperado escrever um capítulo por dia. Hoje, por exemplo, foi super complicado, ainda mais por ser um dia conturbado. Os parentes não me largaram por um bom tempo :S
Enfim, ai está, e espero que vocês não fiquem com raiva do Hiccup por ter-se apaixonado novamente. Ele merecia, afinal u.u
E, é, nada de tristeza, novamente .-.
Porque hoje é um dia feliz *-*
Beijos, até amanhã