Vivendo uma canção escrita por Dessa_Soliman


Capítulo 25
Você não me ensinou a te esquecer


Notas iniciais do capítulo

Eu nem sei muito o que dizer. Quase cortei meus pulsos de tanto ouvir essa música. Mas é porque, além de depressiva, ela possuí algo de envolvente. Se torna quase mórbida.
Enfim, baseado em Você não me ensinou a te esquecer, de Caetano Veloso.
Alguém me explica como ele não se cortou os pulsos com tanta depressão?

OBS: O nome da irmã de Jack é Pippa, nesse cap. Explicações nas notas finais. E as partes em itálico são lembranças do Hiccup.



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Hiccup acordou cedo naquela manhã fria. Seu gato deitado em suas costas não foi um impedimento. Virou-se um pouco de lado e derrubou-o na cama. Somente então se levantou. Não queria continuar ali, mesmo que estivesse quente e aconchegante. Ele tinha deveres e devia cumpri-los. Metas para aquele dia.

Uma delas era estar apresentável. Saudavelmente falando. Seus amigos não podiam desconfiar de nada, ou ele estaria encrencado. Principalmente com Astrid.

Depois de fazer o que deveria no banheiro, deu uma longa encarada no espelho, tentando sorrir para si mesmo, suspirando no processo. Ele estava acabado. Não conseguia enganar nem a si mesmo, imagina aos outros. Isso que ele afirmava constantemente estar bem naquele abismo em que fora atirado. Fora atirado ou se atirara? Não sabia.

Caminhou até sua pequena cozinha e pôs leite na tigela de Toothless. O gato miou e se esfregou em sua perna antes de começar a lamber seu café da manhã. Não pôde deixar de sorrir, lembrando-se que o felino e um certo alguém só conseguiam se dar bem na hora da comida.

— Você também sente falta dele, né, amigão? — Acariciou a cabeça do gato e o deixou em paz. Um sentimento de angústia se apossava de seu ser novamente. Rastejava peito acima e tentava tirá-lo da sanidade, que adquirira com muita força de vontade depois que tudo acontecera.

Ele sentia o mundo se fechar e quase podia sentir a pressão esmagando-o. Apoiou-se em sua mesa e fechou os olhos, respirando fundo e fazendo uma contagem, acalmando-se lentamente. Quando sentiu-se melhor, pegou sua tigela de cereal e jogou-a na pia, não sentindo mais fome.

E caminhou pela casa, conferindo se deixara algo por fazer ou se ele podia descansar. Ele preferia ter algo para fazer.

...

Jack apoiou-se sobre a amurada. Ele podia ver o mar, não tão longe quanto pensava. Estava próximos a praia, em um infinito azul, tanto em cima quanto embaixo. Era lindo e completava a felicidade de ambos.

Virou-se para Hic e pulou sobre seu colo, deixando que ele o rodeasse ainda no ar.

— Sabia que ia gostar da surpresa. — Hiccup amava estar próximo ao namorado. Os abraços dele eram sempre cheios de carinho e lhe passavam um amor tão íntimo que era quase como se estivesse ligados. Não somente nos abraços. Todas as atitudes de Jack completavam-o de uma forma quase torturante.

Ele não se via mais sem o namorado.

— É minha primeira vez na praia, Hic. Claro que eu amei. — E ele tinha sempre aquele sorriso enorme no rosto, como se os problemas não o afetassem. Não OS afetassem. Ele tentou não pensar na atual situação, roubando novamente os lábios do namorado em um leve selinho.

Apesar daquele lado delicado, Hic sabia que Jack tinha uma personalidade explosiva. Dentro daquele carinho todo que ele exalava, existia uma pessoa enterrada em remorsoso e angústias.

E, mesmo assim, Jack não era completamente amoroso. Ele também era brincalhão, e sarcástico. Ele era alguém que mudava constantemente e, ao mesmo tempo que amava isso, sentia um medo terrível por essas súbitas mudanças.

Como ele lidaria sem Jack em sua vida?

...

— Hic, está tudo bem? — Ele provavelmente se perdera em pensamentos novamente. Desviou o olhar da janela do restaurante em que se encontravam e sorriu para a amiga.

— Claro, Astrid. Claro. — Mas ele deixou aquilo no ar. Nenhum dos dois acreditavam naquela baboseira. Aliás, duvidava que qualquer um naquela mesa acreditasse. Mas o almoço transcorria de forma leve, e ele sabia que a amiga não iria lhe alfinetar naquele momento.

Mas o olhar era claro. Eles iam conversar. Depois, quando estivessem a sós.

...

Jack estava mais uma vez em uma de suas crises. Não sabia direito como lidar com aquele namorado. Aquele era o depressivo, o autodestrutivo e insano namorado. Era o outro Jack. Outra personalidade.

Outro lado que Hiccup temia mas também amava.

— Jack. — Ajoelhou-se a sua frente e segurou suas mãos, evitando que ele continuasse a arranhar sua própria pele. Já estava sangrando, completamente vermelha.

Quanto tempo começara? Quando começara? Por que começara?

— Hic, eu... — Ele começou a gaguejar, repetindo o eu várias vezes entre lágrimas e soluços. E um riso angustiado que Hiccup sentia reverberar dentro de si. — Pippa, ela... morreu.

Hiccup abraçou o namorado com força, contendo suas lágrimas e não tentando entrar em desespero junto com o outro. O amor entre os irmãos Frost era muito forte, e a quebra do elo...

Ele não queria nem pensar nisso.

...

Astrid parou o carro em frente a sua casa. Olhando ela assim, de fora, como um observador, ela até que era aconchegante. Seu gato estava deitado na janela do andar de cima, pegando o sol da tarde, preguiçosamente. Quando foi que Toothless tornara-se tão gordo? E aquelas flores? Quando foi que floresceram? A grama precisava ser aparada.

É, ele tinha trabalho para o resto da tarde.

— Nem pense nisso, Hiccup. — Virou para encarar a amiga. Ela estava com uma expressão séria, quase beirando ao raivosa. — Quando foi que você perdeu tanto peso? Você voltou com aquele seu maldito TOC, não é? Tinha se recuperado disso, Hic. — Ele voltou a olhar para sua casa, assimilando o sermão em seu interior, ao mesmo tempo em que algo gritava para ignorá-la. — Eu estou preocupada.

— Não fique. — Ele não queria ser grosso com a outra, mas também não queria causar aquele desespero todo. Ele não voltara a ter TOC, só... precisava focar sua mente em outra coisa. Por isso estava fixado em limpeza. Olhou novamente para Astrid e sorriu, tentando acalmá-la. — Eu estou bem... — Não conseguiu terminar. A loira bateu com as duas mãos no volante e ele pôde ver que ela segurava as lágrimas.

— Droga, não diga que está bem, porra. Você está se matando, lentamente. Esquece a merda do Frost, Hiccup. Já deu, já era. Ele se foi. Se duvidar, para sempre. — Ele sabia daquilo, mas ainda era um fato que doía. Jack se fora, abandonara-o naquela vida miserável que perdia o sentido sem o outro. — Sabe, você tem a nós. Ainda estamos aqui, Hic. Vamos ficar, caso você precise de algo. — Ele abriu a porta e saiu, sem olhar para a loira. Mas não a fechou.

Com um suspiro, curvou-se e encarou a amiga.

— Obrigado, Astrid. Mesmo. Por tudo. — Ele fechou a porta e caminhou para sua casa, fechando a porta desta com força, segurando as malditas lágrimas que cairiam assim que se jogasse em sua cama.

Jack bem que podia perdoá-lo. Mas ele sabia que nunca seria aceito de volta, mesmo que, se acontecesse, nunca mais fosse perdê-lo.

...

Quinze anos desde que fora pela última vez àquela cidade. Ele não aguentara a morte de Pippa. Seu distúrbio mental já era um problema, ele simplesmente não conseguira aguentar depois de perder seu último ente querido vivo.

Mas ali estava ele, reestruturado. Vivo. Novo. Ele tinha um novo objetivo e ele podia tentar novamente. Ele estava preparado. Hiccup não conseguira antes, mas ele iria conseguir agora. Jack confiava no ex a ponto de dar sua vida. Sua vida nova. Fora difícil reestabelecer-se, mas a lembrança do romance com o outro era o suficiente para dar-lhe forças para superar a depressão.

Se bem que, em partes, fugira por culpa do outro. E também por sua própria culpa, não podia excluir-se disso. Ele estava ferrando com a vida de Hiccup, não podia continuar ali e terminar com o pouco que o outro ainda possuía. Precisava ir embora, ter seu espaço e dar o espaço que o ex merecia.

Precisara de quinze anos, mas ali estava ele.

Claro, não somente se curara. Refizera sua vida. Faculdade, trabalho, um círculo de amigos. Conseguira viver novamente em sociedade. E, no fundo, graças a Hiccup.

Estacionou em frente a antiga casa deles. Ainda era a mesma, apesar de que fora pintada de verde para azul. As flores na varanda eram outras. Tudo era novo, mesmo que a estrutura fosse a mesma.

Isso fez com que perdesse um pouco seu chão. Respirou fundo algumas vezes, tentando deixar seu egoísmo de lado. E seu medo. Ele tinha de controlar-se. Só mais um pouco, só até vê-lo novamente. A passos decididos, caminhou até a porta e bateu com o nó dos dedos. Três vezes.

E um “já vai” feminino pôde ser ouvido. Arregalou os olhos e apertou as mãos em punhos, dentro do bolso da calça. Existia aquela possibilidade, é claro. Ele podia ter simplesmente superado e seguido em frente. Seria bom assim, na verdade. Ele merecia alguém que o amasse plenamente e que não fosse fraco como ele.

A porta abriu-se e ele deu de cara com uma moça magra e alta.

— Desculpe, Hiccup se encontra? — Ela fez uma careta e apoiou-se no batente da porta. Era meio curvada e tinha o rosto longo demais, e Jack pensou que ela era um pouco estranha. Depois de um tempo ela suspirou, desencostando-se da porta e entrando por alguns segundos, antes de voltar com um pedaço de papel e um número.

— Vai querer conversar com ela. — Sua voz era rouca e saiu baixa. Tinha um quê decepcionado, também. — Você ficou muito tempo longe, Frost. — Como ela o conhecia? Franziu o cenho e ela não esperou mais um segundo, fechando a porta em sua cara.

Nem mesmo saíra do portão e ligara para o número, sendo atendido segundos após a discagem.

— Alô? Quem fala? — Ele conhecia aquela voz e fez um escâner em sua mente tentando encontrá-la.

— Desculpe, aqui é Jack Frost, estou procurando por Hiccup e a moça que mora na casa que pertencia a ele deu-me seu número. — Um suspiro. A moça do outro lado da linha derrubou alguma coisa, e então ela berrou. Berrou. Ele quase ficou surdo.

— Aonde você está, seu filho da puta? Vamos nos encontrar agora mesmo.

...

De todas as pessoas que ele conhecia, ele não esperava por Astrid. Certo, até que tinha um pouco de receio de encontrá-la, mas vê-la furiosa quase o fazia recuar.

Se não estivesse tão determinado a encontrar seu ex-namorado.

— Como você ousa voltar depois de quinze anos? — Falavam em um tom baixo, mas ele via claramente o ódio da outra. Na voz, na forma de falar, em sua expressão corporal, e, principalmente, em seus olhos.

— Desculpe. Tive que fazer... umas coisas. — Ele não sabia o que dizer para a loira. Ela sempre fora super protetora com Hiccup. Era um amor muito bonito, na verdade.

— Espero que tenha resolvido essas coisas, já que demorou tanto tempo. — Ela suspirou, cruzando os braços e se recostando contra a cadeira. — Você não sabe o que fez a Hiccup, Frost. — Engoliu em seco e segurou em sua xícara de chá. Nada de cafeína. Aquilo lhe deixava agitado demais e ele sofria com isso depois.

— Eu sinto muito. — Ele tentou encará-la, mas os olhos dela quase o matavam. Ele ainda manteve tempo suficiente para sentir que sua autoestima piorava, o que o fez baixar o olhar em questão de segundos. — Onde ele está? — Sua voz saiu baixa, e preocupada, também.

— Não está. — Ela levantou-se, jogando uma nota em cima da mesa para pagar seu café intocado. — Procure por ele no hospital particular. — E dito isso saiu andando.

Jack ficou alguns segundos com a respiração travada, os olhos arregalados.

...

— Hiccup, o que... você fez? — Ele sentou-se na poltrona ao lado da cama hospitalar. O quarto era particular e estava repleto de fotos e, inclusive, flores. Mas o corpo imóvel, sobrevivendo apenas com os aparelhos eletrônicos deixavam o ambiente ainda mais mórbido do que seu próprio ar.

Seu ex estava em coma há sete anos. Sete anos desde que seu corpo parara de sustentar-se por conta própria. Segurou uma de suas mãos, agora tão cadavéricas, e beijou-a, permitindo-se chorar.

Ele nunca esperara aquele desfecho final. Em sua mente doente, Hiccup esperava-o de braços abertos e um sorriso de saudades. Um abraço quente e palavras doces. Jack procurara tanto, mas tanto o sentimento que sentira com o ex em outras pessoas, que ele quase se perdera naquela procura.

Agora... Não existia mais Hiccup.

Jack imaginava que não existia nem mesmo ele.

...

Demorou, mas ele finalmente morreu. Nunca acordou do coma. Quinze anos, foi o tempo exato que ele sobreviveu naquele estado vegetativo. Jack pegara os últimos oito. Era quase irônico, na verdade. O exato tempo que Hic conseguira sobreviver sem ele, tivera que sobreviver com idas e vindas ao hospital em que seu amado encontrava-se em coma.

Agora segurava um buquê de cravos entre crisântemos. Um buquê colorido como fora sua vida com Hiccup, antes de estragar tudo.

Ele gostaria de poder ter outra chance. Agora, realmente sem Hiccup, ele não tinha objetivos concretos. Só uma estranha sensação que tinha de continuar. Mesmo que o continuar fosse vivendo com o passado.

Ele nunca mais encontraria os abraços de Hiccup e nem o amor dele, mas ele podia manter as memórias bem vivas.

Ele sorriu, arranhando seus braços enquanto lágrimas caíam.


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Notas finais do capítulo

Esse foi complicado e eu sei que está longo demais, mas sofro de um complexo que não me permite escrever capítulos curtos. Eu imaginei várias cenas, mas nenhuma dela tornava-se concreta o suficiente. Não sei, do nada veio a necessidade de mostrar um amor doentio, baseado em perdas e mágoas.
Mas também há a beleza, a ironia da vida... E eu vou parar por aqui mesmo.
Então, Pippa vem da personagem que é melhor amiga do Jamie, no filme. Por causa da dubladora ser a mesma, no norte-americano, o nome ficou conhecido como sendo a da irmã do Jack também. E eu optei por Pippa, mesmo. Espero que o pessoal que está acostumado com Emma não fique tão chateado.
E é, eu atrasei hoje, mas ainda é dia 25 porque eu não fui dormir, então ainda é hoje.... Se é que vocês conseguem acompanhar meu raciocínio. Quase inexistente por estar me afogando em sono.
Então, acho que era isso.
Até amanhã.



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