Acordo com a aquela sensação estranha, aquela mesma dor no peito que parece não me largar nunca. No entanto, entendo que a vida é feita de dor. Eu acordo todas as manhãs, morrendo de dor. Você sabe quantas vezes eu simplesmente quis desistir? Quantas vezes eu pensei em acabar com isso tudo de uma vez? Mas eu não fiz, sabe por quê? Por que dor alguma é mais forte que você ou motivo suficiente para desistir. Por isso não consegui fazer nada ontem, eu simplesmente estava confuso, perdido em meu pensamento, mas sabia que por mais que eu quisesse fazer isso, por mais que eu quisesse deixar essa vida, eu não tive coragem. Observo aquela lâmina que parecia um imã para meu pulso, mas aguentei firme e tentarei mais uma vez.

Quando me deito, meu Deus... Quando eu me deito é quando todas as lembranças turbulentas chegam para gritar nos meus ouvidos. Elas não param até que uma lágrima escorra pelo meu rosto. Depois de tudo, vem aquele vazio... Todas as noites me deito sobre meus pensamentos, sendo corroído por um veneno lento, chamado lembrança de você.

Então me levanto e vou para sala preparar meu café da manhã. O dia está diferente, não de modo estranho ou feliz, apenas parece normal, mas algo dentro de mim está mudando. Posso sentir isso! Faço meu pão enquanto ouço minha família comentar sobre o casamento.

– Viu o irmão da Fernanda? - Minha Mãe pergunta.

– Eu vi, ele estava com o namorado, não é? - Responde Aline.

Eu os tinha visto durante a festa. Enquanto eu estava sentado sozinho a mesa e todos na pista de dança, eu pude ver os dois juntos afastados de mim por cinco mesas ao lado. Eles estavam felizes, conversavam e sorriam. Não se beijaram se quer uma vez que eu tenha visto, mas suas mãos sempre dadas em cima da mesa.

– Ai, é nojento, ele não tinha que levar o namorado - Diz Bruna.

– Porque não? - Aline Pergunta - Não tem nada haver!

– Eu concordo com a Bruna. Ficar vendo os dois ali juntos... Dava pra ver que era uma coisa forçada - Meu Pai comenta entrando na cozinha.

Volto rapidamente minha atenção ao pão em minha mão. Ele joga uma de suas gracinhas sobre eu ter acordado cedo. Por sorte ninguém o ouviu. Tento evitar contato com todos por hoje, é apenas uma questão de tempo até falarem sobre eu ter beijado aquela garota.

– Quando eu me casar, eu não vou querer que o irmão do Vinícius leve alguém - Diz Bruna.

– Ta, e você vai fazer o que? Barrar o irmão dele na entrada da igreja? - Aline da uma risada irônica no final.

– O casamento é meu, entra só quem eu quiser - Diz Bruna.

– Não, ai você está errada - Minha Mãe fala - Você tem que entender que o garoto é irmão do Vinícius.

– Mas eu não quero um gay no meu casamento!

– Então você não vai querer a sua prima então, né? - Minha retruca rapidamente - Você não é obrigada a convidar ninguém, mas ele é irmão do seu noivo.

– Ta, Mãe, mas o casamento é de quem? - Bruna fala um pouco mais irritada - Eu não quero dois caras se agarrando no meu casamento, não gosto disso.

Cada vez que ela fala um impulso de raiva percorre por todo meu corpo. Essa coisa que ela tem contra os homossexuais é algo que eu nunca vou entender. Não só ela, todos que pensam assim, eu realmente não entendo. Porque duas pessoas que estão apaixonadas é tão perturbador para ela? Por que foge dos padrões? Isso é o grande argumento besteirol que usam para descrever algo que sentem, talvez não seja inveja ou raiva, mas algo que nem eles mesmos entendem. É assim que se começa a ignorância de um ser humano.

Entendo que uns não são a favor de casal homossexual, ninguém é obrigado a aceitar, mas são obrigados a respeitar. No momento em que o respeito acaba, o que temos então? Pense, ninguém quer ser assim, apenas nascemos assim. Não é algo que você aprende com o tempo, simplesmente você é assim. Eu tentei não sei, eu tentei de todos os modos me forçar para ser quem não sou. Bom, o resultado é o mesmo... Você é o que você é, e pronto!

– Ah, mas eles nem ficaram se agarrando - Aline os defende diante de todos - Eu nem tinha percebido eles, depois que eu fui vê, e isso porque o Thales falou comigo. Eu acho assim... Eles também precisam respeitar o lugar que estão, assim como eu não fico agarrando o Thales no casamento, eles também não ficaram, então não tem problema.

– Ai, mesmo assim... Quando eu casar também não quero ele como meu padrinho não. Falei com o Vinícius... - Bruna fala quando estou saindo da cozinha - Nosso padrinho será o Felipe! - Paro de andar de repente. Levanto meu olhar para ela e respiro fundo, é engraçado o quanto a vida pode ser irônica. - Meu irmão vai ser o padrinho e até lá eu espero que esteja namorando alguma garota, e ela pode ser madrinha também... Além da Aline!

– Foda que o irmão dele também é muito solto - Aline diz - Esses que são do tipo "Eu sou assim e você vai ter que me engolir" me irritam. Mas os que estavam no casamento ontem eram super de boa, e até um pouco fofos juntos.

– Eu não achei nada fofo - Bruna responde.

Ouvindo Bruna falar daquele jeito me fez pensar que o mais engraçado é que as pessoas chegam apontando seus defeitos sem se importarem com nada. Sem se perguntarem pelo que você já passou, tudo o que foi capaz de suportar calado. Eu sei que eu ainda serei muito vítima de preconceitos assim, é uma consequência que vem com a vida. Assim como os negros também precisam lidar com o racismo. Todos têm que aprender a lhe dar com a vida, pois ela não é fácil e nunca vai ser.

Volto para meu quarto e evito qualquer assunto sobre o beijo de ontem. Termino de tomar meu café da manhã e deito na cama, apago a luz e fico assistindo televisão. Tenho vontade de pedir pra minha mãe – me interna, estou infeliz, pra baixo, com uma dor que não me deixa e um elefante em meus ombros. Acontece que esses dias estão tortuosos e eu não desejo levantar-me daqui, a cama já adquiriu o formato do meu corpo e a TV me dá o entretenimento necessário para continuar trancafiado aqui. Sossego é o que eu quero. Desde que ele foi embora, eu vejo filmes tristes e ouço aquelas músicas lentas, o coração já não bate. Há algum tempo que não sei como ele reage, porque os dias estão vazios. Sabe toda aquela ideologia de que é possível viver sozinho? Pois é. Acreditava nisso piamente porque ele estava ao meu lado, agora que se foi, tudo é cinza. E eu chorei um oceano inteiro essa noite. Eu precisava esvaziar.

Aprendi a sorrir na sala, e a chorar no quarto, ninguém precisa saber que estou sofrendo, ninguém será capaz de solucionar os meus problemas, então não aparento ser fraco, por mais frágil que eu esteja. Vou sempre levar um sorriso estampado do meu rosto, por mais que o meu coração esteja se transbordando de dor. Foi a maneira menos dolorosa para me encaixar neste mundo que não tem espaço para fracos.

Por quê? Por que todo mundo tem um amor, um emprego, é feliz e eu sou um azarado? Por que tem tanta gente cretina no mundo e eu, logo eu, sou tão legal com todo mundo e só me ferro? Por que a vida é tão injusta? Por que tudo que eu faço não dá certo? Odeio isso, me sinto cada vez mais sozinho. Deus, vejo que cada vez mais eu significo menos para as pessoas, será assim que vai terminar? A pior das mortes é o esquecimento. Queria deixar algo para ser lembrado, mas não sei se algum dia vou fazer algo realmente memorável... Ou se algum dia eu vou ter alguém que fale "Ele era meu amigo, e eu sinto falta dele!".

Os dias se passam e não conseguia sair da minha rotina. Apresento o trabalho para a professora sem ao menos conseguir gravar a primeira frase da fala. Quando terminamos tudo, Michele veio discutir comigo, pois eu não tinha concordado com sua ideia para fazer o projeto e se tivéssemos seguido o que queria, poderíamos ter tirado uma nota melhor. Eu só queria dizer que sentia muito, pois no momento minha cabeça não tem conseguido gravar nada, não consigo mais me concentrar em algo. Mas não pude fazer isso naquele momento, brigamos e combinamos de não fazer mais os trabalhos juntos.

Por um momento pensei que eu nunca mais fosse conseguir superar a perda súbita que tive, mas então me forcei a voltar a ouvir músicas que eu ouvia antes, que me tiravam desse mundo tão preto e branco e fazia-me sentir bem. Britney Spears voltou a tocar em meus fones de ouvido, e por incríveis três minutos e oito segundos, eu tomei minha própria anestesia. Alguns bebem bebida alcoólica para aliviar a dor, outros fumam e outros se drogam... Bom, eu ouço Britney Spears, e funciona pra mim.

Zac é o buraco no meu coração, quem eu vou lembrar todas as noites antes de me deitar. Sabe qual o problema em tentar esquecer alguém? Muitas vezes nós não queremos esquecer. Queremos nos segurar a cada momento, cada memória e torná-las realidade novamente. Eu sei, não é fácil esquecer alguém que fez parte dos melhores momentos da sua vida. Isso acontece com você? Por favor, me tranquilize. Eu preciso saber que não sou o único. Esta coisa de se lembrar de alguém e sentir apertar o coração.

Depois de alguns dias sem sair de casa, Narayani veio dormir aqui. Ela me animou durante todo o dia, vimos filme de terror no qual ela não queria nem que eu apagasse a luz para assistirmos melhor. Depois resolvemos fazer pizza e de fato foi bem divertido. Ela ficou de arrumar a pizza enquanto eu ralo a mussarela e tentava não fazer o mesmo com meus dedos. Quando terminamos tudo e comemos a pizza. Olhamos no relógio, quatro horas da manhã. Sem mais delongas, fomos para meu quarto e nos preparamos para dormir. Ela na cama feita no chão e eu na minha... Mas dormir agora ainda não era uma opção. Conversamos por mais um tempo.

– E você ainda não me disse como você esta?! - Ela diz.

– Como assim? - Pergunto sentado na cama em frente a ela.

– Depois de tudo que aconteceu, nos falamos pouco e eu não queria ter essa conversar pelo celular.

– Eu estou bem, não é nada... - Quando alguém te dizer que "Não é Nada", abrace, pois é o momento que ele mais precisa de você.

– Olha, eu te conheço... Não faz muito tempo que aconteceu... Ainda vai fazer um mês, e claro... Isso não é algo que você vai superar de uma hora para outra - Narayani levanta e senta ao meu lado na cama.

Abaixo minha cabeça respirando fundo. Sim, ainda choro quando tenho que falar nisso, sempre que penso e fecho os olhos, não vejo nada além dele na minha imaginação... Tudo que me restou agora.

– Eu sei o quanto sente a falta dele... Quero dizer, eu imagino o quanto deve ser difícil, mas eu estou aqui para te ajudar... Eu, Michele, Ana... - Ela diz olhando para mim. Esse olhar de pena é o pior de todos, não quero que tenham pena de mim, eu não mereço que tenham pena... Não quero ser visto como alguém fraco, por mais fraco que eu esteja.

– Michele... - Digo ironicamente.

– O que houve? Vocês brigaram?

– Sim... Ela mudou... Mudou bastante... Não sei mais se a conheço! - Digo com meus olhos já completamente ardidos e minha visão embaçada com as lágrimas prestes a cair - Todos estão se afastando... Indo embora, e... - Seco a primeira lagrima que escorre por meu rosto.

– Calma! Eu não vou, okay? Eu vou estar sempre aqui - Ela diz pondo as mãos em minhas costas - Somos praticamente irmãos, lembra? Eu não vou te abandonar!

– Ando tão sozinho, triste que às vezes me jogo na cama, meto a cara fundo no travesseiro e quase começo a chorar. Sempre lembro dele nessas horas - Essa é a primeira vez que converso isso com alguém. Nunca senti uma dor tão forte antes, é horrível, pois agora mais do que nunca, percebo que acabou. Não tem volta, o que tenho são lembranças que farei de tudo para não esquecê-las com o tempo. Por favor, eu não quero esquecê-las! - Eu sei no que deve estar pensando agora... Eu estou tentando superar, eu realmente estou, mas... Eu sou fraco, okay? Sim, eu admito, eu choro. Mas não por fraqueza, e sim por não aguentar mais. Eu sou um idiota, um garoto que tem mais conflito dentro de si do que qualquer outro... Sei que não sou o melhor ser humano, mas eu estou tentando... Eu juro, eu estou!

Ela me abraça tão forte que a fez chorar junto comigo. Meus soluços são inevitáveis, a dor que saia de mim parecia estar rasgando meu peito. Posso ouvi-la começar a fungar, e pela primeira vez em muito tempo, eu podia me sentir seguro de novo. Estou com alguém de confiança e podia tirar de mim toda essa pressão que quase não deixava meu coração bater.

– Você está sendo forte por guardar isso tudo só pra você, nunca se julgue fraco porque você não é. E eu sei, você sabe, e todos no mundo sabem como é isso. Só continue sendo forte - Narayani fala ao meio do choro e sem deixar de me abraçar por um segundo.

– Eu preciso entender que as coisas não vão ser como eu quero. Eu sempre espero demais de alguma coisa e isso acaba comigo.

– Olha, pare um pouco de se julgar tanto - Ela diz assim que nos afastamos - Dê um tempo para si mesmo. Você não é de ferro, muito menos indestrutível. Se acalma um pouco, deixa as coisas se ajeitaram novamente, deixa sua mente descansar. Seu coração vai demorar para se curar, mas ele vai, não precisa de tanta pressa. Tudo isso passa, é só questão de tempo, você vai ver. Confie em mim, ou melhor, confie em você.

Eu tinha um coração tão ingênuo, tão bonito. Mas agora tá tudo tão vazio, não tenho mais vontade de pedir, ou dar carinho. Não tenho vontade nem de conhecer alguém. Eu sou somente mais um rostinho triste, mas com um sorriso estampado.

– Eu queria poder fingir que nada aconteceu! - Digo secando as lágrimas.

– Não, esquecer não é a resposta... Não se force esquecer algo tão bonito que tiveram. Felipe, eu estava lá com vocês, eu vi tudo de perto e sei que pode está doendo agora, mas não esqueça o que tiveram... Não faça isso! - O jeito que falou foi como se eu tivesse dito algum absurdo. Ela, mais do que ninguém, se importava com a nossa história e comigo. Não queria ver os dois sendo apagados pelo tempo.

Na verdade eu não sei se conseguirei esquecê-lo completamente. Porque em cada pedaço de mim, sempre haverá um pedaço dele.

– Sei lá, eu.. Eu só queria que desse certo, pelo menos uma vez - Desvio meu olhar para o chão e tento controlar meu choro.

Depois de mais um tempo conversando, fomos dormir quando o sol começou a iluminar meu quarto pelas brechas da cortina. Ao menos ela foi, ainda fiquei mais alguns minutos rolando pela cama. Isso não me surpreende mais, acontece toda noite, você sempre roubando meus melhores sonhos. Passo metade do dia me convencendo que não sinto a sua falta, mas pra quê? No final de tudo, todas as minhas madrugadas acabam sendo suas.

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Na noite do dia seguinte, minha Mãe faz pizza para nos despedirmos antes de viajarmos para Orlando. Ana veio logo depois que saiu do trabalho. Também chamei Michele para vir, mas ela precisou sair com os amigos novos e não tinha tempo para vir aqui em casa. Ultimamente eu não sei o que tem acontecido com a minha amizade com ela, mas a falta que ela fazia, já está deixando de existir.

Eu, Ana e Narayani conversamos sem parar, falamos sobre tudo, e acho que também devo agradecê-las por não tocarem no assunto sobre Zac. Foi como uma noite normal, tranquila, como aquelas que eu não tinha há muito tempo. Sabe, quando estou com meus amigos é como se todos os meus problemas sumissem, pelo menos por um instante. Essas duas garotas aqui comigo são quem eu mais desejo levar por toda a minha vida. Todos cometemos erros, todos brigamos uns com outros, mas no fim a amizade sempre nos reconcilia. É o que mais prezo!

Na hora da pizza, sentamos todos na sala com os tabuleiros em cima da mesinha central. Os amigos da Aline também estão aqui. A viagem é na próxima terça-feira, então vieram desejar boa viagem. Antes de comermos, tiro uma foto com Ana e Narayani para postar nas redes sociais, e então podíamos comer, já que estou faminto.

– Felipe, acho que tem um pouco de pizza no seu ketchup! - Ana brinca comigo quando exagero um pouco no ketchup.

– Faz parte do tempero! - Digo dando uma risada - Se mete aqui não!

– Minha mão que vai fazer parte da sua cara já já - Ela retruca.

– Felipe, a Michele não veio por quê? - Aline pergunta.

– Michele está sumida - Minha Mãe comenta.

– Não estamos nos falando direito - Respondo.

– Finalmente! - Ana comenta.

– Não gosta dela não? - Pergunta Aline.

– Ela é esquisita!

– É, eu também acho! - Aline da uma risada - Ela parece que traz uma melancolia com ela, além de ser muito dramática!

– Felipe já pode pensar em namorar outra menina, a Michele é legal, mas muito lerdinha, tadinha! - Meu Pai diz.

Continuo quieto e finjo que não o ouvi. É típico dele soltar algo assim sempre que possível. Depois de um tempo levo Ana ao ponto do ônibus com a Narayani. Conversamos sobre o dia que tivemos e depois Narayani volta comigo pra casa. E foi então que um dia maravilhoso se tornou mais um daqueles dias que eu queria poder esquecer. Um garoto que conheci na faculdade há alguns meses, comentou na minha foto com um emoticon de coração. Foi o suficiente para meu Pai vir tirar satisfações comigo.

– Felipe, vem aqui! - Meu Pai me chama na cozinha para me tirar de perto de Narayani.

– Perai! - Grito.

– Vai lá, eu vou aproveitar e tomar banho - Narayani levanta da mesa e vai para meu quarto, onde estavam suas coisas.

– Oi! - Digo ao entrar na cozinha e vê-lo com o celular em uma mão e a outra na boca.

– Que porra é essa? - Ele me mostra o comentário e tento manter-me calmo. Apesar do meu coração ter disparado quando vi o comentário.

– É só um comentário, o que tem demais? - Respondo.

– Como é? Você ta tirando uma com a minha cara, só pode - Ele diz, furioso - Porra, fica comentando coraçãozinho? As pessoas estão vendo, olha aqui quanta gente já viu isso.

– Ta bem... Ta bem, e-eu excluo! - Digo.

Não entendo essa importância absurda do que os outros vão pensar de mim. Afinal, vão pensar de mim, não dele, então deixa que eu vivo minha vida e esquece isso. Porque vale mais para você o que as pessoas pensam sobre mim, do que o que eu penso sobre você? É estranho pensar que quanto mais eu quero achar uma razão para continuar, um motivo para entender tudo isso... Mais vejo o quanto eu não pertenço estar aqui.

– Quem é esse garoto?

– É um garoto da faculdade, da minha sala - Respondo com minha voz levemente tremula.

Não sei explicar, mas toda vez que acontece algo assim, que passo por coisas desse tipo, posso sentir todo meu interior vibrar, como se meu sistema nervoso estivesse no pico.

– Porra, olha a cara dele, é viado puro! - Ele diz - Exclui logo essa merda, antes que os outros já comecem a pensar coisas sobre você.

Saio dali sem que ele pudesse continuar a falar. Vou para meu quarto e fecho a porta, sento na cama e deixo que a dor volte para me consumir. Não que ela já não tenha feito isso antes. Li uma vez em um livro, algo que dizia "A dor precisa ser sentida", nunca uma frase foi tão marcante pra mim. Entendo que por mais que doa, é isso que nos torna humanos. Eu apenas observo minha mente pegar fogo, meu interior ser despedaçado parte por parte. Quando achei que as coisas poderiam estar finalmente melhorando, tudo desabada, e você começa a sentir ainda pior do que antes.

Pergunto-me se na verdade meu Pai se importa comigo, se minha Mãe se importa, se alguém se importa. A única pessoa que parecia se importar, hoje já não tenho mais. É duro você passar por tudo isso e ainda não ter mais aquele abraço que esquentava seu corpo, aquela voz que quietava sua mente perturbada, e aquele ombro onde eu podia descansar minha cabeça e desacelerar meu coração.

Meus olhos se enchem de lágrimas, e tendo não deixá-las escorrer. Pego meu celular e excluo o comentário que havia recebido. Um simples comentário tornou um dia maravilhoso em mais um dia no qual ficará gravado na minha mente. Eu ainda espero pelo dia em que serei feliz ao menos por ele inteiro. Eu almejo isso mais que tudo, eu só quero ter essa sensação de poder dormir com um sorriso no rosto ao invés das lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu desabo, toda noite, pouco antes de dormir. Já não tenho mais como controlar, quando me dou por conta, as lágrimas já estão escorrendo sobre o meu rosto, sem permissão alguma. Talvez isso seja a consequência de por tanto tempo guardá-las e ocultar o que estava sentindo de verdade por trás daquele sorriso sempre estampado em meu rosto. Ainda não sei por que espero que as coisas fiquem bem, porque eu sei que na verdade elas nunca ficam bem... Pelo visto não pra mim. Não mais.

Eu fiz de tudo para tentar ser forte.Cansei de fazer as coisas em vão e sem nem ter uma motivação melhor. Sabe... A mesma besteira de sempre... Sério, eu cansei de sentir as coisas, cansei de procurar fé e foras em lugares onde antes eram repletos e hoje são apenas vazios.

Às vezes, talvez, eu esteja destinado a ficar sozinho. Talvez seja esse meu papel no mundo. Não sei se mais alguém me suportaria, se aceitaria conviver com um coração fraco, medroso, e cheios de marcadas das batalhas que sobrevivi. Mas eu juro, eu ainda vou tentar ser a melhor pessoa do mundo para você. Posso ter meus defeitos, no entanto eu espero que alguém os ache tão importante quanto às qualidades, pois ambos são os que nos tornam diferentes e únicos.

– Você conhece aquele garoto? - Minha Mãe pergunta entrando no meu quarto.

– Sim, eu já disse pro meu Pai! - Respondo, contendo o choro.

– E vocês têm intimidade para ele ficar comentando coração em suas fotos? Que tipo de liberdade é essa que você ta dando pra essas pessoas? - Ela pergunta excessivamente.

– Mãe, ele é só um garoto da minha sala da faculdade.

– Só um garoto, Felipe? Você não é nem amigo do cara e ele fica comentando coração. Você não sabe direito quem é o cara, não sabe com quem anda, não sabe sua índole... Se for um marginal? Se for um cara que parece ser seu amigo, ai ta só te espionando e depois vai te sequestrar.

– Meu Deus, Mãe... - Se sua intenção era me assustar, ela realmente conseguiu.

– Eu estou falando para seu bem, meu filho. Olha, o que eu já vi no jornal sobre jovens como você... Você não pode falar com ninguém, não diz nada.

– Eu não falei nada pra ele, ele nem sabe onde eu moro. Ele só é um colega da faculdade, só isso - Posso sentir que ela está mais preocupada com o fato de eu não conhecê-lo o bastante do que do fato dele ter comentado. Eu realmente não o dei liberdade para tal ação, e por isso não me importei de excluir o comentário, pois ao meu ver também foi desnecessário. Porém, algo tão bobo, se tornou uma grande tempestade.

– É que você tem aquelas histórias, o blog e tudo mais. Você não pensa direito nos seus atos, ainda é muito infantil, e pode acabar falando o que não deve pras pessoas.

– Mãe, pelo amor de Deus, já tenho dezenove anos, sei muito bem o que devo por ou não na internet! - Respondo-a - Só pra você saber, eu não fico divulgando meu endereço no Twitter, nem meu cep, meu celular, nem mesmo o meu e-mail. Então não precisa de tudo isso!

– Ta bom, Felipe! Você sempre sabe o que faz - Ela sai irritada do quarto quando Narayani bate na porta.

Ponho a mão na cabeça bufando. Não sei de onde tirei tanta força para não chorar diante da Narayani. Eu só queria evitar explicar toda essa bobagem para ela. Não valeria a pena. Ela já me ajudou muito, eu posso lhe dar com isso sozinho. Aprendi a carregar meu próprio peso, pra não ser um peso a mais nas costas de ninguém.

Passamos o resto da noite conversando no meu quarto e eu tentando não pensar no que tinha acontecido. Nas vezes que me vinha na cabeça, meus olhos rapidamente se enchiam de lágrimas, então precisei me distrair totalmente. Antes de dormirmos, ficamos assistindo alguns vídeos dos filmes da Disney, tais como: Tarzan, Mulan, A Pequena Sereia e O Rei Leão.

Os dias vão se passando e aquela rotina entediante retorna. Só saio de casa para ir à faculdade, e isso quando eu não queria faltar e então dormir praticamente o dia inteiro. Posso passar horas deitado na minha cama, com a prancha em meus braços e meus pensamentos gritando em meus ouvidos. Sem pessoas, sem sentimentos, apenas um pacífico mundo sombrio dentro de mim. Sentia vontade de chorar, mas não saía lágrima alguma. Era só uma espécie de tristeza, de náusea, uma mistura de uma com a outra, não existe nada pior. Acho que você sabe o que quero dizer. Todo mundo, volta e meia, passa por isso. Na verdade eu só queria alguém que realmente se importasse comigo, que estivesse ali do meu lado, me ligando às duas horas da madrugada para saber como eu estou e pedindo para eu conversar com ele. Eu só quero alguém para reativar minhas emoções. Ser o sol que o meu inverno coração precisa. Estou me sentindo um robô. “Viva um dia de cada vez”, mas que vida? Tudo o que faço é rotina, nada é interessante.

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Antes de ir para faculdade, arrumo minha cama e coloco a prancha de pelúcia posicionada em cima do travesseiro, assim como faço todas às vezes. Passando em frente ao portão da faculdade, vejo Michele em sua roda de novos amigos. Observo-a por algum tempo. É esquisito pois eu sempre achei que ela estaria ao meu lado, mas o mundo dá voltas e as pessoas mudam constantemente. Se eu pudesse chamá-la de amiga novamente, apenas agradeceria. Obrigado por ter me ignorado quando eu mais precisei de você!

Caminho pelo pátio com meus passos tímidos, mãos no bolso da calça e observando as pessoas que passavam por mim. Todos aqui sabem o que querem, sabem que caminho seguir, quanto a mim não tenho se quer uma trilha para me guiar. Me pergunto todos os dias, pelo o que eu vivo? Pessoas já disseram para mim que depois as coisas melhoram... Hoje faz um mês que Zac faleceu e percebo que as pessoas simplesmente mentem para você se sentir bem, pois as coisas não estão melhorando.

Encontro Thatiana e Myrlei na lanchonete e caminho até a mesa onde estão. Sento com elas e até me animo um pouco. De alguma forma elas souberam que eu não estou mais com Zac.

– Você precisa parar de se menosprezar - Diz Thatiana - Tu merece alguém que abra os olhos diariamente e pense: ‘cara, eu tô com ele, eu sou o namorado dele!’. Que goste da tua boca, do teu ombro, do teu cabelo bagunçado, das tuas mãos, do cheiro da tua pele. E isso vai acontecer naturalmente ao você se dar conta de que é bonito. Um dia será o amor da vida de alguém, do jeitinho que você é. Então para com isso, vá para frente do espelho e repita: ‘eu sou bonito’.

– Realmente, você serve até pra ser modelo fotográfico - Myrlei comenta.

– Estão dizendo isso só porque são minhas amigas - Digo.

– Não, você sabe disso - Diz Thatiana.

Passamos praticamente horas conversando ali. Elas sabiam que no fundo eu realmente precisava de ajuda, precisava conversar. Minha amizade com as duas vem crescendo cada vez mais, uma amizade sem pressa de se tornar algo grande, apenas indo devagar e se tornando algo que vou me orgulhar futuramente. Bem diferente de como foi com a Michele. Ela conseguiu ser uma das poucas pessoas que me decepcionaram profundamente.

Voltando para casa, fico quieto no banco do ônibus e observando os carros que corriam pela rua, o vento frio bate contra meu rosto, fecho os olhos só para tentar ver seu sorriso mais uma vez, mas faz tanto tempo, agora tudo que eu faço é chorar. Não podemos achar algum amor para que isso acabe? Porque a dor fica mais forte a cada dia. E talvez por sofrermos tanto nos tornamos meio mágicos, quando temos que driblar a dor que só nós mesmos conhecemos.

Daí você passa um dia rindo com seus amigos, se divertindo e distraído o tempo todo. E então você pensa que esqueceu e que finalmente se libertou. Mas quando chega o fim da noite, você percebe que o sentimento todo continua ali, e que qualquer sinal de esquecimento foi passageiro.

Chego em casa e vou diretamente para meu quarto, depois de tantos silêncios, resolvi voltar a conversar comigo, ainda que mentalmente. Muitas vezes fico assim, recostado em mim, pensamento longe, coração andando devagar e analisando cada cenário que passa em câmera lenta, a vida em preto e branco. Estou morrendo de vontade de ser eu, mas ser eu só tem me feito perder e perder. E eu quero ganhar. Só dessa vez. Estou totalmente exausto, quero parar de fazer tudo errado.

Ao meio da madrugada, sento-me em minha cama com a prancha de pelúcia em meu colo e abro devagar a carta que recebi de Zac. Ler esta carta é como ouvi-lo sussurrar novamente ao meu ouvido, posso sentir uma tranquilidade me relaxando devagar. Ainda não consegui ler a carta inteira, agora mais do que nunca eu preciso lê-la, mais do que nunca eu estou me sentindo sozinho, perdido, e quanto mais eu tento me encontrar mais eu pareço estar no caminho errado.

Oi Lipe!

Eu não sei como começar a escrever uma carta, mas não pense que vim aqui dizer adeus, você não gosta de adeus, eu lembro disso. Rsrs

Esses dias foram difíceis para mim, eu juro que tentei continuar, mas eu não sou forte como você. Não tenho ninguém da minha família que algum dia irá aceitar-me como sou. Eu só pensei na gente... Essa foi a pior parte, porque eu não queria te deixar.

Meus olhos já se enchem de lágrimas, minhas mãos começam a tremular. Eu guardei tantas coisas para mim, talvez isso tenha sido um erro. No entanto era preciso tomar decisões, fazer escolhas e no meio disso tudo eu escolhi você, pensar em como você estaria bem, escondi minhas lagrimas e criei sorrisos onde não havia felicidade, pois o seu sorriso era razão do meu. Seu bem estar era meu objetivo diário…Talvez você não soubesse de nada disso, mas foi minha escolha e hoje espero que você esteja sorrindo sempre, que esteja feliz aonde estiver, porque a sua felicidade é o mais importante.

Eu sinto muito por lhe deixar com essa dor imensa, mas acredite, eu não conseguia mais viver sem poder estar ao seu lado. Você é tudo pra mim. Nós meio que nos encontrávamos um na risada do outro... Quando me disseram que eu estava proibido de vê-lo novamente, meu mundo caiu. Eu não sabia mais o que fazer, uma nuvem escura pairou pelo meu coração.

Você foi a última pessoa com quem eu falei, em quem pensei. Sei que você é paranoico com essas coisas de entidades, fica tranquilo, não vou te visitar rsrs Mas acredite, eu vou estar sempre te protegendo e querendo o seu melhor. Eu vou estar ali quando você publicar seu primeiro livro, quando você for dá a sua primeira entrevista, e pra quem você dará seu primeiro autógrafo. Desejo que o seu melhor sorriso, esse aí tão lindo, aconteça incontáveis vezes pelo caminho. Que cada um deles crie mais espaço em você. Que cada um deles cure um pouco mais o que ainda lhe dói. Que cada um deles cante uma luz que, mesmo que ninguém perceba, amacie um bocadinho as durezas do mundo.

Fecho os olhos chorando rios de lágrimas. Apesar de querer parar de ler agora, eu preciso disso, eu preciso vê que existiu alguém que estava disposto a me dar o que eu mais desejei em toda a minha vida... Ele me amou e ajudou quando ninguém mais fez.

Olha, você precisa tentar de novo com seus Pais. Não deixe que aquilo tenha sido o jeito no qual eles souberam sobre você. Entenda, nada é definitivo. Lembra disso: nada é definitivo. Sempre podemos mudar as coisas, sejam elas grandes ou pequenas. Então faça do jeito que você quer, na hora que você quer. Escreva uma carta, grave um vídeo, senta com os dois na sua sala de estar e conte a eles mostrando que o filho deles é a pessoa mais sincera e preciosa que já existiu nesse mundo.

Não quero que olhe pra traz e veja só a desgraça. Quero que veja o que você é capaz de produzir com o que sobrou de você depois disso. E pare de se achar feio, você é tão lindo, mais tão lindo, que tem horas que eu paro, olho pra você e fico admirando sua beleza e penso: cara, como sou sortudo de ter te conhecido.

Por Deus, como eu te amo! Por tudo o que você é, por tudo o que foi comigo. Quem tiver talento já pode escrever um livro sobre nós. Não me vem outra pessoa em mente a não ser você. Esse amor merece ser escrito, lido, relido, publicado e sentido. Não quero que nossa história se torne como essas histórias sepultadas e não contadas. Merecemos só pelo fato de darmos certo, da gente ser certo, da gente durar o tempo que foi preciso para ficar guardado na história, na nossa história. Vejo em nós um pra sempre que todos os casais procuram e, por sorte, encontramos um no outro.

Uma vez você me perguntou por que eu escolhi você... Nunca tive a chance de responder. Bom, Eu escolho você porque é tudo o que eu sempre sonhei.

Espero significar tanto para você quanto você significa para mim. Te amo com todo meu coração! Meu Lipe, meu lindo, meu grande amor.

Bye! =)

Coloco a carta ao lado e não consigo mais parar de chorar. Era como se minha alma estivesse sendo lavada, como se toda aquela pressão em meus ombros estivesse finalmente indo embora. Lembro de tudo que fizemos, tudo que dissemos um para o outro, e da vez que dormimos juntos naquela viagem. Da vez que brigamos e fui parar no hospital. Eu amava seus erros assim como amava os acertos, porque o que eu amava, enfim, era você. Ainda não tinha entendido, mas agora vejo que na verdade não era para nos separarmos, o destino não planejou isso.

Você foi o meu primeiro e verdadeiro amor. Obrigado por me mostrar que o amor transforma o mundo e as pessoas. Essa palavrinha de quatro letras é tão falada pelo mundo afora, pessoas gritam aos quatro ventos que amam, mas não sabem ao certo o que isso significa, pois esquecem que para amar é preciso saber se doar.

Eu nunca vou lhe dizer adeus, porque dizer adeus significa ir embora e ir embora significa esquecer. E eu jamais vou te esquecer, pois a saudade me certifica de que isso não irá acontecer.

– Bye! - Digo olhando da janela para o céu estrelado.