Stay With Me escrita por Fenix


Capítulo 2
O filme que abriu meus olhos




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Ele insistiu no assunto, e como eu precisava conversar isso com alguém... Comecei a falar! Foi a primeira pessoa pra quem contei sobre tudo e principalmente sobre mim, na verdade eu estou meio confuso sobre tudo agora, não sei o que pensar, não sei como agir, não sei mais quem eu realmente sou! As coisas parecem não se encaixar mais, como se tudo fosse como um borrão na minha mente e eu não pudesse focar em uma coisa vivendo sempre com esse sentimento de me sentir fora de lugar... Digo,não do modo que muitos se sentem,como se não se encaixassem em lugar algum,mas sim quando você olha pra si mesmo e tenta descobrir se existe algum propósito na sua vida,sabe? Eu às vezes penso nisso. Penso se um dia eu vou fazer algo grandioso ou se estou aqui apenas para existir. 

Lucas foi de grande ajuda nesse estágio inicial, me deu ótimos conselhos e me acalmou por alguns instantes, apesar de não nos vermos muito durante o ano, ele é um bom colega e sabia me ajudar quando eu estava desanimado.

— Quero que veja esse filme - Ele me diz depois de horas conversando.

— É sobre o que? - Pergunto antes de clicar no link enviado.

— Assiste! - Lucas insistiu. 

Logo cliquei no link e antes que o vídeo de uma hora e vinte e quatro minutos começasse a carregar, eu li o nome que me chamou atenção, "Orações para Bobby", nunca tinha ouvido falar desse filme na minha vida. Assim que eu li o nome, pensei que fosse algum filme de religião ou algo parecido. 

— A Ana já assistiu a esse filme, e nós dois choramos no final - Ele me contou pelo chat.

— Eu vou assistir! - Disse a ele e rapidamente dei play.

O filme é realmente lindo, e conforme as cenas iam passando, eu ia me identificando cada vez mais com o personagem principal, todo o contexto que ele tinha com a família e com si mesmo, era como se tivessem tirado tudo de mim e feito o filme. No final eu não tive como me conter, chorei tudo que não chorei por todos esses anos, não tem como descrever ao certo como foi que me senti, era como se eu tivesse acordado de um sonho, como se eu tivesse me encontrado e dito "Olha, esse é você!".

O impacto foi muito forte, eu não sabia como reagir à aquilo. Fui para cozinha beber um pouco de água, minhas mãos estão tremulas e suadas de tanto nervoso, eu nunca fui preconceituoso, mas não podia acreditar que isso estava acontecendo comigo.

O gole que tomo parece navalha que vai cortando toda a minha garganta. Tento conter o meu choro para não acordar minhas irmãs e meus pais, se alguém me visse agora eu não teria ideia de como explicar o meu estado emocional. Volto para meu quarto ainda chorando, bato a porta e encosto minha cabeça na parede, fecho meus os olhos e parece que surgem diversos pensamentos ao mesmo tempo, toda a minha vida retorna como um flashback indesejável. Não consigo falar, é como se tivesse em outro mundo, como se a partir de agora eu estivesse completamente sozinho.

Sento-me na cama ainda abalado, meu choro se conteve por alguns instantes, nesse momento desligo o laptop e tento dormir um pouco, minha cabeça dói horrores, e apesar de ter que acordar cedo no dia seguinte para fazer o curso de inglês, eu não conseguia pregar os olhos. A dor que surgia em meu peito era a sensação de alguém me esfaqueando lentamente. Às vezes não é fácil ver as coisas como elas realmente são.

"Droga, isso não pode ta acontecendo" eu pensava sem parar "E agora? Como vai ser?... O que vão pensar de mim? Como meus pais vão me ver agora?". Esse é o meu maior defeito, me preocupo demais com o que vão pensar de mim, por mais que todos os meus amigos falem para eu não ligar pra isso, não dá... É impossível, é difícil mudar algo que veio sua com sua personalidade e imperfeições.

E foi desde então que meus pensamentos jamais foram os mesmos. Posso dizer que desde então eu nunca mais fui o mesmo.

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No dia seguinte, acordo com os olhos inchados e ainda um pouco vermelhos, dormi por apenas 3 horas, não estava nas minhas melhores condições para estudar inglês. Fui ao banheiro e lavei meu rosto com a água fria, me encarei no espelho por alguns minutos, sem dar qualquer palavra, apenas me olhando. Minha mente está vazia, uma tela branca a preencheu completamente, creio que seja meu subconsciente tentando me poupar de mais pensamentos loucos, ou apenas a exaustão da minha mente.

Saio dali direto para cozinha, onde meu pai já preparou meu pão e nescau. Os pego e volto para sala, tomo meu café da manhã enquanto Bruna se arruma para irmos ao curso. Meus olhos estão fixos no chão, minha mente perdida em algum lugar por ai.

— Felipe, vamos logo com isso ai, assim vamos nos atrasar - Diz Bruna, escovando o cabelo em frente ao espelho da parede da sala.

Ainda sem dizer uma palavra se quer, me levanto e ponho as minhas coisas na pia. Nunca me arrumei tão devagar para ir ao curso, era óbvio em meu rosto que eu estava entristecido.

— Vamos! - Minha voz baixa quase não foi ouvida por eles.

Ela levanta depressa e é a primeira a chegar à porta.

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Entro no carro do meu pai sem dizer nada, coloco o cinto de segurança e fico calado no banco enquanto meu pai conversa com Bruna sobre como será a festa da copa do mundo hoje em casa. Eu não penso em descer para a festa que vai ter, das outras vezes eu estava até no clima e aproveitei bem. Os amigos das minhas irmãs vieram pra cá e meus tios, mas dessa vez não dá pra mim.

Só conseguia pensar em uma coisa "Quando ele descobrir, tudo vai mudar!", meu pai é a pessoa mais legal que eu conheço, e infelizmente a mais preconceituosa. Cada comentário que ele fazia e ainda faz, é como um tapa na cara e isso me assusta muito, eu não posso nunca pensar em contar para ele. Temo que esse segredo tenha que morrer comigo!

Durante o trajeto até o curso, muitos assuntos rolaram, e quando finalmente se dirigiram alguma pergunta à mim, o que consegui responder foi um simples e rápido "Aham".

Eu não sei como eles ainda não perceberam que eu estou diferente, eu não consigo mudar essa expressão de meu rosto. Mas talvez eles não se importassem com isso.

Desço do carro e me despeço de meu pai, me aproximo do curso com Bruna, ela tenta puxar assunto comigo, porém eu não estava a fim de conversar no momento.

Durante a aula, aquele assunto ia me corroendo aos poucos, eu olhava para todos ali e via o quanto estão felizes e animados com tudo e todos ao seu redor, quanto a mim parece que o mundo caiu, que estou perdido num vazio... Uma escuridão sem fim, sem ninguém estando ali para me guiar. Acredito que todo mundo um dia já se sentiu assim, como se não se encaixasse em nenhum lugar no mundo!

Volto a mim por alguns momentos, e tento prestar atenção no que era mostrado no slide, mas por tantas vezes eu fugia dali e voltava a lembrar do filme, e pensava que eu não queria ter o mesmo final que o Bobby, mas a minha vida segue o mesmo caminho que a dele.

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Eu e minha irmã voltamos andando para casa, nossos pais estavam ocupados nos preparativos para a festa que teria no início da tarde para verem o jogo de futebol. Durante a caminhada, por um curto prazo de tempo, eu achei que ficaria tudo bem, que eu iria me acostumar e que isso era só uma fase, que eu iria conseguir controlar esses sentimentos e viver como a sociedade diz ser o "certo".

Passamos por um rapaz corpulento saindo da academia, com a blusa enrolada no ombro e tomando a água da garrafa.

Ao olhar para ele eu entrei em um dos piores conflitos que uma pessoa poderia entrar. Eu quero, mas eu não posso. Não posso continuar com isso, eu já ouvi tantas pessoas julgando e condenando os gays por ser quem são, falando que é pecado e que estão condenados a queimar no inferno pela eternidade... Isso me assusta!

Desde muito pequeno, eu cresci agradando os outros. Sempre colocava os outros em primeiro lugar, não importa se eu fosse me prejudicar. Meus pais são quem mais cobram de mim, todos os dias meu pai pergunta sobre as minhas namoradas e quando eu vou ter uma? Não consigo aguentar isso por muito tempo.

Quando viram o beijo gay pela primeira vez na televisão, eu estava em meu quarto quando meu cunhado gritou para minha mãe.

— OLHA ISSO VIVIANE!

— Eu to vendo... Que absurdo! Não acredito nisso - Ela respondeu. Suas palavras foram devastadoras para mim, e parei o que estava fazendo por alguns segundos, fechei meus olhos e tentei apagar aquele momento da minha memória.

Foi eu ver aquele rapaz saindo da academia e todas essas memórias retornaram com força. Abaixei minha cabeça, me culpando por tê-lo olhado, e segui assim até em casa.

O que tem de errado comigo? Esses sentimentos estão ficando mais fortes que antes, eu não posso me deixar levar por eles, tenho que ser forte! Meu interior grita sem parar, eu quero ser eu, sair dessa jaula psíquica que montei para mim. Todo mundo esconde quem é, pelo menos por um tempo. Às vezes você enterra alguma parte de si mesmo, tão profundamente, que precisa ser lembrado que ela ainda esta lá. E às vezes o que você quer, é só esquecer quem você é, por inteiro. 


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