Tudo que ele não tem escrita por , Lis


Capítulo 4
Três - Anna


Notas iniciais do capítulo

Quase não postava hoje, mas saiu!
Obrigada, internet! ♥ hahaha.
Boa leitura, pessoal!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/538186/chapter/4

I M P L I C Â N C I A

{s.f. Ação de implicar com alguém para fazer com que essa pessoa se irrite; impertinência}

— Olha, é aquela garota que deu uma surra no Theo e foi parar na cadeia! – é o comentário que ouço de um grupo de meninas que entram na quadra do colégio. Não sabem nem metade da história, queridas.

Nem ouso levantar a cabeça do meu livro de física sobre mecânica e estou quase concluindo todos os exercícios da lista quando alguém se senta ao meu lado. E, vejamos, quando se é alguém bem antissocial como eu, é muito esquisito quando se sentam ao seu lado, principalmente em uma quadra poliesportiva.

E quando digo ao meu lado é porque a perna do menino se encostou à minha e sei que ele está me encarando de um jeito bem estranho. Levanto o olhar e paraliso com um arquear de sobrancelhas quando vejo o garoto moreno de olhos castanhos e craque da equipe de futebol masculina. Gustavo Narcoli.

O que diabos eu tenho que tô atraindo atleta?

Ele ainda me encara de um jeito bem psicopata.

— Aconteceu alguma coisa? – pergunto.

Ele para de me olhar por um momento quando pisca e abre um sorriso caloroso.

— Só queria te conhecer direito. – estende a mão – Sou Gustavo, prazer!

Olho para a mão grande que se direciona a mim e depois olho novamente para o dono dela.

— Isso é pegadinha?

Gustavo olha pra mão e depois pra mim, assim como eu fiz.

— Por que seria?

Reviro os olhos.

— Gustavo eu sei quem é você e a última vez que alguém como você se aproximou de mim foi para uma tentativa fútil de me humilhar. O que foi uma coisa bastante idiota.

Ele suspira e encosta-se à parede.

— Por favor, não me compare a Larissa e sua turma – responde – Isso é um insulto contra mim.

— O que você quer então? Porque eu sei que você não quer nada comigo então...

— Ei! – ele me interrompe e eu franzo a testa – Como sabe que eu não quero nada com você? Eu posso hm... Posso querer seu telefone pra sair contigo, sabe?

Tento ficar séria e depois rio. Isso é impossível, porque só de observar: Ou ele era gay (Coisa que Ibi, meu melhor amigo homossexual, nega constantemente) ou tem uma paixão muito séria por alguém já que ele dá fora em qualquer menina que ouse se insinuar com ele. E eu digo qualquer porque, caramba, foram muitas.

— Gustavo, por favor...

Ele tenta ficar bravo com meu riso, mas acaba rindo junto comigo.

— Sou tão péssimo assim em mostrar que estou interessado? – pergunta e eu marco a página do livro quando eu o fecho.

Mordo o lábio.

— Não é que você seja péssimo nisso – falo – Mas é que você não está interessado. E claramente, de todos daquela turma, você é quem realmente não está querendo ninguém dessa escola.

Ele ponderou por um instante e me olhou surpreso.

— Como sabe disso?

— Sou observadora. Dá pra notar que você não olha para as meninas do mesmo jeito que elas te olham, além de que sua expressão corporal deixa nítido o quanto você quer dar o fora nelas. Eu nunca vi você interessado o suficiente para chegar junto e pegar o número de ninguém! – respondo e sorrio – Acho que as meninas que tentam ficar contigo são tão cegas, porque se fosse eu, cara, nem daria o trabalho de tentar.

Os olhos castanhos ficam arregalados.

— Céus, garota! – comenta e ri – Você é meio doida.

Rio novamente.

— Resumindo: você já tem alguém que quer muito. Quer tanto que não se dá o trabalho de disfarçar que não a quer.

— Resumindo: eu sou um trouxa apaixonado.

— Elementar, meu caro – confirmo – Porém, você não veio aqui para confirmar sua paixão avassaladora.

Ele balança a cabeça, ainda abismado.

— Na verdade, eu vim falar sobre o Matheus.

Esse traste me persegue.

— O que quer falar sobre o cara que eu odeio, mas também o detesto muito? – pergunto com um sorriso falso.

Ele sorri também.

— Anna, pelo seu dom de observadora-meio-psicopata, acho que você sabe que o Matt é meu melhor amigo. – fala – E bom, ele perdeu o pai muito novo em um acidente e desde esse acontecimento ele anda meio sem rumo, sabe? Coisas do luto e...

— Gustavo, eu perdi a minha mãe há quase três anos – interrompo – Sei muito bem o que é luto e isso não me tornou tão babaca quanto o seu amigo.

— Eu sinto muito – ele responde – Mas, o Matt não é tão maduro quanto você e bom, eu quero pedir desculpas pelo que ele fez contigo.

Ergo as sobrancelhas.

— Caramba, você é tão fofo – desabafo e ele franze a testa quando ri. – É tipo um idiota fofo. Porque, caramba, tirando a parte que é muita idiotice pedir desculpa por uma coisa que seu amigo fez, o pedido foi até que gentil.

— Não sei se agradeço ou me sinto ofendido.

— Gustavo, eu não guardo mágoas – respondo – E você se mostrou uma pessoa com muito cérebro e bastante consciência, o que me surpreendeu bastante, mas se Matheus fosse um bom cara ele mesmo iria me pedir desculpas pelas babaquices dele.

— Mas é isso, Anna! Esse um mês de serviço comunitário pode mudar ele, ainda mais com a sua companhia – É um fato: Gustavo Narcoli é bem tolinho, coitado – Talvez ele mude.

— Cara, abaixa a bola aí que eu não sou fada madrinha – resmungo – Que paranóia!

— A esperança é a última que morre – comenta enquanto se levanta e me dá um soquinho no ombro.

Esfrego o ombro e vejo que enquanto Matheus é imbecil e sem noção, seu melhor amigo é um doido que precisa de um manicômio.

— Então eu acho que terão que mudar o ditado – respondo e ele ri enquanto desce as escadas.

Esse mês tem que acabar logo, tipo bem rápido. Porque se continuar assim o mundo vai virar de cabeça pra baixo.

***

Depois de duas provas e uma redação finalmente estou no ônibus e prestes a chegar à instituição para dependentes químicos. Estou no terceiro ano do ensino médio e nunca imaginei que passaria um dos meus últimos meses trabalhando em serviço comunitário por causa de um delito criminal.

Não me leve a mal, o serviço comunitário é incrível em relação a ajudar pessoas e conhecer histórias de gente que é praticamente invisível em nossa sociedade. Porém, fazer isso com uma péssima companhia e em um ano decisivo como esse é loucura.

Desço no ponto e estou caminhando para o local quando alguém puxa minha mão e eu imediatamente lhe dou um tapa.

— Caramba, mulher! – a pessoa exclama – Deixa de ser agressiva! Olha que isso não combina muito bem para uma garota.

Stahelin sorri e eu ergo o braço.

— Deixa eu te mostrar o que combina com uma garota – respondo e estou prestes a bater, quando ele me interrompe ao puxar um livro das costas e me estender o objeto.

— Desculpe – respondeu com um olhar terno – Não queria fazer um comentário machista e sei que isso é bastante idiota. Mas seu livro caiu com sua bolsa aberta e você nem percebeu. Deveria ficar mais atenta, Branca.

Puxo o livro pra mim e faço uma careta. Respire, Anna.

— O comentário ainda não foi legal.

Ele faz uma mesura desajeitada quando ri.

— Já pedi desculpas, milady. – fala falsamente e depois segura uma das minhas mãos e me puxa – Agora vamos logo que eu quero te mostrar uma coisa antes que nosso tempo de trabalho comece.

Tento me soltar, mas ele me puxa consigo e sou levada a passos rápidos até a salinha de funcionários. Ele me solta para nós dois podermos colocar nossas bolsas no devido lugar, mas  me chama novamente para uma área da construção que eu ainda não havia ido. Passamos pelo corredor de quartos, pela sala de recreação e por um campo de futebol improvisado em uma área aberta até chegar a outro prédio com duas salas fechadas.

— Onde estamos? – pergunto – Por que me trouxe...

— Sem perguntas ainda – ele interrompe e pega no bolso da calça uma chave prateada.

Seus passos ecoam pela área até ele chegar na porta de uma das salas e abrir. Pelo que eu pude observar desse prédio, que ficava aos fundos da instituição, ele estava abandonado e sua pintura estava desgastada assim como o piso estava sujo e com lodo nas partes expostas a sol e chuva.

A porta fez um ruído ao ser aberta e espirro com a quantidade de poeira. Como se já conhecesse o local e fizesse isso muitas vezes, Matheus estende a mão e liga o interruptor para acender as luzes.

Nada acontece.

— Merda. – resmunga e caminha para dentro em busca das cortinas – Entre, Branca. Não é possível que você seja fresca ao ponto de ter medo de algumas teias de aranha.

Cruzo os braços e encosto-me à porta.

— Por que eu entraria? Não tem motivos para eu inalar a quantidade de poeira existente nessa sala e perturbar meus pobres pulmões.

— Oh, que dedicada à saúde você é – responde e sei que ele revirou os olhos – Pare com esse papo ridículo e entre logo.

— Dê-me um motivo para isso.

Ele olha pra mim com um sorriso e depois se volta para a cortina puxando os dois lados. Isso faz com que uma fumaça de pó apareça e uma janela grande de madeira surge. Ele a abre.

— Porque você é inteligente. E pessoas inteligentes são curiosas – O local se enche de iluminação e eu posso ver um jardim, juntamente  com outra rua, na paisagem da janela – E você está curiosa, admita.

Meus pés se movem para mais perto e vejo o contorno familiar de uma escada do lado direito, um piano coberto por uma lona empoeirada e um grande salão de dança se abrindo além da porta. Sim, pois mesmo com a tinta desgastada e o papel de parede faltando em um canto, eu podia ver um casal dançando tango, outro sambando e mais alguns dançarinos em diversos estilos de dança.

— Uau! – não sou capaz de conter a exclamação e ele sorri disso.

Recordo-me de toda a estrutura do prédio e de como logo atrás vinha outra construção, já que a instituição era situada em uma esquina que dava para outra rua paralela.

— Eu pensei que a Terra da Sobriedade funcionasse somente em um prédio – respondi passando os dedos pelo piano e olhando o chão de madeira que com verniz ficaria brilhante – Caramba, esse local era incrível.

— Totalmente – murmura e posso jurar que vejo seus olhos brilharem por um momento– Essa sede era uma das maiores da Terra da Sobriedade. Pelo menos era a que tinha mais programa de recreação para os dependentes e a que mais os incentivava a se recuperar e ter a reinserção na sociedade.

— O que aconteceu? – pergunto.

— Muitas coisas: mudanças de coordenador, falta de investimentos... Com o tempo algumas coisas foram se perdendo.

Ele vai até as escadas e começa a subir.

— Venha – chama e eu subo para o primeiro andar onde a luz se acende e há um pequeno sofá, como também uma televisão antiga e um birô com alguns papéis ainda encima. Toco no ursinho de pelúcia azul coberto de poeira que está sentado perto de um porta-lápis como se fosse decoração.

— A outra sala ali era um estúdio de balé – fala Matheus enquanto abre outras cortinas.

Vejo uma porta ao lado do sofá e presumo que ali deve ser o tal estúdio. Viro-me para perguntar por que o Dr. Lucas e os outros funcionários não limpam e organizam esse lugar, quando vejo que as cortinas que ele abriu vão dar em uma pequena varanda. Vou até lá e suspiro baixinho para o monte de casas e alguns prédios coloridos e lá no fundo o brilho do mar se abrindo no horizonte. Era como uma listra de tinta azul recém-pintada, brilhante e de um azul que nunca se acharia nas tintas.

Olho pra Matheus que está observando a mesma visão que eu.

— Por que me trouxe até aqui? – sussurro.

Ah, por favor! Aquele era Matheus Stahelin, o campeão de natação que pega geral, o cafajeste que espanta as bobinhas e quebra o coração de qualquer um que ouse se aproximar. Ele era o terror da minha escola.

Matheus demora um instante para olhar pra mim e sorri.

— Sei lá, só deu vontade – responde – Agora estamos quites.

— Você faz aquilo tudo no nono ano, me empurra, me faz bater em um policial, se mete na minha vida agora e acha que me mostrando um local empoeirado, eu estou quite contigo?

Dá de ombros ainda sorrindo.

— Então não estamos quites. Dane-se isso.

Reviro os olhos.

— Não dá pra te entender – respondo – Desisto, Stahelin.

Ele ri e tira as mechas de cabelo castanho que está lhe caindo nos olhos.

— Isso tudo acabou porque meu pai morreu, Anna. Era ele quem investia nesse lugar, dava assistência e incentivava a dança e as artes. Nem todas as pessoas pensavam como ele quando ele morreu, então a ideia foi se perdendo.

Ergo as sobrancelhas perguntando-me o porquê dele está falando tudo isso para mim. Caramba, nem amigos nós somos. Nem fomos algum dia. É incompreensível que...

— Dá pra parar de pensar que eu sou um imbecil insensível? – ele olha mim e eu interrompo meus pensamentos – Estou quase ouvindo as engrenagens do seu cérebro.

— Meu cérebro não tem...

— É maneira de falar, Anna – responde e ri – Estou lhe contando tudo isso porque deu vontade de contar, eu não sou um completo idiota, ok?

— Pelo visto não sempre – murmuro baixinho e ele ergue as sobrancelhas.

— Ontem, no círculo terapêutico você me surpreendeu.

Sorrio falsamente.

— Ah, que lindo, aí eu te surpreendo e ganho um prêmio por isso? Ah, que bom que eu consegui te agradar.

— Meu Deus, você é muito irritante!

Gargalho na cara dele.

— Olha quem fala: o rei da implicância!

— Eu só implico contigo porque tu provoca, garota!

— Ah, por favor! – exclamo – Você só não está acostumado que alguém responda as suas idiotices. Desculpe se eu não fico caladinha gemendo que nem suas menininhas.

Em dois passos seu rosto se aproxima de mim e posso ver a raiva explodindo de seus olhos verdes.

— Vai fazer algo contra mim, Stahelin? – sussurro – Vai me bater?

Ele se afasta no mesmo instante.

— Eu não bato em garotas – responde virando-se para sair da varanda –  Você pode pensar sempre as piores coisas de mim, senhorita. Mas eu nunca vou levantar um dedo pra confirmar seus famigerados julgamentos.

Dá uma piscadela e sai.Mordo o lábio, completamente furiosa e o acompanho enquanto ele desce as escadas.

— Por que não mostra esse lugar para o Dr. Lucas? Se outras pessoas não tiveram a mente tão aberta quanto seu pai, talvez o próprio filho dele possa ter. – falo – Crie uma proposta, peça para sua mãe investir...

Ele ri. Realmente gargalha.

— Você não entendeu, não é? Minha mãe me odeia por tudo que eu fiz, Dr. Lucas nunca daria ouvidos para um adolescente delinquente e não tem a bosta de um professor de dança para continuar isso aqui!

Voltamos para o salão e eu o interrompo puxando seu braço antes que ele volte para começarmos o serviço comunitário. Ainda tínhamos dez minutos.

— Você! – exclamo – Você pode ser a bosta de um professor de dança para continuar isso aqui.

Seus ombros se retesam e ele paralisa. Levanta o queixo enquanto me encara.

— Eu não danço.

— Ah, você dança sim – falo – Eu já vi, lembra?

Seu revirar de olhos e a respiração entrecortada é sinal que ele não quer falar sobre isso. Porém, eu nunca fui boa em respeitar limites com ele.

— Isso faz muito tempo.

— Faz apenas três anos.

— Aquilo foi no improviso...

— Dane-se, Stahelin! – corto sua fala – Assuma que você é realmente filho do seu pai, você sabe dançar!

— Mas isso não adianta de nada! – explode – Anna, eu não sou professor de dança. Eu não posso ensinar esse pessoal, não posso elaborar a droga de uma proposta para uma reforma.

— Então vai ficar aí sendo o adolescente delinquente que ninguém acredita? – respondo e rio – Por mim tudo bem, a vida é sua. Mas tem vários pacientes do outro lado do prédio que só precisam de uma chance para fazer acontecer. Yago, Gisele, Helô e muitos outros...

Ele volta a caminhar em direção a porta, decidido a enterrar essa conversa como eu sei que ele assim o faria. Mas, ele para. Seu rosto se vira para me olhar e eu franzo a testa.

— O que foi?

— Anna, acho que tenho um acordo pra você.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu desisti de não ficar nervosa a cada postagem de capítulo e fico nervosa e ansiosa com tudo mesmo hahaha fico muito apreensiva para saber o que vocês acharam por causa das mudanças, então eu realmente espero que tenham gostado.
Alguém sabe que acordo é esse? ♥
Agradeço aos meus leitores lindos pelos comentários maravilhosos do capítulo passado. Espero que o ano novo de vocês esteja sendo incrível!
Beijos e até mais,

PS: Uma tradição que estou mantendo e acho muito importante, fico extremamente grata as pessoas que comentaram na primeira versão do terceiro capítulo: Fanfics Sagas, Lari, Narelly Fell, Karine Gonçaves, Blue, Daughter of The Sun, Duda, Slipcom e Kah Lovegood ♥