Tudo que ele não tem escrita por , Lis


Capítulo 26
Vinte e três - Anna


Notas iniciais do capítulo

Hey, seres humanos! Aqui estou eu com um dia de atraso hahaha (que não foi nada proposital. Eu REALMENTE ia postar ontem, mas estava com tanto sono a noite que não consegui revisar o capítulo direito. Espero que me entendam). Bom, hoje temos um capítulo bem especial, ainda mais pra quem curte romance hahaha não vou comentar muito por aqui, então até as notas finais!

Ah, deixo aqui meu agradecimento especial as maravilhosas que comentaram no capítulo passado: Lauriana, Mdsgeo, Alex Ross, Daughter of the Sun, Teen Spirit (mais uma vez: Seja bem vinda, Gabi!) e BellaZuuh. Obrigada por serem leitoras tão incríveis e por me aguentarem surtando nos comentários hahaha

Espero que gostem e boa leitura!

PS: Lembrando que nas mensagens de texto, as de negrito são da Anna e as apenas em itálico são do Matheus.



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— Você está me deixando excitado.

Ergo as sobrancelhas enquanto encaro os olhos castanhos, os cabelos encaracolados e a expressão risonha de Ibi. Ele não consegue conter a gargalhada e ela soa alta pelo meu fone de ouvido, enquanto ele ri cada vez mais.

— Jesus, Anna Clara, olha a sua cara! Não acredito que ficou vermelha!

Sinto minhas bochechas ruborizarem e faço uma careta enquanto cruzo os braços, aconchegando-me melhor nos travesseiros atrás de mim.

— Eu não estou vermelha!

Mentirosa. A palavra vem em minha mente ao mesmo tempo em que o grito de Ibi é ouvido. Começo a falar, revoltada com o seu riso:

— Eu não acredito que você ficou excitado! Eu só estava falando de...

— Do corpo gostoso do Matheus! - ele interrompe.

Bufo, irritada. Tudo bem, eu realmente estava falando de Matheus, mas nunca saiu da minha boca nada sobre o corpo atlético e consequentemente definido do meu parceiro de dança! O tópico da conversa era completamente inocente!

— Eu estava contando da minha semana e por um acaso mencionei Matheus - rebato, indignada - Não tem nada de excitante nisso, Ibi!

Os olhos castanhos ainda refletem malícia.

— Mas em outras coisas tem, não é?

— Ibi!

Ele ri de novo, mas sei que toda essa história é só uma forma de me fazer relaxar da semana conturbada. Na realidade, os dias que procederam a briga no colégio foram um verdadeiro inferno. Depois de Gisele se sentar na mesinha dos funcionários e nos apontar diretamente Theo Gonzalez, ela respirou fundo antes de relembrar as memórias e nos contar  as coisas que ela sabia que ligava Theo a seu ex-namorado abusivo.

A.J., o ex de Gisele, estava profundamente ligado ao tráfico de drogas em uma das comunidades da região e tinha, ironicamente, uma ligação com Theo e seu pai. Logo, deduzimos que todas as drogas que Theo fornecia em suas festas e farras eram provavelmente oriundas do fornecimento que A.J. garantia pra ele. Inclusive, essa droga poderia ser a mesma entregue a Peter, irmão de Helena, no seu pior período de vício. Com toda certeza aquela era uma acusação grave que poderia ajudar a incriminá-lo judicialmente.

Assim, logo após agradecer imensamente à Gisele, Matheus e eu praticamente corremos para a casa de Rodriguez. O delegado se assustou com nossa chegada repentina, mas, após ouvir a história, garantiu averiguar a ligação, como também conversar com Gisele. Porém, infelizmente não tínhamos provas, além da palavra dela que,  por ser uma garota da comunidade e  uma ex-dependente química, poderia ser colocada em cheque pela polícia.  Um completo absurdo!

Além disso, no outro dia começaram as investigações do Caso Helena, em que eu e Matheus tivemos que dar vários  depoimentos sobre nossa relação com o caso e ouvir centenas de vezes os questionamentos sobre a inocência, decência sanidade de Helena no dia do estuproEra chocante o quanto a vítima era desmoralizada e julgada em casos assim. O processo de denúncia era praticamente cruel: porque logo aqueles que deveriam ajudar preferiam dissecar ainda mais uma pessoa já fragilizada.

Enfim, tanto o e-mail quanto as fotos foram enviados para análise e agora deveríamos esperar o resultado, como também aguardar o depoimento de Theo sobre o ocorrido. Então ali estava eu, revoltada por Helena e pelas outras mulheres que sofreram violência sexual, mas impotente em relação a tudo isso.

— Estou com saudade de você - falo baixinho  pra Ibi, logo depois da minha divagação. Suspiro e descasco o esmalte da unha do meu polegar - Quando você volta mesmo?

Meu amigo sorri, ainda era estranho que estávamos há quase um ano sem nos ver. Por um tempo Ibi foi praticamente meu único amigo de verdade.

— Nas férias de janeiro. - responde - Mas, Clara, você sabe que eu sempre estou e estarei aqui pra você. Independente dos quilômetros que estejam entre nós, eu sempre irei correndo pro Brasil se você precisar. Eu sei que o período está difícil, uma investigação policial não é fácil e é horrível que as mulheres ainda sejam tão julgadas e desmoralizadas na sociedade. Sério, qual o problema desse povo, hein? Tanta coisa melhor pra fazer e vai julgar logo nós da comunidade LGBTQ e as mulheres? Logo nós, esses seres tão fodas que Deus ou outro ser divino criou? Me polpe!

Ri junto com ele e sorri quando Ibi tocou o local do coração e fez um gesto de pulsar em minha direção.

— Você vai está sempre aqui, Anna Clara Bennet. E eu não tenho dúvidas que você vai superar tudo isso e ajudar a fazer justiça por Helena. Na verdade, não tenho dúvidas que dá próxima vez você vai estar realmente me contando sobre o corpo gostoso do Matheus com experiência de causa!

Gargalhei junto com ele. Óbvio que o discurso tinha que terminar desse jeito!

— Mas você só pensa nisso hein, Ibi!

— Prioridades, meu bem - riu, dando de ombros. - Ah, e não pense que eu me esqueci que estamos na época de vestibulares, viu? Mesmo já sabendo o resultado, te desejo força pra arrasar com a cara dos corretores!

Ah, os vestibulares. Também tinha isso. Sorrio para Ibi.

— Tu és demais, sabia?

Ibi apenas sorri também, enquanto bagunça os cachinhos do cabelo com as mãos. Ele sempre faz isso quando fica sem graça.

— Somos, Clarinha. Somos.

Despeço-me dele e suspiro feliz com aquela conversa. Realmente a época de vestibulares havia começado e, inesperadamenteme sinto tranquila em relação a tudo isso. Quando estamos no último ano do ensino médio, há uma pressão enorme acerca do temido vestibular, em que você tem que passar, tem que acertar tudo, tem que fazer aquele curso concorrido... Um processo degradante que, pra mim, parece fazer mais medo ao aluno do que motivá-lo. Uma completa ironia.

Penso na conversa sobre cursos e sonhos que tivemos na Terra da Sobriedade e pego o celular para mandar uma mensagem para Matheus.

Sabe, independente das suas dificuldades esse ano, estou torcendo por vc amanhã.

A resposta demora alguns segundos, mas rio quando leio:

Não se preocupe, Branca. Depois das tantas explicações de física que vc meu deu, assim q terminar a prova, vou sair gritando "ANNA CLARA BENNET É UMA PROFESSORA FODA" durante todo o caminho pra casa.

Hahahaha não me mate (ou se mate) de vergonha, Stahelin. SérioNÃO FAZ ISSO.

Senão o quê? O que eu ganho em troca, Bennet?

Chantagista.

Eu sou esperto ;)

Ainda assim, um chantagista.

Vou gritar e ainda vou gravar pra você ver.

Idiota.

Talvez, mas preciso enaltecer as habilidades técnicas da minha professora. Ela é agressiva, mas eu gosto dela mesmo assim, sabe?

Matheus...

Te encontro no domingo depois do segundo dia de prova?

Ok. Mas não grita nada.

Está duvidando do seu aluno, Anna? hahaha então vou fazer por aqui:

Ergo as sobrancelhas quando ele envia um áudio e rio ao escutar em seguida:

— ANNA CLARA BENNET É UMA PROFESSORA FODA, VIZINHOS! - o grito é soado um pouco distante, conhecendo Matheus, provavelmente de uma janela.  E então a voz dele se torna mais alta enquanto ele se aproxima e diz: - E é  a melhor que eu já tive. Independente do resultado amanhã, obrigada por ter me dado uma chance e me ensinado, Bennet. Na realidade, sou eu, seu mero aluno péssimo em exatas, que está  torcendo muito por ti. Demais.

***

No domingo, quando finalmente saio da sala de prova e sinto o vento fresco no meu rosto, percebo que pelo menos uma etapa das metas do ano foi concluída. Desço os degraus da escola e estou concentrada pegando o dinheiro do ônibus, quando sinto alguém trombar em mim e se afastar rapidamente.

Idiota.

Resmungo e viro-me para olhar a silhueta masculina se afastar apressada. Penso ter ouvido um "Cuidado por onde anda", mas balanço a cabeça para afastar a confusão. Gente sem educação existe em todo lugar. Dou de ombros, pego o dinheiro e estou caminhando para o ponto, quando um carro buzina ao meu lado. Ergo as sobrancelhas para o sedã preto e os vidros do motorista se abaixam para revelar os olhos verdes e o sorriso largo de Matheus. 

— Vem cá, Branca - chama - Eu não poderia deixar uma professora foda  dessas voltar de ônibus, não é?

Dou um sorriso de lado e faço a volta para sentar no banco do passageiro. Jogo a bolsa no banco de trás e ele aperta a minha mão na sua antes de acelerar o carro.

— Você não vai parar com essa história tão cedo, não é? - ri.

Ele olha rapidamente pra mim, a expressão em completa malícia e o sorriso sacana exposto no rosto.

— Óbvio que não, eu deveria ter te chamado de professora muito antes - responde - Já pensou? Uma professora sexy e um aluno revoltado...

Dou um tapa leve em sua perna e ele ri. Safado.

— Tá, já parei.

Suspiro e me recosto melhor no banco, olhando ele assobiar a melodia da música que toca na rádio. Sua expressão é leve, o que faz entender que independe de como foi sua prova, ele está tranquilo. Percebo que com a correria que aconteceu depois da morte de Helena, o que ocorreu alguns dias após o nosso primeiro beijo, eu nunca mais parei para analisar sobre o que realmente sentia por ele. O que eu sentia a respeito de um nós.

Ah, Matheus.

Observo discretamente os cabelos naturalmente bagunçados e um pouco grandes, o maxilar forte que exalava sua concentração na estrada e a curva dos seus lábios no meio do assobio. Olho atenta as sobrancelhas bem desenhadas (mas com um leve vinco de ansiedade), os cílios escuros que se movimentam a cada piscada e até mesmo o pequeno sinal perto da orelha direita, o qual eu só notei depois de beijá-lo ali em um de nossos momentos juntos. Contemplo todos os contornos e detalhes do seu rosto que o fazem ser quem é e percebo que gosto disso. De cada coisinha que começo a conhecer dele.

 Meu olhar viaja para a sua clavícula exposta, para a camisa de um tom azul-escuro e para a calça de moletom. Vejo o caminho que seus braços fazem do ombro até os dedos das mãos e noto a cicatriz que ele tem em um dos indicadores oriunda, provavelmente,de uma travessura da infância. E eu sei que deve ter mais. Mais cicatrizes. Mais pra se ver. Deus. Qual a dimensão que uma pessoa pode alcançar ao gostar de alguém? Porque, depois de tudo, eu...

 Fecho os olhos quando ele me encara rapidamente e sou praticamente pega no flagra. Droga.

— Pode me olhar a vontade, Anna. - murmura, fazendo uma curva - Mesmo eu sendo esse modelo-vivo de beldade, permito-lhe esse prazer.

Rio e abro os olhos.

— A modéstia sempre foge de você.

Ele dá de ombros, mas o sorriso divertido se perde quando finalmente o carro é estacionado e ele se vira para poder segurar minha mão, focando totalmente em mim. Franzo a testa quando olho em volta e percebo que estamos em frente a Terra da Sobriedade em pleno domingo. O que é totalmente estranho, já que as visitas oficiais só podem ser feitas durante a semana.

— O que estamos...

— Dessa vez, não vamos realmente fazer uma visita oficial. Falei com o doutor Lucas para podermos vir aqui hoje, mas somente para ficar no salão de dança lá atrás.  - Matheus responde, me interrompendo.

Fico confusa pelo motivo de voltarmos ao salão de dança, mas pego minha bolsa e o acompanho quando ele tranca o carro e pega minha mão para me puxar consigo. Entramos rapidamente dentro do prédio e sou conduzida por entre os corredores até chegarmos a porta de madeira desgastada. Matheus põe a mão no bolso para achar a chave e logo em seguida já está girando a maçaneta para adentrar o local.

— Sinceramente ainda estou tentando entender o porquê de estarmos aqui hoje - falo, enquanto entro junto com ele no salão escuro.

Já era noite e, pelo que eu me lembro, as luzes não estavam funcionando. Observo Matheus caminhar no breu e abrir a cortina da janela, um ato bastante semelhante com o que ele fez quando estivemos juntos aqui pela primeira vez. A luz do luar ilumina de maneira fraca o salão e eu ergo as sobrancelhas para as sombras posicionadas no chão.

— Que tal parar de girar essas engrenagens no seu cérebro e esperar as coisas acontecerem ao menos uma vez, Branca? - ele sorri enquanto fala, voltando para perto de mim e fechando a porta.

Ergo as sobrancelhas para o tom suspeito em sua fala, mas apenas balanço a cabeça e caminho lentamente, tentando identificar o que são as coisas espalhadas pelo chão. Paraliso quando reconheço o contorno da caixinha de som e me viro para observar Matheus percorrer o recinto com um isqueiro, acendendo velas posicionadas estrategicamente a cada canto do salão.

Suspeito. Tremendamente suspeito.

Ele levanta a cabeça pra me olhar e rir da minha expressão curiosa.

— Paciência, gafanhoto.

Faço uma careta, mas paro de me irritar com ele quando a claridade das velas começam a iluminar e eu vejo todas as coisas que estão no chão. O cobertor forrado no centro do salão, os travesseiros e uma pequena cesta de piquenique. Além disso, noto a caixinha de som juntamente com a capa do CD de Dirty Dancing ao lado. Logo Dirty Dancingo musical favorito da minha mãe.

Volto a olhar para Matheus, o qual já parou de acender as velas e me olha com um sorriso meio tímido. Ele bagunça os cabelos antes de estender a mão pra mim e me puxar pra mais perto de si.

— Em Dirty Dancing, assim que o Johnny conhece a Baby, ele a julga por ser mais um dos riquinhos do hotel e pensa que ela só tem mais um pensamento elitista e superficial. - fala ele, contando uma parte do filme que eu praticamente sei decorada - Mas mesmo com o julgamento, ela não desiste e continua a insistir em andar com o grupo dele. Então quando a parceira de dança de Johnny engravida de um dos garçons e a Baby começa a ensaiar para dançar com ele, os dois sabem que não poderão mais resistir aquilo. E realmente não resistem.

Sinto os dedos da sua mão esquerda percorrem minha cintura, enquanto sua mão direita se posiciona em meu queixo e o levanta, para que meus olhos fiquem exatamente alinhados com os seus.

— Quando finalmente falei com você de verdade no nono ano, nós nos julgamos. Eu vi a garota nerd e sem graça que todos falavam e...

— E eu vi o idiota prepotente que fingia ser um bad boy. - completo.

Matheus ri.

— Isso. Só que depois eu percebi que você era muito mais do que um rótulo de ensino médio. Todos nós somos. E bem... Eu fui realmente um idiota no nono ano por tudo que aconteceu. A Baby foi julgada e insistiu em mostrar que era mais do que pensavam, eu não. E eu sinto muito por isso, Anna. De verdade.

— Matheus... - tento falar, mas ele coloca o dedo nos meus lábios e sorri.

— Só que esse ano tudo mudou. Desde a aposta, o incêndio na biblioteca... Deus, desde que foi anunciado que iríamos fazer o serviço comunitário juntos. Eu tentei ao máximo negar, mas sinceramente eu não sabia como poderia resistir a você, Bennet. E bem... Como Johnny, não resisti.

Meus olhos se arregalam com a clareza da situação e eu sinto meu coração acelerar com a natureza das palavras dele. Um fato bastante evidente: ninguém nunca está preparado para receber uma declaração. Se você pensa que é como nos filmes que todo mundo tem um roteiro pronto: desiluda. As coisas não são tão bonitinhas assim. Abro a boca umas três vezes pra falar e noto Matheus me encarar profundamente para, logo em seguida, começar a gargalhar.

— Meu Deus, você está desesperada. -Abro a boca, indignada. Pronta pra rebater o comentário, mas ele continua: - Não se preocupe, eu também estou.

Franzo a testa em confusão.

— Não sei se fico feliz ou decepcionada por ter acabado o clima.

Sinto seus dedos me segurarem com mais força e ele arqueia a sobrancelha.

— E quem disse que acabou o clima?

Mordo o lábio, tentando pensar na dimensão de tudo aquilo e ele ri de novo.

— Anna Clara Bennet, você me deixa loucoÉ isso. Não consigo parar de pensar em você e isso não é de hoje. Sabe, sou completamente louco pelas suas manias, pelos seus gestos corriqueiros, sorrisos discretos e até mesmos pelas ironias agressivas. E fico cada vez mais louco porque toda vez que penso que a loucura já atingiu o ápice, lá vem você me beijar que nem aquele jeito no carro e me deixar ainda mais completamente enlouquecido. E sim, isso é desesperador porque eu ainda estou  aprendendo a saber o fazer com tudo isso.

Suas duas mãos sobem para meu rosto e ele caminha com os dedos por minha bochecha, meu nariz e pelo contorno dos meus lábios.

— Mas uma das coisas que Helena me ensinou é que não posso me demorar demais com o aprendizado porque infelizmente as vezes a gente não tem todo o tempo do mundo. - fecho os olhos com a menção à Helena e também deslizo minhas próprias mãos por sua cintura. Seus lábios tocam minha testa quando ele continua: - Então eu sei que a gente ainda tem muita coisa pela frente e também sei que quando sua mãe falou para você encontrar o seu Patrick eu não era um modelo mental perfeito. Mas... Eu quero tentar ser, Anna. De verdade. Se você deixar.

Não consigo segurar a única lágrima que desliza por meu rosto quando lembro da minha mãe e sua teoria sobre o amor. Na realidade, ela nunca pensou em  um modelo perfeito para ser meu Patrick. E, falando sério, isso de modelo perfeito nem mesmo existe!

Sorrio para sua expressão ansiosa. Quem diria que Matheus Stahelin poderia ficar tímido, senhoras e senhores?

— Você está me pedindo em namoro, Stahelin?  - questiono com malícia.

Matheus sorri  e dá de ombros.

— Seria bem mais fácil te apresentar como minha namorada. Porém, não precisamos nos limitar a uma simples  definição — responde e só agora noto o controle que ele tem no bolso da calça. Ele me lança uma piscadela antes de dar play - A real pergunta que farei é: quer dançar comigo, mas sem deixar a dança acabar?

Começo a rir porque This time of my life começa a soar e a voz de Bill Medley  preenche o recinto, fazendo eu apenas assentir discretamente enquanto Matheus desliza os dedos carinhosamente pelo meu quadril. Porém, dessa vez, quando ergo o queixo e ele me coloca na posição de dança, eu não piso no pé dele e finalmente  consigo  dançar de verdade.

***

— Acho que esse é o momento mais tranquilo que nós já tivemos - comenta Matheus, deitado nos travesseiros.

Pisco pra ele e termino de arrumar as coisas na cesta. Assim que terminamos a dança fomos diretamente comer alguma coisa até ficarmos ali: sonolentos e jogados na manta forrada no chão.

— Verdade - concordo - Talvez alguém tenha tido misericórdia desses dois pobres seres mortais que nós somos e nos deu uma folga.

Matheus ri, pousando os dedos delicadamente em minha cintura. O gesto é casual, mas sinto um arrepio mesmo assim.

— Amém! Só espero que a misericórdia continue - responde e sinto seus lábios no meu ouvido - Porque eu ainda quero ficar mais um tempo tranquilo com você.

Deixo-me ser puxada para baixo e suspiro ao me encaixar no seu ombro, enconstando-me quase totalmente no seu peito. A posição até que poderia ser tipicamente clichê, mas era boa, não posso negar. Namorado, hein? Quem diria que depois de tudo Matheus Stahelin poderia vir a ser tudo isso pra mim? O destino realmente gosta de brincar com a vida da gente.

— Você foi surpreendente - comento em voz baixa um tempo depois.

Sinto ele dar de ombros, mesmo sem ver. O som rouco da sua risada passando por mim através das vibrações em seu peito.

— Eu tinha que ser, você geralmente sabe ler as emoções em meu rosto como um maldito oráculo - responde -  Além disso, não queria fazer uma coisa superficial. Se eu te levasse pra jantar que nem aqueles filmes bregas, seria chato e você sacaria tudo na hora.

Assinto em concordância. Uma coisa elaborada demais seria previsível e provavelmente monótono. Não que um jantar não fosse bom (comida é essencial!), mas discutir sentimentos de frente pro outro com uma mesa entre nós não era muito o nosso estilo.

— Bom, então agora eu tenho um namorado idiota e louco na maior parte do tempo só pra mim? Que bela aquisição!

Ele ri ainda mais, os dedos da mão direita  fazendo um caminho torto pelas minha costas.

— E eu tenho uma namorada agressiva e incrivelmente sarcástica. Acho que estamos quites.

Faço uma careta porque aquilo foi realmente muito meloso e ele gargalha, trazendo-me para ainda mais perto. Passam-se alguns minutos e sinto a nota de ansiedade em sua voz quando ele murmura:

— É a última semana de aula e também a semana que Theo vai dar o depoimento dele, eu não sei como ele vai reagir, mas...

— Ele vai ser punido, Matheus - interrompo - Sabemos que ele é culpado e vai ser punido tanto por Helena e as provável outras garotas que ele abusou quanto pela ligação com as drogas.

Levanto a cabeça e viro-me para poder apoiar o queixo em seu peito, encarando de frente os glóbulos esverdeados que refletiam preocupação.

— Theo é um maníaco, Anna.

— Eu sei.

— E se ele tentar fazer alguma coisa com você...

— Já tivemos essa conversa antes - respondo - Eu não sou uma princesa indefesa, você não é herói que pode me salvar de tudo e sim meu namorado, ok? E pare de pensar no lado negativo! Theo já está ferrado, há a possibilidade de ele não querer tentar nada comigo para não se ferrar mais.

Ele demora para concordar, então eu deslizo os dedos pela marca de frustração entre as suas sobrancelhas, respirando fundo antes impulsionar meu corpo pra cima a fim de beijar seu queixo. As mãos dele se movem de novo pelo meu corpo enquanto eu toco com os lábios as suas bochechas, nariz e testa. Para, em seguida, olhar em seus olhos e enfim me dedicar totalmente a sua boca.

Sinceramente, acho que nunca irei me cansar de fazer isso.

A preocupação se esvai, juntamente com a minha razão. Sinto seu sorriso contra mim, logo antes dos seus lábios deixarem aos meus e traçarem o caminho da minha orelha ao pescoço, fazendo-me arrepiar. Os dedos passeiam por cima da minha roupa, traçando todos os contornos... Mas nunca com o intuito de tirá-la do lugar. E eu agradeço por isso.

A verdade é que respeitar os limites do outro é um dever de todo ser humano. Porém, infelizmente como a exemplo de Theo,  esse dever não é cumprido como deveria, principalmente por parte dos homens que, devido ao machismo, acham que tem poder sobre o corpo e os desejos das mulheres. Então naquele momento, mesmo que  Matheus tivesse somente cumprindo com sua obrigação, sinto orgulho porque sempre deveria ser assim. Nós sempre deveríamos ser respeitados.

Seus lábios deslizam  pela curva do meu pescoço e não consigo conter um suspiro baixo. Abro os olhos brevemente para encará-lo e quando seu olhar se encontra com o meu e desce novamente para minha boca, sei que os beijos não irão acabar agora. Ah, não. Realmente não irão. E assim que sinto o sopro quente da sua respirando perto de mim... O toque do celular soa.

Dos nossos celulares.

A cabeça de Matheus deita bruscamente no meu ombro e eu rio.

— Não acredito que isso está acontecendo de novo - sussurra.

— Parece que a nossa misericórdia acabou - respondo.

Fico tentada a ignorar as mensagens, mas balanço a cabeça com o pensamento e me afasto dele para me inclinar em direção ao celular. Matheus nem mesmo se mexe da sua posição. Dou um beijo em sua bochecha antes de abrir as notificações de mensagem.

Número bloqueado:
[Imagem]
[Imagem]
[Imagem]
...

Franzo a testa e aperto nas mensagens via SMS. As imagens demoram a carregar, mas enfim consigo visualizar todas. Meus olhos se arregalam porque sei que não fui a única que recebi aquilo.

— Puta merda. - xingo.

Matheus imediatamente está ao meu lado com a testa franzida e a expressão confusa. Noto que ele não direcionou o olhar para o aparelho nas minhas mãos e eu o encaro profundamente antes de falar:

— As fotos de Helena foram divulgadas.




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Notas finais do capítulo

Eu lembro de alguém me perguntando: " Mas cadê esse pedido de namoro, Lí?" hahaha bom, chegou! Sabiam que as partes que eu mais fico apreensiva em escrever, são as de declaração? Não são só os personagens que se atrapalham no meio do discurso, é a própria autora inexperiente (tanto na escrita, quanto na prática) desse tipo de coisa hahahaha morro de medo de ficar meloso demais e tornar tudo um "capítulo diabetes". Espero feedback disso, viu? Se exagerei no doce, me digam hahaha
Enfim, mais um capítulo essencial para a construção da história... E estamos nos aproximando dos ápices finais! O que será que vem por aí? Podem dizer! Quero teorias hahaha
Enfim, quero muito voltar a postar na terça, mas como o destino tá brincando comigo... Não vou garantir um dia certo. Então digo apenas que volto semana que vem, certinho?
Ah, e tenho nota cidadã de novo! Gostei disso e achei necessário, então vou continuar com a prática. Mas quem quiser, pode pular!

NOTA CIDADÃ

Deixo aqui minha mais singela homenagem a Sabrina Bittencourt: mulher, mãe, ativista, filha de refugiados, voluntária em várias organizações, criadora do "movimento" COAME (Combate ao Abuso do Meio Espiritual) e articuladora das denúncias contra Prem Baba e João de Deus. Eu resumi uma boa parte das coisas FODAS que essa mulher fez, mas dá pra notar o ser humano incrível que ela era só nesse "pouco" transcrito aqui. Sabina foi abusada na infância e quando conseguiu sair dessa barbárie lutou para que os abusadores do meio religioso fossem culpabilizados por seus crimes. Sabrina denunciou João de Deus e foi vítima do julgamento cruel do povo por causa de sua denúncia. Sabrina que migrava de lugar pro outro porque sofria ameaças da morte. Sabrina que, infelizmente, se suicidou. E ela não é a única! Mulheres fortes que nem Sabrina também podem cair, mas o essencial é ter alguém ao lado para ajudar a levantá-la novamente, sem julgamentos. Deixo aqui minha homenagem e agradecimento a Sabrina por ter sido um MULHERÃO DA PORRA e ter ajudado tanta gente, como também deixo aqui uma reflexão: já deu uma olhada na mulher foda que está ao seu lado? Sua mãe? Sua irmã? Sua tia? Sua avô? Qualquer uma? Mostra que ela tem apoio e não está sozinha! As vezes é só isso que precisamos.

Bom, é isso. Até semana que vem, gente!

Beijão,



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