Tudo que ele não tem escrita por , Lis


Capítulo 25
Bônus | Coração Carnaval


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! ♥ que saudade!! Feliz ano novo extremamenteee atrasado! hahaha dizem que o ano só começa depois do carnaval, então tecnicamente estou um pouco adiantada.
Bom, Leah quase não me deixava postar isso aqui. Mas, finalmente estou de volta! Peço perdão pela demora e agradeço DE CORAÇÃO quem sempre tá aqui nesse cantinho comigo ♥

Hoje saíram os resultados do SISU, então só queria deixar uma notinha pra dizer isso aqui: Independe do resultado, estou MUITO orgulhosa de você! Fique orgulhosa também!
Para quem passou: PARABÉEENS! Sei que o caminho foi difícil, mas você chegou! Você conseguiu.
Para quem, assim como eu, não conseguiu: Orgulhe-se de suas conquistas e não desiste! Eu sei que as vezes é difícil, mas seguiremos juntos(as) nos apoiando, viu? Podem contar comigo!

Dito isso, boa leitura e espero que gostem dos momentos da Leah e do Gus ♥
(capítulo grandão pra compensar o atraso)



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Meu coração carnaval
Faz de tu minha marchinha favorita
Te convida pra sambar na sintonia
Do meu peito quando tu se aproxima

Meu coração carnaval
Sapateia apressado no teu ouvido
Incendeia embaixo do meu vestido
Se tu faz aquele teu meio sorriso.

— "Coração Carnaval" de Ana Clara Caetano (Anavitória)

 

N A R R A D O R

 

Ele a beijou.

Em um minuto, Leandra sentia tudo: raiva pela babaquice que Theo falou; ódio por Gustavo ter caído como um patinho na provocação idiota e decepção porque a maioria da população masculina pensava que a porrada era a solução pra tudo (Bando de idiotas!). E então, logo em seguida, o tudo mudou pra nada porque ela não sabia o que sentir quando a direção do olhar de Gustavo migrou dos seus olhos para sua boca. E ela sabia no que aquilo iria dar.

Os lábios dela eram doces. Foi essa afirmação de Gus após ignorar a interrupção de Leah e apenas beijá-la. O leve sabor de morango, provavelmente oriundo do chiclete que ela sempre adorou mascar, simplesmente o deixou louco. Puta merda, eu amo essa mulher. O pensamento tomou conta dos seus sentidos, e ele só conseguia sentir Leah. O cheiro amadeirado do perfume "masculino" que ela gostava, a pele suave que deslizava em seus dedos, a língua, as curvas do seu corpo e o leve suspiro baixo que ela deixou sair.

Leandra.

Leah.

A menina italiana que ele conheceu quando era só um guri, a adolescente poderosa que ele admirou secretamente enquanto ficava mais velho e a mulher foda que ele simplesmente se apaixonou.

Caralho.

Ele deixa escapar um gemido baixo quando sente as mãos de Leah agarrarem seu cabelo de maneira dolorosa, mas, mesmo antes de ele pensar em se afastar, as mesmas mãos o puxam pra mais perto também. Deus do céu, Leah.

Gustavo estava definitivamente ficando louco. Louco porque finalmente estava beijando a mulher mais incrível de todas. Tão louco que ele estava pouco se fodendo para o outro fato bastante importante: eles ainda estavam no maldito pátio do colégio!

— Dannazione, Gustavo! - o xingamento italiano é exclamado em voz baixa por uma Leah ofegante.

Gus abre os olhos para encarar o tom esverdeado do olhar dela e um sorriso de canto se abre em seu rosto involuntariamente. Eles realmente haviam se beijado, caramba! Leah nota quando o olhar dele volta a repousar em sua boca e se afasta um passo pra trás.

Controle. Ela precisava de controle.

Foco, Leandra! Controle-se!

— Isso não deveria ter acontecido - as palavras saem impulsivamente dos lábios da loira.

Gus ergue as sobrancelhas, quase xingando para o latejar de dor que sentiu no supercílio cortado. Ah, você não vai fugir de mim dessa vez, bailarina.

— Realmente, não deveria ter acontedido... - ele repete as palavras dela e frisa: - desse jeito. Eu pensei em um lugar melhor pra isso do que em um pátio de escola.

Leah arregala os olhos, as mãos tentando reorganizar o coque perfeito do seu cabelo que agora jazia solto. Talvez ela tentasse reorganizar os seus pensamentos também porque a necessidade de controle se repetia em sua mente como uma espécie de mantra.

— Leandra...

— Você precisa ir pra enfermaria - ela interrompe, bufando com a falta de resultado com o penteado e prendendo o cabelo de qualquer jeito - Talvez esse corte precise de pontos e com certeza esse olho roxo necessita de um gelo. Eu posso até ligar pra sua mãe se você quiser ir...

— Não preciso que você ligue pra minha mãe.

A resposta dele faz Leah interromper os pensamentos frenéticos. Os olhos verdes - que no meio da fala dela encaravam tudo menos Gustavo - voltam-se em direção ao garoto em questão.

— Gus...

— Você tem que parar de me tratar como se eu ainda fosse um moleque de dez anos de idade, Leah - fala com irritação - Essa não é a porra da minha primeira briga e eu não preciso que minha mãe venha me pegar na escola como antigamente, ok? Caramba, eu acabei de te beijar, mulher!

— Um beijo não faz um moleque virar homem. Não tem absolutamente nada a ver com isso - ela responde rapidamente - E eu estou só tentando te ajudar a...

— Você está só tentando fugir de mim como sempre - interrompe ele, fazendo uma careta - Eu sei disso.

As palavras calam Leah por um instante porque aquilo realmente era verdade. Os dois sabiam disso. Que merda.

Merda. Merda. Merda.

Por isso ela não queria que aquilo acontecesse. Ela sabia que iria magoá-lo. Ela sempre magoava. Não era isso que Fernando sempre disse a ela? "Você nunca pensa nos outros, Leah. Somente em si. Isso é egoísta e cruel. Você é cruel, Leandra". E foi assim que ele terminou o relacionamento de dois anos: jogando na cara de Leah todos os seus defeitos miseráveis que ela insistia em esconder.

Mas era verdade, certo? Ela era cruel e egoísta, exatamente do jeito que Nando dissera. Não sabia lidar com relacionamentos, principalmente quando tinha emoções demais envolvidas. Ela era individualista, gostava do seu canto solitário e as vezes realmente não se importava tanto com o outro como deveria. Ainda pior: ela gostava desse seu jeito e se usufruía disso.

Leah sabia do seu poder. Ela conquistava não só pela beleza marcante, mas também pela confiança. Com seu jeito podia ligar o foda-se e ficar com quem quiser, quando quiser, já que a maioria dos caras queria a mesma coisa que ela: casos temporários. Porém, aquilo não poderia acontecer com Gus.

Com ele... Ah, ela sabia que não poderia ser apenas temporário. Nunca poderia ser. Ela se importava demais com aquele garoto para tornar aquilo passageiro.

— Verdade - ela concorda depois de um momento. Seu coração pulsa mais forte ao notar o olhar ansioso dele sobre si - Eu estou fugindo porque não queria dizer na sua cara que não gostei.

Leah esperava surpresa da parte dele, mas não o riso leve que surgiu.

— Mentirosa.

— Eu cresci com você, Gustavo. Tu me conhece desde pequena. Te beijar foi como... - ela se interrompeu por um instante e respirou fundo - ... Como beijar um irmão.

MENTIRA.

O aviso soou na sua mente. Você é cruel, Leah. Cruel, egoísta e agora mentirosa. Extremamente mentirosa.

O riso leve dele se tornou uma gargalhada estrondosa. Ali ela notou como aquele som aquecia seu peito, mesmo que a risada de agora tenha um tom de ironia.

— Não sabia que curtia incesto.

Ai.

Leah viu a mágoa em seu olhar, mesmo disfarçada com o sarcasmo. Gus era um romântico, fofo ao extremo e um dos caras mais gentis que ela havia conhecido. Aquele sarcasmo nem mesmo combinava com ele. O corpo dele se aproximou dela de novo, ligeiramente mais alto que ela. O rosto machucado se destacava ainda mais por causa das manchas vermelhas nos lábios. Manchas oriundas do batom dela.

Merda.

— Eu não curto.

— Sério? Então é normal você beijar um irmão com tanta paixão? - o murmúrio dele foi baixo em seu ouvido. Leah queria o Gustavo fofo e romântico que ela sabia lidar porque aquele... Caramba, aquele com certeza iria deixar ela louca - Porque eu não fui o único que senti, fui?

— Foi.

— Mentirosa. - ele chamou de novo. - Você gostou do beijo, Leah. Admita.

Controle.

Retome o controleLeah.

E então Leandra assumiu seu poder, deslizando os braços, os quais antes estavam soltos ao seu lado, pela pele quente de Gus, fazendo-o estremecer. Seus dedos se cruzaram na nuca dele, puxando-o o suficiente para que ela pudesse encostar os lábios em seu ouvido com o máximo de sedução que podia.

Gustavo ficou paralisado. Isso.

— Pode apostar que se eu tivesse realmente gostado do jeito que você diz - sussurrou, soprando as palavras - Você não precisaria perguntar pra saber.

Com isso dito, ela se afastou com rapidez, olhando rapidamente para ele antes de se virar em direção a porta. O som do salto ecoando no piso enquanto se movimentava apressada. Porém, Gus não iria deixar ela finalizar daquele jeito. Ah, não. O menino lerdo tinha se perdido naquele momento para dar lugar ao homem decidido.

— Mentirosa. - a palavra foi dita em voz baixa pela terceira vez. Mas mesmo assim, ela ouviu.

***

Gus se lembrava perfeitamente do dia em que ela chegou ao Brasil. Ele era quase três anos mais novo, mas se recordava perfeitamente da garotinha loira de dez anos de idade que surgiu na porta do seu melhor amigo.

Matheus, no auge dos seus oito anos, gritou pela prima e comemorou quando ela disse que ficaria ali por um longo tempo. Gustavo notou a felicidade contida dela, mesclada há algum tipo de saudade (que agora ele sabia que pertencia à Itália). E ali, no canto da sala, ele secretamente admirou a garota que mesmo querendo chorar com saudade de casa, erguia o queixo e enfrentava o novo país com a coragem de menina que já parecia mulher.

Matheus logo notou o amigo escondido, puxando-o pra conhecer a prima italiana corajosa que iria morar com eles a partir de então. Leah encarou o garotinho de olhos castanhos do alto, já que era bem alta pra sua idade, e sorriu porque ele representava uma fofura de criança que ela já não tinha mais e só viu ali mais um garoto que ela teria que conviver.

Porém, Gustavo não. Ele, mesmo pequeno, já via algo especial ali. Um tipo de amizade nova que seria promissora e que no futuro representaria uma paixão que grudaria nele que nem chiclete.

Ah, como ele queria não ter sido fisgado.

Aos 10, Gustavo pensava que era uma coisa boba. Naquele momento, gostar de uma garota era inocente e ele se sentia estranho por gostar exatamente de uma garota de 13 anos, prima do seu melhor amigo.

Aos 14, Gustavo pensou que de coisa boba agora sentia uma queda. Ou melhor, um penhasco pela garota loira de olhos verdes.

Porém, aos 16, mesmo já tendo beijado outras garotas, Leah sempre seria mais. mais legal, a mais bonita, a mais inteligente. A maior garota da vida dele, que naquele momento, quando ela estava beirando os 19 anos ... Ele admitiu ser a paixão da sua vida. Uma paixão que o via como um guri e que estava apaixonada por um tal de Fernando, o qual parecia se encaixar perfeitamente com ela.

Agora, aos 18 ele sabia que o inevitável aconteceu: a paixão virou amor. E ali, jogado no sofá da sua casa, Gustavo notou que o amor às vezes é uma merda que te joga no fundo do poço. Local em que ele provavelmente se encontrava depois de Leah ter mentido e fugido novamente dele. Cristo, daqui a pouco ele até poderia estar em um balcão de bar cantando uma sofrência.

— Ok, o que diabos está acontecendo com você? - a voz perguntou, atrapalhando totalmente o momento bad de Gus - Nunca pensei que viveria pra ver você tomando um porre sozinho em casa, logo depois de uma briga feia na escola e um beijo indecente com Leandra. Porra, Gustavo!

Matheus entrou na casa sem cerimônias, quase como se fosse o dono do lugar. Fez uma careta para o estado deplorável do amigo e segurou a garrafa de vodka antes que Gustavo pudesse ingerir os últimos goles do líquido.

— Você está um lixo. - murmurou o nadador baixinho.

Gus ergueu as sobrancelhas, revirando os olhos para Matt logo em seguida. A verdade é que ele ainda estava sóbrio demais depois de tudo aquilo. Onde estava o efeito do álcool quando ele precisava, hein?

— Sério, gênio? - questionou de volta.

Matheus ri do sarcasmo do amigo e se joga no sofá ao seu lado. Porra, ele realmente não vai emboraÉ o primeiro pensamento de Gus.

— Não vou sair daqui até você criar juízo e lavar essa bunda fedida. - declarou Matt.

Jesus.

— Sai pra lá com bunda fedida, idiota - ralhou Gus - O juízo é meu e a casa também é minha. Logo, você deve sair daqui agora, Matt.

— Para um futuro cara do Direito, você com certeza está sem argumentos, meu amigo.

Gustavo tentou tomar a garrafa das mãos de Matheus, mas este se afastou com uma risada.

— A casa e a garrafa são minhas, Matt! - ele tentou pegar o objeto de novo, sendo facilmente manejado por um Matheus que gargalhava.

— Sua mãe iria adorar saber disso. Será que eu devo ligar pra ela, Gus?

Os olhos castanhos de Gustavo se arregalam.

— Não ouse...

— Só porque seus pais não estão em casa, não quer dizer que eles não se preocupem. Você sabe disso. - Matheus interrompeu, o tom agora mais sério - Não acredito que você vai virar um bêbado por causa de Leah logo depois de ter finalmente saído da friendzone lendária de vocês. Puta merda, você é melhor que isso, Gustavo!

Gus ri. Realmente gargalha. O riso sarcástico soando pela sala inteira. Ele estava um caco, o olho roxo ainda latejava, seu cheiro estava horrível... Cristo, ele mal sabia qual tinha sido a sua última alimentação adequada além do álcool.

— Você realmente vai vir dar lição de moral a mim? - perguntou em voz alta - Sério, Matt? Leah fode com a minha cabeça, foge dos próprios sentimentos e você vem aqui me dar sermão? Puta merda digo eu, caralho!

E ali Gustavo percebeu para onde tinha ido o álcool. Com horror, seus olhos piscaram molhados. Ah, sim. É claro que ele tinha que ser um bêbado chorão. Matheus nota o mesmo que o amigo e sua expressão torna-se solidária instantaneamente.

— Nem venha...

Mas Matheus já estava ali, abraçando o amigo de infância e o levando com calma até o banheiro.

— Você precisa ir para o chuveiro. Agora. - declara, empurrando Gustavo pra debaixo d'água de roupa e tudo - Você acha realmente que eu não falei algumas coisas pra Leandra? Leah é minha prima e mora comigo, com certeza é mais fácil passar lição de moral nela do que em você.

Gus solta um palavrão com a água fria, mas sabe que aquilo vai ajudar. As lágrimas salgadas descem pelo ralo e ele até consegue soltar uma risada curta.

— E ela ouviu esse sermão?

Matheus também ri.

— Você conhece Leah - declarou e riu mais - Ela quase deu um tapa na minha cara.

— Porra. - Gus xinga ainda rindo - Tua prima é uma complicação, Matt.

— E tu achou alguma vez que não seria complicado, Gustavo? - ele ri - Amor é coisa de doido.

A esperança se acende em Gustavo, o leve erguer de sobrancelhas sendo notado há quilômetros de distância.

— Você acha realmente que ela me ama?

A gargalhada que explode dos lábios do Matheus é alta. O amigo sorri pra Gus, antes de revirar os olhos e caminhar pra porta.

— Ah, Gus...

Gustavo Narcoli ainda era meio lerdo. Isso era um fato.

***

Paralelamente aos momentos depreciativos de Gustavo, Leandra parecia uma rainha do gelo no ensaio de mais um de seus musicais. O queixo erguido e a boca contraída, demonstravam um aviso claro: não se aproxime demais.

Já fazia uma semana desde o dia daquele maldito beijo. Uma semana e a mente idiota de Leah ainda se recordava perfeitamente do gosto dos lábios de Gustavo, do seu toque provocante e do arrepio irresistível que ele causou. Logo, estava tudo uma merda.

Pensar em Gustavo era uma merda.

E ficar confusa por causa dele era outra merda maior ainda!

Leah bufa mais uma vez quando suas pernas se desestabilizam no salto e ela quase cai de joelhos no palco. Um braço segura sua cintura antes que ela desmorone e logo o rosto preocupado de Fábio aparece em seu campo de visão.

— Tudo bem? - ele murmura e ela assente, antes de ficar em pé novamente. Os olhos castanhos do garoto expressam preocupação enquanto a olha - Não sei o que está acontecendo, Leah. Mas...

— Eu estou ótima, Fábio - Leah interrompe, dando um sorriso contido para o colega de elenco - Alguns problemas femininos, nada demais.

— Ahhh - Fábio responde, como se tudo estivesse explicado. Homens. Alguns ainda acham que menstruação é a causa de todos os problemas femininos. Tolos! Ele sorri pra Leah, antes de se juntar novamente aos seus amigos no canto do palco.

Leandra suspira enquanto encara a mulher ruiva se aproximar cada vez mais. Joyce Vidal, a bailarina dona de uma das maiores escolas de ballet, na qual Leah estudava desde pequena, tinha a sobrancelha erguida para a aluna.

— Você pode ficar com essa pose de madame chique, mas não me engana, garota - comenta a professora, colocando as mãos na cintura. Joyce sorri - Seu tio trouxe você aqui com a promessa de que aquela garotinha se tornaria uma das melhores bailarinas que eu teria. E ele estava certo. Mas nunca vi a minha melhor bailarina se estressar tanto em um simples ensaio!

Claro, porque eu nunca deixo transparecer o que sinto. O sarcasmo vem no pensamento de Leah e ela balança a cabeça porque aquela característica sua a tornou boa na dança e não poderia ser renegada.

— Desculpe, Joyce. Eu prometo que eu não...

— Querida, você é brilhante. E você sabe que eu não sou que nem aquelas professoras de ballet nojentas e irritantes que acham que os alunos não são humanos. Muito pelo contrário! Até porquê eu adoro a humanidade transcrita na dança. Então não precisa pedir desculpas, sabe? Mas você não pode deixar seus problemas exteriores interferirem nos ensaios, Leandra. É no palco que você deve libertá-los, tudo bem?

O sorriso falso que Leah esbanjava se perde e ela dá outro sincero para a professora. Joyce era quase uma mãe pra ela, assim como sua tia Luiza. Ambas sempre sabiam o que dizer no momento certo.

— Obrigada, Joyce. De verdade.

A ruiva apenas ri, apertando o ombro de Leah com uma mão e alisando distraidamente a barriga levemente inchada da gravidez.

— Está dispensada por hoje, viu? Descanse.

Leandra assente, antes de caminhar em direção ao camarim para tirar as roupas do ensaio. Após enfim vestir o short jeans e sua camisa favorita do Rolling Stones, caminha com a mochila nos ombros até o veículo vermelho no estacionamento.

E paralisa ao notar a pessoa encostada nele.

De todas as pessoas que ela imaginaria encontrar hoje...

As bochechas de Anna ruborizam levemente com o vento frio e ela põe as mãos nos bolsos da calça antes de se aproximar de Leah. Os cabelos castanhos estão presos de maneira desordenada, um contraste com o coque perfeito formado pelos fios de Leah.

— Eu vim em missão de paz - declara Anna com um dar de ombros. Ela aponta para algumas sacolas que estão encima do capô do carro - E trouxe mantimentos.

Leah ergue as sobrancelhas, totalmente surpresa com o rumo das coisas. Ela podia ver a máscara que criou ao longo dos anos: a mulher loira, confiante e desinibida que sempre tenta ser na frente dos outros. As vezes era tão cansativo representar esse papel, talvez por isso ela, apesar de tantos amigos, era tão sozinha.

Tão sozinha ao ponto de não saber reagir perante aquela estranha demonstração de amizade.

— Não precisa fingir nada comigo, Leah - Anna diz baixinho - Não precisamos nem falar do que houve, se não quiser. Mas eu sinceramente sei como é uma bosta está confusa acerca acerca de sentimentos. E eu só.... Bem, não gostaria que você estivesse sozinha na fossa.

Leah sorri de volta, mais um sorriso verdadeiro que dava no dia. Ela pega as sacolas e abre o carro, colocando todos os objetos na parte de trás, antes de abrir a porta do passageiro, um claro convite para Anna.

— Você é uma surpresa, Anna Clara Bennet - responde e Clara apenas ri enquanto Leah liga o ar-condicionado do carro - Mas e Matheus? Vocês estão juntos quase o tempo todo essa semana por causa da abertura do inquérito, não é? Pensei que estivessem ocupados.

Os olhos cinzentos de Anna demonstram um pouco de irritação.

— A investigação oficial está sendo uma loucura, mesmo com os fatos novos que descobrimos. Depoimentos, provas... A fala de Helena está sendo colocada em cheque sempre e eu odeio que sempre arrumam um meio de culpabilizar a vítima por algo. Até mesmo os próprios policiais! - ela balança a cabeça para clarear os pensamentos - Enfim, liguei o foda-se hoje pra isso tudo e Matheus me ajudou a te encontrar. Porém, foi só isso, e ele não vai nos atrapalhar, não se preocupe.

— Certo - Leah sussurra e fica encarando o volante do carro antes de se virar para Anna - E o que diabos vamos fazer mesmo?

— Eu pensei em assistirmos algum filme. Eu tenho chocolates e brownie. Podemos comprar sorvete e ir lá pra casa. - ela dá de ombros e a bailarina ri.

— Você realmente sabe me conquistar pela barriga.

Anna apenas dá um sorriso malicioso.

— Sinceramente, acho que é a melhor forma de conquista. - ambas riem, mas antes que Leah possa girar a ignição, os olhos cinzentos da parceira de Matheus encaram os verdes da mulher loira - Sabe, Leah, eu sei que tudo não é tão preto no branco quanto parece. Você e Gustavo são lindos juntos, mas a verdade é que relacionamentos são complicados demais para simplicarmos tudo apenas com um beijo em um pátio de escola. Eu sempre vi que ele gostava de você e estimulei que ele tomasse uma titude, mas...

Os olhos de Leah se arregalam quando ela se vira no banco.

— Não acredito que você incentivou ele a me beijar, Anna Clara Bennet!

Em vez de se assustar com a exclamação da garota, Anna apenas ri.

— Convenhamos que ele precisava de uma empurrãozinho - sorri e depois dá de ombros com simplicidade - Mas sabemos que você apreciou bastante o estímulo que eu dei, não foi? Não vamos negar os fatos, Leandra Stahelin.

Leah tenta negar, mas inesperadamente suas bochechas vermelhas a denunciam. Merda. Anna olhava para ela com um sorriso de empatia, como se soubesse exatamente o que estava em seus pensamentos.

— Tem uma história por trás disso, não tem? - murmura Anna após alguns minutos, o sorriso malicioso já perdido para dar  lugar a uma expressão séria - Vocês se gostam. Mas tem algo mais aí que impede tudo de acontecer. Algo que impediu por anos você de se aproximar e...

— Desde quando você quer psicologia? - interrompe Leah, bufando.

O coque perfeito de seu cabelo já estava começando a se bagunçar com a constante forma que a garota passava as mãos pelos fios.

— Sou de exatas. E não desvie do assunto,  Leah.

Leah fecha os olhos, relembrando o motivo da sua constante solidão: amigos as vezes eram irritantes. Seus pensamentos voltam a três anos atrás quando ainda namorava Nando, o qual por algum tempo representou tanto o papel de namorado quanto o de amigo. Um amigo que a magoou demais e que ela própria magoara também. Respirou fundo, antes de falar baixinho:

— O nome dele era Fernando.  Foi meu namorado por dois anos. O Nando era... Bom, era incrível. Um homem mais velho, formado em economia e que estava subindo na empresa em que trabalhava. Eu sei que você tá imaginando um CEO típico dos romances eróticos, Anna Clara, mas...

Anna ri ao seu lado, apertando seu ombro.

— Não tô imaginando nada. Continue.

— Enfim, concordo com o que você disse, relacionamentos são complicados, principalmente pra mim. Me considero brasileira agora, mas ainda assim sou italiana, sabe? Uma estrangeira. Ainda tenho um leve sotaque perceptível e ainda recebo alguns olhares tortos. Nunca liguei muito pra isso porque é o meu jeito, mas sempre mantive um distanciamento com as pessoas e assim me mantenho. As vezes acho que sou tão desinibida para esconder minha timidez, isso faz sentido? - ela levanta o queixo e observa a garota ao seu lado.

— Com certeza. - É  a resposta de Anna.

— Com Fernando era fácil sustentar essa máscara. Nos conhecemos em uma festa, ele gostou do meu jeito solto e logo nos envolvemos. É normal ficar com alguém por algum tempo, sempre fiz isso sem muito comprometimento.  Mas gostei mais dele do que dos outros caras e vi que ele também. Ele virou meu amigo que eu pegava pra depois se transformar no meu namorado. Ele gostava de uma Leah poderosa, uma bailarina sexy que parecia inquebrável. As vezes acho que ele nunca viu que por debaixo da maquiagem havia muita rachadura.

— Você o amou? - a pergunta vem sussurrada dos lábios de Anna.

— Não sei direito. Eu mantenho meu distanciamento como meu instinto de proteção e Fernando sempre me ajudou a sustentar essa barreira. De algum modo ele me moldava e ao mesmo tempo me escondia. Até que Nando descobriu que a barreira que ele segurava comigo também o afastava. Aí começaram as brigas, ele me acusou de ser egoísta, manipuladora, individual demais... Não consegui negar.

— Não me pareceu um relacionamento muito saudável - comenta Anna, ela agora tinha os pés descalços encima do painel, enquanto Leah se acomodava distraidamente no banco - Mas onde se encaixa Gustavo em tudo isso, Leah?

A cabeça de Leandra pende pra baixo, enquanto ela puxa os fiapos do short jeans. Os pensamentos embaralhando-se ao pensar em Gustavo. O garotinho e o homem. O sorriso gentil e o corpo irresistível fruto do futebol. Dio, ela estava tão perdida.

— Gus é um dos únicos que conhece o que tem por debaixo da máscara. Exceto por Matheus e agora você. Talvez por conviver comigo desde a infância, sabe? E eu sempre notei que ele olhava pra mim de modo diferente, mesmo quando criança, eu sempre via ele me encarar como se soubesse sempre o que eu estava pensando. Não sei se ele sabe disso, mas Gustavo sempre foi um ponto de vulnerabilidade pra mim.

— Mas isso não é bom? Digo, em relação a ele te conhecer tão bem? Pelo que conheço de Gus, ele nunca tentaria te moldar pra ser algo que não é. O jeito que ele gosta de você...

Os olhos verdes de Leandra sobem para encarar os cinzentos de Clara. Era estranho que elas ainda se encontrassem juntas dentro do carro  no estacionamento do teatro. Mas Leah já não se importava mais com isso porque nunca tinha falado tanto sobre si em poucos minutos. E Anna compreendia. Realmente a compreendia como uma amiga de verdade.

— Eu nunca duvidei do jeito que o Gustavo gosta de mim. Na verdade, fiz o máximo pra evitar e ignorar porque... - ela respira fundo - Não seria como os outros relacionamentos que tive. Nem mesmo como Nando. Seria mais. Muito mais. Se eu deixasse algo acontecer, o desastre que viria depois seria completamente culpa minha. Fernando só ressaltou os fatos que eu já sabia durante o nosso término: Eu sou egoísta, Anna. Sou individualista e não sirvo pra amar ninguém direito. E Gustavo... Dio, eu o amo demais para magoá-lo dessa forma.

Os olhos de Anna se arregalam com a declaração.

"Eu o amo demais."

Gustavo surtaria se ouvisse isso. Ela pensa no amigo de Matheus e depois sorri quando olha para Leah, sabendo de alguma forma que aquilo não acabaria ali. Ela não poderia interferir muito, mas sabia que o desenrolar daquela história ainda estava longe de acabar.

Pegando a mão de Leandra e apertando com força, Anna sussurra sua conclusão:

— Sabe, não existe uma forma de amar direito. Amor é amor e o verbo amar nunca exigiu adjetivo, Leah. Porque amar em si já tem um sentido tão grande que não precisa complementar. E qualquer um pode fazer isso, é uma das coisas mais igualitárias que nós temos. Então não  pense que não sabe amar direito. - diz de um jeito sincero - Sobre o Gustavo... Bem, se ele realmente ama você do jeito que eu presumo, então ele ama cada partezinha, até mesmo estas que você diz que podem acabar em desastre. Então não planeje as coisas negativas que podem acontecer e não  perca o tempo que poderia está vivendo as coisas positivas.

Depois de um momento de silêncio de ambas, o murmúrio de Leah soa:

— Realmente você deveria mesmo trocar as exatas pelas humanas e ingressar na psicologia.

Anna ri enquanto dá de ombros.

— Pronta pra ir lá em casa comer besteira e se afogar em chocolate?

— Super pronta!

Leah sorri e gira a chave na ignição, ouvindo em seguida o ronco baixo do motor. Ela gira o volante para tirar o carro da vaga, colocando depois disso o rádio para  tocar. Porém, antes que a música comece, Anna completa sua fala:

— Ah, e esse seu ex era um embuste. Sério. Se um dia encontrasse ele, eu provavelmente iria dar um soco para logo depois te beijar.

Leah arregala os olhos.

— O quê?

A risada de Anna soa alta dentro do veículo.

— Só pra ele perceber que você arranjou coisa melhor - faz um gesto se auto-indicando,enquanto Leah começa a gargalhar - Somos mulheres, Leah. Temos que nos unir.

— Ah, Anna Clara Bennet, você sempre surpreende.

O riso das duas continua ao som da melodia de Beyoncé enquanto Leah acelera o carro. Assim, o resto da tarde passa rapidamente e as duas mulheres se divertem juntas como há muito Leandra não fazia.

Sim, para isso serviam os amigos.Para te fazer rir mesmo quando tudo está confuso.

Na madrugada, quando enfim o veículo vermelho estaciona na rua designada, Leah ainda estava nitidamente feliz. Falar sobre tudo com alguém realmente ajudou a clarear um pouco seus pensamentos. Ou talvez tenha sido a alta dose  de chocolate usufruída.

Ela olha a casa enorme pintada em tom de creme, a residência que ela sabia que, mesmo tendo espaço para mais de 10 pessoas, servia de lar apenas pra praticamente uma. Os olhos verdes analisam a única janela com a luz acessa, sorrindo ao perceber a sombra do garoto sentado na cama.

Gustavo.

Leandra respira fundo e sai do carro, caminhando lentamente em direção a porta. Ela sabia que a mãe de Gus estava dando plantão no hospital há essa hora, enquanto o pai provavelmente ainda estava viajando. Ele estava sozinho, como geralmente sempre ficava.

Em parte, ainda era o garotinho solitário que vivia mais na casa do melhor amigo do que na própria. Mas agora, também era um homem que encarava a solidão rotineira com maestria.

Uma solidão que, pela primeira vez, Leah estava disposta a quebrar.

Ela passa pela grade da garagem rapidamente porque Gus a ensinou a entrar por ali sem disparar o alarme. Depois ela caminha pelo gramado até ficar parada em frente a porta de madeira, sem parar pra pensar quando seu dedo aperta a companhia estridente.

Três vezes seguidas.

Do jeito que eles combinaram.

Ela também não para pra pensar quando a porta se escancara em questão de segundos, mostrando um Gustavo surpreso e com o cabelo maravilhosamente bagunçado, o qual ela adoraria enfiar as mãos. Os olhos castanhos a analisam atentamente, como se fizesse o máximo de esforço para adivinhar o motivo de ela estar ali. Tão Sherlock. Sherlock dela.

— Leah, o que você está...

— Eu nuca pensei na possibilidade de isso dar certo - ela interrompe, falando seriamente enquanto o encara - Eu sou a máscara de uma bailarina grandiosa que ainda esconde uma garotinha italiana que se mudou em busca de um sonho. Sou uma dançarina incrivelmente boa na arte de esconder os cacos de vidro que eu deixo em cada passo: cada um para a saudade do meu país, do meu tio e da minha família que nunca me incentivou. Eu sou egoísta, individualista e por vezes fria demais para lidar com sentimentos tão quentes como esse que você me causa, Gus. E eu talvez não saiba amar direito, mas não  posso mais negar a reciprocidade que existe aqui.

Ela levanta o queixo e toca a bochecha de Gustavo com os dedos.

— Então, eu sempre vi as possibilidades de isso dar errado. Não por você, mas por tudo que sou. E eu tentei a todo custo continuar com essa crença, mas apesar da máscara que uso, percebi que você sempre me vê. Você sempre viu os cacos, as rachaduras e as barreiras, Gustavo! Sempre viu tudo de mim, mas nunca se afastou. Dio, nao sei se você é idiota ou louco. Porém, se for loucura ou idiotice, eu também tenho. Porque dane-se as possibilidades, eu acho... Eu quero tentar fazer isso dar certo!

O sorriso que se estende na boca de Gustavo poderia ser visto há quilômetros de distância. Porém, somente um observador atento poderia notar toda a emoção existente ali. Ah, puta merda! O jeito que ele olhava pra ela! Leah fecha os olhos depois da declaração atrapalhada, as bochechas rubras demonstrando a timidez quase nunca vista por ninguém.

Um minuto se passa. Depois dois.

Ele voltou a ser lerdo.  É a primeira coisa que vem aos pensamentos de Leandra. Os olhos dela se abrem e Gus imediamente ri, enquanto a puxa para seus braços fortes. Os lábios encontrando a pele quente do  pescoço dela para logo subirem em direção ao ouvido de Leah, fazendo-a arrepiar.

Desejar.

Enlouquecer...

— Também amo você, Leandra Stahelin.

Então ele a beijou. De novo.

Mas dessa vez Leah já sentia tudo: paixão, desejo e principalmente amor pelo garotinho e pelo homem que, desde a infância, a enxergou.


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Notas finais do capítulo

Agora depois de ter empacado pra caramba nesse bônus, já posso dizer MISSÃO CUMPRIDA hahaha espero que tenham gostado e entendido todos os conflitos internos de Leah. Peço que entendam a personagem, antes de a julgar por suas decisões, tudo bem?
Não se preocupem que o tempinho que eu fiquei fora, eu adiantei os capítulos normais da história, então voltaremos a programação normal hahaha
Agradeço a Rafaella Nunes, Daughter of the Sun, Mdsgeo, Lauriana, BellaZuuh e Alex Ross (em especial a Alex que no começo de janeiro me deixou um comentário lindo para que eu retornasse com as postagens. Obrigada por ter me dado uma dose de inspiração nesse mês tão caótico). Meninas, desculpem também a demora para responder seus comentários, geralmente sempre respondo no dia que vou postar, mas dessa vez demorei demais. Perdão. Vou correndo agora responder todas)

NOTA CIDADÃ:

Por fim, deixo aqui meu tributo e homenagem as vítimas da tragédia de Brumadinho-MG, como também meu repúdio a VALE e ao DESCASO GOVERNAMENTAL por esse acontecimento criminoso. Já está na hora de aprendermos que o lucro privado NÃO é mais importante que o social e o ambiental e NUNCA será. Vidas valem muito mais que uma nota monetária. Dou todo apoio ao pessoal de Minas, em especial a população de Brumadinho... Vamos fazer a nossa parte, doem o que puderem, ajudem no que for necessário ♥ vamos nos unir!

Até terça, beijão




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