Tudo que ele não tem escrita por , Lis


Capítulo 16
Quinze - Anna


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas maravilhosas! Como vocês estão? Vocês já viram a coisa mais linda que apareceu ali no cantinho da página de TQENT? Aquela recomendação MARAVILHOSA da mdsgeo? Esse capítulo já seria dedicado a um bocado de gente, mas eu tinha que deixar meu agradecimento a mdsgeo estampado aqui também. Eu não tenho muitas expectativas em relação as recomendações, sabe? Os comentários pra mim já me animam em um nível exorbitante, mas ver alguém lembrar a senha do Nyah pra recomendar essa história foi uma das coisas mais legais que já vi por aqui. Já disse e repito: vou guardar essa história e essas pessoas que conheci no meu coração sempre ♥ muito obrigada.

Bom, desculpem o textão... Apresento-lhes agora o capítulo longo e tão esperado hahaha espero que gostem e boa leitura!

AVISOS:

>Esse capítulo contém cenas com uma vítima de estupro. Eu fiz o melhor possível para caracterizar essa personagem, ainda mais porque ela enfrenta muitas outras coisas problemáticas, porém sempre estarei aberta a sugestões. Nunca presenciei ou tenho pessoas próximas que já foram vítimas desse ato horrível (ainda bem!), mas tentei me aproximar ao máximo da dor de alguém violada e com tantos problemas como a Helena. Peço que compreendam a personagem e não a julguem sem saber toda a história, as pessoas reagem de maneiras diferentes a diversos acontecimentos... Preciso que tenham a mente aberta e me ajudem a construir isso aqui ♥

> Pra quem gosta de ler com música, fiz esse capítulo (em especial o momento final) com duas músicas:
Walking the Wire - Imagine Dragons
A Idade do Céu - Pedro Alterio Cover



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M E M Ó R I A S

(s.f. recordações, capacidade de reter ideias, sensações, impressões adquiridas anteriormente)

 

Quando você acorda todos os dias, você nunca sabe o que te espera. Se é aquele dia maravilhoso que lembraremos por anos ou aquele dia horrível que você queria esquecer, mas não consegue. Essa lógica se reflete para todas as coisas da nossa vida, a gente nunca sabe se aquela pessoa vai se tornar a melhor ou pior amiga do mundo, se aquela comida saborosa vai fazer bem ou mal no final da refeição. Porém, apesar dessa espontaneidade constante, nós vivemos isso. Conhecemos pessoas, boas ou ruins, comemos comidas, saborosas ou não. Simplesmente vivemos, afinal, essa é a graça da vida.

Helena - a menina mais bonita entre as líderes de torcida, a amiga de todos, a simpatia em pessoa - com certeza não imaginou o que Theo Gonzalez poderia fazer. Ela não imaginou que, naquela dia fatídico, sua beleza atrairia um cara nojento como Theo, nem que suas tão adoradas amigas iriam fofocar sobre ela e que sua simpatia iria se perder aos poucos em direção ao mundo solitário que ela agora vivia. Helena apenas acordou, fez o que tinha que fazer e pensou que seria mais um dia normal, mas não foi.

Encaro a garota sentada na cama. Os cabelos cor de trigo bagunçados emolduram o rosto inchado de alguém que chorou recentemente. O modo como ela está encolhida com a cabeça entre as pernas esconde seu rosto, mas sei que ela sentiu que eu estou aqui.

Cristo. Eu mesma não queria estar aqui.

Matheus teve que importunar Peter por três dias para convencer o cara que queríamos ajudar. Apesar disso, apenas eu fui permitida a tentar contato com Helena, já que Matheus ainda não era considerável confiável o bastante. Quando entrei no quarto amarelado do apartamento, a decoração alegre e feminina me surpreendeu, pois era um verdadeiro contraste com a garota que vivia ali agora.

Fito as fotos de Helena nos jogos de basquete, na praia ou em festas com um grupo de meninas. Um sorriso largo emoldurava cada uma das imagens. O que diabos Theo foi capaz de fazer com essa garota? Como alguém pode quebrar um sorriso desse jeito?

— O que você quer? - a pergunta sai baixinho dos seus lábios quando eu me aproximo mais. - Elas mandaram você agora? Pra me chamar de puta, dizer que a culpa é minha e falar que eu tô fazendo drama?

— Alguém fez uma coisa dessas? - pergunto alto, surpresa com seu comentário e imediatamente sua cabeça levanta pra me encarar - Suas amigas...

Os olhos de Helena, azuis como a água da piscina do prédio, capturam os meus em reconhecimento.

— Elas não são minhas amigas. Acho que nunca foram - murmura com amargura e olha para a janela aberta do quarto - E você também não é, Clara.

Um belo jeito de começar essa conversa, hein Anna.

— Não, eu não era. Mas ainda posso ser - respondo e aponto para um canto da cama, distante o sufiente para que eu não invada seu espaço pessoal - Posso me sentar aqui?

Helena me analisa por um momento antes de assentir. Ela passa as mãos pela camisa folgada e sutilmente se afasta um pouco de onde eu me sentei, um claro aviso de não se aproxime. Observo a escrivaninha perto da janela e procuro algo que eu possa puxar assunto, qualquer coisa. Pondero atenta para os livros desorganizados e sorrio para o pôster de Grey's Anatomy no canto da parede.

— Qual seu personagem favorito? - pergunto, olhando o pôster e ignorando sua expressão surpresa - Eu particularmente amo a Cristina, pela personagem forte e focada que ela é, mas amo ainda mais o Alex Karev. Você gosta dele?

Observo que ela está pensando na resposta com a surpresa ainda evidente em seu rosto. Me pergunto quanto tempo Helena não ouve uma pergunta assim: essencialmente comum. Provavelmente desde aquele dia ela vive rodeada de preocupações, quantas vezes ela teve que dizer que estava bem quando nitidamente não estava? Quantas vezes relatou e reviveu o estupro para seus pais ou parentes? Ela merecia, no mínimo, alguma paz desse caos.

— Gosto bastante dele - murmura e encara o pôster - E da Izzie também.

— A Izzie é maravilhosa - confirmo e sorrio - Adoro os episódios com ela, principalmente nas primeiras temporadas.

Seus olhos nublam por um momento, como se ela tivesse revivendo um momento do passado em que ela própria assistia as primeiras temporadas. Um momento que parece bem distante agora.

— Eu não... Eu nunca mais assisti. - confessa e dá de ombros - Faz tempo que não faço essas coisas.

— Sério? Mas está tão boa, principalmente pra quem se identifica com a medicina. - comento, enconstando-me vagarosamente na parede - A maioria das pessoas que assistem querem a área, sabe?

— Verdade - responde.

Procuro algum aparelho eletrônico e foco no notbook fechado encima do criado-mudo.

— Você quer assistir comigo? Eu adoro assistir as primeiras temporadas e... - estou prestes a me inclinar pra pegar o objeto quando um "não!" alto ecoa e ela toca meu braço pra me parar.

Então aí eu percebo: todos os aparelhos eletrônicos estão jogados. O notebook apoiado no criado-mudo de forma desajeitada está quase caindo e o celular está sem bateria jogado junto com os livros do colégio. Até mesmo um comunicado da escola e algumas cartas estão caídas no chão. Era como se Helena Sanchez não quisesse saber de nada do mundo lá fora.

Calmamente me viro para seu olhar assustado, como se a qualquer momento uma mensagem ofensiva fosse aparecer diante de nós. Caramba. Faz semanas que a coisa toda aconteceu e ainda continuam zombando dela? Meus dedos seguram carinhosamente sua mão que ainda aperta meu pulso e eu aperto sua palma contra a minha.

— Eu não vim machucá-la - sussurro e prendo a respiração quando meu dedo faz o contorno da cicatriz na sua pele. Um ferimento claramente recente. Helena estremece - Você não precisa falar comigo sobre o que aconteceu, sabe? Eu não vou falar nada sobre isso, se você não quiser. Mas eu quero ajudar você, Helena.

Observo uma lágrima solitária escorrer por sua bochecha corada.

— Por que? - murmura.

— Porque eu sou um ser humano. Eu sou uma mulher. E ninguém, absolutamente ninguém, merece passar por isso tudo sozinha.

Ela esfrega o rosto com uma mão, como se fosse se livrar de uma sensação.

— Pessoas estavam vindo aqui quase todos os dias. Minha mãe... Minha mãe vive mudando de psicólogos que possam me entender, me curar, conversar... Eles querem que eu fale. E apenas fale sobre aquilo. E fale, fale, fale...

Ela larga a minha mão e a cada verbo seus dedos bagunçam os fios dourados do seu cabelo. Como se algo a incomodasse cada vez mais.

— Você está cansada de falar - digo, alcançando vagarosamente suas mãos - Não é? Eles não conseguem te entender.

Ela balança a cabeça enquanto as lágrimas começam um fluxo lento.

— Ninguém entende, Clara. Ninguém. Minha mãe acha que minha pureza pode ser recuperada, mas eu tô pouco me fodendo pra pureza. Eu só queria... Queria que eu não tivesse que falar sobre...

— Então deixe que eu fale - interrompo e tento massagear a cicatriz no seu pulso para acalmá-la, assim como eu fazia com minha mãe quando ela era furada por agulhas - Tá bom?

Ela me olha profundamente antes de concordar com a cabeça. Penso um instante antes de começar. Eu não era uma garota com altas confissões e, considerando tudo que aconteceu, não acho que nossa amizade se formaria alá um Clube dos Cinco. Porém, lá embaixo esperando por mim, tinha um cara que, contrariando todas as minhas suposições, possuia uma alma idiota de herói que arriscou ser preso para ajudar essa garota. Para me ajudar. E Helena precisava saber disso, que tinha pessoas por ela, tentando ajudá-la.

— Eu lembro exatamente o dia em que eu conheci Matheus Stahelin - começo e dou de ombros com sua surpresa - E sim eu estou realmente falando do Matheus, o grande nadador idiota que atende pelo apelido de Matt. Eu não sei realmente o motivo, mas eu lembro que quando eu vi o menininho emburrado de sorriso banguela e cara de bagunceiro, eu sabia que ele seria alguém interessante de se observar. Nunca fomos muito próximos e quando a gente é criança, a brincadeira entre meninos e meninas é muito inocente, muito pura. Naquele tempo, Matheus realmente tinha cara de criança encrenqueira, aquele tipo de criança fofa e briguenta que se mete em uma briga com as outras crianças pra que algum pequenino pare de chorar.

Ao falar, constato um fato: Matheus podia esconder de qualquer um, mas sua insistência de salvar as pessoas era algo intrínseco dele. Uma forte essência de benevolência que impregnava do seu ser.

— Ele até mesmo já tinha me ajudado quando criança, sabe? Eu era a garota nova e quase todo mundo fazia aquele bullying inaugural comigo. Faz tempo, mas eu lembro que ele já me ajudou com algumas encrencas infantis, sempre daquele jeito discreto dele.

Percebo que Helena ouve tudo com a testa franzida, atenta a minha história, mas confusa por Matheus Stahelin ter sido inserido no meio da conversa. Eu mesma não tinha um parâmetro para o que estava falando.

— Por que está falando de como conheceu o Matt? - pergunta e noto um tom de curiosidade em sua fala.

— Porque... - penso no garotinha das minhas memórias e do modo como a maioria das pessoas se afastaram dele depois da tragédia da morte do seu pai - Porque acho que ninguém nunca fez essa análise a respeito do Matheus. Somos uma sociedade que julgamos tudo e todos, essa é a nossa sina. E quando circulou a notícia que o pai do Matheus tinha morrido em um acidente, muita gente preferiu julgar como ele iria ficar do que acolhê-lo, preferiram nomear ele de idiota do que entender que ele estava sofrendo. Nós lidamos com a dor de maneiras diferentes, por isso que eu entendo que apenas falar sobre o acontecido com você não funciona e sei que guardar agressividade dentro de si como eu fiz também não é a melhor forma, mas a gente faz isso, não faz? As vezes, a dor é tão forte que não sabemos o que fazer, nos sujeitamos aos tratamentos de que nos impõe, nos escondemos com nossos próprios sentimentos... E geralmente isso dá tão errado, mas ninguém entende. Ninguém.

Ajeito as mechas do meu cabelo e olho Helena.

— Como eu disse, desde aquele momento da educação infantil, Matheus tornou-se consideravelmente observável pra mim. Então posso dizer que eu vi a mudança que a dor fez com ele. Eu vi, com minha curiosidade eloquente, o garoto de sorriso astuto e olhar brincalhão se transformar no cara sarcástico e ignorante. E vi também aquela alma de herói dar lugar para a raiva, arrogância e egoísmo. Muita gente o cupou por isso, mas parando pra pensar, eu entendo um pouco. Para quê a alma de herói se nem o pai ele pôde salvar? Esse pensamento é ridículo, mas para um garotinho que viu a família se quebrar em estilhaços e a mãe se afastar com o luto, tal preceito pode servir de motivo pra guiar sua conduta daqui pra frente.

Helena me avalia, suas expressões dando indício de como ela está tentando adivinhar pra onde aquela conversa vai dar.

— E aí o tempo passou - digo com um suspiro - E aos poucos as brincadeiras inocentes de infância se perderam e eu parei de observar tanto o Matheus. No nono ano voltamos a nos esbarrar e você sabe o que aconteceu. Eu nunca mais queria olhar Matheus Stahelin na cara, muito menos falar com ele. E então aconteceu o incêndio na biblioteca.

— Que vocês foram presos - completa.

Sorrio.

— Minha experiência pessoal em uma cela. - respondo, parafraseando o comentário de Matheus naquele dia - Veja bem, eu vi esse garoto se perder quando era pequeno. Observei suas mudanças como se ele fosse um objeto de estudo meu e eu não pensei, principalmente depois do que ele fez comigo, que algo poderia mudar.

Seguro suas mãos com mais força e fito seus olhos azulados ainda confusos e distantes, mas focados em cada palavra que eu digo.

— Helena, o dia na biblioteca nunca foi sobre uma aposta idiota para furtar um livro qualquer. Aquela era apenas uma atitude impulsiva e desesperada de um garoto que inesperadamente ainda tinha resquícios daquela alma de menino e queria ajudar você. E me ajudar.

Ela ergue as sobrancelhas.

— Do que está falando?

— Vamos fazer justiça por você. Matheus armou um jeito de pegar Theo Gonzalez.

Sou direta nas palavras e ela arregala os olhos ao ouvir o nome sair da minha boca. E aí, sem mais delongas, abro o jogo com ela e conto tudo que Matheus me contou.

***

— E então? - a pergunta vem com um arquear de sobrancelhas.

Encaro Matheus Stahelin e suspiro baixinho quando enconsto a nuca no sofá. Seu olhar guarda um pouco de esperança, como se minhas palavras fossem revelar o fotógrafo misterioso e sanar toda essa confusão. Pobre iludido.

— Não deu certo. Não do jeito que você queria - respondo e minha consciência remoe toda a conversa de hoje com Helena - Acho que chegamos tarde demais, Matheus. A Helena ela... Ela realmente não está bem pra conversar disso comigo.

Desde que cheguei do apartamento da garota fiquei pensando nisso. Quando ela me disse que estava cansada de falar sobre o acontecido, eu soube que aquele caminho de respostas não seria fácil. Porém, apesar disso, não previ o quão pior aquilo ficaria ao começar a mencionar o nome de Theo. O terror nos olhos azuis de Helena era indescritível.

Então, mesmo antes de finalizar toda a história de como Matheus planejou enganar o Gonzalez, lágrimas desciam por sua bochecha e ela balançava a cabeça em um ritmo constante. Helena disse que não queria mexer com Theo, que tinha medo do que ele poderia fazer caso ela ajudasse na denúncia. Apesar da minha tentativa de argumentar, tudo piorou quando suas respostas ficaram mais altas e Peter apareceu para ver o que estava acontecendo. O cara só faltou me trucidar por eu ter afetado Helena daquele jeito.

Saí do apartamento com rapidez com um "parem de mexer com isso!" gritado por Helena antes de eu bater a porta.

— Ei - Matheus chama, tocando meu queixo e o levantando - Está tudo bem, você fez o máximo que podia.

Afasto suas mãos de mim discretamente e suspiro mais uma vez ao analisar o quadro de investigações exposto em um caderno, o qual estava sobre minhas pernas. Tínhamos um pequeno esboço do que tinha acontecido, uma suposição. Porém além das duas pessoas envolvidas - Theo e Helena - não sabíamos quando, nem onde e nem como tudo aconteceu.

— Você acha que... - paro de falar e relembro o medo de Helena, o modo como ele pediu para pararmos de mexer com esse caso - Acha que o Theo poderia ter ameaçado Helena com outra coisa?

Ele levanta a cabeça do notbook que está usando.

— Como assim?

— O modo como Helena me olhou - falo - Digo, Theo ameaçou Helena com as fotos para que ela não o denunciasse, certo? Só que como ele ameaçou ela para levá-la a algum motel? Pelas fotos, isso foi planejado. Não foi um estupro que aconteceu em um lugar qualquer, foi premeditado. Theo teve que fazer com que Helena entrasse com ele naquele lugar.

Seus olhos esverdeados analisam minha expressão, a sobrancelha arqueada.

— Acha que ele tem uma arma?

Dou de ombros.

— Não duvido de nada sobre Theo Gonzalez. - respondo - Mas ainda acho que tem alguma coisa a mais. Algo além das fotos que impede Helena de nos ajudar a prendê-lo. Algo que a fez entrar em um motel com Theo.

— Uma ameaça à alguém importante pra ela - Matheus diz, seguindo minha linha de raciocínio - Cristo, eu me sinto dentro de uma série de investigação criminal.

Sorrio e vejo ele anotar algo no papel, logo depois de desligar o notbook.

— Tipo Bones? Ela uma cientista fodástica e brilhante, enquanto ele um agente do FBI?

Matheus ri ao notar a referência e se levanta.

— Ele é um agente do FBI fodástico também, ok? - e me ajuda a levantar do sofá onde estávamos, o sorriso torto escancarado no rosto - E claro a parte mais importante: eles ficam juntos no final.

Reviro os olhos enquanto rio, ajeitando o vestido azul que ele me deu naquele dia da boate. Estávamos na minha casa e o jantar em família que meu pai disse que iria dar, infelizmente, iria acontecer. Não sei como, mas Tiago Bennet conseguiu marcar uma reunião com toda a família Stahelin na nossa casa. Ah, e um detalhe: Eu só fiquei sabendo disso quando cheguei do apartamento de Helena.

Então ali estávamos nós, vestidos formalmente, com um fotógrafo misterioso para desvendar e nossas famílias malucas próximas de se reunir. A vontade de me esconder no meu quarto nunca foi tão grande.

— Também não estou tão animado para o que estar por vir - Matheus fala, guardando o notebook na mochila. Ele a ajeita em um canto da estante e se vira pra mim - Mas se tem uma coisa que valeu a pena de tudo isso, foi ver você nesse vestido de novo.

Ergo as sobrancelhas e tento não ruborizar quando seus olhos passeiam pelo meu corpo sem pudor. Um foco maior nas pernas expostas e outro maior ainda nos meus lábios com batom.

— É interessante - digo, sem escrúpulos.

Ele franze a testa e seus glóbulos esverdeados sobem pra me encarar.

— O quê?

Dou de ombros e, sem me conter, tiro um pouco do amassado no canto de sua camisa preta social. Ironicamente gosto que seu olhar acompanhe o movimento dos meus dedos.

— O modo como você parece louco por mim - murmuro e toco o canto de sua bochecha com o polegar - Se eu fosse me vingar de você esse seria o momento ideal, Stahelin.

Um sorriso se abre lentamente nos lábios dele. Uma mistura de surpresa e malícia evidente em sua expressão. Sinto sua mão em minha cintura.

— Eu pareço? Realmente só pareço? - sussurra.

Abro a boca pra falar, mas uma voz feminina me interrompe no meio do processo:

— Na verdade, você está - afirma Leah e nos lança uma piscadela - Só demorou uma eternidade pra perceber.

Gus está ao seu lado rindo e me desvencilho de Matheus com rapidez.

— Não precisamos afirmar o óbvio, Leah - Gustavo ressalta e sorri pra mim.

— Sério, Gustavo? - Matheus pergunta revirando os olhos - Você quer mesmo que eu afirme o óbvio aqui?

Não consigo não rir quando Gus avermelha e olha pro teto. Leah desce o olhar para meu vestido e depois sorri novamente pra Matheus.

— Você precisa de algum momento pra se recuperar, Matt? Talvez de um banho frio?

Meu parceiro de dança arregala os olhos.

— Leandra...

O som da campanhinha soa em toda casa e eu ergo as sobrancelhas para os dois membros da família Stahelin que se encaram em uma briga de gato e rato.

— As crianças vão parar de brigar agora? - pergunto, já me direcionando para a entrada da minha casa.

Ouço alguns xingamentos murmurados e logo Matheus está atrás de mim. Sinto seus dedos apertarem meus ombros levemente.

— Não precisa ficar desse jeito, já conhece minha família, lembra? São as mesmas pessoas, Lucca e seu senso de humor, Cat sendo a criança fofa e nonna só que dessa vez com o namorado novo.

— Sua avó está namorando?

— Esse já é o segundo do mês - responde.

Eu arregala os olhos e rio. A vida amorosa dela em um mês está mais animada do que todos os meus anos de vida.

— Mentira!

— É uma absoluta verdade. - dá uma piscadela.

— Então já sei de quem você puxou - finalizo e ele demora um momento pra entender, antes de eu já está puxando a maçaneta para abrir a porta.

E não demora nem um segundo para Luíza Stahelin aparecer com uma saia longa elegante, maquiada e com um sorriso diferente no rosto. Atrás dela está nonna com outro sorriso triunfante e um vestido verde musgo colado e sensual. Ao seu lado, um cara moreno a acompanha.

— Olá, querido - dona Luíza pisca pra Matheus e olha pra mim - Clara você está linda!

Avermelho um pouco, mal acostumada com o elogio e depois me afasto para deixar os convidados passarem.

— Obrigada, Luíza.

Nonna nos cumprimenta logo depois abraçando nós dois como se fôssemos um só.

— Eu sabia que isso daria em um relacionamento! - exclama - Devia confiar mais em sua nonna, Matheus, estou mais velha do que aparento mais ainda tenho olho bom para romances. - nos abraça novamente - Ah, estou tão feliz por ver um jovem casal em ascensão!

Matheus até tenta corrigir a contradição:

Nonna...

Ela interrompe com um gesto e puxa o cara para mais perto, ambos se abraçando pela cintura.

— Este aqui é Jesse, ele é americano. Mas já foi muitas vezes a Itália e é apaixonado pelo Brasil, tanto é que passou três anos aprendendo português.

— Que genial! E já sabe falar fluentemente, Jesse? - pergunto, querendo fugir da clara estimativa em que todos ali pensam que estou namorando Matheus.

Jesse arregala os olhos quando percebe que falaram com ele e assente algumas vezes.

— É uma língua bem... Complexa. Mas como eu já estudei espanhol durante o colegial, foi bem mais fácil à aprendizagem.

— Que bom, cara - responde Matheus - É bom saber que os norte-americanos se interessam pela nossa cultura tanto quanto nós somos apaixonados pela deles.

Ele assente e pega na mão da minha avó antes de entrar realmente na sala de estar. Quando todos enfim entram, meu pai está acabando de descer as escadas.

— Ah, vejo que todos já chegaram então! - afirma - É uma honra recebê-los nesta noite tão bonita.

Afasto um pouco os fios que caem do meu penteado que Leah fez e sinto uma respiração quente junto com uma voz sussurrando no meu ouvido:

— Volto já - murmura- Vou tirar nosso jantar do forno.

Ah, mais uma surpresa da noite: Matheus decidiu cozinhar. Lembro-me que o encarei descrente por alguns segundos pensando que era uma pegadinha. Mas, antes que meu cérebro entrasse em parafuso, ele já começou a pegar os ingredientes  a fim de preparar uma receita italiana repleta de molho. Em parte estou aliviada por não precisarmos aderirir a falta de talentos culinários do meu pai, porém ainda estou com medo de ser envenenada.

— Quer ajuda? - pergunto.

Ele balança  a cabeça.

— Vou ser rápido.

Alguns minutos depois a hora do jantar transcorre normalmente, ajudo Matheus colocar a comida na mesa e todos os convidados se sentam em seus devidos lugares, preenchendo todas as cadeiras. Quando enfim sento ao lado do meu parceiro de dança e do meu pai, penso que talvez aquela reunião familiar seja pacífica. E talvez, só talvez, nada dê errado.

Bom, eu não poderia estar mais enganada.

Lucca, primo de Matheus, é o primeiro a soltar um pigarro.

— E então? - questiona.

— E então o quê? – Matheus responde.

— Isso aqui é um jantar, cara. Temos algo pra comemorar?

— Precisa comemorar alguma coisa para se dar um jantar? – pergunto com um arquear de sobrancelhas.

— Mas é claro, querida! – é nonna que entra na conversa– Este em específico é muito especial, só estou esperando vocês anunciarem!

— E nós iremos anunciar...? – continuo, já com medo do que poderia vim.

— Ah, óbvio que é um noivado!- exclama Lucca pra meu completo horror – Desembucha Matheus! Diz logo que engravidou a Clara.

E uma simples frase faz um simples conversa se tornar um caos. Uma guerra mundial em plena linha de frente.

Noivado? O quê?

— Matheus Stahelin não me diga que você foi capaz de uma coisa dessas! – Luiza repreende o filho puxando sua orelha direita – Eu sempre te ensinei a se prevenir, meu filho! Camisinha existe pra ser usada!

— Mãe eu... - Matheus tenta contestar, mas é interrompido pelo grito animado do meu pai.

— Eu vou ser avô?! –  exclama e só falta voar de tanta felicidade ao soltar uma risada exagerada – Clarinha, eu disse que queria ver essa casa cheia de netinhos, mas nunca pensei que seria tão cedo, hein? Vocês são mais rápidos que eu nos meus tempos de juventude... Meu Deus!

Arregalo os olhos para sua evidente animação. Como diabos fomos parar de amizade pra noivado? Ou pior de noivado pra gravidez?

— Então é isso que vocês estavam fazendo em vez de estudar? Safadinhos esses jovens de hoje, hein Luíza? – a tia de Matheus, mãe de Cat, diz rindo – Eu bem que falei. Como acha que a Caterina surgiu?

— Oh, mais um neto?! – nonna faz uma mistura de careta-sorriso – Eu sou tão nova pra essas coisas, queridos. Eu esperava apenas um noivado e não que vocês já estivessem planejando a família completa.

— Noivado?! – questiono, assustada – Nós ainda estamos prestes a terminar o ensino médio!

— Querida, não existe idade para o amor - Meu pai fala sonhador.

— Pai! - exclamo e respiro fundo antes de declarar: – Eu não estou grávida.

— Devia ter levado esse menino pra Itália enquanto podia, Luíza. Colocava as tias-avós dele pra dar-lhe um belo trato. - A tia de Matheus ressalta.

— Eu não estou grávida – falo mais alto.

— Querida se acalme – meu progenitor começa a massagear meu ombro com lentidão. Jesus, o que diabos está acontecendo com essa família?— Se exaltar não vai fazer bem para o bebê e não queremos que ele tenha algum problema na hora do parto.

— Meu Deus, todo mundo! – berro calando a todos - Eu não vou parir ninguém! EU NÃO ESTOU GRÁVIDA!

E o estado de guerra mundial que se encontrava todos foi exterminado como se toda a linha de frente tivesse morrido. Pobres soldados. Encaro meu pai, que me olha  como se estivesse prestes a chorar.

— E todos os planos? Todos os sonhos? Por que me fez acreditar nisso, minha filha? Já estava me imaginando brincando de cavalinho com meu netinho e...

— Pai, me escuta – fico de joelhos na cadeira apoiando a mão nos ombros de Matheus pra me equilibrar – Nós nunca dissemos nada sobre gravidez. Na verdade, nós nunca dissemos nada sobre namoro!

— Mas... – nonna murmura.

— Mas nada, nonna. – Matheus aperta a minha mão que está posicionada em seu ombro –  Vocês tem que parar de ser tão premeditados e deixar a gente falar senão tudo vira uma bola de neve. Mesmo se houvesse algo entre nós dois, não estamos em uma sociedade retrógrada em que se casa da noite pro dia. Não estamos noivos e muito menos Anna está grávida!

Olho pra ele com a testa franzida.

— Desde quando você faz esses discursos? – sussurro.

— Por que? Sou sexy discursando? – sussurra de volta.

Reviro os olhos e me sento novamente na cadeira. Todos começam a comer novamente estranhamente calados.
Provo minha lasanha e estou satisfeita com o silêncio, quando nonna ergue o olhar para mim.

— Mas vocês já transaram certo? - questiona e eu engasgo.

— Vó... - Matheus meio ri, meio geme.

— Só estou fazendo uma pergunta, rapaz – responde – Ambos são virgens? Estão puros para desfrutar juntos do prazer depois do casamento?

— É necessário responder? –  pergunto. De onde diabos surgiu isso?

— Você não, querida – ela pisca e depois se volta pra Matheus – Mas meu neto é um rapazote muito sedutor se eu me lembro bem.

— Sou? – fala Matheus inocentemente e dá de ombros enquanto enfia mais massa na boca - Eu sou um santo, nonna.

Não consigo conter um riso com sua fala, mas Leah e Gustavo gargalham mais que eu. Matheus santo? Só se for em algum universo paralelo.

— Você quer saber da primeira vez dele, nonna? Porque eu sei de tudo sobre esse dia – Leah interfere, rindo - Você vai ver o quão santo seu neto é.

Arregalo os olhos e vejo Matheus encarar a prima que exibe um sorriso sádico no rosto.

— Não faça isso Leah, estou lhe pedindo...

— Então conte-nos mais, Leandra – nonna lança um sorriso malicioso para os netos e Matheus fica aterrorizado  – Quero saber o que o meu precioso netinho andou aprontando.

Ela me olha por um instante, antes de começar.

— Quando Matheus estava prestes há completar 15 anos, eu estava a estrear um dos meus primeiros espetáculos e  ia da escola para o teatro diversas vezes. E, claro, Matt sempre adorou ir comigo – seu sorriso é sugestivo – Enfim, uma das minhas parceiras de cena era Elizabeth, filha de um dos produtores, uma garota  tão mimada quanto uma rainha e que vivia no teatro.

— Seu tipo preferido – sussurro.

Antes que ele responda,  Leah continua:

— Desde o começo dos ensaios Lizzie e Matheus andaram próximos, mas teve um dia em particular que ele estava muito ansioso, sabe? Apressado para chegar logo ao teatro, procurando entre todas as meninas a garota ruiva e magrela, a qual tanto estimava.

— Você está exagerando – resmunga o cara ao meu lado.

— Mas, aí ele desapareceu. E Lizzie misteriosamente resolvera faltar o ensaio devido a uma cólica menstrual, tudo conspirando para um belo de um romance. Ensaiei, guardei minhas coisas e caminhei até o camarim como todos os dias, mas antes que eu pudesse chegar lá ouvi...

— Cuidado, tem criança na mesa – Lucca alerta.

Leah gargalha.

— Bem... Ouvi coisinhas, sabe? Tia, pode tapar os ouvidos de Cat? – A mãe de Caterina sussurra algo para filha e ela sorri feliz ao sair correndo para a sala de estar – Gemidos, e não eram baixinhos, eram altos. E não, não eram de Elisabeth. Eram de Matt.

— Leandra! – ralha Matheus.

— Em toda minha vida nunca imaginei que ouviria os gemidos do meu primo por uma porta, é claro que suspiros femininos e alguns sussurros eram ouvidos, mas os gritos que ele dava... Minha gente! Aposto que ele gozou em segundos.

Todos riem e Matheus avermelha.

— Não sabia que você já era tão sexualmente ativo nessa idade, Matt - Luiza pisca um olho pro filho, um sorriso se abrindo em seus lábios.

— É ou era? – Leah ri. – Apesar de que fiquei sabendo dos seus casinhos com as patricinhas do colégio. Que decadência, Matt! Elisabeth para uma... uma...

— Cristina e Larissa da vida – ajudo.

— É uma conspiração contra mim! – declara meu parceiro de dança.

— Só seja cuidadoso com minha pequena, viu Matheus? Ela não é acostumada com seus... Caprichos. Não sei como reagirá a isso. - Meu pai declara, fazendo-me arregalar os olhos.

— Papai!

— Só estou alertando seu namorado, querida. Se ele tem um tesão danado assim é melhor se precaver.

Pronto. Era o que faltava.

Em um impulso largo os talheres no prato e levanto-me da mesa. Com um suspiro alto encaro os cabelos bagunçados de Matheus e dou um sorrisinho para sua expressão confusa.

— Vamos? - pergunto.

— Pra onde?

— Fugir, lembra? – respondo ansiosa com o olhar estático de todos. Para facilitar solto um piscadela pra Matheus. – Espero que ainda dê tempo.

Vamos lá. Reaja. Vamos sair desse caos.

Nonna está prestes a falar alguma coisa, quando minha mão é agarrada com força  e sou puxada com rapidez para a porta da frente sem nem ao menos olhar pra trás. Ainda ouço o riso das pessoas na mesa enquanto corremos duas ruas inteiras ás pressas e o coque em meu cabelo desmancha. Os olhos esverdeados de Matheus  estão brilhantes como duas safiras do tanto que rimos enquanto corremos até uma praça pequena e parcialmente vazia.

— Meu Deus, somos tão loucos. – murmuro.

Ele ri enquanto se senta na grama, ainda tentando controlar a respiração.

— Eu? Louco? Se eu me lembro bem foi uma certa pessoa que se levantou do nada e me chamou pra fugir.

Reviro os os olhos com sua contestação e me sento em um dos balanços vazios perto de onde ele está sentado.

— Eu só fiz o que você tinha dito mais cedo, oras. Além do mais aquele jantar estava um fiasco.

Ele sorri enquanto posiciona o corpo pra ficar em frente a mim, os dedos frios segurando meus tornozelos para que o balanço não se mova. Com a corrida, sua camisa preta que eu tocara para desamassar mais cedo, agora estava desarrumada e aberta nos dois primeiros botões, desvio o olhar quando observo a pele dourada dali.

— Não um completo fiasco, se não fosse Lucca e aquela história de gravidez com certeza a conversa seria civilizada. Além disso, a comida estava ótima.

Tento não rir muito de sua presunção e dou de ombros.

— Estava até que boazinha.

Ele aperta mais os dedos no meu tornozelo e ergue as sobrancelhas,  ofendido.

— "Boazinha"? Eu cozinho maravilhosamente bem!

Dessa vez gargalho.

— E é muito modesto também.

— Não tenho culpa se eu falo a verdade - ressalta - Modesto, sincero, cozinheiro, dançarino e nadador profissional da liga estudantil. Ah, e acho que eu já ouvi algumas pessoas me chamarem de gostoso por causa do meu abdômen. Sou um partidão, não?

Rio e lhe dou um leve tapa na bochecha para que ele tire o sorriso torto nos lábios.

— No mundo da ilusão, só se for - desdenho - Você esqueceu de falar alguns defeitos de fábrica,  sabe? Como essa coisa gigante que você chama de ego.

Ele ri também e me encara atentamente por um tempo.

— Todos temos defeitos, Branca. Acho que seria bem chato estar com um partidão como eu sem alguns pormenores. Eu não acho que exista esse típico romance ideal, sabe? Esse que as pessoas imaginam um par perfeito e sem falhas. Existe uma relação construída no equilíbrio, em que as características boas de uma pessoa podem compensar as falhas dela.

— Uau - surpreendo-me - De onde saiu isso? Tem algum alien te habitando?

Ele ri e pisca pra mim.

— Talvez.

Ficamos em silêncio por um tempo e  eu aproveito a deixa para analisar sua expressão concentrada, o traço marcado do maxilar emoldurando a tranquilidade que ele emanava. Como conheci ele desde criança, consigo notar os traços de menino que deram lugar ao homem. As bochechas cheias e fofas da criança que deram lugar a uma face mais jovial que se expande toda vez que ele sorri largo. A boca pequena e que fazia careta para as aulas chatas das professoras dando lugar aos lábios que quase sempre estão sustentando um sorriso torto. Além dos olhos esverdeados, estes que tinham resquício da inocência da infância e agora possuiam marcas de maturidade, esta construída ao passar dos anos  com acontecimentos importantes, sejam bons, sejam ruins.

O pensamento nostálgico me faz lembrar a conversa com Helena. O modo como ele tentou me proteger de Theo de um jeito idiota, tudo para que aquele babaca não encostasse o dedo em mim e não prejudicasse ainda mais ela.

— Matheus?

Ele para de olhar pra baixo e me olha.

— Sim?

— Por que realmente fez aquilo? - pergunto, dando voz as minhas dúvidas - Fazia anos que a gente não se falava depois do nono ano, compreendo que tenha sido apenas culpa por tudo que você fez comigo, mas...

Tem algo a mais. Concluo em meus pensamentos.

— É mais que isso sim, Branca. - murmura, encarando-me com sinceridade - Acho que sempre foi mais do que isso.

E ali percebo que não me importo. Não me importo com tudo que passamos pra chegarmos até ali, ou mesmo com sua lista de defeitos que cresce a cada dia mais. Não me importo se o que estou fazendo talvez seja uma loucura que culminará em um desastre.

— Sabe quando você disse que, se me beijasse, iria dar o melhor beijo da minha vida?  - sussurro, mudando totalmente o rumo da conversa.

Noto sua expressão mudar, uma mistura de surpresa e ansiedade escancarada em seu rosto. As mãos no meu tornozelo antes frias, agora parecem braza.

— Que seria considerado o primeiro da sua vida? É, eu me lembro.

— Não sei se será o meu melhor da minha vida - sussurro e me inclino um pouco quando minha mão direita se posiciona em sua bochecha - Mas esse seria um bom momento pra testar.

Os olhos verdes agora expressam uma calmaria insana. Paz no turbilhão de sentimentos misteriosos que sentimos. E, no momento em que me inclino pra frente, o suficiente para sentir sua respiração quente perto da minha boca, meus lábios tocam os dele tão leves quanto um sopro. Sinto seu sorriso se abrir com o beijo casto antes da sua boca descer por meu pescoço em outro beijo perto da minha orelha, um no ponto de pulsação no meu pescoço, outro no meu queixo e mais um no canto da minha boca novamente.

Suspiro baixinho com as sensações e ele me olha atentamente antes de desfazer sua posição para se apoiar no joelho e em uma das pernas dobradas a fim de que seu rosto fique da mesma altura que o meu. Respiro fundo com o sorriso perigoso que ele dá antes de seus lábios descerem novamente para meu pescoço e a distribuição de beijos se alastrar por toda parte.

Aquilo era uma loucura.

Ele era uma loucura.

Meu Deus do céu.

As mãos em meu tornozelo sobem delineando as curvas do vestido e sinto seus dedos sustentando minha cintura enquanto sua mão direita retira os fios bagunçados da minha bochecha. Ele não me beijou direito ainda.

— Anna... - murmura e eu afundo os dedos nos fios castanhos do seu cabelo, trazendo-o para mais perto de mim e olhando o sorriso enorme que se abre - Você não sabe o quanto eu estava louco pra fazer isso.

E então finalmente ele me beija. E, assim, meus sentimentos confusos são sugados e eu me perco.

Desesperadamente.

Deliciosamente.

Sua boca desce sobre a minha e seus lábios se movimentam sobre os meus enquanto sinto sua língua deslizar para dentro de mim. É doce e frenético e é como se ele estivesse em toda parte, consumindo-me. Tomando-me pra si como a porra de um  mocinho apaixonante dos livros que já li! Quando minha mão desliza sobre seu peito, sinto seu coração pulsar como se ele estivesse prestes a ter uma parada cardíaca. Os batimentos aumentando a cada fôlego perdido.

Porém, Matheus não para.

Parece que nunca vai parar.

Maldita respiração de nadador!

Ele me beija como se fosse o fim do mundo, como se essa fosse nossa última noite. E, sinceramente, não me importaria se fosse. Quando eu acordei naquele dia, eu segui minha vida normal, fiz tudo que tinha que fazer e não esperava beijar Matheus Stahelin. Mas foi exatamente isso que aconteceu.

E não, esse não foi o primeiro beijo da minha vida, foi definitivamente o melhor.


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Notas finais do capítulo

Coisas do mundo citadas nesse capítulo:
Grey's Anatomy: série americana criada por Shonda Rhimes. Os personagens Cristina, Alex Karev e Izzie fazem parte do longa.
Clube dos Cinco: filme americano (maravilhoso) que conta o dia de cinco adolescentes na detenção. Uma das grandes cenas da obra é o momento de confissão, cena feita pelos atores sem roteiro.
Bones: Série americana criada por Hart Hanson que conta a história da doutora Temperance Brennan e do detetive do FBI Seeley Booth investigando crimes.

E O BEIJO FINALMENTE ACONTECEU! BELLA, VOCÊ ESTÁ VIVA? hahaha a maioria dos comentários que li nos capítulos anteriores traziam referência a esse momento, então dedico esse precioso momento as pacientes Li e Bella (que quase infartou, mas espero que esteja bem hahaha) que foram as que mais comentaram sobre isso. Li, Anna finalmente tomou atitude, hein? Bella, resolvi seu problema?

Bom, nunca tive tanta insegurança com um capítulo como eu tive nesse. Talvez por mostrar tanta coisa ou ainda por ter um momento tão importante para os protagonistas... Enfim, editei demais esse momento e espero realmente que tenham gostado.

O próximo capítulo é diferente do habitual e também está relativamente grande, então é provável que eu demore um pouco pra postar como demorei pra postar esse aqui. Mas não se preocupem que logo eu volto! hahaha.

Beijão e até,





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