Solemnia Verba escrita por Blitzkrieg


Capítulo 2
Capítulo 1: O Mercenário Solitário.




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O ano era 1765, em Londres, Inglaterra.

Era noite, o frio beijava seu rosto como uma amante insaciada caminhando ao seu lado. A parte inferior de seu robe negro tremulava em resposta aos sopros do vento. Por baixo vestia um conjunto simples de malha negra, havia um contorno esverdeado tracejado no robe que ia do colarinho até os pés, sumindo entre a faixa arroxeada apertando o tecido na cintura. Seus olhos escarlates fitavam seriamente o imenso castelo que se projetava logo à frente. Com passos silenciosos se aproximou cada vez mais até avistar um grande portão com revestimento prateado e em suas hastes em cada extremidade se projetavam longas grades protegendo o interior do palácio. Sentiu o olhar do rapaz sentinela que se encontrava frente ao portão analisá-lo silenciosamente.

– Senhor? – disse o rapaz que estava vestido com um uniforme surrado com uma cor marrom desbotada.


Era muito simples sentir o cheiro do medo, quantas vezes já não o sentira em até mesmo pessoas mais jovens que aquela. Não podia julgá-lo. Mas eram seus olhos, seus olhos rubros como o sangue que incomodavam, transmitiam o legado da família e até mesmo um simples humano poderia sentir arrepios em olhá-lo diretamente. Talvez fosse melhor assim, seres poderosos talvez nunca devessem ser fitados diretamente. O jovem guardião pigarreou.



– Estou encarregado de checar o nome na lista de convidados, senhor. – anunciou timidamente sua função bastante óbvia naquele local, a julgar pela folha amarelada que segurava.



– Você é o único encarregado de vigiar a entrada?



O medo finalmente emergia daqueles olhos castanhos, como se brotasse apenas com as palavras corretas. Aquela expressão era nostálgica, porém ainda estava verde, era preciso amadurecê-la. O rapaz de cabelos castanhos alisou com a mão vaga seu uniforme surrado como se desejasse consolar a própria alma. Por um tempo, pareceu finalmente reparar os cabelos prateados como se antes não estivessem ali, contrastando com toda a vestimenta negra suspeita.



– Não, senhor. – respondeu finalmente com uma voz vacilante. – Há outros guardas, porém estão ocupados com outras coisas. – sentiu necessidade de complementar.



– Qual seu nome?



Por um momento, o rapaz pareceu menor, apesar de ser ambos da mesma altura, similares também no aspecto físico liso e pouco intimidante. A hesitação pareceu durar um tempo considerável, mas para quem já havia vivido muitas décadas, não passou de meio segundo. O tempo era algo tão relativo, dependia sempre da capacidade de sobrevivência.



– Frank. Meu nome é Frank senhor. – respondeu finalmente. – Por favor, diga-me seu nome para poder procurá-lo na lista. – pediu de uma forma meio brusca, assumindo um tom de seriedade como se desejasse se proteger em uma couraça de orgulho.




Este é um lutador, de alguma forma.



Por que deveria ter de dizê-lo? Logo ali? Para aquele humano? É impressionante o peso que um nome pode carregar. Os nomes costumam trazer histórias, muitas vezes ruins. Aquele nome trazia talvez a pior. Quem sabe se não repartisse o nome às lembranças ruins talvez se repartissem igualmente.



– Meu nome é Vlad. Procure Vladimir. – respondeu, prosseguindo o caminho enquanto o jovem corria os olhos pela folha.



– Espere...



Os passos não cessaram, já estava próximo da grande porta de madeira quando ouviu.



– Vladimir Chernobog? Isto mesmo? Está aqui.



Parou. Virou o rosto para o sentinela do portão, algo em seus olhos pareceu cintilar, o rapaz recuou alguns metros como se tivesse sido atingido por uma flecha.



– Isto mesmo. Me chame apenas de Vlad. – entrou no palácio.



Encontrava-se no corredor, iluminado por vários archotes, somente um pouco mais a frente se encontrava o anfitrião e antigo conhecido. Prosseguiu com os passos lentos, com o caminhar cuidadoso e silencioso de um gato.



– Vlad! É muito bom revê-lo! – a voz ressoou pelo imenso corredor com aspecto sombrio, apesar da distância curta o senhor de vestimentas nobres da época sentiu a necessidade de gritar.



– Boa noite William. Como vai? – sorriu, para ele podia sorrir.



– Muito bem! – de alguma forma parecia que ele gostava de ouvir sua voz ressoando por todo o corredor, sua face redonda estava rosada, seus olhos negros brilhavam transmitindo empolgação. O bigode estava meio acinzentado assim como suas grandes suíças cobrindo as bochechas típicas de um senhor robusto. – Ora! Vem cá me dê um abraço.



– Esta sua aparência... – as palavras saíram meio abafadas durante o abraço de seu velho mestre.



– Ora, não ligue para isto. Hoje estou mais mortal do que de costume. – sorriu.



– Mortal? – indagou Vlad. Analisando a expressão feliz de seu mestre. – Não sabia que havia adquirido a imortalidade.



Uma gargalhada ressoou parecendo sacudir o palácio inteiro, a voz de William era realmente perturbadora, se ele soasse severo em algum momento, poderia paralisar qualquer devatã apenas com as palavras.



– Você ainda é jovem, existem segredos bastante obscuros neste mundo rapaz. Alguns deles ainda não lhe ensinei. – o olhar de William pareceu estudar seu aluno.



– Você não está bem. – Vlad pareceu triste. – Sei que há algo errado, por que outra razão me chamaria assim de repente, ainda mais em uma situação como esta que estamos vivenciando?



– Tem razão. – o mestre confirmou levemente com a cabeça. – Tenho pouco tempo de vida para ser direto. Esta festa, eu apenas quero aproveitar meus últimos momentos. – fitou os olhos escarlates como se aguardasse algo.



– Então é isto. – disse como se seu mestre houvesse contado o que comeu no café da manhã.



– Eu sempre espero outro tipo de reação de você. Esta melancolia toda ainda será a sua perdição rapaz. – William riu por alguns segundos. – Venha. Vamos para o salão principal, desejo lhe apresentar uma pessoa. – disse, caminhando para se colocar ao lado de Vlad, apoiando em seguida uma de suas mãos em seu ombro.



– A melancolia é a consequência de uma análise séria prolongada. Prefiro isto ao me iludir com os eventos que somos forçados a presenciar.



– Duro com as palavras. Seu tom ácido é interessante Chernobog. Também prefiro viver fora da ilusão, mas por que devemos analisar as coisas tão seriamente e ainda mais a todo tempo? Se o mundo é indiferente a nós por que temos que nos importar tanto com o que acontece nele?



– Se encontrarmos o Yggdrasil será possível te salvar. – comentou Vlad, mudando de assunto abruptamente, como se estivesse mergulhado em pensamentos durante toda a fala de seu mestre.



William pareceu refletir alguns instantes, Vlad não estava certo se era sobre sua indiferença anterior ou sobre suas palavras.



– Não temos tempo e o maldito Krypsimo rivaliza conosco na procura. – respondeu.



– Tenho parte da culpa pelo seu estado, na última batalha...



– Não se incomode. – interrompeu William. – Não há nada que possa ser feito. – o mestre soou sombrio com um tom de teimosia intrigante.



– Tem razão. – os olhos escarlates esgueiraram para o rosto do mestre por um breve momento.



Logo a frente o grande salão central surgiu com todas as tapeçarias luxuosas visíveis, uma escada central fornecia a passagem para os cômodos superiores. Um tapete vermelho guiava os convidados pela escadaria. Os convidados que estavam por todos os lados fitaram os dois novos que chegavam. As mulheres vestiam seus vestidos de cetim decorando o salão com cores distintas, em que o vermelho predominava, os ornamentos luxuosos eram visíveis, pedras preciosas e ouro em sua grande maioria assim como madrepérolas. Os homens vestiam as roupas da burguesia da época, com seus casacos, paletós e camisas com babados.



– Suas roupas atraem olhares. – sussurrou William ao ouvido de Vlad.



– Este é o traje real da família Chernobog. Apesar de que para os humanos pareça apenas um conjunto estranho. – respondeu.



– Este salão não é composto apenas de humanos. – comentou o mestre.



Os olhos escarlates correram o salão novamente, desta vez prestando atenção nos rostos que o observavam. William tinha razão, alguns tinham olhares de surpresa, notou alguns até mesmo de admiração. Mas foi a jovem que descia as escadas com um vestido de cetim vermelho e um leque decorado de rubis frente ao rosto que lhe chamou a atenção.



– Vlad, aguarde aqui. Vou à procura de um amigo que desejo muito que você conheça. – disse William, retirando-se do local adentrando uma das portas que se encontrava na lateral do salão.



Os olhos escarlates retornaram a jovem que descia as escadas lentamente que correspondia também ao olhar. Seu andar era gracioso quando finalmente tocou o solo do salão, estava vindo em sua direção. Uma das mãos estava apoiada na cintura, enquanto caminhava. A outra segurava o leque negro com rubis que cobria metade de seu rosto. Os cabelos eram castanhos lisos, presos por um nó vermelho.



A misteriosa mulher se aproximava. O cheiro de seu perfume adocicado já era possível de sentir. Um cheiro agradável, porém algo intrigava. Não era um cheiro, era mais uma sensação. Não havia dúvidas do vestígio de energia, o aliquid de violação. Violação por violar as leis da natureza intransponíveis pelos humanos. No latim significava apenas uma evocação qualquer, significava “algo”, alguns chamavam até mesmo assim devido ao grande número de variedades tornando difícil uma classificação uniforme.



O aliquid era emitido do corpo como se fosse suor evaporando, indetectável pelos olhos humanos, mas fácil de enxergar especialmente por aqueles olhos escarlates. Era rubro, violento, agressivo. Como uma chama que assim que se acende se alimenta do ar com ferocidade para se erguer. No momento era uma pequena chama, aparentemente inofensiva, mas bastaria apenas um simples incentivo para engrandecer. Era uma garota, aparentava ter a mesma idade de Vlad, foi possível notar tal coisa assim que a mesma se colocou logo ao seu lado, seguindo adiante como se não o tivesse notado. A suspeita se confirmou assim que algumas palavras foram pronunciadas quase com um sussurro.



Animus violandi.



Neste instante, uma expansão de energia sinistra se alastrou pelo palácio inteiro, engolindo tudo a medida que prosseguia como se fosse um imenso buraco negro, inclusive o tempo foi engolido. Uma parte das pessoas permaneceu imóvel, petrificada, assumindo uma coloração acinzentada gradativamente típica de uma estátua. Outra parte continuou intocada pela violação temporal, apenas direcionando o olhar para a jovem que girava nos calcanhares para se confrontar com seu inimigo, em um movimento rápido como se em um sobressalto houvesse pressentido um perigo de ataque durante todo o processo. Vlad apenas continuou imóvel, permanecendo de costas para a devatã que havia realizado tal ousadia, justo naquele lugar. O chão se desfez e um piso transparente surgiu dominando todo o local. Parecia que todos haviam sido sugados para uma dimensão paralela, todo o palácio havia desaparecido. O ambiente era dominado por uma escuridão infinita, era possível enxergar todos os presentes por meio de uma luz artificial vinda de lugar nenhum. Os quadriculados do chão transparente estavam firmes como um solo calçado qualquer.



Quando um devatã, que em seu interior residia um aliquid pronunciava as palavras corretas, mediadas pelo grande escrivão devatã que tinha a função de nomear a língua de violação, algo fora do comum acontecia. Muitos devas, assim também chamados, se consideravam magos, feiticeiros, chamavam aqueles efeitos de magia, porém alguns se mantinham com os pés no chão afirmando apenas que o aliquid dava a permissão de alterar as leis naturais momentaneamente. As palavras tinham literalmente poder, e a sua capacidade ia até aonde o aliquid do devatã permitia.



Os cantios tratavam-se das palavras emitidas que transformavam o ambiente ao redor. A “intenção de violar”, este cantio conjurado, consistia em um dos mais simples, utilizados especialmente para gerar uma batalha. O terceiro juiz, o último antes de consolidar a primeira trindade reguladora havia decretado uma regra entre os devatãs, a de utilizar o animus violandi sempre para iniciar qualquer confronto, para proteger assim a existência dos humanos, pois os efeitos de uma batalha poderiam ser catastróficos se os cantios fossem utilizados sem os devidos cuidados. Temos a responsabilidade de proteger as criaturas mais fracas e que estão indefesas perante a nossa habilidade transcendental. E este zelo deve ser feito pelo anonimato, uma vez que tais criaturas não compreendem suas próprias leis naturais, não poderiam compreender a possibilidade de anulá-las a bel prazer. O caos desta maneira será evitado. Dissera Agamenon Chronus, há centenas de décadas atrás. Até mesmo devatãs rebeldes, não possuíam a ousadia de causar interferências com seus aliquids no mundo humano, pois todos conheciam as severas punições aplicadas pelos três juízes da trindade reguladora.



Após toda a manifestação do cantio primordial de batalha ocorrer, este que era muito simples e até mesmo devatãs de classe inferior poderiam realizar, Vlad tomou a palavra:



– Qual seu nome? E qual seu objetivo? – indagou, virando-se para sua oponente.



A jovem pareceu hesitar por alguns instantes, mas o que seus olhos diziam era apenas uma leve dúvida em confessar seu nome. Assim como acontecia com todos os devatãs, pois o sobrenome dava a pista de qual família pertencia, trazendo também informações prévias sobre até mesmo suas próprias habilidades.



– Meu nome é Margery Pyromorphisis. – respondeu, fechando seu leque bruscamente. – Meu objetivo consiste em retirar sua cabeça de seu corpo e levá-la comigo até meu senhor.



– Entendo. – os olhos escarlates fitaram a jovem misteriosa. – Você é bastante direta, geralmente os devas que me caçam tagarelam coisas sem sentido durante um bom tempo antes de me explicarem quem são. – comentou, colocando as mãos nos bolsos que estavam escondidos pela parte inferior de seu robe negro. – Senti uma simpatia por você, Pyromorphisis. Espero termos uma boa luta.



– Esta arrogância é apenas sua ou todos os Chernobogs eram assim? Se não for apenas sua, compreendo porque todos os outros foram exterminados. – sorriu Margery, após a provocação.



A Pyromorphisis aguardou um instante, para se certificar de que a provocação havia gerado algum efeito. Não houve nem mesmo um franzir de testa, os olhos escarlates continuaram a fitá-la seriamente, o silêncio perdurou por alguns instantes, deixando-a incomodada. Vlad parecia uma estátua de pedra, assim como os outros humanos, somente alguns risinhos abafados soaram pelos devas que assistiam tudo como se apreciassem um espetáculo.



Vlad refletia sobre o que estava acontecendo naquele local. Foi muito simples ignorar aquelas palavras provocadoras, pois os eventos ali intrigavam. Com certeza o Krypsimo estava por trás daquilo tudo. Seus pensamentos foram interrompidos, por um pigarrear de sua oponente, uma atitude que demonstrava certa inexperiência em batalhas.



– Não irá me atacar? Como irá arrancar minha cabeça sem me atacar? – indagou Vlad.



A garota pareceu se intimidar com tal comentário tão simples, pois imediatamente tratou de irradiar seu aliquid, aquela simples intimidação pareceu inflar aquela pequena chama de outrora.




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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado do estilo desta minha nova fic. Como pretendo aprimorar as minhas habilidades de fanwritter xD, estou procurando fazer fanfics de estilos diversificados, então eu gostaria que você que está acompanhando, deixasse um comentário com críticas e elogios (se possível) porque ambos me ajudam bastante na elaboração do enredo.