Royal Hearts escrita por Cams, Tamires, nat


Capítulo 26
Julian - Say Something (parte II)


Notas iniciais do capítulo

Olaaaaaaaaa! Com muita cara de pau e alegria posto esse capítulo hoje ~weeeeeeeeeeeeeeeee~ Demorei eu sei, mas eu não imaginava que escrevê-lo seria tão difícil quanto foi. De longe o que eu mais me esforcei para ficar emocionante, empolgante e romântico, então gastei todas as minhas energias para que ele ficasse bom. E, modéstia a parte, ele ficou muito legal kkkkkkkkkkk
Antes que comecem a ler tenho duas pequenas observações. A primeira refere-se ao título do capítulo; eu normalmente não coloco os nomes em inglês, e dessa vez é uma referência a uma música, Say Something (para quem não conhece é essa aqui https://www.youtube.com/watch?v=DNigvLYQKjs). Já a segunda é algo que está no capítulo; a tradução da palavra que o Aaron diz é "inocente".

Acho que isso é tudo :D Aproveitem!



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Entrar no carro depois de um longo dia como esse foi a descarga para minha sonolência. Nem discuti com Daniel quando ele disse que iria dirigir e me encaminhei para o banco traseiro. Gabriel no fim acabou ocupando o banco passageiro, ficando eu, Luna e Celeste atrás. Em menos de meia hora estava dormindo escutando a parte mais calma da trilha sonora brasileira.

Sonho que estou me afogando no mar, com muitas ondas para conseguir boiar; pessoas me gritam da praia, mas só vejo uma delas. Luna está rindo do meu desespero, numa forma de vingança por a ter jogado no mar sem saber nadar. Acordei com meu coração acelerado, e não reconheço a posição que estou. Aos poucos vou abrindo os olhos para perceber que estava encostado no ombro de Luna, que não havia percebido que eu tinha acordado, conversava aos sussurros com minha irmã. Iria me levantar da posição confortável na qual me encontrava, porém escutei uma pergunta que gostaria de saber a resposta.

– Você seria capaz de abandonar sua família para fazer parte da minha? – Pergunta Celeste. Luna demora para responder, e com um suspiro começa a falar.

– Eu acho que nunca seria capaz de fazer isso. Minha família sempre precisou de mim, e não suportaria deixá-los para trás. – afirma com a voz triste. – Sabe, eu sempre os observei na tv enquanto cozinhava ou arrumava minha casa, pois minha irmã, que tem a mesma idade de Sara, ama sua família, e em todas as cartas que recebo há algo dela para vocês, mas nunca tive coragem de entregar. Na tela, nas revistas, e fofocas pela cidade, nunca conseguiram falar realmente como são, principalmente o Julian. Ele é tão esforçado, trabalhador, e simpático mesmo quando tudo está dando errado. É impressionante, e o admiro cada dia mais.

“Neste tempo que estou no palácio pensei várias vezes em desistir da seleção e voltar para casa, por pensar que não sou o suficiente para seu irmão, que nunca daremos certo ou por sempre sentir saudades de todos da minha província. Só que dias como hoje fazem tudo valer a pena. E eu tenho medo, medo de me apaixonar pelo Jules a um ponto em que deverei escolher entre ele e minha família. Meu coração já está partindo em sua direção, e quando for totalmente dele não sei se serei capaz de dizer não.” – Luna termina de dizer e sinto lágrimas caindo em meu cabelo. Minha vontade era levantar e abraçá-la, para que nunca mais chorasse. Doía vê-la dessa forma, por minha causa indiretamente, mas sabia que a coisa certa a se fazer era continuar quieto. Celeste a abraçou desajeitadamente para que eu não acordasse. Ainda abraçadas, sussurrou em seu ouvido:

– Você é uma ótima pessoa, e eu ficaria feliz se você e sua família se juntassem a nós. Jules será muito feliz se você estiver ao seu lado. - Ao escutar isso meu coração se enche de alegria. Não há uma coisa no mundo que me conforte mais do que saber que uma das selecionadas tem o apoio de minha irmã.

Após alguns momentos de silêncio entre Luna e minha irmã decido “acordar”, percebendo que já estávamos em Angeles.

– Julian, você roncou a viagem toda! Só agora que estamos chegando que você nos deu uma folga. – Gabriel resmunga tentando esconder um sorriso. – Luna, coitada de você se tiver que aguentar isso toda noite!

– Mas eu pensei que era por isso que existia o quarto da princesa. – responde também sorrindo.

– Muito engraçado Gabriel. Seria mais engraçado se fosse verdade, pois sei que eu não ronco. Quem ronca é meu irmão. – falo rindo. Todos no carro começam a rir, imaginando que a futura esposa de Shay não será tão sortuda assim. Continuamos trocando brincadeiras até chegarmos perto da entrada do palácio, com Daniel e o outro príncipe articulando piadinhas maldosas e ardidas entre si.

Eu não estava prestando mais atenção quando comecei a notar a presença de vários carros e vans perto de casa. Mesmo Daniel que continuava falando estava tenso, tentando disfarçar para não preocupar ninguém, até que o carro com os outros guardas piscou o farol traseiro duas vezes. De onde estávamos pude perceber uma movimentação nos portões, com vários guardas tentando afastar as pessoas por perto para deixar nossa comitiva passar. No mesmo instante entendi que o sinal dos faróis era uma sinalização para repórteres e paparazzi.

– Se preparem, temos muitas companhias. Sorriem e logo estaremos a salvo. – Aviso à todos. Nosso carro teve que parar por causa da multidão que estava estagnada na frente dos portões. Um dos repórteres que estava voltando para o carro viu Gabriel, e gritou para todos os outros que tínhamos chegado. Antes que Daniel ou eu o impedisse, Gabriel abaixou a janela com a chegada dos fotógrafos; ele não teve nem chance de dar boa noite devido à montanha de perguntas que se seguiu.

“Alteza, como você se sente com as suspeitas de que Celeste não está interessada em homens?”

“Gabriel, você tinha suspeitas de que Celeste fosse gay?”

“Você desistirá da seleção por causa das acusações?”

“E quanto ao príncipe Shalom? Como é viver numa casa junto com um doente mental?”

As perguntas foram logo piorando, e não apenas Gabriel com a janela aberta foi atingido por elas. Celeste assistia a tudo horrorizada, sem conseguir assimilar tudo aquilo. Ao meu lado mais fotógrafos e jornalistas se juntaram, direcionando perguntas a mim e até mesmo a Luna, atormentada até então.

“Julian, você está preparado para a seleção?”

“Como é ter um irmão louco?”

“Luna, como sua família está sobrevivendo sem você? A senhorita está prestando serviços dentro do palácio para mandar dinheiro para sua família, já que fontes confiáveis afirmam que você não sai da cozinha?”

“Senhorita, como foi cuidar de sua mãe doente toda a sua vida? Está aliviada por tê-la longe de você?”

“Princesa, você confirma as afirmações do príncipe Lorenzo e da senhorita Caroline?”

“Celeste você é gay?”

“Senhorita, como foi viver sua vida inteira escondendo sua orientação sexual? Foi o rei que a obrigou participar de uma seleção?”

“Gabriel, você poderia nos dizer como é a vida no palácio, vivendo às escondidas?”

“Você acredita que Shay deveria ser candidato ao trono?”

“Julian, como é ter pessoas interesseiras ao seu lado?”

“Julian, você sabia que Luna se inscreveu para não passar fome em casa?”

Com essa última pergunta me virei para a Luna, que chorava em silêncio ao lado de minha irmã, na mesma situação que ela. Seus grandes olhos me fitavam com sofrimento, sem nenhum rastro de alegria que apresentavam minutos antes.

– Como eles podem ser tão cruéis? – Luna questiona para ninguém específico.

– Por que inventaram toda essa história? Da onde tiraram isso? – Celle pergunta perturbada.

– Daniel, tire-as daqui. Eu tive uma ideia. – Gabriel ordena e abre a porta do carro, saltando em direção a todos os paparazzi. Ele anda vários metros até a maioria dos jornalistas o seguirem, liberando a estrada para nossos carros passarem. Ao longe consigo vê-lo respondendo perguntas e sendo alvejado por milhares de flashes. Gabriel estava servindo de isca para que pudéssemos entrar.

Rapidamente os carros conseguiram se desvencilhar das pessoas e entrar no terreno do palácio. Olhando para trás os seguranças de Gabriel saíram do Jeep que estava atrás de nós e foram escoltá-lo. Celeste mal esperou Daniel estacionar para sair correndo em direção à casa, seguida de perto por Luna. Disparo atrás delas para dar alguma explicação, mas nenhuma delas diminui o ritmo, portanto tenho que me esforçar para alcançá-las.

Dentro de casa ninguém além dos guardas sabia o que ocorria por trás dos portões, deixando Aaron, Lucca e alguns criados surpresos com a movimentação.

– Celeste, preciso falar com você. – Aaron chama a atenção da minha irmã com alguns papéis nas mãos.

– Aaron, agora não! – Celle grita em resposta, deixando o príncipe atordoado com a falta de educação. O alemão olha indignado em minha direção, mas faço um sinal de espere para ele e pego o braço de Luna, virando-a para me encarar.

– Luna, não saia correndo. Vamos conversar, eu posso te contar tudo. – suplico para a garota que ainda estava chorando.

– Julian, passamos o dia todo juntos, e agora eu quero um momento só para mim. Eu preciso disso. Quando estiver preparada eu o procuro. Boa noite. – sem falar mais nada Luna sobe as escadas desaparecendo pelo corredor.

Não consigo conter a raiva que ferve dentro de mim, fazendo toda a minha consciência evaporar. Chuto tudo o que está pelo caminho, socando paredes e até mesmo o ar, para me livrar de tudo.

–Acabou? – Lucca pergunta cauteloso aproximando-se de mim. Por sorte os criados foram embora, ficando o italiano e Aaron. – O que aconteceu?

– Eu realmente precisava conversar com a sua irmã, mas parece que algo mais importante aconteceu...- Aaron diz preocupado com a situação.

Abro a boca para respondê-los na mesma hora que Gabriel entra dentro do palácio, chamando nossa atenção ao sentar num sofá perto da porta, derrotado.

– Você é completamente louco, mas sem você ainda estaríamos lá fora escutando aquelas coisas horríveis. – Digo enquanto o abraço, sentando ao seu lado em seguida. – O que aconteceu depois que você saiu do carro?

– Os paparazzi fizeram novamente todas as perguntas que escutamos dentro do carro, algumas bem piores do que as meninas tiveram que escutar. Eu tive que responder tudo para ajudá-los, mas provavelmente estarei em todas as revistas amanhã. Mas olha para o lado bom: eu nunca tive tanta fama quanto hoje. – Gabriel termina de falar com um tom de brincadeira. Minha raiva tinha voltado, não sobrando forças para rir de sua piada. Lucca e Aaron nos olhavam sem entender, confusos com a série de fatos desconexos que receberam nesses poucos minutos. Com um suspiro conto tudo o que aconteceu desde quando recebi a revista em mãos, passando pelas mentiras e terminando com as perguntas e afrontas dos repórteres.

Quando termino de contar os três príncipes partem em direção ao quarto de Celle querendo consolá-la. Com uma ordem proíbo-os e qualquer outra pessoa de vê-la no restante da noite. Resmungando, Gabriel e Lucca saem de perto de mim, mas Aaron permanece em pé querendo falar comigo.

– Se for para me xingar e falar que estava errado em mentir para a Celeste é melhor ir embora junto com os outros, ou não me responsabilizo por minhas ações. – informo-o secamente.

– Você não precisa de mais ninguém além de si para ter certeza do que fez foi errado. Então não precisa se preocupar em me ferir, que sei me cuidar. – Aaron argumentou com o mesmo tom. – Contudo não foi para isso que fiquei. Eu precisava pedir a permissão da princesa para algo que preciso. Depois do desastroso pedido para um encontro decidi que iria procurá-la primeiro dessa vez. Aparentemente todas as escolhas que faço estão erradas, só que dessa vez eu não tenho alternativas. Minha mãe me ligou hoje e recebi uma carta do meu irmão mais velho, Marcel, com a mesma solicitação; ambos querem que meu irmão venha para cá. Na carta ele diz que sente muitas saudades minhas, que não aguenta ficar no palácio, que lá está muito chato sem mim. Minha mãe me ligou para tentar me convencer, falando que ele está tendo crises mais frequentes, das quais apenas eu sei lidar. Como vê, estou sem saída.

– Eu não posso confirmar que está tudo certo para a vinda dele, uma vez que o aniversário de Sara está chegando e nós sempre recebemos a outra parte da família aqui, com uma festa durando dois dias ou mais. – Falo rindo. Lembro do aniversário de um ano dela, a primeira neta do rei, e como a festa durou uma semana toda. Nunca voltei a comer tanto quanto naqueles dias. – Provavelmente seu irmão virá assim que puder, então não sei se teremos quartos bons o suficiente para outro príncipe alemão.

– Se esse for o único empecilho, não teremos problema. – Aaron abaixa a cabeça e coça a nuca, tentando desviar a atenção da vermelhidão de suas bochechas. – Ele ficará no quarto comigo.

– Sério?

– Quando viajamos para lugares desconhecidos Marcel as vezes dá algumas crises de pânico, e sou eu que acordo de madrugada para acalmá-lo. Uma vez levantei de manhã e quase pisei nele; ele fugiu para o meu quarto e dormiu no chão para não me incomodar. Desde então me acostumei a tê-lo do meu lado.

– E como você namora? - Minha curiosidade é maior que tudo, e não resisto em perguntar. Mesmo envergonhado, o interesse em saber como o alemão que todo mês é fotografado com uma mulher diferente é grande. Aaron, assim como Lorenzo foi uma das pessoas que mais tinha preocupação em um relacionamento com uma pessoa inexperiente como minha irmã. Mais

– Unschuldigen Julian. Eu sei que até em Illéa eu tenho fama de, vamos dizer, namorador, mas ninguém nunca me perguntou porque sempre estou com pessoas diferentes. A grande maioria acha que sou eu que troco de namoradas, e você pode rir, porque não é isso o que acontece. Elas se cansam de mim por não proporcionar o que elas querem. – eu já não estava entendendo mais nada do que ele dizia. Talvez ter chutado e socado as paredes tenha provocado algum dano neurológico em mim, de forma que Aaron teve que se explicar. – Meu caro Jules, eu quero casar virgem.

Eu fiquei sem palavras diante da sua afirmação, esquecendo por um momento o motivo real de nossa conversa. Infelizmente, com um vislumbre de Gabriel subindo as escadas lembrei da árdua tarefa que me aguardava: mostrar a revista para Celeste.

– Sinceramente eu nem sei o que te dizer quanto a isso, mas temos tempo para conversar sobre isso e outras coisas mais tarde. Agora preciso resolver problemas mais urgentes. – digo um pouco constrangido. – Por mim Marcel será bem-vindo no palácio, e para ter certeza que não teremos tumultos ou broncas por ele vir repentinamente, converse com minha mãe, e ela dirá tudo o que precisa. Quanto a Celeste, não se preocupe. Se me lembro bem seu irmão e ela se divertiram da última vez que estivemos na Alemanha e você não estava presente.

Com um sorriso nos despedimos, cada um com sua missão. Para não perder a coragem, subo rapidamente para meu quarto e procuro em todos os cantos pela revista.

– Procurando por isso? – viro-me e vejo Shay com um olhar de ódio sobre mim. A revista está em suas mãos, enrolada e apontada para mim. Num piscar de olhos meu irmão está em cima de mim no chão, pronto para acertar minha cara com o tabloid. Mais rápido do que ele, detenho seu movimento com a mão, sentindo mais dor do que esperava.

– O que você está fazendo?! Está louco?! – grito empurrando-o para o lado. Meus anos de treinamento com o Major Cohen sempre me ajudavam em lutas corporais, mesmo o soco de Shay sendo mais forte que o meu. – Você realmente iria me bater com uma revista?

– Era para ver se você aprendia com seus erros. – Shay responde irritado. Para que não tentasse mais nada novamente arranquei a revista de suas mãos.

– Eu não preciso do seu sermão agora. Só vim no quarto pegar a revista para ir falar com Celeste.

– Ela provavelmente não irá recebê-lo. Do quarto a escutei praticamente expulsando Amanda e avisando para que mais ninguém entrasse. Se fizer isso levará um vaso na cara. – Shay comenta com malícia. Se estivesse no lugar dela com certeza faria isso, se não mandasse a cadeira no lugar.

– Não importa. Não foi você mesmo que disse que eu era o responsável por tudo o que acontecesse com ela hoje? Pois bem, é isso que irei fazer. – Atravesso todo o quarto, e antes de fechar a porta prometo: - Passo no seu quarto mais tarde para escutar o seu sermão, já que isso é tão importante para você.

Cruzo o corredor tentando elaborar minhas justificativas para Celeste, dizer que a culpa era minha e entenderia se passasse a me odiar mais. Tomo fôlego para bater na porta de seu quarto, não tendo nenhuma resposta. Com cautela, decido abrir a porta e entrar sem permissão, já que minha situação não tinha como piorar. o cômodo estava vazio, sem nenhuma movimentação à vista. Porém, andando mais um pouco vejo que a luz do banheiro estava acesa, com a porta entreaberta. Iria sair do quarto e deixar minha irmã mais um tempo sozinha, mas o reflexo no espelho me paralisa e viro uma estátua. Celeste estava sentada na beirada da banheira com Daniel ajoelhado à sua frente.

Sorrateiro me aproximo do banheiro para escutá-los sem que o mesmo espelho em que os via denunciasse minha posição. Meu amigo tentava acalmar Celle, que chorava em cima da revista similar à que eu possuía em mãos.

– Celeste, o que eu preciso dizer para você não dar importância à todas essas mentiras? Eu não suporto ver você sofrendo. – Daniel diz suavemente enquanto pega cuidadosamente as mãos de Celle. Ela tinha parado de soluçar, restando apenas lágrimas em seus olhos.

–Não há nada que possa falar que mude o que está escrito aqui. Eu me esforço todos os dias para tratar todos bem, ajudo minha mãe com as tarefas administrativas e abdiquei do meu futuro pessoal para tentarmos recuperar a estabilidade de íllea, e o que eu ganho? Uma menina imatura dizendo que nós a maltratamos e que eu sou lésbica, que não dou atenção aos príncipes! – Minha irmã conseguiu controlar sua tristeza, adotando uma pose mais raivosa do que o normal. – Depois de hoje como alguém consegue acreditar nisso?!

– Ninguém acredita nisso Celle! Essa é a questão. Todos a sua volta sabem do seu esforço em se conectar com todos esses príncipes, que se não fosse por suas posições você já estaria casada e em outra parte do mundo. E sempre que estou servindo sou obrigado a escutar tudo o que eles dizem a seu respeito e o tanto que babam em sua direção, como hoje. –Daniel não consegue se conter e exprime sua repulsa pelos príncipes em sua última frase. Tudo aquilo era estranho para mim, pois nunca tinha escutado essa versão dos fatos; Daniel era meu melhor amigo, alguém que eu pensava conhecer inteiramente, e com essas palavras, percebi que não era verdade.

– O que você quer dizer que era obrigado? Desde pequena você esteve ao meu lado, e sabe que isso acontece às vezes...- Celeste estava confusa, sem entender o que estava acontecendo. Por um momento a história da revista não existia mais, apenas a existência de Daniel.

– Por sempre estar ao seu lado eu demorei a entender o que sentia, e hoje, claro como nunca, estou sendo sincero comigo mesmo. Estou me apaixonando por você. – Ao dizer isso Daniel ergueu-se para ficar na mesma altura que minha irmã e sabendo o que iria acontecer em seguida decidi ir embora. Infelizmente não fui cuidadoso o suficiente para desviar da mesinha de cabeceira, esbarrando na mesa e derrubando um vaso no chão. Com o barulho ambos saíram do banheiro, me encontrando como um tolo pegando os cacos no chão.

– O que você está fazendo aqui? Escutando nossa conversa? – Celle olhava-me com puro ódio. Nunca a tinha visto desse jeito, e por um momento fiquei com medo dela. Ao seu lado Daniel murmurava contrariado, interrompendo-me quando tentei responder.

– Há quanto tempo você está escutando nossa conversa Julian? – penso em mentir e dizer que havia acabado de chegar, mas o estresse da última hora e toda a carga emocional que carregava fizeram com que fosse honesto.

– Isso é o que você mais gosta de fazer, não é mesmo? Interferir na vida dos outros, ocultar informações, lidar com tudo da única maneira que conhece: a sua! – Celeste eleva a voz, aproximando com cuidado para não pisar no vaso quebrado. – Eu não aguento mais você tentar decidir a minha vida como se eu fosse uma criança! Julian, você não entende que nem sempre as coisas devem ser do seu jeito? Que outras pessoas possam opinar e decidir o rumo de acontecimentos melhor do que você? A única pessoa errada nessa história toda é você. Então pare por um momento e olhe para sua vida, e veja se esse caminho que está seguindo é o que realmente quer, porque se for, agradecerei por ser governada por outra pessoa.

Fico completamente perdido ao escutar o discurso irritado de Celeste. Uma das pessoas que eu mais amava no mundo dizia indiretamente que eu era um fracasso social. Eu queria responder e dizer que ela estava enganada, que não era assim. Mas quem eu queria enganar? Eu estava tirando não apenas a minha vida, como a de outras pessoas ao meu redor do controle, sem chances de mudar.

– Agora, por favor, eu não quero continuar a vê-los por hoje. Preciso ficar sozinha. – Minha irmã murmura abrindo a porta. Saio antes de Daniel para deixar os dois a sós, e mesmo assim escuto-o dizer que irão conversar depois. Assim que a porta se fecha me viro para Daniel.

– O que você estava pensando ao se declarar para Celeste? Pegou tanto sol que enlouqueceu?

– Não Julian, eu fui sincero. Estou apaixonado por sua irmã, e não há nada que vá mudar isso. – Daniel confessa um pouco irritado comigo.

– Daniel, você não percebe que esse sentimento não é real? Vocês se conhecem há anos e nunca apresentou inclinações para isso. Teve inúmeras oportunidades para namorar minha irmã e invariavelmente escolhia outras garotas. – tento esclarecer a cabeça de meu amigo, nebulosa por seus sentimentos conflituosos. – E você está errado em pensar que não posso fazer nada quanto a isso. Será afastado do seu posto de guarda no palácio para entender que sua paixão é mero fruto da impossibilidade de ficarem juntos.

– Por que está fazendo isso Jules? É por que não te contei que estava me apaixonando por sua irmã? Porque não sou obrigado a te contar tudo sobre a minha vida. – Daniel estava cara a cara comigo, elevando a voz para me amedrontar, e pela primeira vez no dia, não abaixei minha cabeça. - Você não pode me retirar de um cargo de confiança; vocês precisam de mim aqui.

– Isso não são ciúmes seu imbecil! Estou tentando salvar nossas vidas evitando que um desastre ocorra antes da hora. Reze para que nenhum dos príncipes tenha escutado o que acabou de me dizer ou não sei o que será do nosso futuro. – Antes que façamos alguma bobagem saio de perto de Daniel, terminando nossa conversa no meu tom mais irônico possível. – Parabéns Sr. Ledger, você acaba de ganhar as férias que você tanto queria.

Daniel fica estagnado me encarando com ódio, movendo-se logo antes que eu sumisse de seu campo de visão.

– Se é para ser dessa forma, você precisa saber de mais uma coisa. Lembra do meu namoro secreto que durou um ano? Minha namorada era a Lis.

Um ano. Um ano.

Como um quebra cabeça tudo se encaixou. A afinidade instantânea que os dois possuíam e ao mesmo tempo a distância que mantinham um do outro; Os olhares e as várias risadas que tinha observado. Tudo tinha explicação, e não eram alucinações minhas.

Ando em direção ao escritório lembrando da época que Daniel namorou e nunca assumiu o compromisso para ninguém e apenas eu sabia que existia uma pessoa por trás de seus sumiços. Recordo que o tempo em que estiveram juntos foi um dos que mais o deixaram feliz, pois segundo ele, a garota era perfeita para ele. Linda, inteligente, durona, simpática, e em suas palavras “possuía um beijo para lembrar até o seu último dia de vida”. Quando Lis foi embora sem nenhum aviso ou despedida, Daniel ficara arrasado, .

Perturbado, começo a rir da ironia da minha vida. Das dez pessoas escolhidas entre milhares de candidatas, meu melhor amigo namorou e fora rejeitado por duas delas, e com a minha sorte, provavelmente conhecia mais alguma.

Chego no escritório e agradeço por meu pai ter ido embora. Sem sua presença ou de Shay, o espaço era estranhamente vazio e opressor, então decido espantar esse sentimento e me dirigir a minha mesa, escrevendo um bilhete a Lis e a carta de afastamento por férias de Daniel. Ele ficaria um mês afastado do serviço, mas como ele era parte da família, não poderia impedi-lo de participar dos eventos ou gravações.

Por volta da meia noite terminei a documentação para a dispensa de Daniel e o difícil remanejamento de guardas no palácio. Cada um deve ficar na posição adequada, levando em conta os pontos fortes em serviço e grau de confiança perante a família real. Ao fazer isso provavelmente daria dor de cabeça aos meus pais e ao Major Cohen, contudo confiava nas minhas capacidades administrativas; pelo menos com isso eu poderia contar.

Com um ronco de protesto, vou embora comer alguma coisa na cozinha, agradecendo por não encontrar ninguém além dos guardas pelo caminho. Por não ter ido jantar, nem pedir que o levassem para o escritório, encontro um prato reservado para mim na geladeira, esquentando-o normalmente enquanto ainda há pessoas cozinhando ao meu redor. Todos da cozinha estão acostumados com esse tipo de cena, de forma a não se preocuparem em preparar algo elaborado para mim; depois de Maria e minha mãe reprender os cozinheiros da vigésima vez por me darem comida durante a noite, eles pararam de oferecer bolos, pães e doces, deixando para mim a tarefa de encontrar alguma comida pronta. Mesmo comendo minha ansiedade causada por todo o transtorno com os repórteres e o flagra no quarto da minha irmã não passam, nem com meia hora de banho ou as três horas rolando na cama esperando o cansaço me vencer.

Estava cansado de tentar dormir, enrolar até que o dia amanhecesse. Não seria a primeira vez que ficaria sem dormir por questões martelando a minha cabeça, e sempre que isso acontecia descia ao subsolo para treinar. Era fantástica as reações de algumas horas de esforço físico; eu conseguia exprimir a raiva, a energia e me concentrar em um assunto de cada vez. Decido ir para o centro de treinamento com as roupas que estava deitado, ou seja, uma bermuda e uma camiseta qualquer. Nada melhor que estar confortável num momento estressante como o que estou passando.

Invariavelmente descer para o subsolo era surpreendente. Além da imensa construção que era a parte superior, os quatro andares inferiores também eram impressionantes. O primeiro andar era onde gravávamos o Jornal Oficial; os quartos dos empregados e guardas estavam distribuídos entre o primeiro e segundo andar; o maior e mais seguro abrigo fora construído no terceiro, e descendo mais um chegávamos no centro de treinamento. Conta-se que a academia estava no último andar para que os guardas se esforçassem mais subindo e descendo escadas.

A entrada do centro era composta por duas imensas portas maciças de uma antiga usina nuclear, uma piada de mal gosto para as transformações que ocorriam lá dentro. Continuando o meu caminho, passava pela piscina olímpica que possuía trampolins, que pela altura dividia parede com o abrigo, os quartos de alguns funcionários e o estúdio. Andando mais um pouco ficava alguns tatames,de boxe, vestiários e no fundo do imenso lugar, as salas em que Major Cohen testava as capacidades físicas de cada guarda, o centro médico e a academia.

Tudo estava estranhamente calmo comparado com o tumulto que iniciaria com o nascer do sol dali a algumas horas. Com alguma dificuldade achei as que queria e um short para treinar. Eu precisava de socar coisas para expulsar tudo o que me corroía; a declaração insensata de Daniel, a briga com Celeste, o silêncio de Luna, o julgamento de Shay, as perguntas dos repórteres, o peso de comandar o país, o fracasso que a Seleção estava passando, e último mas não menos importante o fato do meu melhor amigo ter sido apaixonado por uma das meninas mais interessantes que tinha conhecido.

tudo no saco de boxe, imaginando a cara de todas as pessoas que tinham algum problema comigo até estar empapado de suor e mais tempo ainda. Em algum momento não sentia mais nada só minhas mãos atingindo os seus objetivos, por isso não percebi a presença perto de mim até que senti um toque nos meus ombros. Surpreso quase acertei meu último soco na cara de Nicollet Stark.

– Calminha, calminha. Não quero te matar, então, por favor, não me mate com um soco também. – Nicollet disse com um sorriso. Piscando várias vezes depois de encará-la consegui me concentrar. Ela usava um micro short preto e um top combinando, que além de mostrar suas curvas mostrava uma tatuagem de fênix que contornava sua cintura.

Eu deveria ter perguntado o que ela fazia ali no centro, uma vez que era uma área restrita à todos, menos à família real e os guardas, mas o que eu falei foi: - Na sua foto de seleção você não mostrava essa tatuagem.

Rindo, a garota deu uma voltinha para eu poder visualizar o desenho melhor, e ficar mais impressionado com sua beleza.

– Achei que enviar uma foto sem roupas era o suficiente para causar muita comoção. Se enviassem uma com uma tatuagem provavelmente não estaria aqui agora. – Ainda bem que ela não tinha feito isso.

– Sim. Mas gostaria de saber uma coisa: por que e como você está aqui? - Com o juízo recuperado fiz a pergunta certa, mesmo um pouco desconcertado com toda àquela pele a mostra.

– Eu sempre venho aqui lutar antes que Silvia e as outras selecionadas acordem, o que justifica como cheguei aqui. No salão das mulheres é muito fácil ficar entediada, e já na primeira semana fugi sem que ninguém notasse minha falta, então aproveitei para conhecer o lugar. Num dos corredores vi um guarda descendo mais do que o andar do estúdio, e como não meço minha curiosidade acabei aqui. – Nicollet dizia tudo com um sorriso no rosto, satisfeita com sua peripécia e sua capacidade em fugas.

– Isso é impressionante. – confesso um pouco chocado. – Você conseguiu escapar não só de Silvia, como seguir um guarda e chegar aqui. O que a major disse quando te viu?

– Primeiro ele quis me expulsar daqui por apresentar uma desconcentração para os guardas, e quando o rebati dizendo que tinha chegado ali sozinha e queria estar ali ele me fez uma proposta: se eu conseguisse fazer dez flexões eu poderia vir quando quisesse...

– E você fez mais de dez... – completo rindo.

– Exatamente! Precisava ver a cara de todos quando eu completei cinquenta flexões, principalmente por usar um vestido e salto alto. – a garota parecia a Sara quando ganhou , sua égua, os olhos iluminados de alegria. Era meio difícil de acreditar que uma moça como ela conseguisse fazer mais de dez flexões como foi proposto, e minha cara acabou revelando isso. – Você não acredita, não é? Então vamos fazer o seguinte: faremos flexões juntos, e se eu fizer mais do que você, ganharei um encontro hoje.

– Fechado. – pensei que seria fácil ganhar de Nicollet, já que obviamente possuía mais músculos do que ela, e como sempre, estava enganado. Na 15º flexão meus músculos já estavam queimando, pedindo para acabar com tudo. Parando um segundo para olhá-la, Nick sorria como numa brincadeira de criança, não parecendo cansada nem por um instante.

– Podemos parar por aqui se você quiser. – eu nunca poderia perder para uma garota. Ganhava esse tipo de competição todas as vezes que descia para treinar e ela não acabaria com meu orgulho tão facilmente. Infelizmente, trinta flexões depois eu desisti.

– Você não é humana ou está se preparando para uma guerra?! Nunca vi uma menina ganhar de alguém, muito menos aqui no centro. – murmuro sem fôlego. Eu me encontrava deitado de costas, respirando com dificuldade. Nicollet faz mais duas flexões e acaba na mesma posição que eu, rindo do meu orgulho ferido.

– Obrigada pelo elogio indireto. Eu só ganhei de você porque já estava treinando há muito tempo e seus músculos estavam exauridos. – explica deitando-se de lado para me encarar. – E sim, eu sou uma humana, mas vivendo no meio de muitos homens esse tipo de coisa é uma diversão.

Com um pouco de esforço consigo lembrar da ficha da garota em minha frente. Ela era a única mulher viva na família, morando com irmãos, primos e tios, além de seu pai. Uma verdadeira guerreira.

– Enquanto as outras selecionadas brincavam com bonecas ou liam livros, você disputava quedas de braço e fazia competições físicas. Você é no mínimo única. – revelo levantando-me e ajudando-a a levantar também.

– Acho que podemos dizer que sim. E você ficaria surpreso com minhas outras habilidades. – Nicollet estava há um centímetro de mim. Se suspirasse nós nos beijaríamos. Estava tenso e não sabia como reagir. Felizmente Nicollet foi mais rápida e acabou com minha ansiedade soprando meu rosto e fugindo para os equipamentos.

Quando me aproximo ela joga um aparador de chutes em mim, pegando bandagens para si e as arrumando com maestria.

– Agora é minha vez de me divertir. Descansa segurando durante um tempo para mim, e quando eu cansar troco de lugar com você. – Nick impôs. Com um “sim senhora” tomei meu lugar em sua frente. Seguimos conversando sobre sua família, como ela não era muito aceita por algumas selecionadas por possuir um jeito meio bruto e o que estava achando do palácio. Acabei contando o que havia me levado ao centro de treinamento e todo o estresse por trás das câmeras e a vida luxuosa que possuíamos. Era engraçado conversar com Nicollet; ela era como um amigo e ao mesmo tempo agia como uma namorada, lançando olhares sedutores ou exibindo seu corpo para mim. Na última vez que ela foi chutar eu me desconcentrei com suas pernas e acabei abaixando o protetor, levando um soco no rosto.

– Ai meu Deus! O que foi que eu fiz?! Eu serei expulsa do palácio por ferir o príncipe. Serei exilada! – gaguejou enquanto examinava meu rosto. O soco tinha sido muito forte, escurecendo minha visão por alguns segundos, mas nada da qual não havia passado. Não aguentei e tive que brincar com ela.

– Na verdade por ter me agredido você pode ser sentenciada à morte. – falo com a maior naturalidade possível. Infelizmente Nicollet não entendeu a piada, ficando lívida e quase desmaiando de medo. Foi só eu começar a rir que ela percebeu minhas intenções, iniciando uma série de tapas em descontentamento.

– Eu quase tive um ataque do coração com essa sua brincadeira! Não faça isso! – ela tinha ficado irritada, começando a retirar as bandagens enquanto caminhava para fora do centro. Com um puxão fiz com que voltasse, pois não queria ficar sozinho ou ter que enfrentar minha família tão cedo.

– Por favor senhorita, foi apenas uma brincadeira. Não acontecerá novamente. – tento convencê-la, o que não foi muito difícil, já que estava tentando esconder um sorriso.

– Foi uma boa brincadeira, e eu realmente acreditei! – Nicollet admite dando um último tapa no meu braço. – Eu posso até não ser expulsa do palácio, mas Silvia ficará uma fera quando ver que seu rosto está roxo por minha causa.

– Se essa é a única coisa que te impede, eu só preciso falar que escorreguei e caí no chão. Ninguém irá discutir a veracidade da situação porque isso aconteceu antes e com certeza voltará a se repetir. – triste realidade. Não lembrava mais quantas vezes tinha tropeçado no meu quarto ou no estúdio e batido a cabeça no chão ou algum objeto por perto. Sendo assim era normal ter um pouco de maquiagem no meu quarto ou ir atrás de Maria, A Salvadora, para me ajudar, mas nunca revelaria um segredo desses para ninguém, apenas a garota que teria meu anel em seu dedo.

Com Nicollet mais calma e relaxada voltamos aos exercícios, comigo dando os socos. Estávamos fazendo a última série de golpes na altura do rosto, contudo por algum motivo Nick abaixou o protetor no momento em que dava um soco, acertando o rosto da garota. Não tive sequer tempo de pensar sem que ela caísse no chão com um baque.

– Como eu fui capaz de fazer isso? Acorda Nicollet, você não pode ter desmaiado. Eu não queria te machucar. - Desesperado tento acordá-la de todas as maneiras possíveis, até dando tapas em seu rosto, sem nenhuma reação. – Será que eu matei uma garota?

Estava sem esperanças e completamente desanimado no momento que Nick rolou para o lado para poder rir. Ela tentava buscar ar para poder rir mais, e abraçava o estômago por fraqueza, sem parar nem por um segundo. Eu ainda estava muito desesperado, e não achei graça nenhuma na brincadeira, pensando apenas que ela tinha se ferido. Eu fui capaz apenas de sentá-la no chão e a abraçar o mais forte que eu conseguia.

– Jules.... Eu... Não... Consigo... Respirar...- sussurra no meu ouvido. Na mesma hora afrouxei meu abraço, mantendo-a perto de mim.

– Eu entendi seu ponto. Mas nunca, jamais, em nenhuma circunstância faça isso novamente. – dito isso fechei meus olhos e repousei minha testa na sua, escutando um murmúrio de sim capitão. Ficamos desse jeito por um longo período, até eu escutar um pigarro perto de nós.

– Estamos atrapalhando os pombinhos? – na beirada do tatame encontrava-se o Major Cohen com seu figurino completo. Coturnos pretos, roupa camuflada, cabelo perfeitamente arrumado, um bigode de dar inveja e a prancheta do mau, ou o itinerário de exercícios de todos os guardas. Com um pulo nós dois nos levantamos do chão, parados em pose de continência esperando alguma repreensão. – Vejo que estavam se divertindo. Alteza, você tem direitos sobre todos os andares desse lugar, menos aqui. Meu centro, minhas regras.

– Sim senhor.

– Eu deixei o senhor falar?

– Não senhor. – respondo percebendo minha falha. Se eu não podia falar na primeira vez, na segunda que não deveria ter repetido o feito. Graças aos céus o Major começou a rir, e eu pude respirar novamente.

– Eu não podia deixar de brincar com você Julian. – disse o treinador dando tapinhas em minhas costas. Eu só conseguia pensar em por que todos estão brincando com a minha cara dessa forma? Eu devia estar com os neurônios dormindo, única razão plausível. – Se estivesse com qualquer outra garota aqui o que falei era verdade, mas essa aqui, é uma joia rara. Onde já se viu, bonita desse jeito e bater forte como um trator? – Acho que alguém encontrou a sua favorita na Seleção.

– Só aqui no palácio. Ela é uma raridade. – concordo piscando para ele.

– A única coisa que não estou gostando são essas suas caras vermelhas. Não vou perguntar o que aconteceu, só peço que passem na sala 6 e peguem uma bolsa de Z para cada um. Agora tenho que ir organizar minhas tarefas antes que os outros cheguem. – Com uma reverência o Major saiu andando para longe de nós.

– Só uma pergunta: que é Zírnea? – Nick pergunta confusa. O palavrão saiu meio desconexo de sua boca, me surpreendendo por uma menina falar algo tão baixo assim. E ao contrário do que pensaria algumas semanas antes, eu gostei, pois mostrava que ela era autêntica.

– É uma substância nova que um laboratório no Norte de Illéa inventou. É um líquido verde que em contato com a pele resfria como gelo que para a circulação onde está localizada. Devemos estar bem feios para ele recomendar as bolsas. – digo observando o rosto de Nick atingindo um tom já avermelhado pela pancada. Tínhamos que ter muito cuidado com o Zírnea, pois na medida errada ou em contato com a pele por um tempo além do recomendável nossa pele ficaria congelada por várias horas. –

***

Estava uma tarde agradável de verão, um céu enfeitado com nuvens e um vento refrescante. Meu bom humor havia voltado após todo o treinamento e o café da manhã no jardim com Nicollet, e nem o sermão de uma hora do Shay conseguiu mudar isso. Já que estava inabalável decidi marcar mais um encontro no dia, uma forma de me manter afastado de minha família, divertir uma selecionada e tentar desviar as atenções da terrível entrevista de Caroline.

Escolhi Sarah Weaton para tirarmos algumas fotos por toda a área externa e nós revelarmos as melhores. Ela era a selecionada que demonstrava maior atração por mim, seja por olhares durante as refeições ou pequenos cumprimentos quando encontrávamos pela casa. Por ser assim, achei que deveria mostrar um lado mais pessoal, meu hobbie por fotografias herdado do meu pai. Era uma ótima forma de nos conhecermos e estaria fazendo uma das coisas que mais amo no mundo.

Sarah encontrava-se sentada na sombra de uma árvore enquanto tirava algumas fotos dela. A garota era uma modelo incrível; sorria, fazia poses, sabia qual a melhor luz para ser fotografada. Era um milagre continuar como uma 5 com muito mais talento do que muitas modelos profissionais da casta 2.

– Você é muito talentosa. Nunca pensou tentar um concurso para trabalhar como modelo? – Pergunto sentando ao seu lado.

– Algumas pessoas já me falaram isso. Infelizmente na minha província não há muitas agências, muito menos fotógrafos tão bons como você. – responde Sarah, lançando-me um sorriso. Era difícil não corresponder ao gesto de uma pessoa tão bonita como ela. Intimidante e ao mesmo tempo simpática, tornava árdua a tarefa de me divertir e analisar uma candidata ou mais rapidamente, alguém para eliminar. Por um lapso lembrei de uma fala de Adam ao descobrir que teríamos uma Seleção: “vocês podem achar que estarão no paraíso com belas garotas ao seu lado, mas na verdade será o extremo oposto à um harém.”

– Obrigado, contudo isso é apenas uma brincadeira para mim. Gostaria de passar muito mais tempo estudando e aplicando novas técnicas fotográficas à reuniões maçantes. – afirmo rindo. Ás vezes enquanto estava numa reunião, fingia que prestava atenção no que alguém estava falando, sendo que, na verdade, estava pensando numa nova pintura ou algum lugar que gostaria de fotografar. –Em relação ao seu futuro, quando tudo acabar para você, várias agências procurarão a senhorita para novos ensaios e desfiles.

– A alteza está dizendo que eu não tenho chances de casar com você? – Sarah pergunta preocupada. – Foi algo que eu disse, ou fiz, por que eu posso recompensar. Você tem que ver do que realmente sou capaz!

– Não, Sarah, não. Você não entendeu. Eu não quis dizer isso. Bem, eu quis, mas não nesse sentido. – estava me atrapalhando todo com a minha explicação, deixando a morena em minha frente cada vez mais confusa e triste. Respirando fundo consigo formular uma resposta decente. – O que eu queria dizer era que sendo eliminada ou terminando com uma coroa no fim da seleção, estará famosa. De uma maneira ou outra descobrirão seus talentos e acabará nas capas das revistas.

– Espero que esteja certo, e que no fim termine na verdade não com a coroa, e sim com um anel no meu dedo. – Sarah diz mostrando seu indicador direito. – Jules, a coroa será mera consequência. Com ou sem trono, casaria com você.

Não sabia reagir diante da última afirmação, ficando como um bobo a encarando piscar para mim e seguir em direção à seu violão, posicionado em cima de um banco um pouco longe de nós.

– Será que todas essas meninas me deixarão sem fala quando estivermos à sós? – penso em voz alta.

– Julian, você foi ótimo em me mostrar o funcionamento de uma câmera com filmes, deixou que eu tirasse fotos e fosse modelo. Eu adorei conhecer esse seu lado, e agora é sua vez de descobrir no que eu sou realmente boa. – Sarah diz com orgulho em sua voz. Ela estava satisfeita com o encontro e eu estava feliz por vê-la assim, até o momento que ela acabou de falar. – Essa é uma música que eu escrevi aqui no palácio. E eu a escrevi para você Jules. Já que você me prometeu que me levaria para revelar as fotos, achei que gostaria de ou vir essa música. Ela se chama Say Something .

Eu não estava preparado para o que viria. Nos primeiros acordes percebi que seria uma música triste, mas a letra era completamente diferente do que eu imaginava.

“Diga algo, estou desistindo de você

Me desculpe por não ter conseguido chegar até você

Eu teria te seguido para qualquer lugar

Diga algo, estou desistindo de você”

Cada verso era uma facada no meu coração. A música retratava o que ela estava passando por minha causa, me fazendo lembrar de todas as outras pessoas ligadas à mim. Tentando fazer as coisas da maneira correta eu estava deixando de lado garotas que haviam desistido de um pedaço de sua vida para servir como cardápio para mim. Eu as escolhia de acordo com meu humor ou de acordo como cada uma me tratava. Isso não era nada justo. A música era de Sarah, mas poderia ser de qualquer uma das outras selecionadas.

Quando ela tocou a última nota parecia aliviada. Um peso havia saído de suas costas e colocado na minha garganta. Eu não conseguia falar nada, nem elogia-la. Foi melhor assim, sem palavras e sim com gestos; antes de abraça-la eu não resisti e tirei uma foto. Talvez não ficássemos juntos, mas sempre me lembraria desse momento. Sarah despertou algo em mim e faria de tudo para não ser novamente o cara de sua música.

Ainda em silêncio a levei para dentro do palácio, seguindo por corredores até chegarmos na área mais isolada do primeiro andar. De um lado do corredor estava a porta do estúdio de pintura que eu e minha mãe compartilhávamos; do outro a câmara escura, onde revelávamos as fotos das câmeras antigas.

– Essa sala que iremos entrar é totalmente escura, com duas lâmpadas vermelhas e vários compostos químicos, mas nada perigoso. – explico abrindo a porta. O cômodo antigamente era um banheiro, que fora transformado num laboratório quando meu pai assumiu o governo. Ele raramente o utiliza, restando apenas algumas fotos que ele não consegue se desfazer perto das outras que revelei. – Quando eu fechar a porta não enxergará nada por alguns segundos, acostumando-se aos poucos com a luminosidade.

– Você está todo vermelho! Parece o Papai Noel. – Sarah aponta quando apago as luzes. Olhando para baixo minha camisa branca e vermelha estava mais destacada do que todo o ambiente.

– Eu não sabia que ficaria assim. É a primeira vez que venho aqui com alguém. – confesso à garota.

– Isso significa que sou uma pessoa especial? – Sarah arriscou aproximando-se de mim. De certa forma a resposta era sim, mas somente a trouxe primeiro porque estava sem ideias de um encontro romântico. Eu não poderia falar a verdade para ela depois da música que tinha escrito, então decido mudar de assunto. Começo a explicar os procedimentos de revelação, retirando os rolos de filme que já deveria ter revelado e os que tinha usado durante a tarde. Aparentemente o escuro deu à Sarah a coragem que faltava no jardim, sempre esbarrando em mim ou me tocando durante as explicações.

No final, acabamos revelando umas duzentas fotos, com cinquenta fotos apenas de nós dois juntos ou cada um separadamente no jardim. Revelamos as nossas primeiro para secarem antes e Sarah poder guardar algumas e eu entregar à Silvia o restante como divulgação. A garota estava entretida lavando as últimas fotos enquanto eu me encarreguei de revelar as outras. Tarde demais percebi que todas as outras fotos eram de momentos secretos capturados durante as festividades, a preparação para o Jornal Oficial, o dia-a-dia no palácio e o primeiro encontro com Lara, e nelas não havia nenhuma de Sarah.

Estava completamente perdido, porque sabia que Sarah ficaria chateada por não possuir fotos tiradas espontaneamente por mim, mas não poderia parar o processo, senão perderia todas as fotos. Decidi continuar com naturalidade, conversando com ela e contando sobre minha família, minha relação com Shay e perguntando sobre a dela. Foi tudo em vão. Além de péssimo mentiroso não sabia disfarçar nenhum tipo de constrangimento, anotando mentalmente para treinar isso com alguém. Seria desastroso durante uma reunião que eu não soubesse esconder o que estava pensando.

– Por que não tem nenhuma foto minha nesses outros rolos? – Sarah pergunta intrigada.

– Não sei, acho que nunca estava por perto quando tirei essas fotos. – tento esclarecer a situação. – Mas olha, nós temos um álbum completo com as fotos de hoje.

Sarah levantou da cadeira que estava sentada no fundo do estúdio e se aproximou de onde eu estava, observando as fotos que tinha acabado de colocar para secar. Algumas ainda estavam de molho no último banho, faltando poucos minutos para ficarem prontas, mas Sarah estava bloqueando meu caminho.

– Isso não é verdade. Nessa aqui, eu estava com um vestido vermelho do lado da Solaria, dá até para ver a ponta do vestido. Você que escolheu me cortar da foto. – a voz de Sarah estava ficando embargada, como se ela estivesse se contendo para não chorar. – Você que não quis me fotografar.

– Sarah, não é simples assim. Essas câmeras não conseguem abranger todo o ambiente. Não fui eu que escolhi excluí-la. – tento argumentar com a garota. Olhando para ela percebo que não está prestando atenção no que falo, observando cada foto, inclusive as que estavam no último banho.

– Eu não tenho nenhuma foto aqui. – Sarah sussurra enquanto lágrimas escorrem por suas bochechas.

– Olhe para mim Sarah! – imploro virando-a de frente para mim. – Isso não quer dizer nada. Foram fotos naturais, despretensiosas. Não possuem nenhum significado por trás delas. Tente entender isso, por favor.

– Eu estava certa Jules, só não tinha certeza. – Sarah se recompõe, adotando uma postura defensiva, afastando minhas mãos que ainda estavam em seus ombros. – Quando eu escrevi a música sabia que não tinha chances com você, e eu fui uma tola insistindo que também poderia me amar ou no mínimo me considerar como uma opção.

–Sarah, não entendo. Por que está dizendo isso? Você estar aqui não significa nada? – estava confuso com suas palavras, e pressentia o que iria dizer.

– Julian, você já escutou o ditado que "os olhos são a janela da alma"? Sua alma está aqui, em cada uma das fotos. Suas lentes capturam o que nem mesmo você sabe. – Sarah disse apontando para minhas fotos. – Elas não estão em seus momentos glamorosos, e você percebeu isso e quis guardar. Jules, são nesses momentos que você percebe que ama uma pessoa. Quando você se contenta que uma pessoa está feliz mesmo que não esteja com você. E eu não estou aqui.

Com a observação de Sarah pude perceber que era verdade o que dizia. As fotos mostravam momentos singelos e especiais para mim, que aos olhos de outras pessoas não significaria muita coisa, talvez algumas risadas. Comparando minhas fotos mais antigas com as de Sarah, vi que as novas eram quase forçadas, não possuíam a pureza do momento como as outras.

– Infelizmente acho que você está certa. – confesso um pouco deprimido por ter me exposto tão inocentemente.

– Então ambos concordamos que este não é o meu lugar. – Sarah gaguejou com os olhos cheios d’água. Eu queria abraça-la mais uma vez, por ter me compreendido melhor do que eu mesmo. Meu bom senso que disse para não o fazer, sabendo que seria pior para ela me despedir assim. – Jules, eu tenho mais um conselho para você. Tome cuidado com suas decisões; talvez um dia seu coração tenha de ouvir sua razão.

Esperei para que Sarah fosse embora para que retirasse as fotos da solução química. Por pouco não perdi completamente as melhores fotos, ficando com manchas claras e escuras na revelação.

Terminando meu serviço fiquei confuso com minhas próximas ações. Era a primeira vez que alguém era eliminado decentemente e não sabia como agir. Anunciar para todos no palácio, avisar à Silvia, contar a minha família primeiro? Escolhi a última opção.

Demorei até desvendar onde meus pais e meus irmãos estavam, até que encontrei com Pierre e descobri também estavam procurando por mim. Eles estavam reunidos no escritório principal, e aguardavam minha presença para uma reunião de emergência. Chegando lá, encontro todos sentados em silêncio, menos Celeste, em pé na frente de todos.

– Que bom que vocês estão todos reunidos. Tenho um comunicado à vocês. – informo sorrindo aproximando-me do meu pai. Shalom não olhou na minha cara, Amberly tentou disfarçar sua decepção comigo e meus pais sorriram timidamente para mim. Contudo a pior reação foi a de Celeste; ela não apenas olhava-me passivamente, como anunciou algo muito mais impressionante do que eu tinha a dizer. Com um suspiro, lançou a bomba no ar:

– Eu quero o príncipe Lorenzo de volta à Illéa.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram das tretas? kkkkkk Quase coloquei esse nome no capítulo, porque o que tem nele é treta, mas todos concordam que não é um bom nome.... kkkkkkkkkk Espero que tenham gostado e peço desculpas pelo tamanho; infelizmente escrever muito é algo incontrolável.
Apareçam para comentar, me xingar, mandar beijo, fazer alguma crítica ou apontar erros despercebidos