Royal Hearts escrita por Cams, Tamires, nat


Capítulo 21
Julian - Rei Julian


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas! Me desculpem pela demora, e acho que já perceberam que atualmente estamos atualizando apenas uma vez por mês, mas juro que não é intencional... Esse capítulo em especial já estava escrito, só que não tive tempo de revisar por estar estudando demais. Também peço desculpas pelo tamanho dele, sei que exagerei, mas não pude me controlar. Estava com saudades de escrever e tinha muito a dizer, por isso tanto conteúdo. Mas não se preocupem! Me fiz uma promessa de tentar escrever menos, do fundo do meu coração. Então não liguem pelo tamanho, e aproveitem o capítulo



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–Então Julian, o que realmente aconteceu ontem à noite?

Mesmo antes de escutar as palavras, sei que estou numa encruzilhada. Por um lado, posso defender meus irmãos, esconder os fatos vergonhosos que cometemos apenas algumas horas antes; poderia esconder a humilhação que sinto por ser obrigado a admitir que toda a educação que recebemos durante nossa infância e juventude foi completamente extinta pelo álcool e a oferta de emoções que cada pessoa na festa poderia nos propiciar. Por outro lado, poderia continuar demonstrando confiança e sinceridade perante o rei, entregando a forca meus companheiros de vida, de Seleção, duas das pessoas que eu mais amo na vida.

– Antes que tente mentir para mim, saiba que você nunca conseguiu esse feito, por mais que ache isso. – Maxon está na minha frente, não sentado na costumeira cadeira do Rei, e sim em pé, de braços cruzados, com um sorriso misterioso no rosto; uma postura descontraída que não estou acostumado. – A decisão é sua Jules, o que você me contar aqui, admitirei que foi o que ocorreu, não importando se é verdade ou mentira, e caso algum rumor provenha disso, protegerei vocês. Contudo, para influenciar sua decisão, perceba uma coisa: quem está conversando com você é seu pai Maxon, não o Rei de Íllea. Eu sempre serei o seu pai, mesmo que às vezes não pareça. Passei por muitas coisas em minha Seleção até me casar com sua mãe e perceber que nunca conseguiria viver sem ela. Em contrapartida, estive em situações embaraçosas, constrangedoras e momentos de tensão inacreditáveis, então sei pelo o que vocês estão passando.

Sua sinceridade me surpreende, soando como um pai e não um Rei que se envergonhará dos feitos dos filhos. Decido contar tudo de uma vez, na expectativa de ser menos vergonhoso do que descobrir por outras pessoas.

– Quando me chamou para conversarmos, preparei duas respostas para a pergunta que sabia que iria fazer. O Shay aparentemente não percebeu, nem a Celeste, mas você fingiu muito bem em não notar o sarcasmo do meu irmão e disfarçadamente me convocar para uma conversa privada. Você me conhece muito bem para saber que não mentiria para você. – meu pai ouvia tudo com muita atenção, só que eu não conseguia olhar nos olhos dele e delatar nossos desastrosos feitos. – Na primeira resposta, eu ia lhe contar que a festa foi um sucesso, que conseguimos nos divertir e conhecer um pouco mais nossos visitantes, mas você mesmo apontou a minha falha em dissimular fatos. Se fizesse isso estaria mentindo descaradamente, porque não me lembro de metade das coisas que aconteceram.

– Você não se lembra? Por quê?

– Bebi uma quantidade excessiva de champanhe para me dar um pouco de coragem e porque estava muito gostoso. –termino com uma risada para descontrair. Surpreendendo-me novamente, Maxon se curva de tanto rir de mim, tomando folego apenas para continuar rindo mais. – Acho que já está bom né pai...

– É que falando isso você me lembrou de mim mesmo na Seleção. – Ele continuava com um sorriso bobo no rosto, lembrando o meu próprio. –Admito que eu utilizei esse artifício algumas vezes sem que seus avós percebessem. Imagine o quanto foi difícil para mim encontrar com 35 garotas durante quase duas semanas, e ainda por cima sozinho?!

– E eu quase desistindo com 10 selecionadas. – respondo rindo.

–Filho, mesmo que eu tenha ingerido álcool para diminuir minha inibição em minha juventude, sempre soube como estava agindo. Então pela sua integridade, e pela a da família, não faça isso novamente. – o pai responsável volta à ativa, dando espaço para poder continuar a narração.

–Como disse antes, não me lembro de tudo, e também não participei da festa, só do final dela, e isso foi apenas pelos gritos vindos do jardim. Não sei como vocês não ouviram, talvez por causa do cansaço. – digo realmente interessado na falha auditiva da minha família. – Antes disso eu me lembro de estar no Grande Salão conversando com a senhorita Luna e depois estou mostrando a passagem secreta atrás do quadro do Picasso para a senhorita Lis.

– Julian, por que você fez isso? Poucas pessoas conhecem essa passagem, e era para continuar assim. – meu pai fala ligeiramente irritado, passando a mão pelos cabelos em sinal de preocupação. – Muitas pessoas entram no palácio apenas para conhecer nossos segredos, e essa senhorita poderia ser uma delas. Por causa disso terei que conversar com ela e descobrir qual é a sua índole.

– Me desculpe pai – estou ainda mais envergonhado com a recriminação de meu pai. Com essa reunião dele com a Lis, evitarei ainda mais um contato com ela, para evitar situações constrangedoras e arrependimento por fazer com que Lis passe pelos procedimentos padrões, muitas vezes embaraçosos em favor da segurança. – Eu realmente não sabia o que estava fazendo, mas foi a Lis que me ajudou a chegar no quarto, porque não estava conseguindo andar sem bater nas paredes. Por isso usei a passagem, para que nenhuma câmera restante ou um funcionário me visse e relatasse para uma revista de fofocas.

“Quando finalmente cheguei, percebi que eu tinha uma garota no quarto já na primeira noite, e o quanto isso era imprudente, só que mesmo assim o álcool não me impediu de quase beija-la, e fazer coisas a mais...”.

O sorriso que havia aparecido em seu rosto quando disse que quase beijei Lis desapareceu completamente ao escutar “coisas a mais”, sendo substituído por uma carranca igual à do Shalom.

– Se esse é só o começo da história, estou pressentindo que não quero escutar o final... E nem preciso lhe dizer sobre sexo, já que tivemos essa conversa várias vezes antes.

– Não, nós nunca chegaríamos a esse ponto – respondo alarmado. – O que aconteceria é que ela tiraria toda a minha roupa, mas antes que terminasse eu escutei os gritos lá em baixo e desci correndo. Lá no jardim duas outras selecionadas brigavam, aparentemente por minha causa. Celeste parecia tentar manter tudo no controle quando eu cheguei; contudo, no momento em que Sarah e Sam, as meninas que brigavam me viram junto com Lis pararam de se insultar e Sarah e Lis começaram a discutir. Celeste entrou no meio para evitar um combate corporal, mas a primeira garota voltou-se para minha irmã, ofendida pelos nossos modos. Se não fosse o Lucca, Celeste teria agredido Sarah e virado notícia nacional. – termino de dizer um pouco sem ar, aliviado por poder ser sincero com meu próprio pai.

– Meu Deus, então o olho roxo do Lucca foi culpa da Celeste. – Maxon diz com um vislumbre de sorriso, mesmo estando espantado com a atitude dela. –Por favor, me diga que foi só isso o que aconteceu.

– Que eu saiba sim. Depois disso cada menina foi para um canto e os príncipes ficaram conversando. A festa acabou pouco depois...

–Fico um pouco mais aliviado agora, sabendo que grandes estragos não foram feitos. Pelo menos os que foram cometidos são fáceis de controlar. Só precisarei conversar com a sua mãe sobre isso. – Maxon fala pensativo.

– Por favor, não conte nada a minha mãe. Ela nos passará um sermão, e não precisamos disso agora. – imploro ao meu pai. A última coisa que necessitamos é uma reunião de três horas com a Rainha e a consequente briga entre eu e meus irmãos pela minha língua grande. – Se você está preocupado com a Celeste, pode deixar que eu converso com ela ainda hoje.

– Tudo bem então. Prefiro assim, pois seus irmãos não aceitariam isso muito bem. – Maxon então se encaminha para a cadeira e observa alguns papéis. Com medo de interrompê-lo pergunto cautelosamente:

– Estou dispensado?

– Não. Preciso de você numa reunião mais tarde e na preparação de alguns documentos da transação com o Rei de Katastoli em troca da estadia da princesa aqui no palácio.

– Eu nem sabia que Victorya já estava no palácio.

– Ela chegou ontem durante a festa. Queríamos fazer uma surpresa para Celle. – imagino o quão feliz minha irmã estava devido à presença de Vic no palácio, provavelmente a auxiliando com algumas dicas de como se defender de tentativas desastradas de um flerte. Nunca me esqueceria do chute que levei no dia que tentei beijá-la. Doí até hoje. – Ah, e começarei a sua iniciação para se tornar rei hoje. Antes que fale alguma coisa, seu irmão também terá atividades semelhantes.

– O que você quer dizer com isso? – pergunto apreensivo com a resposta. Tornar-me Rei era algo com o qual luto para me acostumar; tantas responsabilidades, tanto dever e tantas decisões que dever ser tomadas praticamente sozinho. No palácio ninguém admitia, mas sempre percebi que me tratavam com mais respeito do que meu irmão, como se já estivesse decidido que eu seria o rei. A pressão que isso trazia sempre me assustou e nunca consegui lidar muito bem. Shay nunca disfarçou seu descontentamento com esse tratamento ligeiramente inferior, então talvez tendo que tomar as mesmas decisões que eu ficaria mais calmo com os funcionários e comigo.

– Quero dizer que durante todo o dia você estará no meu lugar, como Rei. Fará os acertos, escolherá as melhores opções, e, sobretudo, exercer na jurisdição do seu irmão, cuidando das decisões militares. – quase engasgo quando escuto que serei rei por um dia, mas meu pai logo me acalma: - Eu estarei junto a você, te aconselhando e discutindo, contudo, a palavra final será sua.

– Eu não tenho outra opção, tenho? – indago esperançoso

– Não, pois um dia você terá essas mesmas responsabilidades e nem com muito treino talvez você consiga lidar bem com algumas situações. Como você só descobriu isso agora, pode resolver o que precisa, mas assim que terminar quero você no escritório. – meu pai havia deixado o aposento, deixando espaço para o Rei entrar.

– Como desejar Vossa Majestade. – faço uma reverência e saio do escritório, pensando em ir conversar com Sarah, entender sua reação na festa de ontem.

Caminho pelos corredores observando cada detalhe como se fosse uma criança explorando um novo mundo. Cada parede, tapete, lustre, obra de arte poderá ser meu algum dia. Meu poder abrangerá todos os cargos de Íllea, e cada pessoa será meu subordinado, pronto para acatar alguma ordem minha se eu assim desejar. Todos os guardas e funcionários pelos quais passo reverenciam-me, no que eu respondo com um sorriso e um bom dia. Percebo que mesmo assustado, admito que esteja preparado. Quero ser um Rei que escute seus cidadãos, que planeje e prepare uma sociedade estável, harmoniosa, que seja capaz de escutar conselhos e ponderá-los, e acima de tudo, acabe com as diferenças sociais, até mesmo dentro do palácio.

Distraindo-me dos meus pensamentos, escuto um choro vindo de uma sala próxima ao Salão das Mulheres, ao qual me dirigia. Bato na porta e não espero resposta, preocupado que a pessoa que esteja chorando tranque a porta e me impeça de ajudar. Sentada toda encolhida numa poltrona do lado da janela se encontra Julieta, que havia parado de chorar por um instante para me encarar.

– Se você veio aqui me julgar pela carta saiba que eu desisto dessa seleção! Não esperava ser maltratada desse jeito por ninguém, e esperava que pelo menos você fosse educado, ou no mínimo tolerante! – a garota volta a chorar, escondendo seu rosto entre seus joelhos. Mesmo com os olhos inchados e o nariz vermelho, sou obrigado a aceitar o quanto era bonita. Por causa dos eventos do “Volta ao mundo em dez dias”, carinhoso nome que Silvia deu aos dias de inserção da cultura no palácio, Julieta vestia um kimono preto e lilás com estampa floral, os cabelos presos num coque e mangas encostando no chão.

Aproximando-me cautelosamente vou dizendo: - Senhorita, acho que você se enganou. Eu não sou o Shay, sou o Jules; o pequeno, ruivo e inofensivo Julian.

Minha tentativa de piada piorou a situação, levando Julieta e derramar mais lágrimas. Ajoelho-me ao seu lado, esperando que se acalme para podermos conversar. Decido afagar suas costas até que seus soluços acabem.

– Obrigada alteza, estou mais calma agora. – fala Julieta limpando as lágrimas e a maquiagem borrada. – Pode ir embora se você quiser.

– Eu estou bem, obrigado. Ah, e nada de alteza, me sinto um vovô com bengala quando falam assim. – dessa vez minha piada funciona, e consigo arrancar um sorriso da selecionada.

– Por que seu irmão não poderia ser como você? – diz se virando para me olhar de cima para baixo, já que eu estava de pernas cruzadas no chão. – Você não precisava nem abrir a sala, e menos ainda quando descobriu que era eu. Poderia simplesmente fechar a porta e sair andando como se não tivesse visto nada. Por que fez isso?

– Eu nunca poderia ignorar uma pessoa chorando. Ficaria com isso na cabeça o restante do dia, pensando que faria uma pessoa melhor apenas com a minha ilustre presença. – novamente fiz a menina rir, mais abertamente dessa vez.

–Você é assim o dia inteiro? – pergunta curiosa. Se alguém a visse agora, não imaginaria que estava chorando há alguns instantes.

– Diariamente. Às vezes eu mesmo me pergunto como consigo manter a compostura diante de alguns representantes de estado e autoridades. Mas vou te contar um segredo: eu faço as piadas dentro da minha cabeça. – confesso num sussurro.

– Mais um motivo para seu irmão seguir seu exemplo. – observa com amargura.

– Olha Julieta, meu irmão a seu ver pode ser rude, grosseiro, chato, desinteressado, e realmente, ele possui essas características, mas apenas quando está nervoso ou apreensivo com alguma coisa. Essa é a maneira dele reagir. Enquanto eu faço piadas, ele se fecha dentro de si e não permite que qualquer um entre. – conto calmamente a verdade sobre meu irmão.

– Mas mesmo assim ele deveria manter a educação que eu tenho certeza que recebeu a vida inteira. – Julieta está revoltada, não se contendo começa a caminhar pela sala. Continuo no mesmo lugar, observando seus movimentos. – Sabe, ontem na festa eu apenas tentei ser gentil, fazer companhia a ele, e o Shay praticamente me expulsou da mesa quando o Príncipe Zaki voltou. Eu queria gritar com ele, falar que eu ficaria na mesa se eu quisesse, mas eu tive educação suficiente para saber que tinha que aceitar a decisão dele. Por que ele não poderia fazer o mesmo? –Julieta para de andar e espera minha resposta de braços cruzados.

– Sei que é difícil entender esse lado dele. Shay será assim com praticamente todas as selecionadas, até com as minhas só para manter a aparência imperturbável. Veja, não é fácil para nós dois repentinamente termos dez garotas lindas a nossa disposição. Ele só está aprendendo a lidar com isso, e infelizmente vocês estão no caminho. – termino rindo. – Quando chegar a hora certa, ele será carinhoso com você, pois é isso o que ele faz com as pessoas que ama. E eu posso te dar uma prova disso.

“Um dia, quando ainda tínhamos uns nove, dez anos, Amberly chegou a seu quarto chorando tanto que ouvíamos através das paredes. Preocupados com ela, nós dois fomos perguntar o que tinha acontecido. Inicialmente ela não quis nos contar, então Shay deduziu que era por causa de Adam, no que ela concordou. Os dois foram criados juntos, e depois de um tempo começaram a gostar um do outro; os únicos a não perceberem isso foram meus pais e os dele. Sem dizer nada, meu irmão saiu pela porta e voltou meia hora depois, com o olho já ficando roxo. Eu e Ams ficamos assustados, mas Shay apenas respondeu ‘ele está pior, e vai te pedir desculpas’. No dia seguinte minha irmã acordou com um monte de flores no quarto e uma carta de Adam pedindo perdão.”

– Nossa, se não estivesse escutado de você, acharia que era mentira. – sem mesmo admitir, minha história amoleceu o coração de Julieta, e eu via em seus olhos que daria uma segunda chance para meu irmão.

– Promete que agora não desistirá da Seleção da próxima vez que o Shay te maltratar? – pergunto com um sorriso.

– Prometo de coração. – dito isso, Julieta faz um x em cima de seu peito, marcando sua promessa. – Jules, muito obrigada por me fazer sentir melhor. Estava decidida a sair do palácio antes do primeiro encontro, e graças a você, mudei de ideia. Eu preciso sair agora, pois imagino que Silvia e minhas criadas estão a minha procura para as aulas sobre a Nova Ásia. Porém o que você precisar, farei por você. Sua palavra é uma ordem. Literalmente.

– Na verdade você pode me ajudar... - Peço a Julieta que envie um recado à Sarah, falando para me encontrar nessa mesma sala, e caso conte a alguém onde está indo, será a primeira eliminada da Seleção.

Deixado sozinho penso em como devo agir com Sarah, se seria direto e claro ou paciente e questionaria sua atitude depois. Quanto mais penso, mais minha cabeça vai pesando, obscurecendo minhas ideias e me deixando lento. A ressaca da noite anterior estava aparecendo só agora, com o meu nervosismo. Com esses efeitos seria muito difícil tentar descobrir quantos guardas preciso no castelo ou escolher as melhores palavras para um decreto.

Passam-se vários minutos e Sarah ainda não apareceu, então desisto de esperar e vou atrás dela, já que não tinha muito tempo para desperdiçar esperando alguém. Quando abro a porta, a garota estava lá, com a mão erguida pronta para bater. Ela arfa em surpresa e eu tenho uma reação semelhante, mas com um motivo bem diferente. Parada diante de mim, Sarah está usando um kimono extremamente curto e com o decote frouxo, mostrando uma grande quantidade de pele bronzeada e suas belas curvas. Estagnado na soleira da porta, força a passagem por mim, deixando para trás um perfume de cerejas da cor de sua boca carnuda.

Sarah acha graça na minha situação, estampando um sorriso torto que inutilmente tenta mascarar o temor em seus olhos.

– Se você me chamou aqui esperando que eu vá implorar para ficar, está muito enganado. Mas eu te daria um conselho se realmente for me eliminar: eu sou a sua única chance de ter um sentimento real. – ela diz isso enquanto vai se aproximando de mim, colocando em cada palavra um peso tangível.

– Primeiro, eu não sei do que você está falando. E segundo: eu não te chamei para expulsa-la do palácio; está aqui para dar explicações pela noite de ontem. – minto descaradamente, pois sei o que quer dizer. Sempre tive esse temor da seleção, de que nenhuma garota estaria aqui por mim, e simplesmente para ganhar algum dinheiro e acima de tudo ter poder ilimitado quando se tornasse rainha. Esperançoso como nunca, acreditava que alguma seria apaixonada por mim, mas como elas poderiam ser se nem ao menos nós conhecíamos?

– Eu quero dizer que praticamente todas as garotas estão aqui fugindo do passado ou para usufruir das regalias que vocês possuem. Conversando com as outras descobri que somente eu estou aqui por você, e não para provar algo. – o que ela me diz é como um tapa na cara, ardendo e deixando marcas invisíveis em meu rosto que não consigo disfarçar. – Fique tranquilo, eu ainda estou aqui por você querido.

O tom com que fala querido me lembra do porque a chamei secretamente, e como Sarah, respondo ironicamente: - Querido é seu pai, que a receberá em casa se continuar ofendendo minha família. – Uma sombra de mágoa aparece em seu rosto, tirando o sorriso debochado que estava presente desde que entrou na sala. Sarah tenta dizer algo, mas continuo falando – O que você fez ontem poderia ter significado sua saída da seleção, e com um motivo plausível. Porém, queria escutar diretamente de você uma explicação.

– Eu não me detive em falar algumas verdades para a Samanta. – diz olhando em meus olhos e prendendo meu olhar. – Desde o primeiro dia em que vi vocês dois juntos, ela se mostrou íntima, se jogando em seus braços e praticamente se oferecendo. E o pior de tudo, você aceitou. Eu sinceramente esperava um pouco mais de compostura da sua parte, para ceder aos encantos da tatuadora. E quando você e sua irmã se interpuseram, fui honesta e disse tudo o que eu queria. Normalmente não teria coragem de enfrentar vocês dois, mas o álcool facilitou isso para mim.

Relembro a noite anterior, e vejo claramente o olhar decepcionado de Sarah e Sam ao me verem com Lis. Meus trajes, meu cabelo e a presença da loira induziam ao que Sarah e todas as pessoas devem ter pensado sobre mim, perdendo a cabeça e “me esfregando” com uma garota já no primeiro dia. Eu admito que estava errado, e mesmo meu pai afirmou isso, então não posso discutir as razões de Sarah de ser honesta, e digo isso à ela.

– Mesmo depois de sua resposta ainda poderia eliminá-la, pois o insulto a pessoas da casta um poderia ser visto como um crime. Só que você não era a única pessoa errada na festa, eu também era e ainda sou. Desrespeitei todas as selecionadas que estão aqui por mim ao me apresentar desestabilizado com Lis na noite em que deveria estar conhecendo vocês. Por isso darei mais uma chance a você, junto com um aviso: não tolerarei mais alguma imprudência da sua parte, nem mesmo de Samanta.

É uma tarefa árdua dizer tudo isso enquanto Sarah me olhava tristemente, e pela primeira vez no dia, agi como deveria, tomando uma decisão que não me agradava.

Sarah se aproxima calmamente de mim, até parar a um sopro de distância do meu rosto. Seus olhos, assim como seu cheiro, me hipnotizam e assisto enquanto move seus lábios vermelhos para próximo do meu ouvido, enquanto seu cabelo atinge meu rosto suavemente. Com o coração acelerado sinto sua boca movendo preguiçosamente sobre minha pele.

– Você não irá se arrepender alteza. – afirma sedutoramente. Dito isso, afasta-se o suficiente para fazer uma reverência e me dar um vislumbre de seu colo descoberto. A imagem e a fragrância de fruta me desestabilizam, ficando atônito. Retorno à realidade somente depois de vários minutos, quando percebo que estou sozinho.

Resolvo voltar para o escritório, mas antes passo na cozinha para pedir a Maria algo para aliviar minha dor de cabeça e mal estar. Não preciso nem entrar na cozinha para ouvir os gritos da minha “mãe” xingando algumas pessoas, dizendo que estão acabando com a cozinha dela e que não sabem cozinhar. Ao me virar para dar meia volta e ir direto para o trabalho, uma Maria descabelada, soltando fumaça e agitando enfaticamente uma colher de pau numa mão e uma faca gigante na outra aparece me impedindo de sair do lugar.

– E você, quer cozinhar hoje também? – pergunta raivosa. Como me retraio, ela finalmente percebe que está apontando uma faca para mim, e começa a se desculpar. Rio da atitude dela e explico que preciso da sua ajuda; por fim, depois de alguns minutos ela traz para mim uma garrafa e me faz prometer bebe-la inteiramente, não sem antes fazer um sermão sobre como fui irresponsável em beber demais, que eu deveria comer e beber água, e moderar da próxima vez. A aparência da bebida não é muito apetitosa: um verde musgo, com pedaços de fruta flutuando na superfície e cheiro de gengibre. Eu não faço a mínima ideia do conteúdo do suco e fico pensando se Maria estaria me punindo através de comida, minha maior fraqueza. Antes que eu possa questioná-la, escutamos panelas e vidros caindo no chão e a dona entra como um furacão prestes a devastar seu território.

– Será que esse suco vai adiantar alguma coisa? – decido experimentar de uma vez e quase cuspu tudo para fora. O gosto era horrivel, e eu teria que beber umas quatro garrafas para fazer efeito, segundo Maria.

Recuperando o susto, vou direto para o escritório, me questionando se consiguirei ser rei algum dia. Mas para tudo tem uma primeira vez e a minha não seria fácil. Atravesso correndo o labirinto de corredores e antessalas para chegar a sala mais rápido porque gastei tempo demais conversando com as pessoas e não gostaria de levar a terceira bronca do dia. Porém, próximo ao escritório escuto vozes elevadas provando que não serei eu a receber a ira do rei. Termino o restante do caminho andando devagar, tentando ficar calmo ou pelo menos aparentar tranquilidade enquanto entro no recinto.

Quem está no recinto é Adam e o velho Auggie, acompanhados de Aspen; todos estão muito sérios, com uma preocupação nítida estampada no semblante de cada um, principalmente na do meu pai.

– O que está acontecendo aqui? Está dando para escutar vocês conversando desde o começo do corredor. – questiono apreensivo. Ninguém fala nada enquanto me dirijo ao lado direito do rei e recosto na mesa. – E então?

Com apenas um aceno de cabeça de Maxon, Adam entende que será ele a relatar novamente o problema. Meu cunhado parecia desconfortável, cruzando e descruzando os braços e mudando o peso do corpo de um pé para o outro.

– Como estava contando ao seu pai, há quatro dias ocorreu um ataque rebelde ao carregamento de milhoda Cullers. Eles extraviaram não apenas o carregamento, como também a maioria dos vagões do trem responsável pelo transporte.

– E por que estamos sabendo apenas agora sobre isso? – questiono ligeiramente irritado. A produção da Cullers é a mais importante do país, suprindo as indústrias de alimentos e biocombustíveis, além de exportarmos para outros lugares como Katástoli e Alemanha. O prejuízo gerado provavelmente não seria reestabelecido a tempo de uma nova safra para ser colhida e exportada.

– Estávamos tentando descobrir os responsáveis através dos comandos militares que temos, por isso não queríamos lhes contar. A procura de vagões de trem não deveria ser tão difícil como está sendo. – August se interpôs por Adam, protegendo-o para que não o agredisse verbalmente como meu pai. – Temos espiões e soldados espalhados por cinquenta quilômetros do local do roubo, mas até agora não conseguimos nenhuma informação.

– Como assim vocês não acharam vagões de trem? Eles devem pesar toneladas! Não é como procurar agulhas num palheiro. – eu já estava me enfurecendo. Não conseguia mais ficar parado e esperar que fizessem alguma coisa. Estava finalmente entendendo porque o Rei havia perdido a paciência e descontado nos líderes presentes na sala. – E vocês ainda não falaram quanto perdemos com isso...

– Encontramos alguns vagões abandonados à margem do rio Washington, a cerca de dez quilômetros de distância, mas os outros simplesmente desapareceram. Acreditamos que tenham sido levados através de balsas de grande porte rio abaixo, então podem estar em qualquer lugar nesse instante. Quanto à quantidade, estimamos uma perda de duzentas e cinquenta mil toneladas, já que não era apenas um carregamento. – August explica com certo receio. Mesmo sendo um pouco mais velho que meu pai, curva-se ligeiramente ao relatar os acontecimentos. Essa é a primeira vez que isso acontece, diante da minha posição no poder e da observação silenciosa do meu pai.

– Por favor, me fale que estou errado, que minha dor de cabeça está interferindo na minha matemática, mas você quer dizer que perdemos um terço da nossa produção anual? – questiono friamente. Eu mesmo tenho medo da resposta, e espero estar muito errado.

– Alteza, você é o responsável por esse controle de produção, então minha resposta não estaria completamente correta, mas sim, você está certo.

– E VOCÊ ESPEROU QUATRO DIAS PARA NÓS INFORMAR SOBRE ISSO? –Grito com August.

–Acalme-se filho, não adiantará nada gritar. – Maxon se coloca em minha frente para não me aproximar demais sobre August, como se eu fosse partir para a agressão física. – Precisamos tomar uma decisão rápida sobre isso, para não prejudicar ainda mais nossa economia.

– Eu sugiro que enviemos uma tropa de soldados e três helicópteros para sobrevoar a região. Sobre o ar comandará os soldados e indicará as decisões a serem tomadas. Dessa forma cobriremos uma região ainda maior do que vocês já definiram. – Aspen que estava calado até então surgiu com maestria, falando com cada um de nós, esperando que concordássemos com suas ordens.

– Julian, você decide o que se deve fazer – Maxon olhava para mim com confiança, que eu teria o poder de realmente escolher o que quisesse. Ele não poderia ter escolhido um dia pior para começar minha iniciação, e depois dessa notícia esperava que desistisse de passar o comando temporário para mim. Respirando calmamente, tento me concentrar nas lições que havia estudado tantos anos atrás. Em situações semelhantes os reis direcionavam regimentos inteiros a procura de algo, escolhendo soldados com perfis singulares capazes de executar diversas tarefas. Nos dirigimos a mesa de Shay, e eu busco em seu mapa forças que pudessem ser deslocadas rápido o suficiente para evitar mais estragos. Nunca olhei para os pequenos bonecos, aviões e navios de plástico como se fossem algo real, destruidor, mas agora tudo aquilo deixava de ser uma brincadeira e eu passava ser responsável pela estabilidade de Illéa.

– O que tem aqui? – pergunto a Aspen apontando para um regimento de Columbia. No mapa estão um avião e três bonecos, e no litoral um pequeno barco.

–Este é o regimento do general Tomas, responsável pela força mais próxima a Katastoli, preparada para algum tipo de invasão ou conflito na fronteira.

– Quero que você realoque metade do contingente em direção à costa, seguindo o curso dos trilhos, e a outra metade em direção aos Grandes Lagos, junto com uma força especial do , para investigar os leitos dos rios e procurar por algum tipo de trilha ou parte da mercadoria que possa ter caído.

– Alteza, acredito na sua capacidade intelectual mais do que a mim mesmo, mas o senhor não acha que retirar toda a tropa da fronteira seja arriscado? – August pergunta ainda analisando o mapa. Olho ao redor e percebo que todos estão confusos com a minha decisão, inclusive o Rei, e o fato de ser chamado de senhor com apenas dezenove anos de idade traz um pouco de pitoresco em sua fala.

– Atualmente estamos em uma situação amigável com o Rei Alfred devido à presença da princesa no palácio, portanto o risco de invasão é mínimo. Mesmo assim, um esquadrão dirigido aos Grandes Lagos é uma medida preventiva da investigação. Precisamos ter certeza que o milho não foi extraviado em direção a Katastoli para qual seja o motivo. – Termino minha fala tendo ainda mais certeza da minha premonição, de que encontraremos algo naquela região. Procuro o olhar do meu pai, que mesmo tentando disfarçar, não consegue conter o brilho em seus olhos por minhas decisões. Sinto-me leve agora que o vejo orgulhoso, ainda que minhas próximas decisões não sejam tão agradáveis quanto.

Adam, August e Aspen esperam que o rei fale mais alguma coisa, contudo Maxon os dispensa com “isso é tudo” e vão embora com uma reverência.

Passamos o restante da manhã discutindo sobre um plano B, para o caso de não encontrarmos vestígios do carregamento e ficássemos prejudicados com o cancelamento da exportação. Por fim tive uma ideia que desagradou meu pai, mas que com muita relutância e modificações no plano original, aceitou que eu conversasse com o príncipe Gabriel e chegássemos a um acordo, do qual aceitou diante das vantagens apresentadas.

Em algum momento do dia recebemos no escritório o almoço asiático e me assusto com o passar das horas. Fiquei a manhã inteira escrevendo relatório atrás de relatório e o tempo passou mais rápido do que deveria.

Enquanto estou sentado comendo meu maravilhoso almoço de polvo, algas, arroz e muito molho penso em como as selecionadas estão lidando com a nova cultura. Eu, que já visitei inúmeras vezes a Nova Ásia e cresci aprendendo a disfarçar minha aversão a tal comida, imagino que as novas garotas estão em sérios apuros, principalmente em comer com os palitinhos e a comida quase sem sabor.

Olho pela janela atrás de mim para ter uma visão mais agradável do que os papéis que irão prejudicar meu relacionamento com minha irmã, e o que encontro me surpreende. Shay está sentado no jardim com um kimono almoçando com uma garota, rindo tanto que deita no chão e abraça sua barriga. De alguma forma Clarissa conseguiu fazer com que Shay esquecesse um pouco de quem era e de suas obrigações, permitindo um instante de felicidade em uma vida agitada por deveres e responsabilidades. A imagem de descontração me atinge com um baque, e por um instante esqueço que é meu irmão que está ali e o invejo, querendo ter o mesmo que ele, sentindo uma inveja que percorre meu corpo e se transforme um pouco em raiva, por ter que enfrentar sozinho tantas coisas enquanto está se divertindo.

Antes desagradável, meu almoço passa a ser completamente indigesto, e jogo toda a comida colorida e bem elaborada pelo lixo. Para não morrer de fome, bebo o restante da bebida verde que de repente torna-se mais deliciosa do que um copo de chocolate.

***

–Julian, vá descansar. Você já fez o suficiente por hoje. – meu pai chama a minha atenção, dispersando meus pensamentos dos cálculos e projeções para o próximo mês. Quando giro minha cadeira para olhar para o sol, vejo que está quase se pondo e que todas as pessoas que permaneceram no gramado para as apresentações do dia foram embora, deixando no ar os risos e aplausos que fui obrigado a escutar enquanto trabalhava. Tento me obrigar a relaxar, abandonar a amargura que me corrompe, porém a imagem de Shay feliz só me faz descer cada vez mais fundo. Para abandonar esse pensamento me resta apenas uma coisa a fazer: fotografar.

– Estou indo pai. Precisa de mais alguma coisa? – pergunto torcendo para que a resposta seja não, mas como tudo no dia, não poderia ter tanta sorte.

– Sim. Preciso te entregar um presente que o príncipe Woo Bin enviou para você, para nós dois na verdade. – Meu pai me estende uma caixa preta, igual à que possui em sua mesa. Enquanto abro, Maxon me explica um pouco mais do presente. – Eles entregaram algumas horas atrás, mas você estava tão concentrado que decidi não lhe entregar receoso de que o presente lhe dispersasse de suas tarefas. Devo admitir que eu perdi um momento do meu trabalho tentando mexer nisso.

Dentro da caixa há um quadrado preto que parece uma tela de tevê que reflete a minha cara confusa; retiro da embalagem com relutância pensando ser pesado como uma televisão, mas é bem mais leve que um peso de papel.

– Acho que você se enganou, porque não ficaria observando minha linda imagem mais do que quinze minutos. – não resisto e faço uma brincadeira. Penso que meu pai vai me xingar, e ao contrário do que esperava ri das minhas piadas, o único que faz isso na verdade.

– Inicialmente eu também pensei que era um espelho, porém não haveria nenhuma lógica de um príncipe tão rico nos presentear com um espelho, ainda mais nesse tamanho. Depois descobri um botão de liga e desliga na parte de trás da tela, e dentro da caixa tem um manual, escrito em mandarim. Foi quando eu desisti de tentar e voltei a trabalhar. Portanto, divirta-se com seu presente. – Meu pai possuía um sorriso estranho, como se soubesse de algo que não sei, que cometeria muitos erros e abandonaria o presente como tinha feito, me deixando ainda mais receoso com o misterioso “espelho”.

Enquanto caminho pela porta já com uma de minhas câmeras na mão, Maxon se aproxima de mim também se dirigindo a porta. – Eu estava me esquecendo de te avisar: será você a dar a notícia à Celeste, uma vez que a ideia foi sua. Com essa última tarefa, você termina seu dia como rei. Parabéns, você foi melhor do que esperava. – ele então dá uns tapinhas nas minhas costas deixando-me sozinho, sufocando por uma mão invisível e o pensamento de que seria praticamente impossível reconquistar a confiança da minha irmã.

Ando sem rumo, desatando a gravata na vã tentativa de me livrar do aperto em meu pescoço e retirando o terno, que jogo dentro de um enorme vaso presente no corredor. Com uma lufada de ar fresco no rosto, respiro novamente e percebo que estou no jardim. Os resquícios do sol iluminam a grama úmida, tingindo de dourado as flores brancas que cercam o palácio; nas janelas podemos ver o reflexo do pequeno paraíso construído para a realeza e os tons metálicos que compõem a residência assemelham-se ao ouro das joias, tornando ainda mais imponente a grande construção.

– Minha vida sempre será assim, cercada pelo poder e grandiosidade, sem espaço para um sopro de alegria? – indago ao ar, que responde com vento forte, embaralhando os meus cabelos. – Vou tomar isso como um sim.

Apenas depois de falar sozinho lembro-me de olhar se há alguém perto de mim, e com alívio constato que só alguns funcionários trabalham no jardim, e não algum fotógrafo ou câmera seguindo meus passos para descobrir o que o pequeno príncipe irá fazer. Perto de mim há um banco grande o suficiente para me deitar e apenas minhas pernas ficarem de fora. Deito e fico olhando o sol mudar as tonalidades das nuvens, colorindo-as de rosa, laranja e lilás, um perfeito para uma foto; desta maneira, capturo a paisagem.

– Por que eu não posso ser um simples fotógrafo, apenas levando a vida e capturando o que achar mais bonito, até no que se acha feio? – questiono com um suspiro. – Se bem que eu sou exatamente isso, um cara que possui a vida que todos querem, mas que no fundo no fundo sabem que não é perfeita. Imagina se descobrissem que temos aulas de como nos tornarmos uns monstros e acabar com a vida de uma pessoa? Porque eu devo estar perto disso. Em três dias de seleção revelei um segredo do palácio, levei uma garota para o quarto, tive a pior ressaca da minha vida, virei rei, fui abusivo com pessoas que considero minha família, descobri que não tenho zero chance de alguém gostar de mim, praticamente vendi minha irmã para não prejudicar o país e serei eu a contar isso para ela. Mais duas coisas eu poderia ter certeza que sou um verdadeiro desastre.

– Eu não acho que você seja um desastre. – a voz que ouço me assusta a ponto de rolar do banco e cair de cara na grama. Levanto de um salto alinhando meu cabelo e espanando a terra da minha roupa. Lara está sentada no chão se contorcendo de rir, abanando o rosto em busca de um pouco de ar fresco.

– Desde quando você está aí? – questiono atormentado. Ela finalmente para de rir e mantém somente um sorriso contido no rosto.

–Desde quando você passou pela porta mais perdido que eu no almoço.

– Então você escutou tudo?

–Sim.

–Tudo mesmo? - pergunto com um pouco de esperança.

– Sim Jules, desde o começo.

– Então acho que posso somar você a minha lista. – afirmo resignado. Passado o susto, enfim reparo na garota sentada na grama. Lara não estava como eu esperava, por isso não percebi quem estava ao meu lado, confundindo-a com qualquer outra pessoa. Com os cabelos trançados desajeitadamente, tinha as mãos e o vestido simples demais para uma selecionada e estava suja de terra. – Por que você não está usando um kimono?

– Por que você não está vestindo um? Todos os príncipes vestiram. Até a rainha vestiu. É por que você é mais bonito que os outros? – pergunta sarcástica.

– Claro que foi! Fico feliz em saber que tem alguém além de mim que ache isso – respondo brincando. Lara não percebeu a brincadeira, ficando com as bochechas rosadas de vergonha. Tentando aliviar a situação dela, continuo. -Eu não tive tempo e ninguém se preocupou em me preparar para isso. O máximo que eu tive foi um almoço e esse treco aqui. – termino indicando a tela que estava no banco.

– Isso se chama tablet, e é muito legal, se você souber usar... – alguns minutos de conversa e a menina já estava brincando comigo. – E respondendo a sua pergunta, eu não aguentei ficar com a roupa. O calor estava demais, e não existem leques o suficiente para aguentar todo aquele pano envolta de mim. Assim, logo que Silvia se distraiu, fugi para o meu quarto e achei esse vestido no armário das minhas criadas; troquei de roupa sem que nenhuma delas chegasse e vim para cá. Muito melhor.

–Nisso eu sou obrigado a concordar. – Respondo sorrindo. Após muito tempo achando algo estranho em nossa conversa, constato que estou em pé e Lara sentada, olhando de baixo para cima para mim, e ela parece perceber a mesma coisa. Quando estico minha mão para ajudá-la a se levantar, um som muito familiar, mesmo à distância, me faz virar a cabeça na direção dos arbustos do pseudo-labirinto no jardim. Um fotógrafo está tentando se esconder ao tirar fotos minhas com Lara. – Acho que nós temos companhia.

Alarmada, tenho a sensação que Lara preferiria cavar um buraco com uma colher e se esconder do que ser fotografada junto comigo.

– Qual o problema? Você não quer aparecer em uma revista junto comigo? – questiono um pouco magoado. Notando minha voz, Lara se apressa em justificar sua reação, que incluía esconder-se atrás do banco e fugir da mira do paparazzi.

– O problema não é esse Jules. O problema é que estou em condições inadequadas para uma candidata e provavelmente esse homem deve achar que estamos tendo nosso primeiro encontro, no caso, o mais importante de todos. Eles vão acabar comigo nas revistas. – a última frase foi dita com completo pesar e eu conseguia ver só uma alternativa para isso. Agachando-me, pego punhados de terra do canteiro de lírios e passo na minha calça e em minha blusa azul. Lara tenta me impedir, mas desiste ao ver que nunca terá chances com a minha força; como um toque final, passo um pouco de terra em meu rosto e abro o maior sorriso que possuo, sentindo minhas duas covinhas aparecerem.

Contagiada por meu espírito de rebeldia, Lara aceita minha ajuda para se levantar e enlaça seu braço ao meu, sorrindo casualmente, interpretando um papel de princesa e agindo como se tivesse uma coroa em sua cabeça, não pedaços de grama.

– Se teremos um encontro, aonde vossa alteza irá me levar? – pergunta curiosa.

– Como já tenho nove tópicos de porque eu sou um desastre, te levar num lugar especial e que ninguém conhece será a peça chave para virar o Sr. Desastre. – Olho para o sol pensando se dará tempo de chegarmos ao lugar que a quero levar e admito que vale a pena correr o risco. Andamos então até a orla da floresta e quando Lara entende minhas intenções estanca de repente no meio do caminho e quase me derruba no chão.

– Eu sei que você é um príncipe e tudo mais, mas eu não vou entrar numa floresta com o dia escurecendo não. Então sinto muito e nos vemos mais tarde. – Lara se vira para o palácio e tenta escapar de mim. Antes que escape, seguro em seu braço e peço para que confie em mim. Com um pouco de desconfiança aceita meu pedido e mantém minha mão presa a sua, mantendo um pouco mais de distância do meu corpo.

– Não precisa ter medo, sei que você gostará do que vou te mostrar. – Com a noite caindo, o ar na floresta é um pouco mais fresco que no jardim, porém não me impede de ver a trilha quase indistinta no meio das folhas e flores que rodeiam nossa trajetória. Para que Lara confie em mim, precisará conhecer a história do lugar, então decido contar o motivo de sua existência enquanto caminhamos. – Não sei se é de seu conhecimento, mas há muito tempo atrás, quando meu pai estava em sua seleção houve uma invasão no palácio enquanto todos estavam no jardim. Minha mãe, distante da entrada do palácio correu em direção à floresta, pensando ser esta fuga sua melhor solução.

– Sim, todas nós conhecemos essa história. Minha mãe me alertou quando as selecionadas foram indicadas, me fazendo jurar que nunca entraria nessa floresta, pois a Rainha América havia ficado perdida quase o dia todo dentro dela. – Lara me interrompe, achando graça da situação.

– O que você não sabe, foi que nesse dia, especialmente, meu pai, o Rei Maxon, percebeu que ela era a escolhida, a primeira vez que América estava em perigo e que não conseguiria viver sem ela. Essa era basicamente a história de ninar de Celeste, contada noite após noite por nosso pai.

– Eles são verdadeiramente o casal perfeito, e eu nunca acreditei nisso. – revela

– Talvez agora, mas antes do casamento eles brigaram muito, principalmente depois dessa invasão. Por isso sei que não encontrarei a pessoa perfeita, mas sim a que seja imperfeita para mim. – Lara permanece calada depois que digo isso, e compreendo seu silêncio. Lara poderá ser minha futura namorada e talvez rainha. Estranhamente a tensão entre nós dois é quase palpável por alguns minutos, e esqueço o que estava falando.

– Julian, você ainda não me disse onde está me levando. – a garota me traz de volta a Terra e acaba com o clima pesado. Aliviado, sei que terminarei minha história no tempo certo, concluindo-a com um sorriso.

– A floresta virou um marco na vida dos dois, pois representou tanto o amor quanto o futuro que os aguardava. Em homenagem a isso, em seu aniversário de casamento de dez anos, meu pai mandou construir secretamente este lugar para minha mãe. – Absorta na história, Lara não percebeu a pequena estufa em nossa frente, arquejando em surpresa e aproximando lentamente do lugar.

A construção toda de vidro e madeira ocupava o espaço de uma pequena clareira bem no centro da floresta, brilhando com os resquícios do pôr-do-sol em sua pequena torre que englobava a árvore dentro da estufa. Dentro, todos os tipos de flores encontradas em Illéa foram plantadas para minha mãe, lançando um perfume doce e almiscarado no ar. Lara percorria cada flor, analisando cada detalhe, para nunca mais esquecer.

–Jules, este lugar é perfeito! – entusiasmada, tocava cada pétala como se fosse quebrar com o mais simples toque.

– Minha mãe concorda com você. – respondo sorrindo pela forma como Lara estava maravilhada com o presente de meu pai. Uma felicidade genuína e simples. – Esta árvore é a mesma em que minha mãe se escondeu tantos anos atrás, por isso a plaquinha: "A eternidade não é capaz de traduzir o meu amor, mas que seja símbolo da infinitude que lhe darei. - Do meu coração, que sempre foi seu."

Realista, não penso em encontrar um amor como o dos meus pais. Se achar um pouco do que eles têm, serei eternamente grato ao destino por escolher alguém no meu caminho. E talvez, apenas talvez, ela já esteja bem em frente a mim, com um sorriso nos lábios e olhos marejados de emoção.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram, amaram, odiaram? Querem me matar ou querem o próximo capítulo? Comentem, leiam de novo, sejam leitores fantasmas, não importa. O que eu quero é que gostem do que estamos fazendo.

P.s: Caso tenha algum erro, me avisem, porque com o tamanho desse capítulo é bem capaz de ter deixado passar algumas coisas.

Bjo da Cams



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