O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 4
Mudança de Planos




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A floresta passava pelos olhos de Emma como um borrão enquanto ela tentava forçar suas pernas a irem mais rápido. Ela quase não tocava o chão, praticamente flutuando por entre as árvores, pulando troncos e pedras, tomando caminhos sem sentido, na esperança de despistar os guardas que restavam.

Não eram muitos, agora. Três ou quatro. Ela eliminara a maioria no caminho, até mesmo levara um tiro de raspão no braço. Estava sangrando, mas não era nada. Ela não iria permitir que fosse levada de volta a Phillips ao forte como prisioneira. Havia coisas que requeriam mais sua atenção, como por exemplo, ela estava mais interessada em saber onde estava. Emma não conseguia ver mais que alguns metros à sua frente, mesmo usando sua visão aquilina, mas ela podia dizer que não era tão diferente assim da fronteira. As arvores pareciam as mesmas, e ela sentia estar andando em círculos, o que a deixava mais inquieta do que já estava.

Ela seguira para o norte, como dissera a Frederick que faria, e correu incessavelmente, subindo e descendo ladeiras, até passar por um pequeno cânion que ela acreditava demarcar os limites da fronteira, se é que aquilo fazia sentido, e ir parar ali. Ela passara correndo perto de um aglomerado de casinhas modestas, ouvindo vozes de quem quer que morasse ali. Ela não se atreveu a passar pela rua principal, evitando chamar mais atenção do que era necessário. Suas botas estavam molhadas devido ao orvalho da grama, e seus pulmões doíam devido à velocidade com que tentava colocar algum ar dentro deles. Um veado assustado passou correndo bem ao seu lado.

Chegando a certo ponto do caminho, Emma detectou uma construção mais imponente do que as casas na vila. Uma casa senhorial, destacando-se no fim da floresta, bem no topo de uma colina levemente inclinada, como uma salvação divina. Era grande e velha, feita de tijolos vermelho-escuros, com janelas e portas simetricamente quadradas. Uma sacada espaçosa decorava a frente da casa. Havia estábulos e um celeiro em frente. Emma correu em direção ao celeiro, sua única chance de se esconder. Ela escalou até uma pequenina janela na parede dos fundos, que parecia ser a única entrada. Ela não podia arriscar abrir as portas, mesmo que estivessem destrancadas; apenas deixaria óbvio que ela estava ali.

Os animais reagiram à sua presença assim que ela pisou dentro do espaço empoeirado. Havia apenas dois cavalos, que continuaram a mastigar seu feno, mas os bodes começaram a fazer sons, não muito altos, mas Emma sussurrou:

— Shhh. Vão fazer com que me matem.

Emma não queria mais correr, então se abaixou no canto mais escuro da plataforma superior do celeiro, perto de algumas pilhas de feno. Ela tentava respirar mais devagar, receosa de que poderia ser ouvida, e esperou até que fosse seguro sair.

Mas Emma não ficou mais que alguns segundos até ouvir sons do lado de fora. Eram os soldados se aproximando, e ela soube que eles haviam pedido ajuda ao dono daquele celeiro quando as portas se escancararam.

Uma luz fraca entrou, provavelmente vinda da casa, e Emma se escondeu mais às sombras. Ela observou de cima usando sua visão aquilina. Viu que os quatro soldados que a perseguiam estavam na entrada, mas havia um quinto homem que entrara antes. Estava marcado de branco, pois Emma não sabia dizer se era um inimigo ou não. Usava calça e botas, juntamente com uma blusa de linho, e apesar de talvez ser o dono do lugar, não parecia ser um fazendeiro; era jovem, de vinte e quatro ou vinte e cinco anos.

Ele olhou à sua volta, mas antes que ele pudesse colocar seus olhos nela, Emma pulou da plataforma, ativando suas lâminas ocultas, e eliminou dois dos guardas de uma vez com um assassinato aéreo. Rapidamente, ela pegou um dos mosquetes caídos e acertou o terceiro homem com a coronha, derrubando-o apenas, e então enfiou a ponta afiada no peito do quarto. Finalizando, ela pegou impulso em uma das colunas e pulou no terceiro, que começava a se levantar, enfiando as laminas em seu pescoço.

Não resistindo ao impulso, ela olhou para o homem atrás de si por cima do ombro. Ela esperava que ele estivesse surpreso, mas ele olhava para ela com os braços cruzados, como se estivesse esperando pela morte dos homens o tempo todo, e lutaria com ela se precisasse. Mas o caminho dela para fora dali estava livre.

— Não – avisou, como se soubesse ler os pensamentos de Emma, erguendo uma mão.

Ela não deu importância; com um meio sorriso de deboche, se virou e começou a correr.

Então, ele fez algo que ela não esperava, impedindo-a de ir muito longe.

Sem sequer ver pelo que foi atingida, Emma de repente se viu caindo na grama, tendo seu rosto esmagado contra a terra e a poeira. Então, foi puxada alguns metros para trás por algo que se prendia a seu tornozelo direito. Ela se virou e viu o homem segurando uma corda, enrolada em sua perna por um pequeno dardo de ferro.

— Eu avisei para você não correr – disse, se aproximando.

Emma podia vê-lo melhor agora. Ele era um tanto diferente. Tinha uma pele acobreada e cabelos negros como nanquim, presos em um discreto rabo de cavalo. Suas feições eram marcantes e estranhamente familiares, como se Emma já houvesse visto alguém muito parecido com ele, na Inglaterra, apesar de ter certeza de que nunca o vira antes. Ele a lembrava um lobo; postura ameaçadora, maxilar forte e olhos profundos. Andava até ela com um passo presunçoso como o voo de uma águia, mas seus olhos marrons pareciam um pouco confusos, até mesmo solidários, como se, no fundo, ele não quisesse realmente causar qualquer tipo de dano a ela. Mas estava escuro; Emma podia estar enganada.

Infelizmente para ele, o sujeito cometeu o erro de se ficar perto demais das pernas de Emma, e ela aproveitou aquele erro para lhe passar uma rasteira. Não foi tão fácil, sendo ele mais pesado e mais forte que a maioria dos guardas que Emma enfrentara, mas tomou apenas um pequeno esforço extra de sua parte, e o homem estava no chão também.

Emma bufou, tirando a corda de seus pés e jogando-a longe. Levantou-se e colocou o pé no peito daquele indivíduo intrometido antes que ele pudesse se levantar. Ela se abaixou e segurou seu queixo com a ponta dos dedos.

— Não estou tendo uma noite agradável – Ela murmurou. Ela conseguia ser muito sarcástica, principalmente quando estava irritada. – Eu adoraria que você saísse do meu caminho, então vou partir do principio que você não teve a intenção, e vou fingir esquecer que você alguma vez entrou nele, entendeu?

Para fortalecer seu ponto, Emma deu-lhe um belo soco na cara e saiu de cima dele. Claramente, teve um efeito quase nulo, pois quando Emma começou a se afastar, ele se levantou e agarrou seu braço machucado pelo tiro, empurrando-a contra a parede da casa, segurando-a ali pelo pescoço com ambas as mãos.

— Acho que não fui clara o suficiente – Emma murmurou, um pouco sufocada.

— Você foi bem clara – respondeu ele. – Quero saber o que você quer aqui. Por que estavam atrás de você?

Emma enfiou suas mãos entre os pulsos dele, e os separou, removendo-os de seu pescoço e acertando sua cabeça na dele, mas antes que ela pudesse correr, ele segurou seu braço novamente. Deus, ele era enfurecedor! Emma virou-se para acertá-lo mais uma vez, mas ele aprendeu rápido, e bloqueou seu punho e revidou. Emma desviou, pegando seu pulso e torcendo-o da mesma maneira que fizera com Sam, mas mais forte, e o empurrou contra a casa também, mas seu rosto foi o que colidiu contra os tijolos. Ele fechou os olhos com o impacto.

— Você não está em posição de fazer perguntas.

Aparentemente, ele estava ciente do fato de que era maior e mais forte que ela, e finalmente usou isso a seu favor. Demorou, como se estivesse hesitante; mas agora ela claramente estava começando a irritá-lo, e ele não iria poupar esforços.

Virando-se de repente, ele usou a mão de Emma que o segurava para girá-la e jogá-la contra a parede, fazendo-a cair no chão novamente, e desta vez ele estava em cima dela, e o peso de seu corpo a mantinha no chão. Ele segurou suas mãos acima da cabeça, impedindo-a de usar as lâminas ocultas.

— O que estava dizendo? – perguntou, insolentemente.

Emma mexia-se, com os dentes trincados, tentando se soltar, mas era inútil.

— Me solte – murmurou.

— Responda. Quais são suas intenções aqui?

Mas Emma era teimosa demais. Ela não iria dizer uma palavra. Ele era habilidoso. Como podia ter certeza de que não era um inimigo? Ela não podia ou iria sair contando a ninguém sobre sua missão.

Então, usando um golpe um pouco baixo, lançou seu joelho para cima, atingindo-o com força entre as pernas. Não era como se ela estivesse com muitas cartas na manga.

Ele gemeu de dor e caiu para o lado, libertando Emma. Ela não tinha de ter feito aquilo, mas ele não deixou escolha. Ela nem hesitou em começar a escalar as paredes da casa até o telhado esperando que ele não pudesse segui-la ali, e cortaria caminho para as árvores.

Mas é claro que ela estava errada.

Quando atingiu o telhado um tanto inclinado, olhando à sua volta para achar uma árvore perto o suficiente para um salto seguro, Emma foi impedida pelo som de o mecanismo de uma arma sendo puxado, avisando-a que não estava sozinha ali em cima.

Emma se virou lentamente para encarar o cano duplo de uma pistola flintlock a alguns centímetros de seu rosto. Seu atirador a olhava nos olhos, e Emma não detectou hesitação ou medo em seu rosto, ele parecia apenas avalia-la.

— Por quanto tempo pode continuar correndo? – perguntou aquele homem tão peculiar.

De fato, Emma estava se cansando. Ela só não havia notado que estava estampado em sua cara. Kara, quando em Londres, adorava lembra-la durante os treinamentos intensivos de Emma que o seu corpo não era uma máquina, e que ela precisava de pausas de vez em quando, assim como todos. Mas ali, com uma pistola em seu rosto e uma missão em mãos, ela se recusava pensar naquilo; não podia parar agora para um descanso. É claro que ela não morreria ali. Não daquela forma, nem pelas mãos daquele homem.

Então, em um movimento rápido, ela pegou a pistola das mãos dele e o empurrou para trás com um chute na barriga. Ela não iria desistir.

Ele não esperava que ela continuasse a lutar, e regrediu alguns passos. Ela girou suas laminas, removendo-as do braceletes e deixando-a em suas mãos, e se posicionou para lutar com ele mais uma vez. Foi quando ele revelou seu pequeno segredo; ele também tinha laminas ocultas. Que conveniente!

Ele preparou-se para a luta também.

Emma grunhiu e avançou, fazendo o primeiro movimento, que ele bloqueou habilidosamente. Eles tentavam acertar um ao outro com suas armas, mas ele bloqueava cada movimento dela, e ela bloqueava os dele. Parecia que não teria fim. A luta lembrou a Emma do treinamento dos recrutas. O bom e velho combate com apenas lâminas, dependendo apenas em seu reflexo, instinto e habilidades.

Não estava fácil lutar obrigada a se equilibrar em um telhado tão inclinado, e uma pequena vacilada das pernas de Emma foi o que a condenou. Uma das telhas não estava bem presa, e Emma desequilibrou-se, dando a seu oponente a chance de acertar-lhe em cheio no nariz. Foi bastante pessoal, como se estivesse se vingando pela joelhada de antes. Ela caiu nas telhas e deslizou até o fim, e quando desabou do telhado à grama, caiu bem em seu ombro.

Emma vociferou de dor, sentindo como se seu ombro de repente estivesse em chamas. Fechou os olhos bem apertado e cerrou os dentes, apertando o braço como se aquilo fosse ser útil de alguma forma. Ela sentia nitidamente seu osso fora do lugar, e era terrível.

Quando abriu os olhos novamente, viu o homem pulando do telhado e pousando suavemente em frente a ela, e se abaixou, segurando-a pela gola da blusa, tocando sua lâmina em seu pescoço. Ela podia ver seu rosto quase perfeitamente. Tinha cílios longos, e olhos constantemente hesitantes. Emma perguntou-se por que.

Ela apenas pode segurar seu pulso com o braço bom, e tentar miseravelmente tirar a adaga de sua garganta. Então, em um movimento quase insignificante, os olhos dele se desviaram para a mão de Emma que segurava a sua. Ele não havia notado as lâminas?, Emma perguntou-se, mas não era isso que ele chamara a atenção de seus olhos.

Ele olhava para o desenho esculpido em seu bracelete de couro escuro – a Insígnia Assassina, decorada com curvas florais. Seus olhos ficaram ainda mais confusos, como se tentasse processar a informação, e como se aquele símbolo realmente significasse algo a ele.

A manga solta da blusa cobria uma parte do desenho, mas ele a puxou para baixo, extremamente interessado no símbolo. Então, ele ergueu os olhos e a encarou, perguntando, incrédulo:

— Você é uma Assassina?

— Já basta— Uma voz ecoou da parte da frente da casa, provavelmente da entrada, e uma sombra se aproximou. Uma voz baixa, mas firme e autoritária. – Os dois. Connor, solte-a.

Então, o nome do homem era Connor. Ele a soltou imediatamente com aquele comando, e Emma o empurrou com a mão do braço intacto. Ele se levantou e se afastou de costas, mantendo-se alerta enquanto Emma lutava para se levantar. Seu nariz sangrava, e o cheiro a estava dando dores de cabeça.

Connor cruzou os braços, assumindo uma posição arrogante. Ela desejou estar em melhores condições para pedir uma revanche, mas a outra presença ali a distraiu.

Um homem velho olhava para ambos, apoiando-se em uma bengala tão velha quanto ele. O chapéu surrado preto cobria o cabelo provavelmente grisalho, e tinha uma barba rala sobre as bochechas. Os olhos sábios fitavam o rosto de Emma com curiosidade.

— Connor, puxe o braço dela – comandou, apontando para Emma com a bengala.

Connor deu um passo para frente, hesitante.

— O que? – Emma questionou, dando um passo para longe dele em resposta. Connor estendeu a mão, mas ela se esquivou. – Não me toque.

— Seu ombro está deslocado – Explicou com um tom insistente, mas não animado.

Emma estreitou os olhos, como se tivesse medo de que ele de repente a desse uma rasteira, mas colocou lentamente a mão na dele. Connor disse que segurasse na coluna branca que segurava a sacada, e ela o fez.

Ele então deu um forte puxão e houve um estalo alto. Emma abriu a boca para gritar, mas a pontada fora tão dolorida que nenhuma palavra saiu. Seus olhos lacrimejaram e ela socou a coluna.

— Devo agradecer por isso? – perguntou.

— Talvez – Connor a soltou.

De fato, a dor diminuíra, mas mexer o braço ainda não era confortável. Os olhos rápidos de Emma alternavam entre Connor e o velho.

— Quem são vocês? – perguntou ela, encostando-se à coluna.

— Acho melhor você responder a essa pergunta, minha jovem – disse o velho, erguendo uma sobrancelha branca para ela, e olhou para os corpos dos guardas mortos, a alguns metros dali.

Emma suspirou.

— Ele já brilhantemente deduziu – Ela fez um movimento de cabeça para Connor. – Sou uma Assassina. Meu nome é Emma.

— Emma – repetiu o velho, assentindo. – Bem, eu sou Achilles Davenport. Connor você já conheceu. Não se preocupe, você está entre amigos.

— Claro que estou – respondeu, irônica. – Obrigada pelas ótimas boas vindas, Connor.

Ele estreitou os olhos, impaciente. Se Emma continuasse com aquilo, o resultado talvez não fosse tão amigável.

— Deveria ter dito quem era, como pedi – disse ele.

— Chama aquilo de pedido?

— Emma – Achilles chamou a atenção dela novamente, erguendo a mão. – Falo sério quando digo que está entre amigos. Somos parte da Ordem também, e esta casa servia de quartel general das colônias, minha casa. Sou um mentor, e dono desta propriedade. Mas terá de dizer se há algum motivo especial para estar aqui.

Emma ergueu as sobrancelhas. Quem diria? Quais eram as chances de ela esbarrar ali? Ela ouvira da base dos Assassinos nas colônias, mas vista de perto, não parecia muita coisa, na verdade. De qualquer forma, Emma não estava ansiosa para falar de sua missão, então simplesmente disse:

— Eles estavam atrás de mim – ela gesticulou para os cadáveres dos casacas-vermelhas. – Invadi um forte e eles me perseguiram até aqui.

— Invadiu um forte? Para que finalidade?

Tantas perguntas!

— Tinha de recuperar um prisioneiro, um espião de Sam Adams.

Os olhos de Achilles então brilharam de compreensão e surpresa. Ele ficou alguns segundos em silencio, provavelmente pensando no que dizer, então concluiu:

— Você foi mandada atrás do Diamante?

Emma ficou mais surpresa ainda. Franziu o cenho e desencostou da coluna, se aproximando. As chances de aquilo acontecer eram ainda menores. Não era possível.

— Como sabe de minha missão?

Ele suspirou, e deu um sorriso cansado, olhando em volta. Um vento gelado agora começara a soprar pela colina, e as árvores sussurravam quando tocadas por ele. Emma olhou para Connor, que parecia tão confuso quanto ela.

— Está esfriando – disse Achilles. – Por que não entra?

A casa era sem dúvidas mais aconchegante que o frio de fim de outono lá fora. Emma foi guiada direto para uma espaçosa sala de estar, mas conseguiu ver um pouco da casa. Um enorme candelabro balançava levemente acima da porta de entrada, e havia apenas um corredor no centro, com quatro portas e uma escada que levava ao segundo andar. Uma tapeçaria velha cobria o piso de assoalho, e haviam alguns quadros nas paredes. Emma se deliciou ao sentir um cheiro agradável de comida vindo do fim do corredor. Ela não percebera como estava com fome.

A sala estava quente devido ao fogo na lareira, e não possuía muitos móveis. Apenas duas estantes, sofás e uma mesa com uma bela águia empalhada sobre ela, o símbolo dos Assassinos, congelada para sempre em um imponente voo. A casa em si tinha um aspecto triste, mas trouxe a Emma lembranças de seu próprio lar.

— Achilles, do que isto se trata? – Connor perguntou, impaciente, quando entraram no aposento.

Achilles suspirou e se sentou aliviado no sofá.

— Três anos atrás eu recebi uma carta de Londres – começou ele, com a voz arrastada e cansada, como se já houvesse contado aquela história antes. – Era do conselho dos Assassinos Ingleses, seus mestres, pedindo que qualquer informação concreta sobre o paradeiro do Diamante de Kalista ou de Eberus Fitzgerald. Estavam contatando cada base dos Assassinos, mandando cartas para cada canto do mapa em busca da joia. Inclusive para cá.

Emma sabia bem daquela história. Os três anos de espera por qualquer informação sobre o Diamante. Os três anos que, para ela, pareceram durar milênios.

— Então, alguns meses atrás eu vi Eberus em uma viagem a Nova York – Achilles continuou, no mesmo ritmo lento. – Quem você acha que mandou Sam Adams enviar uma resposta aos mestres assassinos? Ele parecia feliz em ajudar, o que foi bom. Não tenho mais idade para investigações.

Emma ergueu as sobrancelhas e se se encostou à mesa que continha a águia. Ela deveria ter deduzido tudo aquilo. Talvez se houvesse dedicado um pouco de seu tempo a pensamentos, poderia ter lhe poupado seu ombro dolorido.

— Por que não me disse isso? – Connor resmungou em um tom alto. Emma ficou abismada ao ver como ele parecia ser rude com Achilles, um mentor, mais velho que ele. – Eu poderia ter resolvido isso. Não precisavam tê-la mandado.

O tom dele deixou Emma ofendida, mas Achilles falou primeiro.

— Estava focado em sua missão. Não era seu fardo a carregar.

— Não é tão simples quanto você imagina – Emma disse, cruzando os braços. – Se tudo fosse tão fácil já teríamos encontrado o Diamante muito tempo atrás. De qualquer forma, é por isso que estou aqui. Não era isso que você queria tanto saber?

— Esse Diamante seja lá o que for, não está aqui – Retrucou ele. – Não na fazenda. Então não há necessidade de atrair mais guardas para cá.

— Não se preocupe – ela desviou o olhar para a porta. – Não vou ficar muito tempo.

— Ótimo.

Emma revirou os olhos, irritada. Por que ele a provocava tanto? Teria sido o chute, ou a rasteira?

— O diamante é um pedaço do Éden, Connor – Achilles olhou para a lareira, apoiando-se debilmente à sua bengala. – Um poder antigo e complexo, mas uma mente brilhante como a de Eberus não se demorará a descobrir seus segredos.

— Mas... Pensei que a Maçã...

— É pior que a Maçã – Achilles afirmou. Ele claramente sabia muito sobre o objeto. – Sendo a fonte de seu poder, apenas traz o triplo de problemas. É um objeto perigoso e traiçoeiro. Engana as pessoas até que não haja mais nada dentro delas, apenas ódio e ganância – Achilles levantou-se e mexeu aleatoriamente nas madeiras na lareira, fazendo algumas brasas voarem para fora. – Por essa razão e outras, ninguém foi capaz de mantê-lo como posse por muito tempo, e foi escondido do mundo por nossa Ordem muito tempo atrás. É uma fonte de destruição e caos.

— Fizeram um bom trabalho protegendo-o – Connor murmurou, completamente insolente e sarcástico.

Emma, ainda mais furiosa, virou-se para ele, pronta para dizer algumas palavras nada educadas, mas Achilles ergueu a mão antes que ela pudesse pronunciar a primeira sílaba.

— Já não importa mais – Disse, interrompendo uma discussão demasiada infantil que provavelmente duraria alguns minutos. – Águas passadas. Há outras prioridades. E quando Eberus finalmente descobrir o poder do Diamante, o trabalho de vocês não ficará mais fácil.

Nosso trabalho? – Emma disse, confusa. – O que está sugerindo?

— Acima de tudo, não pode continuar sozinha. É um caminho imprevisível o que está andando. Precisará de toda a ajuda que conseguir – Disse, gesticulando para a sombra encostada na parede no canto mais escuro da sala. – Connor irá com você amanhã para Boston. Duas mentes pensam melhor que uma.

Emma e Connor discordaram imediatamente. Claramente, a única coisa que concordavam era que não queriam passar mais tempo juntos. De repente, a missão de Emma se tornara missão de todos, e aquilo a irritava.

— Eu não preciso de ajuda – Emma falou, virando-se para a águia empalhada, tão orgulhosa quanto ela. – Meus mestres concordaram que eu era capaz de progredir sozinha, e eu vou fazê-lo.

— Não – Connor se encostou à parede, claramente insatisfeito e decidido. 

— Chega – Achilles olhou para ambos. Era impressionante como não perdia a paciência. – Essa causa está acima do capricho dos dois, e estamos sem muitas opções. Não é por mera coincidência que nos chamamos uma Irmandade. Prezamos a aliança e a amizade para a conclusão de nossos objetivos. É o que nos torna fortes. Ou já se esqueceram disso?

Emma cruzou os braços e se virou para a janela. Sentia-se como uma criança. Ela não gostava daquela ideia nem um pouco, mas a sabedoria de Achilles era praticamente incontestável. Por mais que Emma fosse teimosa e orgulhosa – características que adquirira de seu pai – ela não podia negar que ele estava certo. Além do mais, ele ainda era um mestre Assassino, e Emma lhe devia obediência. Então ficou quieta.

— Muito bem – Achilles murmurou, dando a volta no sofá empoeirado, claramente satisfeito por ter conseguido que ambos ficassem calados. – Passe a noite aqui, Emma. Ao raiar do sol, vocês partem para Boston.

A sala ficou em silêncio por alguns segundos, a não ser pelo estalar da madeira em chamas na lareira. Tudo estava sendo muito diferente do que Emma imaginara. Uma vozinha irritante sussurrava em sua cabeça: talvez ela não houvesse encontrado Connor e Achilles por acaso. Talvez ela estivesse destinada a encontrá-los, pois se fosse sozinha, acabaria morta.

Não. Ela se recusava a escutar aquela vozinha. Sacudiu a cabeça, dissipando seus pensamentos loucos.

Então, Connor murmurou, quebrando o o silêncio:

— Vou me livrar daqueles corpos.

Ele atravessou a sala em poucos passos, visando a porta.

— Quer ajuda? – Emma sussurrou, involuntariamente.

— Não – resmungou, e saiu da casa, fechando a porta atrás de si.

Bem, ela tentou.

— Perdoe-o, minha jovem – Pediu Achilles, e Emma virou-se para ele novamente. – Ele tem passado por coisas difíceis.

Emma suspirou. Todos têm passado.

— Como o quê?

Ela sentia que não era realmente da conta dela, e aprendera a ficar fora do assunto dos outros. Mas o tom de Achilles se entristecera tão rapidamente que ela ficou curiosa.

Ele também não pareceu se importar.

— A missão que mencionei. É complicado. Havia uma ameaça templária de grande magnitude aqui. Grande parte dela foi eliminada, mas o pai de Connor é o grão-mestre. E ele ainda vive.

Emma ergueu as sobrancelhas e seus olhos se arregalaram. Ela ouvira bem? Aquilo não era o que ela imaginava. Por um momento, sua antipatia pelo assassino se dissipou, e ela sentiu um pouco de pena.

— O pai dele é um Templário? – disse, chocada.

— Um muito perigoso também. Connor vem hesitando quanto a prosseguir em sua missão, preparando-se faz meses. Mas ele não aprova o caminho que se vê obrigado a seguir.

Emma suspirou.

— Ele tem que matá-lo.

Achilles assentiu lentamente.

Emma não conseguia sequer começar a entender como algo como aquilo poderia ser. Pensou novamente em seu pai. A relação entre os dois era complicada, e apesar de às vezes sentir uma raiva irracional, Emma nunca seria capaz de tirar sua vida. Apenas a ideia de tal coisa a deixava enjoada.

— Mas vocês têm outros objetivos por agora – Achilles andou lentamente até uma mesinha de carvalho e de sua gaveta tirou um rolo de bandagens. – Aqui. Fique no quarto de hóspedes, imobilize esse ombro, e o braço também. Terão uma longa viagem amanhã; precisa estar se sentindo bem.

— Eu não sei se isso vai funcionar, Achilles – Emma apanhou o rolo e olhou para a porta, como se Connor ainda estivesse ali. – Ele não parece ser do tipo que trabalha com outra pessoa – Emma imaginou um lobo solitário.

Achilles sorriu misteriosamente e andou até o corredor. Antes de sair da sala, virou-se para Emma e murmurou:

— Tem certeza de que esse é o problema dele?

O quarto de hóspedes da mansão era grande e arejado, com duas janelas francesas que mostravam a parte da frente da casa. Ela sentou-se à cama, que possuía um belo dossel esculpido, e tirou o cinto com a bainha e suas bolsas, deixando-o na mesa de cabeceira. Desamarrou o corpete apertado e respirou fundo quando viu-se livre dele. Arrancou as botas e as chutou para o lado. Com dois meses de viagem de navio, ela se esquecera parcialmente do que era deitar-se em uma tão confortável quanto aquela.

Fechou a porta para despiu-se da blusa azul petróleo, e olhou seu reflexo no espelho, examinando o ombro. A área da clavícula, nas costas, estava bem roxa e ainda muito dolorida, mas pelo menos o osso já voltara ao lugar graças à delicada ajuda de Connor mais cedo. Mas a dor era boa. Lembrava a ela de que nunca mais deveria se esconder em celeiros novamente. Desfez o rolo e começou a enfaixar seu ombro com as bandagens, tomando o cuidado para não mexer o lugar errado. Enrolou o arranhão da bala também, que ela praticamente havia esquecido após o incidente com o ombro.

Quando terminou, sentia-se razoavelmente melhor, e vestiu a blusa novamente. Nada que uma noite de sono não resolvesse. Estava prestes a deitar-se, mas ouviu o som de passos lá fora, e guiada mais uma vez por sua curiosidade, olhou pela janela e viu Connor se aproximando da casa.

A luz da vela deve ter indicado que havia alguém ali, e ele olhou para cima, parando para olhá-la brevemente, como se estivesse refletindo se deveria dormir sob o mesmo teto que ela. Então, continuou a andar, aparentemente conformado com aquela realidade, e entrou na casa. Ela o ouviu subindo as escadas.

Ela não gostou de receber ordens de Achilles no momento em que pisou ali, mas seria como desobedecer às ordens de qualquer Mentor. Talvez ela devesse se conformar também. Os planos haviam mudado muito de repente.

Emma suspirou, desejando poder prever o futuro e saber se valeria a pena acordar no dia seguinte. Os nos próximos que viriam. Nada realmente era tão fácil quanto ela pensou.

Sentou-se na cama e com um sopro forte, extinguiu a chama da vela, deixando o quarto na mais completa escuridão.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥