O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 29
Despedidas Silenciosas


Notas iniciais do capítulo

— Disclaimer da música:

Theme of Love - Final Fantasy IV

Por Nobuo Uematsu ✔



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O carregamento dos itens guardados no armazém demorou algumas horas, e logo a manhã rompeu, iluminando as paredes arruinadas do forte. A chuva ainda estava presente, mas havia se reduzido para apenas uma garoa fina que caía de nuvens ralas, e era possível ver alguns raios do sol nascente.

Emma havia decidido esperar no Aquila, e quase no fim da noite havia se sentado ao lado do timão. No entanto, conforme a tempestade ia diminuindo, o silêncio aumentava, também devido ao fato de que todo par de mãos disponível estava ajudando a carregar as caixas de suprimentos para o Mockingjay, deixando o convés vazio. Então, quando o a luz emergiu sobre o horizonte, ela estava com a cabeça encostada no timão do navio, dormindo.

Apenas quando o sol subiu o suficiente, ela despertou com um raio de luz que escapou por sobre a balaustrada traseira do Aquila e iluminou a parte de cima de seu rosto. Instintivamente protegeu os olhos da claridade com as mãos e, quando se mexeu, viu que havia um grosso cobertor de peles sobre sua cabeça e ombros, protegendo-a da chuva fina. Removeu-o de si e o pendurou sobre a balaustrada, imaginando quem o havia colocado ali.

Era uma manhã particularmente gelada e, se ela não soubesse, seria difícil de acreditar que ainda estavam no caribe. Levantou-se, e correu os olhos pela baía. Os navios dos amigos de James estavam ancorados num porto relativamente escondido ao sul da ilha, com velas furadas e pedaços de madeira partida em sua superfície, mas de uma forma geral não estavam completamente perdidos; com alguns reparos, logo estariam como novos.

A Garganta de Calypso tinha uma magnitude maior do que Emma pudera imaginar. Durante a batalha, ela não iria ou conseguiria se concentrar em nada a não ser perseguir seu alvo, e mesmo se conseguisse, a tempestade não teria permitido. Mas agora, com a luz atravessando razoavelmente as nuvens leitosas, ela pôde ver com clareza toda a grandeza daquele lugar.

Toda a ilha era uma grande montanha que parecia ter sido arrancada do resto do continente, ostentando de uma densa e verde vegetação, de onde alguns bandos de pássaros voavam. Cachoeiras solitárias deslizavam em meio à selva, encontrando seu caminho até as encostas rochosas que marcavam o fim da montanha e se despejavam no oceano, a água doce se misturando à salgada.

O forte era maior do que Emma percebera, e havia sido construído contra a encosta da montanha. Ela havia pego um atalho pulando do mastro do Aquila até as linhas de canhões mas, para ter acesso a ele por meios normais, era necessário subir vários lances de escadas que começavam no píer. Grandes torres decoravam o alto topo da construção, e suas bandeiras templárias agora eram baixadas. Mesmo com algumas colunas de fumaça erguendo-se e com as linhas de canhoes destruídas, era uma vista muito imponente.

Dali Emma pôde ver o Mockingjay, ancorado bem ao lado do Aquila, onde havia mais movimento da tripulação. Os homens de James aparentavam estar terminando agora o carregamento, uma vez que a maioria já descansava, sentados sobre os canhões, rindo com garrafas de rum. As últimas caixas estavam sendo levadas, todas marcadas com um símbolo vermelho que Emma não reconheceu.

— De pé, uh? — Uma pergunta veio das costas de Emma, e ela se virou para encarar Faulkner, que subia as escadas. — Imaginei que quisesse descansar depois de correr por um forte inteiro em meio a disparos de cinco navios, então não a acordei. Estava dormindo tão profundamente que pensei que estivesse morta.

Emma sorriu, imaginando que o cobertor fora cortesia do velho contramestre, e virou-se para o Mockingjay novamente, encostando o quadril na balaustrada e cruzando os braços e tornozelos. Sem tantos conflitos e balas de canhão cruzando o ar sob suas cabeças, a Garganta de Calypso era um lugar bonito e muito exótico. No entanto, ela não via a hora de sair dali.

Faulkner ficou apoiado ao lado de Emma enquanto o sol subia devagar, bebendo de um cantil cujo conteúdo claramente era alcoólico, devido ao cheiro que ela sentiu. Não demorou muito, e os tripulantes do Aquila começaram a voltar para o navio, e Emma viu Connor no píer, e trocava palavras com os outros capitães, inclusive James. Akwe estava com ele, empoleirada em seu ombro.

Emma apressou-se em descer do Aquila, e os homens se viraram para ela quando se aproximou, a águia voando para seu ombro. James fez cara feia, erguendo uma sobrancelha para a assassina, cruzando os braços enquanto as gotas finas de chuva grudavam em sua barba negra que crescia cada dia mais. Ainda estava irritado.

— Aqui está ela — murmurou.

— Estávamos nos perguntando onde estava, Emma — Travis avançou um passo, e esticou a mão na direção da assassina. Ele parecia cansado, e suas roupas estavam quase em trapos, mas estava feliz. — Maurice, Gilbert e eu queríamos dizer adeus.

Emma piscou, avançando igualmente e pegando a mão áspera do homem com hesitação.

— Adeus? — Perguntou.

— Sim, ma cherie — Maurice empurrou Travis fortemente para o lado para pegar a mão de Emma antes que ela pudesse baixá-la novamente. — Por mais triste que seja, nossos caminhos não estão interligados. Meu coração se parte em mil pedaços ao pensamento de vê-la partindo sob as velas do Aquila. Viverei na esperança de que um dia a verei novamente.

Emma deu um sorriso corado, mas sincero.

— Muito poético, Maurice, obrigada — disse ela, correndo os olhos para os três. — Mas... Não voltarão conosco?

— Ficaremos aqui — Gilbert deu um passo para também pegar a mão de Emma e deixar nela um beijo delicado. — Como uma garantia de que este lugar não cairá em mãos inimigas novamente. Têm nossa eterna gratidão — ele virou-se para Connor. — Ambos. Nunca teríamos conseguido sem vocês.

— Digo o mesmo — Emma assentiu, e recuou para ficar ao lado de Connor, que havia andado para mais perto do Aquila. — Os desejo sorte, e muitas riquezas.

Um vento forte soprou, e os três deram um aceno do píer, e enquanto Emma e Connor subiam de volta ao Aquila, James cuidou de suas despedidas, as quais Emma não pôde ouvir. Pisaram no convés do navio novamente, e Connor ergueu os olhos para falar com Faulkner, que estava encostado no timão, ainda bebericando de seu cantil.

— Sr. Faulkner, estamos indo para Boston, siga com velas cheias para aproveitar o vento — disse, mas nem se deu o trabalho de subir as escadas até o timão. — Vou pedir que guie o Aquila desta vez, se não se importar.

Emma avançou para seguir Connor, que entrara em sua cabine. No entanto, antes de entrar, olhou para trás e viu James rindo com seus companheiros, esbaldando-se no pensamento de que eram homens mais ricos, agora. Ela sorriu; eles eram amigos, apesar do que James havia dito na fazenda. A entristecia em saber que talvez nunca mais os visse novamente. Akwe deu um alto ganido e abriu as asas, como se se despedisse também. Então, devagar, a assassina entrou e fechou a porta atrás de si.

Estava mais quente lá dentro, e ela baixou o capuz, deixando os cabelos caírem sobre os ombros. Estavam mais secos e haviam voltado à cor marrom avermelhada. Akwe subiu em seu poleiro de madeira. Emma retirou seu robe úmido, deixando o colar presenteado por Ko’kuo pender sob seu peito. Sentiu o navio começar a se movimentar sob seus pés. Estavam zarpando.

— Encontrei documentos sobre o Destruidor, o navio de guerra de Phillips — Connor deixou alguns papéis sobre a escrivaninha, entre eles o mapa onde Emma desenhara, os desenhos dos artefatos do Éden. — Foi comprado no leilão, em Nova York, na noite em que você encontrou Rugus, e de acordo com eles, foi meu pai quem pagou por ele.

Emma ergueu os olhos para ele, preocupada, mas não muito surpresa. Havia pendurado o chapéu no encosto de sua cadeira, e agora removia as vestes, colocando-as num mancebo perto da janela, onde seus robes de assassino estavam, e ficando apenas com a calça, botas e a blusa fina de linho. Sua expressão manteve-se estática, como acontecia todas as vezes em que Haytham era mencionado.

— Acha que o encontraremos no Norte? — Perguntou em um tom baixo.

— Não sei — ele não olhou para Emma quando respondeu, e removeu suas lâminas ocultas, deixando-as em uma gaveta na mesa. — Se estiver lá, ele morrerá.

Emma suspirou, baixando os olhos para os papéis. Sob alguns deles, encontrou o documento do qual ele falava; um documento de compra e posse. O Destruidor, pago em dinheiro por Haytham E. Kenway, colocado em nome de Ronald A. Phillips. Quando olhou Connor novamente, ele também observava o papel nas mãos dela. Emma o baixou, colocando o mapa sobre ele.

— O navio foi destruído, ironicamente — comentou ela, dando a volta na mesa para pousar a mão de leve em seu rosto cansado. — Porque não descansa? Durma um pouco, foi uma longa noite. Deve estar exausto — sentou-se então na cadeira do capitão, esticando-se para pegar o desenho do Diamante.

O assassino não protestou, e foi até sua cama em silêncio, deitando-se, colocando o braço atrás da cabeça. Emma sentiu seus olhos nela por alguns minutos, antes de ela ver, pelo canto dos olhos, que ele havia adormecido. Contemplou então primeiro o desenho, depois o resto dos papéis em cima da mesa. Teria tempo de sobra para ler tudo; a viagem seria longa.

***

James havia ficado em Boston quando aportaram na cidade, e afirmara que iria cuidar para que os mantimentos recuperados iriam para seus devidos donos com segurança. Apesar de estar irritado por Emma ter arriscado sua vida mais que o necessário, o abraço em que ele a segurara fora longo.

"Eu pediria para que você fique longe de problemas, mas sei que é completamente inútil", dissera ele, soltando-a e deixando um beijo singelo em sua testa. "Eu os verei logo, no entanto. Tente não morrer até lá, sim?"

O Aquila aportou, sozinho, na baía, pouco depois da saída de Boston. As colinas da fazenda Davenport pareciam as mesmas – apesar de parecerem cobertas por uma camada mais grossa de neve do que antes — mas isso não impediu que Emma sentisse todo o aconchego daquele lugar envolvendo-a. Passara pouco mais de uma semana fora, e fora o suficiente para fazer com que ela sentisse a falta dali.

Emma sabia que seu objetivo estava próximo e, sem mesmo perceber, ela se despedia de tudo e todos. Assim como todas as vezes, levaria um tempo até que o navio estivesse pronto para uma nova viagem, e durante esse tempo a assassina aproveitou os poucos dias de quietude que poderia se dar ao luxo.

“Eu sei que você gosta de se aventurar por aí“, comentou Emma, numa tarde gelada, enquanto ajudava Maria a cuidar do filhote de Akwe, o qual ela havia amorosamente nomeado de Apolo. Ambas estavam sentadas em um tronco úmido em frente à casa de Ellen. “Eu era do mesmo jeito quando tinha sua idade. Mas essas florestas são traiçoeiras para uma garotinha como você. Principalmente com o que vêm acontecendo ultimamente. Então, tente não preocupar sua mãe demais. E você precisa cuidar dele por nós; por mim e por Akwe”.

Maria colocou Apolo cuidadosamente de volta à caixa de vime, a qual Akwe observava com atenção, pousada no tronco também. A garota vestia um grosso casaco feito por sua mãe, e Ellen também havia consertado o casaco da assassina, colocando outra camada de pele de lobo. O rosto de Maria se entristeceu, e Emma a estudou cuidadosamente por baixo do capuz.

“Por que sinto que está se despedindo? “ O tom da garotinha era triste.

Na hora, Emma não soube o que dizer.

Dois dias depois, se encontrava na biblioteca de Achilles, ajudando-o a organizar sua enorme coleção de livros empoeirados, e guardando os desenhos dos artefatos do Éden dentro dos respectivos livros que tratavam do assunto. Ficaram em silêncio durante a maioria do tempo. No entanto, Achilles parecia ler a mente de Emma.

“Percebi que esteve passando um tempo com as pessoas da fazenda, até mesmo com um velho como eu”, dissera ele enquanto tirava a poeira de um de seus livros. “Imagino que sinta que sua jornada esteja próxima de um fim.”

Emma apenas sacudira a cabeça. “Veremos qual fim este será.”

No entanto, no fim daquela semana, Emma sentira uma vontade repentina de ficar sozinha, e sabia o local perfeito para fazê-lo. Num fim de tarde nublado, saiu da Mansão após avisar Achilles onde ia, levando Akwe consigo, e foi para a floresta. Sabia que caminho seguir, e os guerreiros da tribo ainda estavam por lá, então duvidava que algo pudesse dar terrivelmente errado.

↓ Música ↓

< Connor >

Não surpreendera Connor quando ele seguira Emma no fim da tarde e vira que ela fora novamente ao penhasco onde ele a levara algum tempo atrás. Descobrira onde ela fora quando perguntara a Achilles. Ele permaneceu longe, sentando-se sobre uma pedra e cruzando os braços enquanto a fitava.

Ela parecia tão pacífica; qualquer um que a olhasse ali, sentada enquanto respirava o ar frio, imaginaria que era parte daquele cenário. Emma não apenas olhava a paisagem, ela a enxergava. Provavelmente estava deixando seu espírito dizer adeus àquelas colinas. Apesar do que ainda se encontrava à sua frente, Connor sabia que logo o coração de Emma descansaria.

Ele não podia fazer tal afirmação sobre si mesmo.

< Emma >

Apesar de o vento estar ficando cada vez mais forte, Emma se sentia confortável ali, principalmente sabendo que Connor a observava. Após respirar fundo, virou-se, ainda sentada, e lançou um sorriso a ele. Estava em silêncio, parado em uma pedra, de braços cruzados.

— O que está fazendo? — Perguntou ela.

Connor não respondeu por um segundo, então deu um sorriso fraco e torto, andando devagar até Emma logo depois. Sentou-se bem ao lado dela, esmagando a grama congelada sob si. Ela se aproximou mais dele; o calor que seu corpo exalava era extremamente reconfortante.

— Estava perdido em meus pensamentos — respondeu, finalmente, cruzando as pernas e apoiando suas mãos em seus joelhos.

Emma ergueu os olhos para corrê-los por Connor; suas sobrancelhas estavam franzidas enquanto ele fitava a paisagem, como ela estivera fazendo anteriormente. Ele parecia ansioso, de certa forma, talvez até mesmo um pouco desapontado, então Emma sussurrou:

— O que te incomoda?

Novamente, Connor levou alguns segundos para falar. Tomou uma grande quantidade de ar para dentro de seus pulmões, e então baixou os olhos para suas próprias mãos. Queria que ele olhasse para ela, mas ele não o fazia, por algum motivo.

— Seu retorno para a Inglaterra — confessou, em um murmúrio levemente irritado.

Emma piscou algumas vezes, atônita, e após um breve suspiro, baixou os olhos também. Havia se dedicado a despedir-se das pessoas que conhecera ali, mas se esquecera de Connor. Acostumara-se tanto com a presença dele a seu lado, que talvez, por dentro, ela não notara que despedir-se dele seria uma tarefa um tanto árdua.

— Quando recuperarmos o Diamante, terei que levá-lo de volta — afirmou ela, tocando a grama e sentindo as gotas geladas nas pontas de seus dedos. — Não posso confiar essa tarefa a mais ninguém.

— Sei disso — murmurou ele de volta. — No entanto... Algo acontece, e eu não sei explicar o que é. É difícil.

Emma franziu as sobrancelhas, ainda fitando a grama. Achou peculiar a forma como ele disse “algo acontece”, e não “algo aconteceu”. Seja lá o que for, ainda o estava deixando aflito naquele preciso momento.

— O que é? — Perguntou ela.

Pelo canto do olho, ela apenas o vir mexer a cabeça negativamente, reafirmando o que dissera sobre não conseguir explicar. Então, repentinamente, Connor se mexeu e pegou a mão de Emma na sua. Quando ela se virou para olhá-lo, ele colocava a mão dela sobre seu peito. Ela sentiu, então. Seu coração palpitava num ritmo acelerado, bem embaixo da palma de sua mão.

Ergueu os olhos para ele, e viu algo que nunca havia testemunhado antes daquele momento. Ele estava vulnerável; sua expressão expunha todas as desventuras de sua alma em um único olhar entristecido e inconsolável. Era como se ela olhasse através de uma janela aberta.

— Eu não sei o que significa — Connor sussurrou, referindo-se ao batimento acelerado em seu peito. — É diferente, desta vez, uma angústia diferente. Começou quando me dei conta de que iria embora. Estou sendo egoísta, e no entanto não consigo me importar com isso.

Os olhos de Emma estavam mais abertos que o comum, enquanto a surpresa que a atingira com as palavras dele a tomava por dentro. Superficialmente, acreditava que talvez não entendesse o que ele queria dizer, mas por dentro, ela sabia que entendia perfeitamente.

— Egoísta? — Perguntou ela, mesmo assim.

— Sim. Estou sendo egoísta pois... Eu sei que não deveria, mas eu não quero que você vá.

As palavras concretizaram o que Emma imaginava; despedir-se de Connor talvez se provasse ser uma tarefa ainda mais difícil que extinguir toda a ordem Templária. Quando ele pronunciou as palavras, algo se tornou claro dentro dela também. Ela partilhava daquele sentimento, apesar de, da mesma forma, também saber que não deveria.

Uma cena do passado voltou à sua mente; a cena de uma tarde gelada qualquer, na Casa Grande, na guilda. Fora antes de sua mãe morrer, e ambas estavam organizando o arsenal no terceiro andar. Quase terminavam quando Emma, na época com treze anos, perguntara o que era o amor.

“Que coisa, Emma”, sua mãe, Sabrinna, respondera com um sorriso doce, provavelmente achando engraçado que uma garotinha de raízes assassinas a perguntasse aquilo. Ela vestia seus trajes favoritos, verde-esmeralda com uma capa cinza bordada sobre os ombros finos. “De onde veio isso tão repentinamente?”

“Kara declarou estar apaixonada por um garoto da cidade”, Emma explicara, passando para Sabrinna uma adaga, a qual ela pendurou no suporte na parede. Usava uma vestimenta branca qualquer, uma vez que ainda era estudante dos caminhos da irmandade. “Disse que nunca amara alguém como a ele. Não entendi bem o que ela quis dizer.”

“Amar é ver o nascer e o pôr do sol em uma pessoa”, Lady Sabrinna limpara com cuidado um par de espadas. “É como um cego vendo a cores pela primeira vez; derramar lágrimas de tristeza, e no entanto, transbordar de felicidade. Amar é fazer sacrifícios e lutar para que a pessoa amada nunca esteja miserável. É fazer esforços para que ela nunca se machuque, e talvez machucar-se a si mesmo neste processo.”

“Parece tolo.”

“Todos somos tolos, quando apaixonados”, Lady Sabrinna dera um sorriso ainda maior, acompanhado de uma risada discreta. “E é por isso que o amor é algo perigosíssimo, principalmente para pessoas como nós. Nós, da irmandade dos assassinos, não podemos nos dar ao luxo de sermos tolos, pois pode custar nossas vidas. Requer cuidado.”

“Então...” Emma se lembrava de ter ficado extremamente confusa. “Amar é proibido para os assassinos?”

“É claro que não. Que tipo de ideal impediria alguém de amar? O amor nos torna humanos e humildes, o que se pode esquecer facilmente com o que temos de fazer sendo assassinos.”

“Você ama meu pai?”

Sabrinna parou de guardar munições por um segundo para observar Emma pelo canto de seus olhos âmbar que se pareciam tanto com os dela. “Sei onde quer chegar”, continuara, voltando à sua tarefa. “Sim, eu o amo, e ele ama a mim. Fazemos parte do mesmo mundo. Foi seu pai quem me introduziu para a irmandade, nos conhecemos quando tínhamos sua idade. Ele me buscava em casa, e fugíamos para roubar maçãs do feirista no centro da cidade” Sabrinna de repente parecera viajar em sua própria nostalgia. “Minha família desaprovava cada segundo que eu passava com Ahberon. Tive de deixar minha casa para me casar, e conheci as profundezas obscuras da Irmandade dos Assassinos. Mas nunca me arrependi de minhas decisões.”

 

Emma inspirou profundamente, voltando ao presente, e deitou-se contra o ombro de Connor enquanto seus olhos âmbar se deleitavam na paisagem que estendia-se sob seus pés. Descansou a mão fria no braço de Connor, levemente fechando os olhos. Pela primeira vez na vida, entendia o que sua mãe dissera naquela noite; ela o amava.

Era como se o tempo houvesse congelado, bem ali, no topo daquele penhasco. Sempre ouvira a frase “a calmaria que precedia a tempestade”, mas aquilo parecia magia. O ar estava parado e Emma conseguia ouvir a respiração de Connor acompanhar o farfalhar das folhas dos pinheiros. Os lábios dela se ergueram em um sincero sorriso quando ele deitou sua cabeça na dela.

No entanto, a mente de Emma arrastou-se de volta para a realidade, e seu sorriso se desfez ao mesmo tempo em que reabria seus olhos, agora aflitos. Ela voltaria para a Inglaterra, e cairia sobre ela o dever de liderar sua guilda, uma vez que seu pai estava em seus últimos suspiros. Ela nunca mais veria Connor novamente.

O aperto da mão de Emma no braço dele se intensificou, os dedos trêmulos agarrando o tecido branco. Semanas antes, tudo o que ela queria era terminar sua missão; desprezava os segundos que tinha de ficar nas colônias. Brigava e discutia com Connor, e agora mal conseguia soltar-se dele.

Emma sentiu a cabeça de Connor se afastando da dela, e percebeu que ele a olhava, e talvez tentasse entender a razão pela qual ela se segurava nele com tanto pesar.

— O que é? — Chamou, e pareceu aos ouvidos de Emma que ele se desculpava por algo. Ela percebeu que, talvez, ele já soubesse o que se passava na mente dela.

— Eu entendo o que quis dizer — Emma murmurou, assentindo devagar. — É... difícil — ela virou-se para o horizonte novamente, e a luz do sol poente refletiu na mágoa em seus olhos. — Tudo se vai, eventualmente. O sol tem que se pôr, todos os dias. Tudo tem um fim.

Aquelas palavras machucaram os ouvidos de Emma, mesmo vindas de seus próprios lábios. Ela ainda segurava o braço de Connor, e o gosto da angústia em sua boca era amargo. Seu estômago se contorcia sem cessar. Ela também não queria deixá-lo, e doía pensar naquilo.

— O sol sempre nasce novamente, no entanto.

Emma virou-se novamente, sua expressão levemente mais surpresa que antes. A frase de Connor veio direta e suave, sem qualquer tipo de hesitação, como se ele realmente acreditasse naquilo sem pestanejar. Ele ainda a observava com cautela.

— O quê? — Foi a única coisa que Emma conseguiu pronunciar.

— Você disse — continuou ele, e foi sua vez de virar-se para o pôr do sol. — Tudo tem um fim, sim. Mas o fim também pode significar um novo começo. O sol se põe, mas ele renascerá novamente em um novo dia.

Um brilho tomou os olhos de Emma, e os lábios dela tremularam enquanto ela ficava de joelhos ao lado dele e lançava seus braços ao redor de seu pescoço, abraçando-o. Ela sentiu-o suspirar profundamente enquanto envolvia-a pela cintura e enterrava o rosto em seu cabelo. Seus corpos pareciam um encaixe perfeito um do outro; Emma nunca se sentira tão... em casa.

Se afastou um pouco dele para olhá-lo nos olhos, e ele retribuiu o movimento. Marrom no âmbar. Os olhos dele sempre foram fonte de grande admiração por parte dela, principalmente tão de perto. Eram profundos e cheios de emoções, a encantavam sempre que cruzavam olhares. Sem perceber, Emma moveu as mãos, correndo-as lentamente do peito de Connor até seu rosto. Após baixar o capuz do assassino, correu o polegar pelos lábios dele antes de juntá-los aos dela.

O ar começou a se movimentar, soprando em um vento gelado, e um arrepio percorreu a pele de Emma enquanto ele se inclinava para trás, apoiando-se nos cotovelos, e deixava que ela se deitasse sobre ele enquanto se beijavam. Seus lábios dançavam juntos numa sincronia lenta e doce; era uma conexão tão forte que Emma sentiu que se desfazia a cada segunto. Era tão simples, ela apenas não havia enxergado antes, algo pelo qual se condenava. Não havia tido muita experiência com aqueles sentimentos, além do que sua mãe havia lhe contado, ela também não entendia muito o significado deles. No entanto, tudo ficara extremamente claro, naquele breve momento; aquele homem a havia feito conhecer o sentido de amar.

No entanto, só tornava tudo ainda mais difícil. O coração de Emma se desfez em frangalhos quando ouviram, ao longe, o sino tocando na baía da fazenda Davenport. O navio havia sido consertado, pronto para viagem. Os lábios trêmulos e agora avermelhados de Emma se separaram dos de Connor, e descansou sua testa na dele, ambos de olhos fechados. Sabiam que logo haveria um adeus, mas nenhum dos dois ousava proferir as palavras.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥