O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 25
Problemas Paternos


Notas iniciais do capítulo

Disclaimer da música:

Speck of Dust - Assassin's Creed 3
Por Lorne Balfe ✔



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↓ Música ↓

Os pesadelos de Emma não a incomodavam havia tanto tempo que ela acreditava que eles a teriam deixado em paz de uma vez por todas; seu sono havia sido silencioso e talvez até mesmo pacífico pelas últimas semanas. Mas é claro que aquilo não duraria muito tempo, e ela deveria ter previsto isso. E, naquela noite, isso se concretizou.

No entanto, este fora diferente dos anteriores; ela se encontrava na beira de um precipício, contemplando a queda de vários metros que se abria sob seus pés descalços. Estava nevando, e ela percebeu então que usava apenas uma saia longa de um tecido empoeirado e um corpete de couro velho, e essa falta de vestimentas fazia com que o ar gelado cortasse sua pele como afiadas agulhas invisíveis.

Então, tão repentino quanto um relâmpago numa tempestade, vários feixes ondulantes de luz dourada explodiram da escuridão do abismo, cegando Emma e forçando-a a desviar os olhos daquele brilho forte. Mas uma voz distante, vinda lá debaixo, fez seus sentidos se aguçarem.

— Emma? — Alguém a chamou, e ela sabia bem de quem se tratava.

A assassina virou-se novamente para o penhasco, as sobrancelhas franzidas e os cabelos marrom-avermelhados esvoaçantes.

— Pai? — Ela chamou de volta, e sua voz se perdia em meio à ventania.

Não houve outra resposta de imediato, e Emma abraçou-se para tentar conter o frio, dando um passo em direção à queda, os pés nus enterrando-se em vários centímetros de neve. Então, vindos de trás dela, uma revoada de corvos atingiu-a pelas costas e a força das várias aves a empurrou para frente, em direção ao buraco.

Emma fechou os olhos, mas ela não se sentiu caindo; ela estava caída de joelhos, com as mãos apoiadas em algum lugar frio e liso como a superfície congelada de um lago. Devagar, ela abriu os olhos assustados e viu que estava parada sobre os feixes de luz dourados, como se um chão invisível a estivesse impedindo de cair, e sua respiração o deixava levemente embaçado.

Deixando-a ainda mais aflita, em meio ao brilho, uma imagem de repente começou a se formar naquele espetáculo horrível de luzes. Embaixo de Emma, como se estivesse espiando por trás de uma fina cortina de seda, ela viu uma imagem apagada de seu pai, pálido e doente deitado em uma cama sob várias camadas de cobertores.

— Emma? — Ele chamou, sua voz débil e infeliz. 

— Pai — Emma sussurrou, e sua visão ficou bloqueada pelas lágrimas. — Eu sinto tanto...

— Eu sinto tanto — ele repetiu suas palavras como um eco macabro. — Será que você pode me perdoar?

Emma apertou os olhos, e começou a socar o vidro com todas as suas forças, e as lágrimas que escorriam de seus olhos como rios solitários atingiam a superfície que a separava de seu pai, formando uma pequenina poça salgada de tristeza. Suas mãos doíam devido à força que ela usava.

— Pai! — ela gritava, ainda esmurrando o vidro com ambas as mãos, emitindo um som abafado. — Por favor, não me deixe!

A imagem abaixo, então, começou a se dissipar em uma névoa sinistra, e o próximo soco de Emma na superfície gelada foi o último. O vidro repentinamente partiu-se e ela finalmente caiu. Enquanto sentia o vento colidir com toda a superfície do seu corpo, Emma ainda chorava, e as lágrimas flutuavam acima dela, até que, lá no fundo, Emma sentiu-se colidir com algo que parecia água.

O gelado a envolveu, mas ela não se sentia molhada; deixou-se afundar na escuridão, vendo as bolhas de ar subirem, esperando atingir um fundo que talvez nem existisse. O ar foi escapando de seus pulmões, e ela arregalou os olhos, abrindo a boca e tentando respirar, mas o ar simplesmente não existia ali.

POV Connor

Connor havia acendido a lareira de seu quarto para garantir à ele e Emma uma noite mais confortável de sono, e estava sentado no chão em frente ao fogo, observando as chamas lamberem a madeira enquanto o usual silêncio da casa era quebrado pela tempestade de neve que assoviava lá fora. Estava sem seus robes e armas, e o calor interno do quarto era bem vindo.

Emma havia chegado havia alguns minutos, lhe dando boa noite e deitando-se logo em seguida. Ela parecia exausta, e seus olhos, que pareciam duas pedras de âmbar, estavam mais tristes do que ele jamais havia visto, como se uma tempestade houvesse se iniciado dentro dela também. E ele, acima de qualquer um, entendia perfeitamente.

Connor virou-se e ergueu a cabeça de leve para observá-la, dormindo em sua cama. Ela sempre o lembrava um filhote de beija-flor enquanto dormia, encolhida aconchegadamente em meio às cobertas, protegendo-se do frio. Suas bochechas estavam levemente rosadas enquanto abraçava o travesseiro.

Ele sorriu de leve, e levantou-se do chão, mexendo os ombros largos para relaxar a musculatura, pronto para se deitar no sofá e se preparar para o dia que logo amanheceria. Mas um som erguendo-se em meio à tempestade o fez repensar seu próximo passo.

Era Emma, e Connor virou-se imediatamente para ela. Sua respiração acelerou-se a um ritmo descontrolado; ela havia aberto a boca, tentando desesperadamente respirar, e os dedos apertavam o travesseiro tão fortemente que suas unhas poderiam rasgar o tecido.

— Emma — ele murmurou, dando a volta no sofá e indo até ela. Aquilo deixava mais do que claro que ela não estava dormindo tão pacificamente quanto ele pensava, e ele não estava surpreso. Muito havia acontecido.

Connor segurou os braços de uma Emma cuja respiração piorava a cada segundo, até mesmo enrouquecendo um pouco. Ele a chacoalhou, e depois segurou seu rosto com cuidado.

— Emma, acorde! — chamou.

A respiração dela, então, sem que ela abrisse os olhos, se normalizou, mas ela mordeu os lábios e os cílios longos ficaram molhados. Connor suspirou, e sob as mãos dele, ela finalmente o viu ali, seu olhar cheio de medo e pesar.

— Emma — ele sussurrou.

Ela colocou sua mão sobre a dele, e uma lágrima solitária percorreu o caminho do canto dos olhos dela até o polegar dele. Connor não queria mais se sentir impotente, apenas assistindo ao sofrimento dela; tudo o que ele queria era que sua alma se acalmasse.

— Mexa-se — ele pediu, sentando-se ao lado dela na cama.

Emma mexeu-se para o meio da cama, e observou com os olhos úmidos e sem vida enquanto ele puxava as cobertas para o lado e se encostava na cabeceira.

— Vou ficar aqui — ele prometeu, observando-a de cima. — Não se preocupe.

A assassina deu um suspiro trêmulo, e timidamente aninhou-se no peito dele, fechando os olhos, fazendo as lágrimas caírem. Ela parecia tão fragilmente vulnerável ali que seu rosto parecia poder se quebrar em diversos pedaços a qualquer movimento ou até mesmo um fraco suspiro, como uma delicada boneca de porcelana.

Quase inconscientemente, Connor ergueu sua mão e a deslizou pelos cabelos soltos de Emma, e a envolveu-a, a segurando apertado. Um peso enorme parecia ter ocupado o lugar onde seu coração estava, e um suspiro longo escapou por seus lábios enquanto ele tentava aliviá-lo, sem sucesso.

Logo, a tensão nos membros de Emma se foi e os músculos de seu pequeno rosto corado se relaxaram; Connor então soube que ela havia adormecido novamente. Fazendo movimentos leves para não despertá-la, ele deitou-a de volta no travesseiro, e logo depois deitou-se também, deixando seus rostos no mesmo nível para que ele pudesse olhá-la de perto.

O que essa mulher estava fazendo com ele? Ele conseguia entender que ela havia quebrado suas defesas por completo; ele não tinha de fingir nada ao seu lado. Mas apesar de aquele sentimento ser de extrema magnitude, era tão novo aos olhos dele que ele sabia tampouco nomeá-lo.

No entanto, ele não queria que cessasse; ao mesmo tempo que colocava o peso de mil navios em seu peito, também gerava um tipo de satisfação que ele nunca havia sentido antes. E era bom. Era como deitar-se na floresta e ouvir o vento deslizar por entre as folhas das árvores; deitar-se na colina até que apenas as nuvens estivessem em seu campo de visão, ou como o roçar da água do rio entre as pedras. Era como um fio de luz do sol saindo timidamente através de nuvens de tempestade.

Paz. Ela o havia dado paz.

Connor aproximou-se, e encostou sua testa na de Emma ao mesmo tempo que também fechava os olhos. O silêncio reinou novamente, enquanto o assassino, que assistia de perto suas muralhas sendo derrubadas, também adormecia, e a tempestade continuou a vestir a casa com seu manto branco até o dia raiar.

Emma POV

Já amanhecera, mas havia quase dez minutos que Emma encarava o teto do dossel da cama de Connor em silêncio. Dali, ela conseguia ouvir o relinchar dos cavalos, e algumas conversas lá fora, abafadas pelas paredes ao seu redor. No entanto, sua mente estivera vagando, como pássaros no verão.

Virou-se devagar na cama, correndo os olhos pelo espaço vazio ao seu lado. Deslizou os dedos compridos pelo lençol, sentindo-o ainda morno de uma presença que não estava mais ali, mas da qual ela definitivamente sentia falta, apesar de tentar lutar contra seus próprios desejos.

No entando, um vazio agora ocupava um espaço onde seu coração estava, como uma peça faltando de um quebra-cabeças. Ela se sentia levemente tonta, e seus olhos pesavam, então se levantou para deixar o sangue circular.

Enquanto vestia-se e calçava as botas e luvas, Emma mantinha os olhos no chão, apenas os erguendo quando foi pegar sua espada que se encontrava em cima do móvel embaixo da janela. Observou a paisagem lá fora, mas não se demorou, e logo estava descendo as escadas.

Uma conversa vinda da cozinha, assim como o cheiro de pão e queijo frescos, já era detectável da escada, e Emma parou sua mão a centímetros da maçaneta da porta, virando-se para olhar dentro do cômodo. Eram Achilles, e a amiga de Diana, Catherine, outra residente da Fazenda.

— O cheiro está divino, Catherine — Achilles comentou enquanto se apoiava fracamente em sua bengala, e fazia um esforço para olhar mais de perto algo em cima do balcão.

— Logo o senhor poderá experimentá-los — Catherine animou-o com um tom alegre. Ela era uma mulher robusta e com uma mão cheia para a cozinha; Emma lembrava-se das sopas que ela fizera quando a fazenda deu boas-vindas à primeira queda de neve. Mas pouco importava, agora.

Emma desviou o olhar e girou a maçaneta, chamando a atenção das pessoas na cozinha e ouviu alguém a chamando enquanto saía.

— Emma? — Era Catherine. — É você?

Mas não houve resposta por parte da assassina, e ela fechou a porta atrás de si quando saiu. Não estava com muita vontade de falar, e tudo que ela queria era encontrar Connor e perguntar quando colocariam os planos na noite anterior em ação. Ela não precisou ir longe.

Connor estava bem em frente à varanda na frente da casa, amarrando três cavalos à cerca, e seus olhos se encontraram quando Emma saiu da casa, o marrom-café no âmbar. O olhar compartilhado foi tão intenso que Emma sentiu que estavam tendo uma conversa silenciosa sobre a noite anterior.

Mas ela simplesmente desviou o olhar, pois não eram os únicos ali, e um movimento na escada distraiu-a. Ko’kuo e sua filha estavam sentadas nas escadas da varanda, e a mulher parecia bem melhor. A cor voltara ao seu rosto, onde havia um sorriso estampado, pois Akwe estava pousada em seu braço, recebendo afagos de ambas em suas penas e em seu bico afiado.

A águia folgada parecia estar tirando sorrisos das duas, e viraram-se também quando Emma surgiu, e abriram passagem rapidamente quando a assassina passou entre elas com passos pesados, indo em direção a Connor. Assim que Akwe a viu, alçou voo, fazendo as índias encolherem com o bater de suas asas, e pousou no ombro de Emma.

Apesar de o frio ainda estar firmemente presente, e de quase tudo estar coberto de gelo e neve, o sol brilhava com vigor, iluminando toda a paisagem através de um céu sem nuvens. Emma agradeceu pelo calor sutil que tocava a pele de seu rosto, e finalmente alcançou Connor, sentando-se na cerca.

Uma das éguas era Sombra, e Emma acariciou o focinho negro do animal, quando Connor disse a primeira palavra.

— Como foi o resto de sua noite?

Emma levantou a cabeça, e viu que ele a observava com cautela do outro lado do cavalo enquanto amarrava habilidosamente a sela. Não conseguiu sustentar o olhar dele por muito tempo, então voltou-se para Sombra, correndo o dedo indicador suavemente pela testa do animal.

— Sinto muito se o acordei — murmurou, sem emoção. — Outra vez.

— Não me acordou — ele revelou. — Eu ainda não havia ido dormir.

— Obrigada por sua companhia — Emma disse em um tom quase inaudível, e não conseguiu evitar que um pouco de cor viesse às suas bochechas. — Ajudou.

Connor esperou um pouco para responder, e apenas o som das amarras dos arreios da sela foram ouvidos por alguns segundos. Ele então terminou o que estava fazendo, suspirou e deu a volta no cavalo, dirigindo-se em direção à casa novamente, parando um segundo em frente à Emma e segurando seu queixo para que ela o olhasse de volta.

— O prazer foi meu — disse, acariciando a pele dela discretamente com o polegar.

Os olhos de Emma brilharam por um segundo e ela soltou um suspiro trêmulo, mas ela piscou-os, tentando voltar das nuvens. Ela queria abraça-lo, e descansar seus pensamentos dentro da segurança de seus braços, mas apenas afastou-se dele, tirando seus dedos do rosto dela. Haviam coisas a serem feitas.

 

O caminho até a vila de Ko’kuo cortava a floresta numa linha irregular e curva em direção ao norte, passando por terrenos inclinados e lagos congelados, e a temperatura parecia baixar a cada minuto que os cavalos avançavam, apesar de o clima estar bem mais favorável que na noite anterior. Akwe, como sempre, seguiu-os de longe, sempre vigilante.

Connor dissera assim que partiram que a viagem demoraria em torno de uma hora, e durante todo esse tempo, Emma manteve-se em silêncio. Connor trocava algumas palavras com Ko’kuo, que montava o terceiro cavalo com sua filha, mas a assassina estava tão distraída em seu próprio pesar que coube a Sombra manter seu passo ritmado atrás dos outros.

De vez em quando, Emma sentia-se sendo observada tanto por Connor quanto por Ko’kuo, mas ela sequer os olhava de volta, e tampouco se importava. A viagem passou rápido na quietude, então, quando se deu conta, sua égua já estava parada, imitando os cavalos à sua frente, e Emma foi obrigada a erguer os olhos por baixo do capuz que escondia quase todo seu rosto.

À sua frente, uma muralha de palha e madeira formava um círculo enorme que provavelmente protegia a vila do exterior selvagem da floresta, e de outros inimigos. Ficava na encosta de um penhasco, parecida com a vila onde Connor morara quando criança, e era tão alta que Emma teve que erguer a cabeça para ver toda sua extensão.

Voltou-se para Connor, quando ele dirigiu algumas palavras para Ko’kuo, que estava parada, escutando, mas não o olhava. Aparentemente, ela havia parado aquela pequenina caravana, e observava a entrada de sua vila com olhos escuros ansiosos.

— O que ela está esperando? — Emma murmurou, lançando vapor por entre seus lábios.

Ko’kuo falou mais algumas coisas, e Emma imediatamente olhou para Connor esperando uma tradução.

— Ela está com medo de seu pai a punir por ter se deixado entrar em tantas situações problemáticas — explicou ele. — Especialmente com sua filha.

Emma suspirou, e franziu as sobrancelhas enquanto apertava as rédeas de Sombra com força pela primeira vez desde que saíram da fazenda. Seu peito começou a esquentar-se com a frustração, e um par de olhos impacientes fitou Ko’kuo.

— Ande logo, e vá encontrar seu pai — ela lançou as palavras para a índia como um conjunto de facas afiadas, fazendo-a olhar para a assassina imediatamente. — Tenho certeza de que ele sente falta de você e da criança, e de que está preocupado até os ossos. Ele é sua carne e sangue, e apenas quer o que é melhor para você e sua filha. Ele a ama, então não há nada a temer.

Ko’kuo poderia não ter entendido as palavras, mas seus olhos se amenizando mostraram que ela sem dúvidas havia sentido o tom de voz de Emma. Ela observou e escutou com cuidado quando Connor traduziu o que Emma havia dito, e deu um pequeno sorriso para a assassina.

Emma não retribuiu o sorriso, e apenas baixou os olhos e segurou as rédeas, tocando os flancos de Sombra com os pés para que ela se movimentasse para frente, e passou por Connor e Ko’kuo com uma expressão branda demais para quem, na verdade, tinha tanto acontecendo dentro de si.

— Vamos logo — pediu ela, seguindo para a entrada da aldeia. — Não temos o dia inteiro.

Apesar da baixa temperatura, aquela pequena vila cercada emanava uma deliciosa aura de aconchego. Os grandes casebres de palha haviam sido construídos um ao lado do outro, formando uma meia lua que acompanhava parte da muralha, e no meio de tudo, uma grande fogueira crepitava e lançava brasas no ar parado. Cachorros latiam, e crianças brincavam ali.

Emma entrou no perímetro do lugar com os outros próximos a ela. Haviam pessoas ali, é claro, formando uma pequena multidão à volta da fogueira, e o murmúrio e a presença de alguns guerreiros com lanças em mão levaram Emma a imaginar que estavam organizando algo, talvez um grupo de busca por Ko’kuo e a filha.

A chegada do grupo fez com que vários olhos se virassem; alguns curiosos, outros inquietos. Os sussurros foram passando de boca em boca entre os moradores, e Emma puxou as rédeas de Sombra, freando-a a uma distância agradável do resto das pessoas, e esperou que algo acontecesse, já que não entendia uma palavra do que as era dito à sua volta.

Ko’kuo desmontou de seu cavalo com a filha quase ao mesmo tempo que uma figura emergia da multidão. Era um homem que parecia importante, trazendo no cabelo grisalho várias penas coloridas e na mão um longo cajado de madeira que parecia tão velho quanto ele; suas feições eram de extrema semelhança, e ficou evidente aos olhos de Emma que aquele era, de fato, o pai dela.

O ancião, limitado provavelmente por suas pernas fracas devido à idade, esforçou-se para correr até sua filha e neta com uma das expressões mais puras de alívio que Emma já vira nos olhos de alguém, e as tomou nos braços, dizendo a elas provavelmente palavras de afeto, apesar do tom firme.

Atrás dele, outro homem se aproximou; possuía a mesma expressão de alívio que o pai de Ko’kuo, mas era algumas décadas mais jovem. Quando seus olhos escuros encontraram os da índia, a lança que estava em sua mão foi largada ao chão, e ele também correu a seu encontro. O ancião soltou-a para que o homem a pegasse nos braços, e ele uniu seus lábios num beijo terno.

Involuntariamente, Emma virou a cabeça para olhar de relance para Connor. Ele também observava a cena em silêncio, mas seus olhos se viraram para ela quase ao mesmo tempo. Eles se observaram por alguns segundos, trocando palavras silenciosas um para o outro. Mas Emma detectou um movimento em sua visão periférica.

A breve reunião familiar havia acabado, e agora Ko’kuo e sua família observavam Emma com a gratidão tão real em seus rostos quanto o sol sobre suas cabeças. O pai deu um passo à frente, estendendo uma mão amiga para a assassina enquanto falava com ela.

Emma desceu de Sombra para pegar a mão do velho, mantendo o rosto passivo enquanto o líder da tribo continuava a falar, e Connor esclareceu-a.

— Ele disse que Ko’kuo contou-o que você a salvou — disse ele, em cima de seu cavalo. — Diz estar eternamente em sua dívida.

Emma não olhou para Connor, e continuou observando o velho que sorria tão pura e gentilmente para ela. Seus olhos moveram-se alguns centímetros, para Ko’kuo e seu marido, que segurava a filha. Era algo tão precioso que eles possuíam ali, com um valor imensurável, e Emma sentiu novamente o tão familiar aperto no coração, as garras que o penetravam e tentavam arrancá-lo de dentro do peito. Ela então foi inundada por um infeliz e amargo sentimento de inveja e medo da solidão.

O aperto de Emma na mão do ancião se intensificou e um sorriso forçado ergueu seus lábios, mas duas lágrimas geladas e indesejadas caíram de uma vez de seus olhos, sem qualquer aviso prévio que a permitiria tentar segurá-las.

O ancião, tendo seu sorriso varrido pelas lágrimas de Emma, soltou sua mão para poder tocá-la no ombro em um gesto solidário, murmurando algumas palavras suaves como algodão. Ele virou-se para Ko’kuo, como se pedisse ajuda.

A índia, atrás dele, soltou-se de seu marido para andar até Emma com passos largos e confiantes. Seu pai lhes deu espaço enquanto Ko’kuo retirava de seu pescoço um colar de couro com um belo pingente irregular de cristal que lembrava uma adaga em miniatura.

Ko’kuo abaixou cuidadosamente o capuz de Emma, revelando ao resto dos presentes o rosto trêmulo de sua salvadora, que naquele momento provavelmente não parecia nada heroico. Passou, então, o colar pela cabeça de Emma; era simples, mas ela sentiu como se pesasse uma tonelada.

A índia então, passou rapidamente os dedos pelas lágrimas de Emma, e abraçou-a apertado.

— Não... há nada... a temer — Ko’kuo sussurrou, suas palavras um fantasma do que havia ouvido de Emma não muitos minutos atrás.

Emma trincou os dentes, e com muito esforço, conseguiu erguer seus braços e afastar Ko’kuo de si, dando um passo para trás. O coração de Emma congelava junto com os galhos dos pinheiros, e tudo o que ela queria era ir embora. O pai dela disse algo, mas Emma não conseguia vê-lo; com suas mãos agora surpreendentemente estáveis, ela puxou o capuz de volta para sua cabeça. Mal sentia o chão sob seus pés, e o ar parecia ter se tornado rarefeito, mas ela manteve uma falsa compostura.

— Emma — era a voz de Connor. — Ele quer saber se há algo que ele possa fazer por nós, em um gesto de gratidão.

Ko’kuo estava voltando lentamente para sua família, quando Emma mexeu os ombros em movimentos circulares para tentar aliviar aquela tensão, e virou-se para andar de volta até sua montaria negra. Connor havia conseguido o que queria; a garota estava em casa e ele teria os guerreiros para proteger a propriedade de Achilles. Eles haviam terminado ali.

— Cuide disso — murmurou uma Emma distante, puxando-se para cima e montando em Sombra, mandando um olhar cansado e impaciente para Connor antes de seguir para a saída da aldeia. — Estou voltando para casa.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥