O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 19
Reencontro




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A casa velha de fazenda se encontrava bem onde a orla da floresta tocava uma pequena clareira, tocada pelo sol que escapava timidamente por entre as nuvens. Ainda havia um risco de fumaça saindo da chaminé de tijolos vermelhos, e quando se aproximou mais, Emma pôde ouvir o som de panelas sendo remexidas e lenha sendo queimada.

Silenciosamente, ela se ajoelhou embaixo de uma das janelas sujas de poeira e espiou para dentro da casa com os olhos grandes curiosos. Parecia muito espaçosa e seria mais bonita se fosse mais bem cuidada. Um velhinho movia-se pela cozinha lentamente com pequenos potes de açúcar cristalino, sendo ajudado por uma mulher que, pela semelhança de feições, poderia ser sua filha.

A assassina olhou em volta, encontrando um varal onde algumas roupas balançavam suavemente com a brisa que deslizava por ali, levantando um pouco da poeira do espaço que não estava coberto de neve. Uma delas era um pano comprido e negro que serviria bem de capa. Emma vasculhou a propriedade novamente e quando garantiu que não seria surpreendida, atravessou a distância e puxou o tecido do varal.

Parecia algodão, e Emma se sentiu muito melhor e mais segura quando amarrou-o na altura de seu peito, fazendo um capuz e cobrindo sua identidade. Suspirou, alívio enchendo seu peito. Sentia-se uma assassina novamente.

Quando estava se afastando outra vez da casa para seguir em frente, Emma passou em frente a uma pequena cabana de caça onde algumas peles estavam expostas ao sol fraco de dezembro. Lá dentro, um arco e uma aljava de flechas estavam encostados à porta. Emma hesitou por um segundo, olhando para a casa de onde um cheiro delicioso de carne cozida começava a se espalhar. Percebeu como estava faminta. A família lá dentro estava em melhores condições que ela; dificilmente dariam falta de um arco e algumas flechas.

Emma apanhou as armas e prendeu a aljava em volta do corpo fino e correu para longe dali. A casa logo ficou para trás, escondidas atrás de pinheiros sem folhas, e Emma tentou guiar-se pela costa, mantendo-se sempre em direção ao norte e à esquerda do mar.

O único som que a cercava era o do farfalhar das folhas e da neve sendo amassada embaixo das botas de Emma. A floresta era ainda mais silenciosa no inverno, e sentiu-se mais sozinha que nunca, apesar de Akwe acompanhá-la pelo ar a todo o momento. Emma suspirou, deixando o vapor escapar por entre seus lábios rachados. Se Connor estivesse ali ele saberia exatamente o que fazer. Os dois haviam passado a última semana praticamente inseparáveis, fazendo tudo juntos, e era estranho não ter sua silhueta alta ao seu lado, como uma presença constante. O coração de Emma pesou, e percebeu que sentia saudades dele, mais do que gostaria de admitir.

A assassina tremeu e abraçou-se, percebendo a camada de neve mais funda conforme andava. As árvores nuas não ofereciam nenhuma proteção contra o vento que ficava mais forte enquanto ela subia uma pequena colina. A floresta parecia a mesma em todas as direções, e sentia-se mais perdida a cada passo. Não haviam nem mesmo pássaros assoviando, e esquilos se escondiam em buracos nas árvores.

Quando a caminhada atingiu o tempo de quase uma hora, Emma parou para se sentar em uma pedra coberta de musgo e neve, seu peito oscilando com sua respiração desigual. Sua energia estava se esgotando; ela não comia havia quase um dia. Logo, sua visão começaria a borrar.

Então, Akwe pousou em um galho em uma árvore próxima, e Emma viu uma lebre recém-capturada em suas garras. A assassina sentiu-se ofendida.

— Imagino que não vá querer dividir isso — Emma reclamou.

Akwe continuou a despedaçar a lebre com o bico, em uma pose quase aristocrática, como se respondesse a Emma que achasse sua própria refeição. A assassina suspirou. Havia encontrado um animal tão orgulhoso quanto ela. Um pedaço de carne caiu do bico de Akwe e Emma o recolheu, pretendendo usá-lo como isca. Estava na hora de tentar caçar.

Deu alguns passos mais para dentro da mata e então Emma escalou uma árvore qualquer, subindo alto o suficiente para ter um ponto de vantagem. Equilibrou-se num galho mais grosso, jogou a isca e preparou o arco como Connor ensinara, torcendo para se lembrar das lições dele.

Não muito tempo depois, um lobo solitário e cinza como nuvens de chuva se aproximou cuidadosamente do pedaço cru de carne, cheiro-o e começou a degusta-lo, dando a tempo para Emma puxar a flecha, que cortou o ar com um zunido agudo e acertou na perna do animal, que ganiu em dor. Emma tentou esticar o braço para pegar outra flecha, mas se arrependeu imediatamente. Tal movimento fez seu peso oscilar e ela se desequilibrou, caindo para trás.

A neve macia amorteceu sua queda, mas o lobo, encontrando seu atacante, imediatamente avançou para Emma, os caninos brilhando como facas recém-afiadas. Emma grunhiu quando o animal cravou a mandíbula em seu braço já tão ferido, mas conseguiu chutá-lo para fora de si. A assassina colocou o arco em sua frente e o lobo, quando retornou para um novo ataque, mordeu a madeira ao invés de seu rosto.

Akwe mergulhou das árvores para tentar ajudar sua companheira, prendendo as unhas enormes em seu torso. O animal ganiu novamente enquanto Emma tentava empurrá-lo, mas o que realmente o parou foi um tiro certeiro de uma pistola. O som do disparo ecoou pela floresta junto com os rosnados e o animal correu para longe, e Akwe voou para um galho qualquer novamente, provavelmente assustada com o som alto.

Emma queria apenas se deitar e respirar para se perguntar como Connor e Myriam faziam aquilo todos os dias. Mas o instinto a fez pular para seus pés, conseguindo agora preparar uma flecha para o homem que havia salvado sua vida.

Mas rapidamente abaixou a arma estupefata e boquiaberta. Não era possível.

— Você! – exclamou o homem, baixando a pistola fumegante. –Que truque do destino eu encontrá-la aqui!

Emma o reconheceu também quase imediatamente e sorriu enquanto o homem pegava sua mão nas dele e as sacudia alegremente. Era o homem que ela e Connor haviam libertado do galpão dos mercenários, o que parecia ter acontecido séculos atrás. Atrás de ambos, estava a mesma carroça e os mesmos cavalos, estacionados em um espaço um pouco mais aberto.

— É realmente uma surpresa — Ela disse, com sinceridade, apertando seu mais novo ferimento de sua coleção, a mão se empapando com seu sangue.

— Ah, minha jovem, é bom vê-la de novo também! O que está fazendo no meio da floresta? Onde está seu amigo grandalhão? Vocês estão todos bem, eu espero?

— Eu... — Emma não sabia qual pergunta responder primeiro. – É uma longa história. Acho que nunca fomos devidamente apresentados. Sou Emma.

— Alfred, menina, Alfred! – Ele segurou a aba do chapéu e fez uma reverência engraçada. – Parece que cheguei na hora certa, não?

— Você não faz ideia. O que você está fazendo no meio da floresta?

— Acredito que não tenha vista, você não é destas bandas... – ele apontou para o lugar da floresta onde seu veículo estava estacionado, onde as árvores eram mais espaçadas por talvez quatro metros. Uma estrada. – Esta é uma das estradas que liga Boston e Nova York. Estou retornando de uma entrega. Você, por outro lado... Menina, quem fez isso com você?

Emma não havia visto seu rosto ainda, mas pela expressão de pena nos olhos idosos de Alfred, ainda não estava em condições impecáveis. Sentia os músculos de seu rosto latejarem quando ela sorria, mas ela o fez mesmo assim, para transmitir confiança.

— Vou ficar bem – disse, apenas.

— Bem, já que posso ajudar neste assunto, eu o farei, para retribuir bondade com bondade – Alfred alegremente andou de volta até o assento do dirigente da carroça e gesticulou para que Emma se juntasse a ele. – Vamos, vamos. Não temos o dia todo.


O percurso até a vila próxima - provavelmente a que James havia mencionado - pareceu não demorar nada com Alfred contando suas histórias mirabolantes enquanto Emma acariciava as penas do dorso de Akwe, que descansava ao seu lado no assento de madeira, o bico amarelo sujo de sangue. Mas quando finalmente detectaram um sinal de civilização, o sol indicava que já passava do meio dia.

A vila certamente era maior que a existente na fazenda Davenport, possuindo mais casas e ruas mais largas por onde transitavam pessoas e alguns comboios. Alfred a deixou perto de uma feira de especiarias e despediu-se, desejando a Emma sorte enquanto acenava alegremente. Emma perguntou-se qual seria a razão pela felicidade constante que o velho parecia sentir. Desejou, internamente e em segredo, um dia ter a oportunidade de alcançar tal satisfação e plenitude. Mas sabia que, para um Assassino, aquele era um desejo tão distante quanto as estrelas.

Emma andou pela feira, tentada por tantas frutas e vegetais frescos e suculentos expostos bem diante de seus olhos que cintilavam, e tentava não chamar atenção, mas Akwe, pousada em seu ombro bom, atraía muitos olhares curiosos. As crianças apontavam, e as mães as puxavam para longe. Alguns homens se aproximaram oferecendo libras por ela, mas mesmo com tanta fome, Emma jamais faria tal coisa. Mas outra coisa ela faria.

Enquanto perambulavam pelas ruas de terra, distraídos pelas bancas coloridas ao seu redor, os moradores nem desconfiavam que Emma puxava algumas libras de seus bolsos, e então desaparecia na multidão.

Quando conseguiu o suficiente, trocou-as por um saco com dez maçãs vermelhas. Emma não tinha energias para se sentir culpada. Pensou enquanto comia, distante das pessoas, sentada em uma caixa em uma das ruas paralelas, em meio às casas. Precisava de uma espada, e havia visto um ferreiro no caminho para ali. Era sua próxima parada.

A loja parecia estar vazia, e Akwe esperou em uma cerca enquanto Emma lutava para abrir a porta dos fundos que dava para um lugar deserto. Ela correu e bateu o ombro intacto na porta como Connor fizera uma vez antes, mas foi útil apenas para fazê-la cair sentada na grama congelada. É claro que ela não tinha a força dele.

Em um estado de desistência, Emma optou pela janela, quebrando-a com o cotovelo protegido pela capa, e pulando para dentro. Sentiu-se decepcionada consigo mesma por um breve segundo enquanto vasculhava pelos armários empoeirados e cheios de traças. Era aquilo que ela havia se tornado? Uma ladra nas sombras, roubando de moradores de vilas? Suspirou para si mesma. O outro lado clamava que ela não tinha outra opção. Logo ela estaria na fazenda, estaria em casa, com Connor, e poderia voltar ao que chamava de vida normal.

Mas aparentemente o destino ainda havia coisas reservadas para ela, das quais recusara-se a dar qualquer aviso prévio. Quando Emma escolheu, dentre as que pareciam menos caras, a espada mais afiada, e pulou para fora da casa, dois soldados patriotas a esperavam em seus uniformes azuis e brancos. Um apontava seu rifle para ela enquanto o outro segurava com força seu braço machucado. Emma apenas fechou os olhos, sem sentir-se surpresa. Ficaria surpresa se houvesse saído daquela vila não detectada.

— Roubando e agora invasão de domicílio, huh? – disse o que a segurava. – A vimos sumir como um fantasma na multidão, mas você não faz esforços, não é mesmo?

Akwe imediatamente reagiu à hostilidade e tentou atacar os homens. Mas um deles gritou, apontando o rifle para a ave e estava prestes a disparar enquanto ela mergulhava em sua direção.

— Não! – Emma gritou, avançando mas o homem a segurou enquanto tentava se proteger das garras da águia. – Akwe, saia daqui! Por favor, não atirem nela!

Akwe voou para longe e o soldado que tinha a arma grunhiu, e não parecia feliz. Possuía um arranhado no rosto redondo.

— Você não parece uma índia para andar por aí com animais selvagens – ele bufou e tirou um par de algemas do casaco. – Vamos leva-la para o acampamento.

Os soldados começaram a empurrar a assassina novamente algemada para o norte. Lentamente, a vila também ficou para trás. Akwe seguia o trio, sempre vigilante, de longe. Emma não tentava lutar. Connor contou a ela que lutara ao lado daqueles homens alguns anos atrás, e que eram apenas pessoas comuns obrigadas a lutar por seu país.

— Vocês são homens bons – disse Emma. Desejou ter algumas libras extras para suborna-los. Ela sabia que aqueles homens eram facilmente convencidos a “não terem visto nada”. – Eu não quero machuca-los. Estou do lado de vocês, por incrível que pareça. Me deixem ir, eu não tenho intenções de ficar muito tempo.

— Ninguém precisará se machucar – disse um deles, o mais alto que a segurava. – Vamos leva-la para o comandante Washington e ele decidirá o que fará com você.


O acampamento não era longe da vila, e localizava-se em um espaço sem árvores, no topo de uma colina, dando a seus residentes, um batalhão inteiro de patriotas, uma visão privilegiada do vale nevado. Mas, enquanto subiam a estrada que levava até o conjunto de barracas e enquanto alguns homens falavam sobre a guerra ou sobre bebidas, Emma ponderava sobre o tal comandante Washington – jurava já ter escutado seu nome em algum lugar, ou momento – e em como escaparia dali.

Os soldados, é claro, haviam confiscado suas armas, e seus companheiros de exército a seguiam com os olhos enquanto ela era guiava novamente para seu posto de prisioneira. A levavam para um poste afastado das barracas. Um poste com mais correntes. Ótimo. Trancaram-na ali.

— Fique aqui – ordenou o homem armado. – O comandante chegará logo e então a levaremos até ele.

E assim foi. A luz púrpura do crepúsculo começou a aparecer, trazendo o frio que apenas piorava. Com a força do vento, Emma podia dizer que uma tempestade estava vindo. E quando o sol escondeu-se atrás das montanhas, três homens a cavalo chegaram ao acampamento em um galope suave.

Um deles, que parecia ser o mais importante – sem dúvidas o comandante Washington – usava uma capa azul petróleo, e um chapéu de mesma cor cobria os cabelos grisalhos amarrados em um pequeno rabo-de-cavalo. Emma percebeu, surpresa, que o cavalo que ele montava era Sombra, sua égua. Não havia nem se dado o trabalho de remover a sela que Connor dera a Emma. Como, em todos os céus e infernos, ela havia ido parar ali?

Assim que desceu e Sombra foi levada, um dos soldados que trouxera Emma aproximou-se, com a postura ereta demonstrando respeito, e disse algo que Emma não pôde ouvir. Apontou para a prisioneira, e o comandante seguiu sua direção com um olhar cansado, distraído e humilde. Observou-a enquanto o soldado provavelmente contava o que havia acontecido. Emma ficou surpresa quando os lábios de Washington formaram a palavra “assassino”.

Mas nada foi feito a seguir, e nenhuma providencia foi imediatamente tomada. Emma esperou que ele viesse falar com ela ou algo assim, mas, aparentemente, tinha coisas melhores e mais importantes a fazer. Ela não estava disposta a ficar mais uma noite presa, exposta ao vento congelante. Nada, por enquanto, garantiria que ela seria melhor tratada que em um acampamento templário. Ela só queria voltar para a mansão, e planejar o próximo passo para concluir a missão de sua vida.

Então, mais tarde, quando a maioria dos homens se retirou para repousar, Emma viu o comandante entregando uma carta para um de seus homens, que rapidamente assentiu e montou em um cavalo qualquer, para entregar a mensagem a quem quer que fosse. E quando ele se foi, e o acampamento entrou em silencio e se desertou, Emma aceitou a excruciante tarefa de fazer Akwe roubar chaves.

Demorou para que a ave entendesse o que Emma queria, mas ela estava fazendo progresso. Quando Emma chacoalhou suas correntes, fazendo o som metálico, Akwe, que antes estivera em cima da barraca ao lado, trouxe para ela uma adaga de ferro. Emma suspirou, mas deu de ombros. Era quase tão bom quanto as chaves, e melhor que nada.

Com um esforço, e tomando cuidados minuciosos para não fazer nenhum som – que era audível no silencio que precedia uma tempestade – Emma conseguiu quebrar o cadeado que a prendia, e largou as correntes, levando apenas a adaga consigo. Emma, satisfeita com o sucesso de sua fuga, sabia que já possuía um jeito de escapar dali. E era recuperando sua égua.

Ela estava amarrada junto a outros cavalos mais abaixo na colina, em um poste com alguns tonéis de água límpida e gelada. Sombra relinchou quando a viu, mas Emma segurou seu focinho enorme e peludo.

— Quieta! – sussurrou, e acariciou o pescoço. – Quer que me matem?

— Ninguém vai machuca-la, minha jovem – disse uma voz atrás delas, e Emma virou-se, empunhando a adaga.

Washington ergueu as mãos enrugadas e desarmadas.

— Se acalme – pediu, a voz calma como uma brisa de verão. – Não há nada a temer.

— Sinto muito – Emma disse, mordendo o lábio. – Não quero mais ser presa por ninguém. Não me dou bem com correntes. Desculpe-me.

— Pelo qu...

Emma acertou a empunhadura da adaga com força em sua testa, cortando-a, e o homem caiu na neve, desacordado. Emma sacudiu as mãos de nervoso. Não queria ter feito aquilo. Ele parecia ser gentil. Mas não queria ficar presa. Não mais.

A assassina puxou Washington pelas botas engraxadas até o casebre onde guardavam o feno, e o largou em cima do monte de palha ali dentro, como se pedisse desculpas pelo pequeno ato desnecessário. Deixou um rastro claro na neve; seus homens o encontrariam facilmente, e ele não morreria de frio ali. Emma perguntou-se quando começou a se sentir tão bondosa em relação aos outros, mas não havia tempo para pensar naquilo agora.

Correndo com dificuldades de volta até Sombra, Emma cortou a corda que prendia a égua e montou nela, correndo para o norte, em direção à tempestade que se aproximava, impulsionada apenas pelo pensamento de que logo estaria em casa. Logo estaria com Connor.

Connor POV

Connor havia recebido a mensagem do comandante Washington havia quase uma hora. Estava galopando a toda velocidade por entre as árvores, as patas de Kenra:ken mandando neve para trás, em direção ao acampamento que ele havia estabelecido temporariamente na Fronteira. Odiava cada segundo que perdera discutindo com Achilles, e cada segundo que levara para selar seu cavalo. Connor descobrira em Boston que Emma havia sido colocada em um navio para a Grã Bretanha, o que o deixara em estado de desespero. Mas estava quase terminando de preparar o Aquila para o mar quando a carta chegara. De alguma forma - uma forma que provavelmente só Emma conseguiria, com sua teimosia - ela havia ido parar nas correntes dos patriotas.

Além do alivio que transbordava por cada superfície de seu corpo, Connor não pôde deixar de sentir certo orgulho. Qualquer que seja a história que Emma tinha para contar - sem dúvidas ela havia se perdido, era horrível em se localizar na floresta, mas ela definitivamente lutara para sobreviver. Ele contava os segundos, e Kenra:ken estava ofegante enquanto subiam a colina para o acampamento de Washington em meio a um vento que levava a neve e conseguia deixar a escuridão da noite com um tom pálido.

Mas, enquanto trotava em meio às barracas, algo não parecia certo. Claro, a tempestade em poucos minutos estaria acima deles, e alguns soldados dedicavam-se a amarrar suas cabanas com mais força ao chão, mas estavam inquietos. Alguns portavam armas, e a maioria juntava-se perto da barraca de Washington.

Connor aproximou-se, temendo o que encontraria a seguir. Não conseguia ver Emma em lugar algum, e isso contribuiu para que seu coração se acelerasse no peito. Washington estava do lado de fora de sua barraca, sentado em uma cadeira velha com um pano manchado de vermelho e soldados à sua volta.

— Connor – exclamou quando o assassino se aproximou a trote. – Recebeu minha mensagem.

Mas Connor não tinha nervos para conversas fiadas.

— Onde ela está?

Washington suspirou, o que não era um bom sinal.

— Ela fugiu, sua assassina, muito habilidosa aquela mulher – comentou, jogando o pano para o lado. – Mas não muito esperta. Pelas pegadas do cavalo, ela foi em direção à tempestade. Estou organizando alguns homens para ir atrás dela.

Connor segurou as rédeas de couro com mais força, até que os nós de seus dedos ficaram brancos. Segurou a vontade de socar algo, ou alguem.

— Não vai ser necessário – garantiu ele e, sem pensar duas vezes, bateu os pés nos flancos de seu cavalo que outra vez disparou. Os homens tiveram de pular para o lado para não serem acertados.

Ah, Emma, Connor apenas pensava, enquanto disparava pela floresta. Queria esganá-la, mas queria segurá-la ao mesmo tempo. Tão teimosa, Emma. Orgulhosa como sua águia. Não podia esperar meia hora, podia? Connor apenas conseguia escutar sua própria preocupação, enquanto o vento soprava, e a tempestade assoviava à sua volta, deslizando por toda a floresta.

Foi tão rápido, mas ao mesmo tempo pareceu demorar décadas, até que, enfim, alguns metros à frente, ele viu uma grande sombra negra lutando contra os ventos que vinham de todas as direções e chacoalhavam as árvores despidas. Em cima dela, sua amazona. Connor colocou o braço sobre o rosto, tentando ver melhor. Sim, era ela.

— Emma! – gritou.

Emma virou-se devagar. Connor não conseguia vê-la bem, mas o que conseguiu ver fez seu coração doer. Ela não estava bem.

— Connor? – sussurrou, o vento trazendo sua voz para os ouvidos de Connor. E então, ela caiu para o lado.

— Emma – Connor murmurou, pulando de Kenra:ken.

Era quase impossível correr em meio a tanta neve que espiralava ao redor deles, mas Connor não se importava. Ele ouvia alguns trovoes ecoando, ao longe, encobertos pelo som da tempestade. Correu e caiu ao lado dela. Ela estava sem seus robes, apenas com algumas roupas desconhecidas aos olhos dele, e naquele frio cruel e mortal. Odiava pensar na possibilidade de não tê-la encontrado.

— Emma – chamou ele, segurando-a na segurança de seus braços e envolvendo-a. – Emma, abra os olhos, por favor.

Ela o fez, e então, ela sorriu. Como ela poderia sorrir? Como? Ele se perguntava. Mas ele apenas sorriu de volta. Uma pequena lágrima escorreu dos olhos dela, mas a mesma rapidamente foi seca pelo vento frio. Ele colocou a mão em seu rosto. Os deuses sabiam, e apenas eles, o quanto ele estava aliviado em vê-la.

— Por que está sorrindo? – perguntou ele.

— É... bom ver você – ela enterrou o rosto no peito dele.

Connor apertou os olhos, a dor sufocando seu peito. Lembrou-se de quando perdeu sua mãe; as circunstancias eram tão diferentes, mas ao mesmo tempo, tão semelhantes. Tudo parecia um sonho ruim como frutas azedas.

— Emma, você é tão estúpida – disse ele, tentando se levantar.

— Me desculpe.

— Não. Vai ficar tudo bem, não se preocupe – ele a segurou com força enquanto andava até Sombra, que tentava não se desequilibrar com o vento. – Vou levar você para casa.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥



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