O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 17
Incertezas


Notas iniciais do capítulo

Disclaimer da música:

Speck of Dust - Assassin's Creed 3
Por Lorne Balfe ✔



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↓ Música ↓

Eberus fechou as cortinas de veludo que separavam o interior da barraca vermelho sangue do exterior repleto de soldados. A barraca era bastante quente e poderia parecer muito confortável, com uma lareira de ferro improvisado crepitante e as tapeçarias coloridas que decoravam os cinco lados do local.

Mas tudo aquilo era anulado pela cadeira de ferro onde Emma se encontrava, e pelos gelados grilhões que prendiam seus tornozelos e pulsos. Apesar da temperatura branda do espaço, gotas de suor frio escorriam pelo rosto da assassina, emoldurando um par de olhos que seguiam cada movimento do templário presente. Um pedaço de couro agora tapava sua boca, amarrado atrás de sua cabeça. Ela podia apenas respirar pesadamente.

— Sabe, Emma – começou Eberus, escolhendo uma dentre as adagas dentro da caixa que havia sido trazido segundos antes. Girou-a cuidadosamente nos dedos, como se estivesse se perguntando se seria apropriada. – Você não é uma mulher fraca, estou ciente disso. Não sou um que subestima meus inimigos. Mas não fiquei feliz quando soube de Rufus. Ele era um aliado, e um bom amigo. Você tem muita coragem.

Eberus fez sua primeira marca quando enfiou uma adaga de ouro pela mordaça de couro e a despedaçou, rasgando um pedaço de sua pele, atravessando o lado direito dos lábios com um corte que logo começou a sangrar e deixaria outra cicatriz em seu rosto.

Emma grunhiu e sacudiu a cabeça, mandando a mordaça para o chão, sentindo a pele arder com o ferimento aberto. Sentiu o gosto do sangue nos lábios.

— Por que não me mata de uma vez? – exclamou ela, mexendo-se na cadeira e sacudindo as correntes que a prendiam.

— Não, Emma – Eberus girou a faca nas mãos. O objeto possuía alguns escritos em hebraico esculpido na lâmina. – Por enquanto, apenas vou te dar uma chance. Responda o que quero saber e você sairá daqui com menos cicatrizes possível.

— Vá para o inferno – retrucou Emma, recostando-se na cadeira, como se dissesse que nada sairia de sua boca.

— Sem dúvidas você irá para lá antes de mim – Eberus deu uma risada baixa e parou atrás da cadeira. Emma não conseguia vê-lo. – Agora, onde está o cajado de Seth, Emma?

A assassina franziu as sobrancelhas, sua mente confundindo-se. Buscou rapidamente em sua cabeça uma imagem que conectasse com aquelas palavras, mas nada encontrou.

— Cajado? Não sei do que você...

Eberus aparentemente não esperava nada além de uma resposta direta e certeira. Então, impedindo que Emma completasse sua frase, passou o braço por cima dela para segurar sua garganta e tocou a lamina na lateral de seu pescoço, fazendo um corte profundo o suficiente para sangrar e fazê-la grunhir de dor, mas não mata-la.

— Não estou feliz, Emma – disse, dando a volta na cadeira novamente enquanto um fio ocre de sangue escorria até a blusa de linho da assassina. – E eu sei que você sabe o que quero, já que o Diamante se encontrava em sua casa. Veja, ele não está funcionando sem o cajado. Eu pensei que iria, mas aparentemente estava errado.

Emma estava ofegante com a ardência no pescoço.

— Mesmo... se eu soubesse – disse, tentando controlar a respiração. – eu não te diria. Mas... eu não sei.

O rosto de Eberus se contorceu de raiva e desferiu um soco na direção da inimiga. Não doeu tanto quanto o de Phillips, mas Emma encarou o chão, certa de que deixaria um hematoma.

— Eu poderia fazer isso a noite inteira – afirmou, segurando o punho na outra mão. – Acho que você não aguentaria. Quer fazer uma aposta?

Eberus se aproximou, passando a faca com força no antebraço livre das lâminas ocultas dela, abrindo outro corte. Emma gritou, fechando os olhos, tentando se concentrar em dias melhores, em um céu mais azul. Seria a noite mais longa de sua vida.


Emma abriu os olhos, sentindo o dia se infiltrar pelo pequeno espaço aberto da entrada da barraca, mas tudo o que conseguiu ver foi um borrão cinza que deveria ser a luz. Já era dia. Olhou para baixo, para a quantidade de cortes em seu corpo que parecia infinita, mas apenas a dor poderia dizer sua localização. A pontada mais intensa encontrava-se na coxa, onde Eberus enfiara uma pequena adaga, e no braço, onde um grande talho ainda sangrava. O resto eram cortes menores e curariam com o tempo – se ela vivesse tanto – mas estes sem duvida deixariam marcas.

Sentia seus olhos molhados; ela chorara de dor e ódio, e sentia o rosto latejando. Eberus sem dúvida, assim como Phillips, havia querido socar Emma por muito tempo. Ela desejara fazer o mesmo por cada segundo daquela noite mas, durante esse tempo, ela era a presa e ele, o predador.

Eberus saíra uma hora antes de o sol nascer, mais ou menos, também cansado e nada satisfeito. Emma jurara por tudo que conhecia que não sabia onde encontrar o que ele queria, e era verdade. O Diamante de Kalista ficava em sua casa, sim, mas ela nunca soube sobre um cajado que deveria fazê-lo funcionar. Os estudiosos que pertenciam à ordem e pesquisaram sobre nunca precisaram de nada como aquilo, ou nem se atreviam a usar o Diamante por medo.

Mas nem em um segundo da noite com Eberus, Emma implorou por sua vida. No entanto, ela ainda respirava. Perguntou-se a razão de o templário a querer viva, mas nenhuma explicação parecia surgir.

A respiração de Emma estava desigual e ela se sentia cansada demais para mexer-se ou incomodar-se com a dor, que parecera se tornar uma inquilina permanente, mas ouviu quando passos se aproximaram pelo lado de fora da barraca e conseguiu erguer o rosto para ver quem entrava.

Só reconheceu Haytham pelo chapéu e pela capa que o deixava com uma forma um tanto oval, principalmente aos olhos de quem não conseguia enxergar através de lágrimas e desistência. Ele não estava sozinho, acompanhado de um empregado que se aproximou com uma bacia de água e a depositou aos pés de Emma, que estudou seu reflexo. Seu rosto não parecia inchado nem destorcido, mas estava vermelho devido ao sangue e roxo de hematomas. Um pouco da tinta indígena ainda estava visível, mas muito pouco.

Ela chutou a bacia de madeira para longe. O empregado caiu para trás sentado para não ser molhado. Haytham desviou-se da água, elegante como um cisne, com os braços para trás.

— O que você quer, Haytham? – a voz de Emma era apenas um sussurro exausto. – Veio se vingar de nossa luta na casa de Rufus?

— Não, não vim – respondeu, e o segundo homem começou a limpar os ferimentos abertos de Emma, e enrolá-los em bandagens. – Vim garantir que não morra.

— Eberus o mandou?

Haytham assentiu.

— Você é a nova cadelinha dele? – Emma zombou. – Rufus foi tão facilmente substituído? Cuidado, os generais dele não vivem por muito tempo.

Os olhos marrons de Haytham a observaram.

— Posso matá-la com muita facilidade, criança. Eu não testaria minha paciência. Eberus é um amigo. Estou apenas lhe fazendo o favor de colocar o lixo para fora.

— Você acha que ele vai dividir o poder do Diamante com outros Templários? – Emma provocou, dando uma risada cansada. – São muito ingênuos se acreditam nisso. Ele vai ficar com o Diamante para si, e tentar governá-los como lacaios. Você é um grão-mestre, mas duvido que valerá alguma coisa.

Haytham suspirou, e o empregado começou a trabalhar no ferimento na perna.

— Não force, Emma. Preferia sair daqui morta?

— Porque ele me quer viva? – Emma desviou-se um pouco do assunto. – Não entendo.

Haytham não hesitou em responder. Aparentemente não se importava.

— Ele quer que você assista – revelou. – Disse que vai destruir sua casa e não vai sobrar ninguém desta vez. E acho que ele falava sério. Agora, faça o favor de ficar quieta.

Mas Emma não se sentiu ameaçada. Ela escaparia, e impediria aquela trama templária de uma vez por todas. Prometera isso para si mesma, e não pararia ali.

— Eu vou impedi-los – prometeu a Haytham também mas, novamente, ela não soava ameaçadora.

O empregado terminou seu trabalho e Haytham livro dos grilhões e a colocou de pé, mas Emma se sentia fraca e caiu logo em seguida, apenas para ser segurada por Haytham. Ele bufou e revirou os olhos.

— Não sei se você tem ideia do quão patética você soa – respondeu, segurando-a no colo e conduzindo-a para fora da barraca. – Então vou lhe fazer tal favor. Você soa patética, Emma.

Emma riu baixo, e tossiu um pouco, a garganta áspera como lixa, com a cabeça tombada para trás enquanto era levada para outra carroça/jaula. O acampamento parecia mais vazio agora, as fogueiras, apagadas e cheias de cinzas frias. A maioria das barracas estava sendo desmontada, os mantimentos, guardados. Perguntou-se para onde estavam indo.

— Percebo que a insolência é de família – retrucou ela, enquanto Haytham a colocava no chão da jaula sem muito cavalheirismo

Ele a encarou em silêncio enquanto batia o portão trancava o cadeado.

— Vejo que você realmente conheceu Connor – disse em um tom irritante e sarcástico. – Como ele está, afinal? Quando puder, escreva uma carta e mande minhas lembranças a ele.

— Ele o despreza, Haytham – Emma murmurou, em um tom tão insolente quanto. Não sabia se era verdade, mas era como ela entendia nas raras vezes em que Connor falava do pai. – E ele é um homem bom, algo que você jamais será.

Se Haytham se sentiu afetado por aquelas palavras, não deixou transparecer. Seus olhos se mantiveram em Emma, sem demonstrar qualquer emoção, e ele se aproximou um pouco.

— É realmente uma pena que não tenha se despedido, então – murmurou. – Você está indo para Boston e, de lá, será colocada em um navio para a Inglaterra e presa em um calabouço onde não poderá mais entrar em nosso caminho. Está voltando para casa, Emma, espero que esteja feliz.

Os olhos de Emma se arregalaram e as pupilas se dilataram.

— Não – ela disse, tentando se levantar enquanto Haytham andava para longe e montava em um cavalo marrom chocolate. – Não podem fazer isso! Haytham!

Ele esporou o cavalo e se afastou com um olhar cínico e insatisfeito, mas arrogante como um pavão.

— Não pode nos parar, Emma – gritou de longe, e então sumiu. – Há mil anos que os assassinos deveriam ter percebido isso.

Emma não conseguiu manter-se acordada durante a viagem de volta a Boston. Apesar de sua preocupação com um futuro próximo demais, a quantidade de energia que estava gastando para tentar se recuperar da noite difícil era imensa. Então havia encostado a cabeça nas grades da carroça oscilante e só acordara quando o cocheiro, um homem rude e simples, bateu nas barras de ferro, acordando-a.

— Vamos lá, sua alteza – disse com um toque de sarcasmo. – Sua carruagem a espera. Mãos para frente.

Emma, ainda um pouco sonolenta, esticou os braços doloridos e aproximou os pulsos para que o homem colocasse outros grilhões em seus braços. A bandagem que Haytham colocara em sua perna aliviara a dor e ela conseguiu sair da carruagem e olhar em volta. Um grande navio com velas brancas e douradas estava ancorado no porto, logo à frente, e uma névoa suave impedia Emma de ver tudo com muitos detalhes. Haviam guardas embarcando e estavam armados.

Emma chutou a parte de trás do joelho do cocheiro que a puxava naquela direção, tentando arranjar uma escapatória. Havia cavalos ali perto, ela poderia montar em um e sair correndo. Mas os guardas não a deixaram ir tão longe. Devido à desvantagem de estar mancando, Emma foi rapidamente segurada por dois soldados. Emma se sacudia para tentar se libertar, mas tinha os dois braços segurados por mãos fortes e, por mais que lutasse, eles não cederiam.

Assim que chegou ao navio, Emma imediatamente foi levada para o convés inferior, dois níveis abaixo, e imobilizada por correntes um tanto longas que prendiam-se ao chão. Era um depósito empoeirado e cheio de teias de aranha e musgo. Emma ouvia a madeira ranger com a oscilação do barco.

Os guardas riram-se dela, que encostara a cabeça na madeira úmida, fechando os olhos. Não poderia voltar para a Inglaterra, havia tanto ainda. Algo tinha de ser feito, mas Emma não fazia ideia do que. Seu corpo doía, gritava em protesto aos cortes que ainda se encontravam abertos, e ela não conseguia pensar.

Apertou mais os olhos quando Connor veio à sua cabeça. Onde ele estaria agora? Estaria procurando por ela? Ela queria acreditar que sim; acalmava seu coração, mas ao mesmo tempo a deixava apreensiva. A desesperança a tomou. Ele não iria encontra-la, nunca. Ele já perdera tantas pessoas, e Emma permitira que ele perdesse mais uma. Não era justo. Ela nunca deveria tê-lo envolvido naquilo.

Pediu desculpas a ele silenciosamente, desejando que ele pudesse ouvi-la. Então, encostou-se e tentou dormir, pedindo aos céus que, pelo menos, os pesadelos ficassem longe.

Connor POV

Connor manteve-se silencioso no galho da árvore, observando com cautela o que restava de um acampamento abaixo de si. Pelo que pôde ver de longe, os soldados haviam marchado haviam pelo menos cinco horas, mas ainda haviam dois perto de alguns caixotes que haviam sido deixados para trás.

— O que o capitão disse para fazermos com isso? – perguntou o primeiro, inspecionando o menor caixote, que se encontrava por cima.

— Disse para queimá-los, ou jogá-los pelo penhasco – respondeu o segundo, olhando em volta, com o mosquete em mãos. – Disse que são inúteis. Vamos acabar logo com isso, Clyde; ouvi disser que há índios nestas florestas.

Confirmando os medos do soldado, Connor puxou uma flecha para trás em seu arco, e acertou-o bem no peito. O outro mal teve tempo de se assustar com o colega caindo morto para a neve, quando outra flecha o matou em outro tiro certeiro. A neve manchou-se de vermelho escarlate.

Connor pulou do galho e parou firme, equilibrando-se, e então se aproximou lentamente das caixas que pareciam úmidas sob a neve que caía discretamente. Chutou os corpos para o lado e abriu a caixa em que um deles havia mexido. Connor percebeu o ritmo de seu coração se acelerar sutilmente quando viu que, lá dentro, encontravam-se as lâminas ocultas de Emma, sua espada, e seu robe, com manchas de sangue.

Connor apertou o tecido entre as mãos. Seu coração afundava no peito a cada descoberta. Os fatos o empurravam para um caminho, mas ele desejava seguir para outro. Sacudiu a cabeça. Não. Ele não se convenceria de que Emma se fora até que ele visse seu corpo bem diante dos olhos dele. O pensamento o fez engolir em seco.

Chamou Kenra:ken com um assovio alto e quando o cavalo apareceu, pegou os pertences de Emma e colocou-os nas bolsas que o animal carregava nas ancas. Ele iria devolvê-las, logo. O pensamento de perder Emma doía mais do que ele julgava apropriado. Mas não era mais algo que ele era capaz de controlar. Não era algo que havia sentido antes, não daquela forma. Ele apenas sentia.

O som de um galho se partindo atrás dele o deixou alerta, e se virou com o arco pronto com uma flecha. Mas era apenas uma mulher de sua tribo, erguendo as mãos finas com medo.

Ió:kan? – Connor perguntou, falando com ela em sua língua nativa, baixando o arco imediatamente. – O que está fazendo aqui? Está bem longe da vila.

Estou ciente disso— disse ela, abraçando-se para se proteger do frio. – Mas eu estava caçando para Ekáren nesta área noite passada quando vi soldados dirigindo uma jaula para este acampamento.

O que você viu? – perguntou Connor, ansioso, acariciando o pescoço de seu cavalo.

Vi sua amiga, a mulher inglesa— revelou, e Connor suspirou de alívio. – Lembro-me pois falei com ela na tribo. Ela ficou mantida em uma barraca vermelha com o homem branco que parecia ser o líder. Ficaram a noite inteira lá. Ouvi gritos.

Connor baixou a cabeça, tentando expulsar pensamentos ruins.

Você viu mais alguma coisa? – perguntou.

Ela foi levada para a cidade— ela abanou a mão, indicando o sul. – Não ouvi mais nada. Gostaria de ter ajudado, mas eles eram muitos.

E não deveria – respondeu ele, estendendo a mão. – Poderia ter morrido.

Ió:kan assentiu, observando o ambiente frio que os cercava.

Niá:wen, Ió:kan — Connor assentiu de volta. – Volte para casa. Devem estar sentindo sua falta.

Cuidado, Ratonhnhaké:ton — ela avisou quando Connor montou novamente para seguir para Boston. – Homens brancos cruéis. Muito cruéis.

Emma POV

Emma acordou poucos minutos após ter pegado num sono leve, ouvindo um som familiar do lado de fora do navio. Tentou se levantar e olhar pelo buraco redondo que servia de janela, e seu coração se alegrou um pouco quando viu Akwe planando ao lado do navio que deslizava pela água, suas penas flutuando com o vento. Emma sentia as gotículas salgadas acertando seu rosto, e ainda via, atrás de um pouco de névoa, a cidade de Boston. Não estavam tão longe.

— Akwe! – Emma chamou, e a ave pousou na janela. – Você não me abandonou, não é mesmo?

Emma olhou à volta, para o espaço onde se encontrava. Era apenas um depósito, e estava vazio. Duvidava que ela recebesse muitas visitas durante a viagem, então deixou que Akwe entrasse no convés. A ave usou uma das várias caixas empoeiradas de poleiro e observou os braços de Emma com os olhos grandes.

— Não pode pousar em meu braço, sinto muito – Emma pôs a mão nas feridas com cuidado, então acariciou as penas macias e um pouco molhadas de Akwe. – Se eu não fizer algo, vamos parar em um lugar onde não pretendíamos estar tão cedo.

Akwe apenas baixou a cabeça, deixando Emma acaricia-la com a ponta dos dedos, como se estivesse preparada para aquele destino cruel. O coração de Emma estava aquecido; Akwe poderia ter voado para longe, mas escolhera fazer companhia a ela. Emma realmente havia feito uma nova amiga.

O som de uma portinhola se abrindo e batendo no piso de madeira fez Emma pular e virar a cabeça para a fonte do som. O alçapão que levava ao nível acima se abrira e deixara um forte raio de luz entrar, revelando as partículas de poeira que flutuavam por ali. Alguém gordo e desajeitado começou a descer as escadas.

— Tomara que estes brutos não tenham deixado meus itens para trás – falou a si mesmo em um sussurro impaciente.

O sujeito usava roupas um pouco finas e Emma pôde ver o brilho da corrente de ouro que provavelmente prendia-se a um relógio de bolso. Ele começou a procurar desajeitadamente pelas caixas, examinando minuciosamente seu conteúdo através de pequenos óculos meia-lua. A parte de cima de sua cabeça era calva, deixando apenas o redor ser ornado por cabelos grisalhos.

Ele finalmente pareceu notar Emma ali junto com sua companheira e levou um susto, dando alguns passos para trás e derrubando algumas panelas de barro. Bateu a mão no peito, tentando acalmar o coração provavelmente acelerado.

— Pelos céus, garota – disse, ofegante. – Eu não a havia visto aí.

Emma observou-o com os olhos cansados e semicerrados. Não parecia ser uma ameaça, então suspirou e encostou-se na parede do navio, cruzando as pernas acorrentadas.

— Sinto muito se o assustei – murmurou ela.

O homem aproximou-se para olhar Emma de perto, provavelmente curioso devido aos hematomas roxos que decoravam seu rosto, emoldurado pelos longos cabelos marrons agora levemente bagunçados, com fios soltos desertados do resto. Mas Akwe não parecia tão certa sobre isso, e abriu as asas enormes, batendo-as e dando seu grito aquilino.

O homem deu alguns passos de volta, cobrindo-se com seus braços.

— Akwe está tudo bem – Emma acariciou a cabeça da águia. – Não acho que ele queira causar algum mal.

— Não tenho más intenções, menina, diga isso ao pássaro – garantiu o homem, então bufou, direcionando o pulso fechado para cima, como se amaldiçoasse os homens no deque superior. – Nada como aqueles homens lá em cima! Eu apenas quero voltar para a terra-mãe, e me tratam como um mendigo. Sou um cientista, digno de respeito!

Emma sorriu levemente com o jeito peculiarde seu visitante, e seu rosto doeu com a contração dos músculos de suas bochechas.

— Foram eles que fizeram isso a você? – perguntou, aproximando-se novamente, ajustando os óculos. Akwe manteve-se quieta.

— Não – Emma observou os cortes em seus braços. Olhá-los pareceu fazê-los doer mais. – Foi algo muito pior.

O homem suspirou e começou a andar pelas estantes ali, procurando por algo. Exclamou um “ah!” baixo quando encontrou o que queria. Emma não foi capaz de ver, por estar atrás de uma pilha de caixas que dizia “balas de canhão”. Ouviu água sendo despejada em algum lugar.

O senhor retornou com uma grande tigela de cerâmica cheia de água cristalina e um pano encardido. O colocou perto de Emma junto com o pano.

— Aqui, isso pode aliviar a dor – explicou. – Limpe esses ferimentos. Pode pegar uma infecção nesse navio imundo.

Emma alternou os olhos entre a tigela e o homem. Tanta gentileza após aquela noite difícil a deixou emocionada. Sorriu novamente.

— A quem devo agradecer tanta amabilidade para com uma pessoa encarcerada? – perguntou ela, umedecendo o pano.

— Sou Benjamin Franklin – ele estendeu uma mão enrugada, a qual Emma apertou com as suas acorrentadas. – Somos todos humanos aos olhos de deus. Mesmo uma prisioneira.

— Deus parece ter se esquecido de mim – a assassina bufou. – Sou Emma. Talvez você deva pegar o que veio para pegar e voltar para cima. Pode se meter em problemas por estar falando comigo. Julgam-me uma prisioneira perigosa.

Benjamin silenciou-se por um momento.

— Eu deveria temê-la? – perguntou.

— Não – garantiu Emma, limpando o primeiro ferimento. – Mas não confio em ninguém aqui. Então, talvez você deva voltar. Obrigada, Benjamin. Sinceramente.

— Não foi nada. Até mais, Emma.

Benjamin juntou algumas tralhas metálicas nos braços, as quais Emma não conseguiu distinguir por suas formas peculiares, e teve dificuldades em subir de volta. Emma duvidava que haveria um "mais" onde eles se encontrariam novamente.

Mas quando finalmente conseguiu, ouviu-se o som de um canhão e o navio foi sacudido. Caixas caíram de seus lugares, balas de canhão rolaram. Akwe assustou-se. Benjamin caiu para o lado junto com suas tranqueiras e Emma viu um buraco ser aberto no casco. O navio estava sendo atacado. Tudo, de repente, era caos.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥



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