Quando eles cruzaram a porta do prédio da SHIELD, Steve começou a observar a reação da garota. Ela fechou os olhos e parou de andar no meio da calçada inspirando fundo enquanto o sol a banhava.

– Sentiu falta disso, não é? – Rogers comentou.

– Nada é tão convidativo quanto o calor do verão nova-iorquino. – Ela parou com o seu momento de adoradora do Sol e continuou caminhando ao lado de Steve, enquanto seus olhos vidrados nos detalhes tentavam não perder nenhuma nova informação.

XX-23 devorava com os olhos as roupas que as pessoas usavam, as vitrines das lojas, as luzes dos painéis de comerciais em cima dos edifícios brilhando sem serem ofuscadas pela luz solar mesmo durante o dia.

– Estranho, não é?! – Steve colocou a mão nos bolsos, ele podia imaginar o que se passava na mente dela, era uma experiência pela qual ele passou há tempos atrás.

– Para falar a verdade, é meio gozado... – Ela falava distraída olhando para “tudo” menos para Rogers, naquele momento, cheia de curiosidade. -... É como se a quantidade de pessoas no mundo triplicasse... – Ela olhava para uma multidão atravessando a rua juntos numa faixa de pedestre do outro lado do quarteirão. -... Mas quanto a tecnologia não parece ter havido alguma invenção gritante, só estou enxergando evoluções...

– Sorte sua de estar conseguindo reconhecer algo familiar... Quando foi a minha vez me senti um alienígena nesse mundo. – Ele apontou com a cabeça para um telão de comercial acima de um prédio.

XX-23 sorriu.

– Então imagine como o Thor se sente... – Ela disse.

– Nunca parei para pensar nisso. – Ele deu uma risadinha.

...

Os dois passaram por diversos pontos turísticos da cidade, ora iam de taxi ora iam a pé mesmo. Foram do Times Square à Estátua da liberdade, e resolveram fazer uma parada para um lanche na BlueBird Coffee Shop, East Village, em plena Manhattan.

– Você tem um apetite e tanto! – Steve comentou tomando um gole de seu capuccino enquanto XX-23 devorava um prato de muffins acompanhados por milk-shake de chocolate.

A garota vagarosamente parou de comer e começou a olhar para os lados sem ter onde enfiar a cara.

– Não se constranja, isso é bom... Meu corpo e o seu tem o metabolismo quatro vezes mais rápido do que as pessoas normais, temos que comer muito. – Steve sorriu condescendente. Ela sorriu de volta, mas ainda se sentiu culpada ao dar mais uma golada em seu milk-shake.

Após o lanche, eles começaram a caminhar e conversar sem ter um destino em mente no momento. Ela e Rogers começaram a passar por um bairro mais parado e pacífico, eles avistaram um banco em uma calçada e resolveram se sentar.

– Sabe... Eu sou mesmo daqui, nova-iorquino... Do Brooklyn para ser mais exato... – Ele tentava conhecê-la mais ao fundo.

– Eu sou da América Central... Mas passei a maior parte dos anos da minha vida em Washington D.C. – Ela respondeu, estava gostando de conhecê-lo melhor.

– Meu pai morreu como soldado na Primeira Guerra Mundial, e minha mãe era enfermeira... Ela acabou morrendo de tuberculose... Então eu fui para um orfanato, lá eu sofria bullying pelos outros garotos... – Steve se abria na esperança dela fazer o mesmo.

– Não sei se meus pais ainda estão vivos, mas se estão eles estão muito velhinhos... E eu sofria bullying em casa... – Ela suspirou tristemente.

– Como assim? – Ele perguntou confuso e interessado pousando seus cotovelos nas próprias pernas.

– Não vamos falar disso agora, okay? – Ela começou a olhar para alguns carros que romperam o silêncio da rua.

– Okay. – Ele olhou para XX-23 com paciência.

De repente um silêncio se alastrou como se ela estivesse relembrando esses momentos ruins. Mas antes que Rogers tentasse fazer algo para animá-la ela mesma o fez espantando as lembranças plantando um sorriso empolgado com uma ideia:

– Quer ver o lugar que eu mais gosto aqui em Nova York? – XX-23 perguntou.

– Quero. – Steve afirmou.

Os dois partiram em direção ao Central Park, mas não era ele em si o lugar que ela mais gostava, era uma área específica do parque que XX-23 era apaixonada.

– Você vai amar... É lindo! – Eles caminhavam apressadamente, pois faltava quase uma hora e meia para as portas da SHIELD fechar, e eles tinham que estar lá antes.

Quando finalmente eles chegaram, Steve não tinha notado ainda, a garota parou seus passos e ficou admirando a vista com um sorriso sereno no rosto, aquele lugar a transmitia um sentimento de harmonia.

Rogers deu dois passos até notar que ela não o acompanhava e virou para trás para descobrir o porquê, e se deparou com a linda cena dela admirando a paisagem.

– É aqui... – Ela disse apontando para a diagonal de Rogers.

Ele se virou para olhar e se deparou com uma ponte curva sobre um lago, rodeada de várias árvores. A paisagem contrastava com alguns prédios ao fundo. O emoldurado da imagem parecia fazer uma comprovação de que natureza e tecnologia poderiam coexistir num mesmo mundo.

– É mesmo lindo. – Rogers deu o braço a torcer.

Os dois começaram a caminhar até ficar bem no centro da ponte, XX-23 debruçou-se sobre o parapeito de gesso e jogou algumas pedrinhas na água embaixo deles.

Rogers se debruçou também, ficando lado a lado com a garota, ele olhou para ela e sorriu. XX-23 ficou encabulada e sorriu de volta, mas deu um empurrãozinho com o cotovelo nele antes.

– O que foi? – Ele riu. Os dois já estavam parecendo um casalzinho bobo.

– Você me deixou sem graça. – Ela explicou.

– Perdão. – Steve ainda ria.

– Tá bem, eu te perdoo. – XX-23 brincou fazendo uma cara palhaça de “não faça mais isso”. Depois começou a olhar para o outro lado ficando pensativa novamente, parecia que aquele local também despertava certas lembranças.

– Você quer saber no que eu pensei para ficar com raiva e liberar minha força? – Ela olhou melancolicamente para a água.

– Gostaria muito... Mas se isso for deixar você triste, prefiro não saber. – Rogers afirmou.

XX-23 sorriu, com sempre ele era tão fofo.

– Está tudo bem, dessa vez não despencarei em lágrimas ou coisa parecida... – Ela começou a desabafar, se sentia tão à vontade com ele. -... Eu estava me lembrando do dia em que eu vi minha avó sendo assassinada...

– Sinto muito... – Steve a olhou atencioso.

Mas agora que tinha começado ela não pararia de contar:

–... Eu tinha oito anos e estava morando com meus avós e não com meus pais na época... Uns homens invadiram a casa, minha avó correu comigo para o quarto dela e nos trancou lá a mando do meu avô... Ele, meus tios e meus primos tentaram nos defender e acabaram mortos... Minha avó sabia que mais cedo ou mais tarde aqueles homens acabariam arrombando a porta, então me obrigou a entrar no guarda-roupa dela e me fez prometer que não faria barulho nenhum, para que eles não descobrissem que tinha mais alguém a quem torturar e matar...

XX-23 olhava para a água e parecia que o reflexo transparecia aquelas cenas horríveis, ela lutou, mas acabou deixando umas lágrimas escaparem ao continuar contando a história trágica:

–... Eu assisti tudo... Vi eles entrando no quarto, vi o que fizeram com a minha avó e ainda posso sentir o sangue quente dela respingar no meu rosto por meio da fresta da porta do guarda-roupa... Mas Steve, eu não consegui manter a promessa... Eu era tão pequena... E quando vi o que fizeram com a minha avó eu não pude evitar soltar um grito... Aqueles homens me descobriram... Eles... Eles... Estavam prestes a me matar... Uma menininha... Mas aí meu pai e Nick Fury apareceram e me salvaram... Eram nove membros da minha família naquela casa, e só eu saí viva... Bem, não completamente... Uma parte de mim morreu naquele dia... – Ela parou de contar a história enxugando as lágrimas que infelizmente derramou.

Delicadamente Steve a segurou pelos braços desencostando-a da ponte e fazendo-a ficar frente a frente com ele.

– Eu realmente sinto muito mesmo por tudo isso... Uma garotinha não deveria viver nada disso, ou melhor... Nenhum ser humano deveria passar por coisas horríveis como estas... – Rogers deslizou as mãos pelo braços dela terminando o percurso segurando-a de mãos dadas. -... Seu pai é um homem de muita bravura, quando nos encontrarmos com ele preciso agradecê-lo por isso e por ter te trazido ao mundo, XX-23...

Steve disse encabulado, mas se manteve firme olhando-a. A garota que estava encarando o chão, ao ouvir a última frase, surpreendida levantou o olhar deparando-se com os olhos azuis do loiro, ela o consertou envergonhada:

– É Lola...

– O quê? – Ele perguntou entorpecido pelo momento.

– Meu nome é Lola... Na verdade é Dolores, mas todo mundo sempre me chamou de Lola... – Ela explicou com um sorriso trêmulo intimidado pelos olhos fixos dele.

Ao ouvir aquilo, a expressão de Rogers mudou e ele sorriu contente dizendo:

– Prazer em conhecê-la, Lola... Eu sou o Capitão América.

Lola tomou um choque com o que escutou, o que a fez puxar suas mãos desfazendo-as das do Capitão.

– Capitão... América??? – Ela gaguejou como se tivesse recebido uma chinelada na cara. -... Do tipo azul, vermelho, e branco, escudo, estrela e tudo mais?

– Sim. – Ele sorriu, finalmente eles estavam devidamente apresentados.

Algo no rosto de Lola (aka XX-23) mudou, ela não parecia feliz com o que ouvira, e sim aborrecida; muito aborrecida.

– Está na hora da gente voltar para o prédio da S.H.I.E.L.D., está ficando tarde. – Ela disse.

Steve olhou para o relógio e concordou. Os dois fizeram o caminho de volta e chegaram a tempo, antes do horário de expediente “acabar”, mas durante todo o trajeto, Rogers não conseguiu manter uma conversa decente sequer com Lola.

A garota apenas dava respostas curtas e rápidas somente quando ele falava alguma coisa, e fazia o máximo para evitar prolongar uma conversa ou mesmo olhar para ele.

Rogers não entendia o que tinha feito de errado. Será que ele falou algo que não devia? Será que ele havia se comportado como um abusado? Steve não enxergava isso, mas era claro que o problema simplesmente era o fato dele ser o Capitão América.