Vida de detetive escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 1
VIDA DE DETETIVE




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Todos me olhavam feito vampiros sedentos por sangue em uma crise de abstinência, o mundo nunca foi tão escuro, a neve cobria a chaminé de todas as lendas da cidade, a cidade fria lembrava o gelificado coração do diabo. Minha voz grossa fazia o papel de orquestra, ou era o defunto ou o organizador.

— Essa é a história de todos os detetives. Sem nenhuma maneira de voltar ao passado, eu mantenho o foco na estrada, sem olhar o retrovisor e tudo o que já passei. Busco mistérios, busco o crime dos outros, esquecendo os meus.
Prefiro ficar acordado enquanto dirijo, as luzes que cruzam meu caminho me lembram que a escuridão foi ferida, porém quando fecho os olhos, vejo-me forçado a olhar a escuridão que há dentro de mim.
Não importa quantas vezes abaixarei minha arma e nem quantas puxarei o gatilho, em um pesadelo, todas as escolhas são erradas.
Após entrar em casa, e ver a minha filha, e a minha mulher esburacadas, acordei de noite achando que o dia poderia ser um sonho que eu fosse esquecer. A sociedade de poetas mortos me renegou a muito tempo.
A realidade nunca é o que você pensa. Feito um esquizofrênico, transformando a solidão em vício. O passado tem uma maneira de se esconder em você. Você escuta vozes, sons, como um replay maldito. Você fica louco com todos, lembrando sempre dele, mesmo que tudo seja só na sua cabeça.
E não é verdade? A vida é fugaz e a morte dura uma eternidade, viver na morte é estranho, o pesadelo nunca é surreal.
Einstein estava certo, o tempo é relativo para o observador. Quando você está sob a mira de uma arma, você vê toda sua vida passando em flashes. Você sente o profundo desgosto e o medo. Não sei os anjos, entretanto o medo que dá asas aos homens.
Após parar em uma cidade sem nome, com a alma trincada, fedendo uísque, uísque barato, sem gelo. O circo de horrores só tinha uma realidade sórdida. Quando o entretenimento se torna uma surreal reflexão de sua própria vida, você é um homem de sorte se puder rir das piadas.
Quero um cigarro e um whiskey para o Sol brilhar de novo. Quero dormir para esquecer, para mudar o passado. Eu quero minha esposa e minha filha de volta. Munição ilimitada e uma licença para matar. Agora, mais do que tudo, eu desejo ela.
"Hipoteticamente, se a única opção que você tem é a de fazer a coisa errada, então não é realmente a coisa errada, é algo como destino. Você tem que fazer o que você tem que fazer" , Vladimir Lem, o que posso dizer? Vlad estava certo: não há escolhas, apenas uma linha reta na vida. Há algo como destino.
Da forma como vejo, existem dois tipos de pessoas. As que passam suas vidas tentando construir um futuro e aquelas que passam suas vidas tentando reconstruir o passado. Há muito tempo, estou preso entre ambos. O que eu estava de fato fazendo ali?
Eu ainda estava vivo e comecei a achar que minha sorte uma hora acabaria, mas logo percebi que ela já havia se esgotado há muito tempo e é por isso que eu estava naquela situação, dirigindo sem rumo.
Foi aí então que percebi que depois de tudo aquilo, eu era a piada de mal gosto que todos entendiam, menos eu.
Os membros da família que eu estava protegendo eram celebridades locais, badaladas em São Paulo, parasitas ricos, com desilusões da humanidade. O tipo de gente que acaba em uma revista de fofocas, ou dentro de um saco preto, dependendo de como sua sorte anda.
Então, creio que me tornei aquilo que eles queriam, um assassino. Um matador de aluguel que faz buracos em outras pessoas ruins. Bom, é por isso que eles pagaram, então no fim é isso que eles receberam. Você pode dizer o que quiser sobre americanos, mas nós entendemos o capitalismo. Você compra um produto e você recebe aquilo pelo o que você pagou. Eles haviam pago por um estrangeiro que não tem sensibilidade para saber a diferença entre o certo e o errado e foi isso que eles receberam. Aqui estava eu, prestes a executar esse pobre homem, como se o seu eu fosse algum anjo da morte, até eu perceber que eles estavam certos, eu não saberia a diferença entre certo e errado, se um fosse ajudar os pobres e o outro, ter um relacionamento com minha irmã...
Lá fora, na noite, a neve caía como confete sobre o carnaval do diabo. A tempestade estava longe de terminar.
Lembro tão bem da minha mulher, os buracos de bala eram como rubis em seu peito, o sangue brilhando sobre sua pele de marfim. Ela era tão linda. O assassino estava sorrindo. Deveria ter percebido que a dona sorte era, na verdade, uma piranha... E eu estava sem grana para pagá-la.
Eu havia assumido o papel lendário do detetive Bogart, como Marlowe ou Sam Spade, buscando o falcão maltês. Para desvendar todos os mistérios. Seguindo um rastro com pistas, até a revelação final, mesmo que me levasse para as frias e obscuras profundezas de um túmulo.
Pus na boca muito mais do que eu podia mastigar.
Quando as trevas caíam, a cidade de Nova Iorque se transformava, mesmo com as antigas canções de Sinatra, as coisas ruins aconteciam à noite, nas ruas daquela outra cidade, Noir Iorque.
O truque no meu caso, era não usar truques, não importava o que mostrava os filmes de ação. Sem regras, sem mantra secreto, sem mapa.
Jack Lupino era mesmo um louco varrido. Lobos míticos soltos para devorar o Sol e a Lua. Lupino é o Lobo, sou o Sr. Monstro. O grande e mau lobo Fenris. Sou o lobo do fim do mundo, vestindo a pele dos anjos condenados.
Depois do bug do milênio, o fim do mundo se tornou clichê. Mas quem era eu para falar? Um subalterno solitário e filosófico contra um império maligno. A solta para acertar uma grave injustiça. Tudo era subjetivo. Havia apenas profecias pessoais. Nada é clichê quando é com você que acontece.
Nos meus sonhos, anda vejo minha antiga cidade, passa rapidamente pelos meus olhos, escuras caixas d’águas e uma floresta morta de antenas e chaminés. Só imagens borradas, tiros ofuscados, rajadas na noite confundidas com a sombra de todos os condenados.
Quando eu estava pairando sobre a gangue de tiras corruptos. Cambaleando sobre o teto do moinho, com neve e vento selvagem, eu era um ninja, o poder de Shaolin estava ao meu lado, não havia como enganar ninguém. Na melhor das hipóteses, eu era um super-homem dopado com criptonita, prestes a cair da clarabóia até o lugar onde tudo acontecia.
Não queria ter estendido tanto o meu discurso antagônico, sou todos ouvidos agora. Meu nome é Max Payne e faz vinte e seis anos que perdi minha família. Obrigado.


FIM
10/07/14



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