O Guia NERD para Quase-adultos escrita por GTavares


Capítulo 3
Você sabe com quem está falando?




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Ao chegar em casa Dex foi direto para seu quarto, dando apenas um grito de “Mãe, cheguei”. Continuava incrédulo sobre o que tinha feito na frente da garota. Um espirro acompanhado daquela mistura de proteínas, água e restos de células, produzida pela mucosa para proteção das vias respiratórias.

Dex tirou sua roupa, pegou sua eterna toalha com os escritos “Don’t Panic” e foi para o banho. Para ele, a toalha é um dos objetos mais úteis para um mochileiro das galáxias por ser extremamente prática. Você pode usar a toalha como agasalho quando atravessar as frias luas de Beta de Jagla; pode dormir debaixo dela sob as estrelas que brilham avermelhadas no mundo desértico de Kabrafoon; pode usá-la como vela para descer numa minijangada às águas lentas e pesadas do rio Moth; enrolá-la em torno da cabeça para proteger-se de emanações tóxicas ou para evitar o olhar da Terrível Besta Voraz Traal; pode agitá-la em caso de emergência para pedir socorro; ou usá-la para enxugar-se com ela se ainda estiver razoavelmente limpa.

Sentou-se em frente ao seu computador que, diferente de 93% da população mundial, possui o sistema operacional Linux. Dex podia citar uma lista com vantagens que o sistema possuía em relação aos seus concorrentes, mas com certeza a que estava no primeiro tópico para ele era o fato de poder dizer “Não sei, eu uso Linux” para qualquer pessoa que pedisse para formatar ou arrumar uma máquina com outro sistema.

Abriu o processador de texto com os olhos fixados na tela e começou a digitar, “Capítulo 23 – A teoria das janelas quebradas”. Durante 4h escreveu cerca de 12.000 palavras aplicando tal teoria aos livros de R. R. Martin, tentava explicar que a falta de punição de pequenos delitos ou contravenções acarretam, inevitavelmente, à condutas criminosas mais graves, exemplificando pelo fato de que, se uma casa abandonada no meio de um bairro de classe média ou alta estiver impecável, ninguém irá roubá-la. Todavia, caso um vidro da sala esteja quebrado e voltado para a rua, sofrerá diversos furtos e destruição. Porque o estado em que se encontraria, transmitiria uma ideia de deterioração, de desinteresse, despreocupação.

Assim que postou, foi acompanhar sua conta e notara um novo comentário.

O que mais gostou? Essas ideias muito loucas que ele tem.

O que menos gostou? Extremamente complexo para qualquer leigo.

Dex, oi sou eu, achei bem interessante sua história apesar de não entender nada do que você escreveu. Acho que podia vir acompanhada de um dicionário nas notas finais (rs) Te vejo amanhã na escola. Espero que tenha tomado algum remédio para corisa (rs).”

Um calor súbito invadiu seu corpo, um misto de vergonha e empolgação, ficara roxo, verde e vermelho (não necessariamente nessa ordem), recebeu um comentário da menina mais incrível que conhecera nos últimos 16 anos de seus 16 anos. Logo, um sorriso largo mostrava seus dentes alinhados perfeitamente devido aos exaustivos 4 anos de aparelho odontológico. Pulou em sua cama, animado. Seu fim do dia não poderia ficar melhor. Pegou seu exemplar de Fruits Basket e enquanto terminava a leitura, adormecera.

[...]

Dex acordou e as coisas ao seu redor estavam diferentes. Seu quarto havia mudado, na verdade estava deitado em um sofá cama no meio de uma sala em que podia enxergar uma grande mesa de jantar repleta de computadores. Estava meio zonzo.

─ Levanta Dexter, precisamos terminar de programar “O Flautista” – disse um menino alto, magro, o cabelo ondulado estranhamente bagunçado, com uma voz engasgada.

─ Ri... Richard? Mas o... O que eu estou fazendo aqui? – Perguntou Dex meio confuso do que estava acontecendo com ele.

─ Como assim o que está acontecendo? Agora você está sob minha custódia e qualquer produto que for desenvolvido dentro deste estabelecimento eu terei o direito de receber 10% do valor de venda – respondeu rapidamente outro nerd mais velho, com os cabelos compridos loiros até o ombro e uma grande barriga que, se fosse uma mulher, seria comparada com 7 meses de gravidez.

─ Peter Gregory? Mas... Mas... – continuava não entendendo.

─ É o seguinte cara, em que mundo você estava? Estamos no Vale do Silício, tempo é dinheiro. Então levante e vá desenvolver logo estes algoritmos – falou Peter Gregory em tom de irritação.

Os olhos de Dex abriram novamente, porém dessa vez estava no seu quarto, segurando seu mangá, enquanto uma baba umedecia seu travesseiro. Levantou-se e verificou o horário no seu despertador, ainda demoraria um bom tempo até ir para o colégio. Levantou-se, acendeu a luz do quarto, pegou seu robozinho que estava numa espécie de bancada próximo à sua escrivaninha.

─ Bom YBR 54967 Versão 2.7 W2, acho que vou tentar fazer você funcionar direito dessa vez. E precisamos de um novo nome. Precisamos urgente.

[...]

No colégio tudo continuava normal, exceto pela presença de Sophie como membro da nova turma.

─ Peter, agora que você está se formando. Eu posso ser tipo você com os meninos – especulou a menina.

─ Não vai existir um tipo eu tão cedo nesse colégio Sophie – disse com um riso sarcástico entre os lábios.

─ Até porque NERD arrogante do jeito que você é será difícil mesmo aparecer por aqui – soltou Ruper com ironia.

─ Esta noite tive um sonho estranho – interrompeu Dex mudando de assunto – sonhei que estava no Vale do Silício programando com o pessoal da série.

─ Sua mente é muito fértil Dexter, cada dia você sonha com algo diferente. Já sonhou que lutava contra Smaug, que participava do Torneio Tribruxo – completou Peter.

─ Tudo bem meninos, mas voltando ao assunto – Sophie entrando na conversa – Acredito sim que sou muito inteligente Peter, até mais que você. Inclusive a professora já me convidou para participar das Olimpíadas de Astronomia este ano.

─ Astronomia é fácil, só dar uma lida antes da prova – disse Peter sem muita animação.

─ Acho que foi por isso então que ano passado alguém ficou com medalha de bronze – riu Dex fazendo menção a Peter.

─ É verdade, nosso amigo sabe o quanto é fácil que ganhou medalha de bronze – Rupert continuou caçoando.

Na volta para a sala de aula, os quatro amigos andavam pelo corredor quando o time de futebol vinha em sua direção. No exato momento, Dexter já se imaginou num filme em que ambos estavam em câmera lenta, como rivais, para disputar algum prêmio. “O time dos vencedores e dos losers”, mas que sempre acabavam vencendo no final.

Uma trombada quase fez Dexter cair no chão. De imediato olhou para cima e percebera que se tratava de Bruke, o capitão do time. Com seus 40 cm a mais que Dex e seus músculos definidos, colocava medo em qualquer menino e arrancava olhares de todas as garotas.

─ Você não olha por onde anda não? – perguntou Sophie quase de imediato quando viu seu amigo sendo atingido.

─ Você sabe com quem está falando? – retrucou Bruke em tom de superioridade.

─ Claro que eu sei. Estou falando com um individuo entre 7 bilhões de indivíduos iguais e que formam apenas 1 espécie entre outras 3 milhões de espécies já classificadas. Que vive num pequeno planeta que gira em torno de uma estrela muito pequena, que é apenas uma entre 100 bilhões de estrelas, formando uma única galáxia entre 200 bilhões de galáxias que formam um dos Universos possíveis e que, um dia, vai desaparecer – respondeu de imediato – Ou seja, você não é nada, assim como todos aqui.

Uma ovação de gritos de chacota e gozação surgiu em meio aos demais companheiros de time que calaram o capitão. Os meninos olharam para Sophie em tom de agradecimento, e Peter abriu um largo sorriso.

─ É, talvez você possa se tornar o novo Peter – disse rindo – Mas “tipo” o novo Peter, tem muito o que aprender ainda.

─ Aham, sei – respondeu dando um tapinha no braço dele.

Naquele momento, Dex teve a maior e melhor ideia que poderia ocorrer a ele nos próximos 100 anos: Ficar famoso entre todos os NERDs do mundo. Iria escrever um guia para NERDs e pediria ajuda aos seus amigos. Ele tinha que deixar uma lição para os demais garotos que, assim como ele, sofriam de inteligência.

Voltando a realidade, olhou para seus amigos que estavam mais à frente dele e começou a rir. Abraçou Peter e Ruper, olhou para Sophie.

─ Obrigado, muito obrigado – disse com um olho brilhante.

Sophie não entendeu o que estava acontecendo, mas retribuiu com uma piscada.

[...]

Naquela noite, ele iria construir todos os seus planos. Planejar os capítulos, distribuir quem iria escrever cada coisa. Estava extremamente feliz, mal podia se aguentar para contar a seus amigos. Iriam amar a ideia.

─ Dexter – gritou sua mãe da sala num tom preocupante – Corre aqui – completou quando ele já estava no cômodo.

Na televisão uma repórter segurava o microfone em frente à escola que Dexter estudava.

Ainda não se sabe o que aconteceu, as roupas e o sapato da menina foram encontrados do lado de fora do Colégio. Ao que tudo indica, trata-se de um desaparecimento. A família ainda não recebeu nenhuma ligação de um possível sequestro. A garota de 16 anos havia acabado de chegar na cidade. Os pais pedem para qualquer pessoa que tiver notícias de sua filha que, por favor, entrem em contato. Mais notícias no Jornal da Noite”.

Dex via a foto de Sophie sendo exibida na televisão enquanto a mulher pronunciava a notícia. D-E-S-A-P-A-R-E-C-I-D-A. Correu para seu quarto, pegou sua mochila, colocou seus pertences mais preciosos, incluindo sua toalha. Passou como foguete pela sala.

─ Mãe, preciso encontrar os meninos – disse apressado – Ela... Ela é minha amiga.

E saiu com DeLorean para fora, dessa vez não imaginava que estava em meio a uma Guerra entre alienígenas e zumbis. Mas sim, em uma corrida para salvar a princesa das garras de Bowser, Wario, Donkey Kong e Wart juntos.

Nota final 1: Linux sempre será melhor que Windows

Nota final 2: Em caso de abdução, corra.


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Notas finais do capítulo

* O 2º parágrafo foi adaptado do Capítulo 3 de O guia do mochileiro das galáxias.

** Richard e Peter Gregory são personagens da série Silicon Valley, aclamada pela crítica. Traz uma nova visão do mundo da tecnologia e programação.

*** Bowser, Wario, Donkey Kong e Wart são vilões do game Mario.