Notas Mortais escrita por Ryskalla


Capítulo 3
Feia


Notas iniciais do capítulo

Mais um conto curtinho, espero que gostem o/



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Você costumava dizer que eu era a boneca mais linda que seus olhos infantis já viram.

Claro que não eram essas as palavras que você usava, mas elas têm o mesmo significado. Brincávamos até o anoitecer e só parávamos porque sempre havia dever para fazer. Eu odiava aquilo que você chamava de “trabalho de casa”, porém uma boneca deve ser paciente e como uma boa filha eu aguardava o retorno da minha mamãe.

Isso até que aquele acidente aconteceu. Foi quando você me levou para um lugar chamado escola. Não entendi a situação muito bem, afinal, sou apenas uma bonequinha! No entanto, pude entender o sentimento presente nos olhos de Bruna. Ainda lembro o nome dela. Foi a inveja dela que me deixou feia e fez com que você voltasse chorando comigo para casa.

— Mamãe! Olhe o que a Bruna fez com a Linda! — Lágrimas inconsoláves rolavam pelo seu rosto, mesmo quando sua mãe pegou uma escova àspera e começou a esfregar meu rosto com sabão. — Não vai sair! Ela usou canetinha permanente!

— Está melhor, Jéssica. Veja, só está um pouco rosado. — Você continuava chorando e balançava a cabeça negativamente. Era tão triste que mesmo eu gostaria de chorar também. — Filha, ela só está com o rosto rosa.

— Ela está feia agora! Está horrível! — E com grande violência, me arrancou dos braços de sua mãe e me jogou dentro do seu baú de brinquedos abandonados. Eu conseguia ouvir seu choro e as tentativas de sua mãe lhe acalmar. Podia ouvir que ela lhe compraria uma outra boneca, ainda mais bonita... E isso pareceu te acalmar.

Você conseguia ouvir meu choro?

Não sei ao certo quanto tempo se passou, você numera em dias e eu em brincadeiras... Não conseguia contar quantas brincadeiras você e sua nova boneca fizeram. Tudo o que eu queria era que você me chamasse de Linda outra vez, que me tirasse desse baú, que entendesse o quão triste é observar pelo buraquinho da fechadura enquanto você dá amor a uma boneca que não te ama tanto quanto eu.

Houve um dia em que resolvi sair.

Acompanhei você pela casa, escondida. O Senhor Peludo não estava em lugar algum... Será que ele havia sido abandonado por você também? Fiquei triste e feliz ao mesmo tempo... Triste porque ele era um bom cachorro. Feliz porque ele não me denunciaria.

Você estava um pouco mais alta do que eu recordava, estava fazendo alguma coisa no chão da cozinha. Estava recolhendo alguns talheres que caíram próximos ao fogão. Como é desastrada!

Havia uma panela com água fervendo... Fiquei me perguntando se aquela não poderia ser minha canetinha permanente...

Depois que voltei escondida para o baú, observei pelo buraquinho o seu corpo deitado na cama. Às vezes você levantava e eu conseguia ver seu rosto enfaixado... O tempo correu e já não havia faixas para cobrir seu rosto, porém ainda assim eu não conseguia vê-lo direito.

Até o dia em que você abriu o baú.

Você ficou me olhando enquanto me segurava. Eu estava sorrindo novamente, porque seu rosto era rosado igual ao meu agora. A única diferença era que ele estava enrugado como o da sua vovó... Eu lembro do rosto dela, porque foi graças a ela que conheci você.

Nós duas estávamos feias.

“Você vai brincar comigo agora?”


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