Muito tempo havia se passado.

Muito? Pouco?

Peter Pan nunca conseguia se lembrar do tempo quando estava na Terra do Nunca, ou talvez nunca fosse preciso ou, até então, ele não queria se lembrar do tempo. Ele tinha medo daquele tempo. Tinha medo do que ele fazia com as pessoas.

Entretanto a imagem de Wendy aventurando-se juntamente a ele naquele pedaço mágico era uma memória da qual Peter Pan nunca conseguia se afastar.

Às vezes pegava-se nas noites cálidas pensando no tempo em que estiveram se divertindo na companhia dos Meninos Perdidos, de João e de Miguel. Seu coração palpitava quando lembranças como aquela vinham à tona. E, naquele instante, os batimentos cardíacos estavam descompassados.

Peter Pan deixou sua mente esvaziar por um momento quando seus pés saíram da superfície arenosa e se dirigia ao mais longínquo céu, sendo protegido por uma afável luz ao seu lado, seguindo-o em um silêncio impassível, porém acolhedor.

Passou por entre nuvens e estrelas.

Aquela experiência de viajar para Inglaterra era sempre carregada de felicidade e tristeza. Lembrar de que os anos afetaram a aparência infantil de Wendy trazia a Peter Pan um nó no peito.

Ele chegou quando o Sol deixava cair sobre as ruas em uma claridade que não queimava, mas cujo calor acariciava como a mão de Wendy.

Vez ou outra Peter Pan comentava como aquele pedaço de lugar estava mudando e Tinkerbell somente dirigia ao garoto um olhar carregado de amabilidade enquanto adiantava-se alguns segundos.

Pousaram próximos à janela daquele lugar.

Ver aquela fachada trazia à tona as lembranças que ele pensava que um dia poderiam ser esquecidas.

Peter olhou por uns instantes o Sol, que parecia cada vez mais pálido, e voltou-se para a janela aberta da casa de Wendy. Ela continuava a mantê-la assim. Havia uma pequena luz iluminando o cômodo tão impalpável, entretanto a fonte de luz parecia tão inexpugnável que Peter deixou sua respiração parar.

Foi, então, que Wendy apareceu.

Os passos demorados. As costas curvadas. O olhar caído, porém carregado de benevolência e amabilidade. Tudo isto caracterizava a atual Wendy.

Peter Pan aproximou-se mais um pouco da janela, receoso que a mulher o visse, e parou, olhando-a com um ar curioso e infantil.

Wendy sentou-se na cadeira e suspirou, sentindo o coração descompassado falhar. Ela colocou a mão sobre o peito e pôde sentir seus batimentos. É bom lembrar-se de memórias tão bonitas..., Wendy pensou voltando seu olhar para a janela e ainda tinha esperanças de que um dia Peter Pan viria visita-la.

Peter escondeu-se na penumbra, o semblante absorto nas feições recaídas e afáveis. Escorou-se pelo telhado como se fosse difícil vencer a pequena corrente de ar frio.

Aquela imagem frágil de Wendy aqueceu seu coração. Talvez voltar de vez em quando para o mundo dos adultos não fizesse tanto mal. Talvez pudesse encontrar Wendy mais uma vez e dirigir-lhe palavras que a fizesse recordar da Terra do Nunca.

Talvez voltar para ver o amor insubstituível não fizesse tão mal.