Ele não costumava sair de casa durante o dia, só o fazia quando necessário. Preferia a noite, era mais silencioso. Mas aquela era uma ocasião especial, a primeira vez que ele não trocava a noite pelo dia em pelo menos 2 anos. Como estava de bom humor, decidiu comemorar com uma volta pelo bairro. O cenário era completamente diferente do que se encontrava durante a madrugada, havia mais pessoas e os rostos eram mais amigáveis.

Chamava-se Loki, tinha 23 anos e trabalhava em uma loja de conveniência para pagar o aluguel do pequeno apartamento onde morava, além das outras despesas, é claro. O nome lhe fora dado por causa de uma promessa feita pela sua mãe ao deus nórdico. De fato, ninguém a considerava normal, nem mesmo ele. Tinha cabelos vermelhos e olhos cinzentos, era muito sociável, principalmente quando estava bêbado. Passava boa parte de seu tempo livre em baladas, acompanhado de seus amigos Thor e Dionysus. Os três andavam juntos desde a sétima série, e a amizade surgiu justamente por causa de seus nomes de deuses mitológicos.

Caminhou pela rua ensolarada com as mãos nos bolsos do casaco preto e rosa, estranhando a simpatia das pessoas por quem passava. Se fosse noite, ele estaria apressando o passo e desviando de qualquer um que aparecesse em seu caminho.

O que Thor estaria fazendo? Provavelmente dormindo, seria uma pena se alguém o acordasse. Parou próximo a uma vitrine e tirou o celular do bolso, abrindo a câmera frontal. Olhou para sua imagem na tela por alguns instantes, ajeitando a franja.

Colocou a língua para fora e tirou uma foto de si mesmo, enviando- a para o amigo logo em seguida.

“Adivinha quem acordou cedo?”

Riu levemente ao imaginar a reação do outro, mas algo tomou sua atenção no instante em que tirou os olhos do aparelho.

Parada atrás do balcão, uma figura angelical de longos cabelos dourados e olhos azuis embrulhava algo com papel pardo. Era um homem? Não importava, era lindo de qualquer forma. Durante todos os anos em que frequentou clubes e danceterias, ele nunca havia encontrado alguém com tal beleza. Era como se pudesse observá-lo por horas.

O pacote foi entregue ao cliente com um sorriso no rosto, Loki pôde sentir seu coração acelerar ao ver aquela belíssima expressão sorridente. Estava decidido, ele iria falar com aquela pessoa de alguma forma, naquele mesmo instante.

A sineta tocou assim que a porta foi aberta, o ruivo entrou afobado, sem pensar no que fazia. Quando se deu conta, estava parado na frente do caixa, sem nem saber em que tipo de loja estava.

— Bem vindo. — Disse com mais um sorriso.— Em que posso ajudá- lo?

Ficou parado com os lábios entreabertos, pensando no que falaria. Não poderia elogiá-lo logo de cara, isso seria assustador. Talvez fosse uma boa ideia comprar algo, já que estava dentro da loja. Mas afinal, que lugar era aquele?

Pães, bolos e outras gostosuras variadas espalhadas pela vitrine. Ele estava em uma padaria.

— Ah, eu...— Olhou para o grande cardápio colado na parede— gostaria de um café, por favor.

— Pode se sentar — comentou rabiscando um papel e entregando- o para ele. Falava de um jeito calmo e amigável.

Sentou-se em um dos banquinhos altos próximos ao balcão. Era o único cliente que estava ali no momento. Ficou batendo as unhas pintadas de preto contra a superfície de granito enquanto esperava o outro voltar com seu café. O celular vibrou em seu bolso, era uma mensagem de Thor.

“Eu não dou a mínima. Para de atrapalhar meu sono”

“Hehe, sorry!!”

Digitou a mensagem com rapidez, pensando se deveria contar sobre a situação em que estava. Não, melhor deixar para mais tarde.

— Aqui está seu café, senhor — a xícara foi colocada em sua frente. Loki aproveitou para olhar para o moço com mais atenção. Ele era alto, e usava um avental azul escuro sobre a camiseta verde e as calças pretas.

— Balder...?— Murmurou, lendo seu nome escrito no crachá.

— Sim?

— É seu nome?— Perguntou curioso.

— Sim. É estranho não é?— Comentou sem graça. — É por causa do deus nórdico...

— De jeito nenhum! Na verdade, eu me chamo Loki— apresentou- se com um sorriso.

— Ah! Que coincidência!— Ele riu, suas bochechas ficaram levemente rosadas.

— É mesmo— disse o ruivo, apoiando a cabeça na mão esquerda.

A sineta da porta tocou mais uma vez e Balder se afastou para atender o novo cliente.

Loki ficou a observá-lo enquanto bebericava seu café, quase como se o analisasse. Era educado e bonito, na verdade, muito bonito. Um verdadeiro Deus Grego. Grego não, nórdico.

Imaginou quais seriam seus passatempos, não parecia ser do tipo frequentador de festas, talvez gostasse de ler ou de assistir filmes. Formulou uma pequena lista de perguntas para fazer a ele.

— Takeru! Tenho que ir agora, você atende os clientes?— Gritou Balder indo até o que deveria ser a entrada da cozinha.

Já estava indo embora? Que desagradável. Loki soltou um muxoxo insatisfeito, teria que chegar mais cedo se quisesse conversar com o rapaz.

Balder voltou, agora sem o avental e carregando uma mochila. Um homem de cabelos azuis o acompanhava. O ruivo pensou se deveria se despedir dele. Não, soaria estranho.

— Até amanhã, Takeru— disse o loiro ao passar pela porta.

— Até— respondeu o outro, se acomodando atrás do balcão.

Loki terminou sua bebida e apanhou o papel onde seu pedido estava anotado. Era um preço bem alto para um simples cafezinho, teria que economizar um pouco de dinheiro se quisesse passar algum tempo perto de Balder.

A volta para casa foi entediante, sabia que não teria nada para fazer até a hora de ir para o trabalho. Engoliu alguns comprimidos de melatonina que achou em seu armário, estavam vencidos há alguns meses, mas ele precisava dormir. Estava decidido a acordar mais cedo no dia seguinte para conseguir conversar com Balder.

Não sonhou com nada, raramente sonhava com alguma coisa. Acordou com o despertador tocando, era 8 da noite e ele precisava ir trabalhar. Vestiu o uniforme e foi para a loja de conveniência.

Gostava de trabalhar durante a madrugada por ser um horário pouco movimentado, mas era entediante ficar sentado durante horas sem ter o que fazer. Passou grande parte do tempo jogando em seu celular, parando apenas para atender os raros clientes que apareciam.

Dormiu um pouco antes de voltar à padaria. Chegou lá bem mais cedo e, felizmente, encontrou a pessoa que tanto desejava.

— Bem vindo! Ah, você estava aqui ontem, não estava? — Ele o recebeu enquanto limpava o balcão com um pano úmido. Hoje seus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo alto.

— Sim, eu estava— ele riu, sentando-se no mesmo lugar do dia anterior.

— Fico feliz em saber que gostou daqui. O que vai querer?

“Na verdade eu gostei de você”.

— Um café, por favor.

Balder sorriu e seguiu até a cozinha.

A cena se repetiu várias vezes. Loki passou a ir lá todos os dias, sempre no mesmo horário. As conversas ficavam mais longas conforme o tempo passava. Descobriu que ele estava no primeiro ano do curso de literatura da universidade local, e que gostava ler e de ir a museus. Morava com outros dois amigos, os irmãos Takeru, que também trabalhava na padaria, e Tsukito.

— Ei Loki!— Gritou Dionysus se jogando no sofá— Acabou meu vinho!

— Se vira aí— resmungou, sentando-se em frente ao seu laptop.

Era sexta-feira e os três amigos estavam reunidos no apartamento de Loki, como sempre faziam. Dionysus já estava na quinta taça e Thor estava na cozinha, preparando algo para comerem.

— Só tem esse vinho barato?—Reclamou, pegando a garrafa e se aproximando do dono da casa. — Tá fazendo o que?

— Nada do seu interesse— respondeu, mudando a aba do navegador antes que o amigo visse o que estava fazendo.

— Desde quando você se interessa por museus?

Loki soltou um grunhido irritado, detestava que vissem o que fazia em seu computador.

— Não é da sua conta.

— Deve ser por causa daquele cara— Thor apareceu na porta da cozinha segurando uma tigela de pipoca.

— Pipoca? Nós temos 10 anos ou o que?—Ele fechou o notebook, guardando- o em seu quarto.

— Só achei isso e um pedaço de queijo mofado. — Pôs o recipiente sobre a mesinha de centro, acomodando-se no sofá. —Você devia ir ao supermercado.

— Que cara?— Dionysus abriu a garrafa e encheu três taças, colocando-as ao lado da pipoca.

— O Loki está se encontrando com um rapaz todos os dias— disse Thor, passando a mão pelos cabelos verdes— Ele me contou semana passada.

— Ah, Loki! Por que eu sou sempre o último a saber dessas coisas?— Ele tomou a taça inteira em um gole— Como ele se chama? Ele é bonito?

— Vocês são um bando de fofoqueiros!— Loki se sentou entre os dois, pegando sua bebida— Isso não é da conta de vocês!

— Mas como ele é?— O outro ruivo o provocou, enchendo sua taça mais uma vez.

— Um fofo— confessou, fechando os olhos.

— Acho que é esse aqui— Thor entregou o celular de Loki a Dionysus, mostrando uma foto de Balder.

— Ele até que é bonitinho.

— Como você sabe minha senha?! Devolve isso aqui— ele pegou o aparelho das mãos do outro com violência.

— 1234 não é uma boa senha— riu Dionysus.— Ei, boa sorte com ele.

— Valeu.

Loki não podia negar que estava realmente interessado em Balder. Mas era um pouco complicado se aproximar dele, principalmente por causa de seus interesses. O loiro não gostava de lugares lotados, enquanto o ruivo adorava frequentar todo tipo de festa.

Não desistiria assim tão fácil, e faria o possível para se tornar amigo dele, pelo menos.