Capítulo 25: Desatando os nós

Uma vez em casa, Lucy se sentou na cama e ficou a observar Gray, que assim como ela, não sabia como trazer o assunto a tona e nem por onde começar. Ambos conseguiam sentir onde aquilo levaria e o porquê, mas não conseguiam começar.

A maga ainda se lembrava da conversa que teve na primeira vez que saiu com Gray. Haviam voltado de uma missão e ele disse que queria conversar com ela. Sabendo do modo ciumento de Natsu e da rixa dele com o mago de gelo, decidiu ir sem avisar.

Quando se sentaram num restaurante simples, pediram seus pratos e Gray foi direto ao assunto.

– Lucy, como você se sente em relação ao Natsu?

– E-eu?! – Ela exclamou envergonhada pela pergunta direta – P-por que está me perguntando isso?

– Por que preciso tirar uma dúvida antes de te fazer uma proposta.

Lucy abaixou a cabeça pensativa. Ela não sabia ao certo como se sentia em relação a ele e muito menos como dizer ao Gray. Na verdade, nem mesmo sabia se queria dizer a ele. Ela nunca imaginou que a conversa que ele queria ter com ela fosse para esse lado. Por que ele estava curioso afinal?

– Se te ajuda – Disse Gray percebendo a tensão dela – Eu vou falar um pouco sobre mim...

– Com a Juvia? – Indagou Lucy.

– É – Ele disse claramente desconfortável – Eu não sei bem como me sinto com ela. A mania de me perseguir em todo lugar, a fixação dela comigo, as ideias mirabolantes que ela tem são muito irritantes... Por outro lado, eu percebo que ela realmente se importa comigo apesar de tudo. Mesmo que tenha rejeitado quase diariamente, ela sempre tenta de novo e declara o seu amor aos sete ventos... Além de confiar em mim cegamente. Mesmo quando todos acharam que eu traí a guilda, ela ficou do meu lado. Sempre tentou me animar, me fazer sorrir e está no meu lado em qualquer situação...

Lucy observou como a expressão dele passou de irritado para vago e então carinhoso de alguma forma. Ela sorriu de leve, por mais que o mago de gelo tentasse parecer indiferente a Juvia, era claro o modo que se importava com ela (mesmo que nunca viesse a admitir). Ela disfarçou um risinho ao fazer uma careta.

– Não é hora de você encarar isso de uma vez e ficar com ela? – Perguntou Lucy sorrindo.

– Não é bem assim! É que... – Ele mesmo se interrompeu – Bem, antes de eu continuar, quero que me diga como Natsu é para você.

– Natsu... – Ela disse pensando alto enquanto tentava descrever o que sentia – Acho que todo mundo tem uma parte que a gente não gosta muito, no seu caso é a fixação da Juvia. No meu caso, eu detesto quando Natsu começa a mexer nas minhas coisas sem dar a mínima... Principalmente quando ele usa meu banheiro para tomar banho como se não fosse nada demais.

– Pera, ele faz o quê?! – Exclamou Gray.

– Não fale como se você não fizesse coisas assim... Aliás, coloque a calça e procure sua camiseta antes que sejamos expulsos.

– Do que... – Gray olhou para si e viu que estava só cueca e meias – Droga!

Demorou cinco minutos até que ele achasse suas calças e camiseta. Quando voltou a mesa, os pratos já estavam lá e Lucy o aguardava.

– Certo... – Ele disse sem graça – Pode continuar e vamos comendo.

– Ok – Ela assentiu – Por mais que o Natsu me irrite... Eu aprendi a lidar com isso, faz parte dele. Hoje acharia estranho se ele não se comportasse assim, Natsu age com impulso e naturalidade, ele só é relaxado e folgado comigo justamente porque se sente a vontade e livre para fazer isso – Ela sorriu – Além disso, ele está do meu lado no melhor e pior. Ele nunca desistiu de mim, assim como eu nunca desisti dele...

Gray olhou atentamente por ela por um momento, ele voltou a comer falando com ela de boca cheia.

– Então porque não casa com ele de vez?

– Q-que?! – Lucy exclamou e em seguida começou a fazer sinais de negativo com a mão – N-não temos uma relação assim! É dar um passo muito grande! Nós somos próximos, mas casar ou assumir uma relação assim do nada também não dá!

– Exatamente! – Ele respondeu no mesmo tom dela – É justamente o que querem que eu faça com a Juvia! Parece que querem que eu vá com ela pro altar só porque ela insistiu em mim... – Ele suspirou se recostando na cadeira – Juvia não precisa da minha pena, se ela quisesse outro ela poderia escolher quem ela quisesse.

– Mas ela não quer, ela deixou isso bem claro quando rejeitou Lyon – Lucy respondeu compreendendo Gray – Ela escolheu você.

– Mas eu não sou obrigado a escolher ela por isso...

Lucy finalmente entendeu. Por mais que Juvia o amasse, ele não queria escolher ela por pena, obrigação ou o que poderia ser uma falta de opção. Se fosse para que ele ficasse com Juvia, que fosse pelos motivos certos. Ela compreendia, pois era a mesma pressão que ela sofria para que Natsu e ela se tornassem um casal. Era legal de certo modo, mas quando parece que você não pode se relacionar com mais ninguém, fica estranho e isso afetava até a interação entre eles.

– Então pelo o quê você quer escolher? – Ela perguntou dando mais uma garfada na comida sem desviar o olhar dele.

Gray pensou um tempo olhando pela janela depois voltou sua atenção novamente a ela.

– É um pouco estranho, mas... – Ele passou a mão dos cabelos negros, obviamente sem graça – Se for pra ficar com alguém e pra escolher, eu gostaria de ter tido algo antes... Sabe, sem pular na primeira pessoa e ficar com ela sem nenhuma experiência. Eu quero saber que é ao lado dela que eu me sinto único e diferente do resto do mundo, porque é ali onde me encaixo e... Por que você tá me olhando desse jeito? – Ele falou corando ao ver que ela tinha o garfo no ar e a boca aberta sem se mover.

– Você tá me dizendo... Que você nunca namorou? – Lucy perguntou surpresa.

– Bem, tecnicamente não... – Ele disse com vergonha.

– Não tem essa de tecnicamente! Você já saiu com alguma garota mais de cinco vezes?

Gray se encolheu na cadeira.

– Mais de três...?

Ele se encolheu ainda mais.

– Mais de uma vez?! – Ela exclamou sem acreditar.

– A maioria com quem saí foi embora assim que eu perdi minhas roupas... Pela segunda vez – Ele confessou.

– Bem, isso é mesmo um problema – Lucy comentou.

– Eu não quero ficar com a Juvia por segurança ou falta de opção, ela merece mais do que isso...

– Você se importa muito com ela – a maga comentou ganhando a atenção dele – Você é sempre tão frio ou indiferente que não sabíamos, então é um bom sinal.

– Eu não posso corresponder, a menor interação que temos já serve pra ela aumentar as esperanças... – Ele suspirou e voltou a comer.

– Mas enfim – Disse Lucy colocando os talheres na mesa depois que terminou de comer e pegou seu copo de suco – O que sua proposta tem a ver com você e Juvia ou eu e Natsu?

– Tudo – Ele disse terminando de comer – Eu quero namorar com você.

Lucy cuspiu todo o suco na mesa ao lado, encharcando um cara que reclamou e foi se limpar enquanto ela tentava se recuperar, tossindo por ter engasgado. Gray mandou ela levantar os braços para ajudar a respirar e ela o fez, parando de tossir só algum tempo depois. Quando conseguiu controlar a respiração, enxugou as lágrimas que vieram quando engasgou e mais calma perguntou de novo.

– O que você disse?

– Eu quero namorar com você... Não engasgue de novo... – Ele pediu.

– Gray... Que raios? – Lucy respondeu inconformada – Depois de todo esse papo sobre a Juvia, sobre o Natsu e... Sério, que raios você tá falando? Eu não to entendendo mais nada.

– Calma... É bem simples – Gray disse tentando fazer com que ela se acalmasse – Nós vamos fazer um "experimento".

– Experimento? – Ela perguntou confusa.

– Sim. Nós vamos tentar namorar por um tempo, para ver se reagimos um com o outro e se nós sentimos algo diferente... Se der certo entre nós, eu não vejo problema, se não der, tudo bem também.

– Deixa eu ver se eu entendi – Disse Lucy – Você quer namorar comigo para um "teste de química" onde você vai descobrir se você realmente gosta da Juvia ou é por conveniência?!

– Bem, falando assim parece algo ruim...

– Claro que é!

– Então você não tem dúvidas se realmente gosta de Natsu?

– Eu nunca disse que gosto dele! – Ela exclamou corando.

– Ah, pelo amor de Deus, é óbvio! Eu mesmo não sei como vocês não tiveram algo ainda... – Lucy corou ainda mais – Eu quero fazer isso com você porque você é uma amiga, eu gosto muito de você e... Bem... Você é a garota que teria mais chances de dar certo ou aceitar isso. Pronto, falei! – Ele exasperou se jogando na cadeira.

Lucy ficou quieta por um tempo, ponderando sobre o que ele disse.

Era verdade que ela tinha dúvidas. E assim como Gray, ela havia pensado algo parecido. Não haviam muitas formas de saber, a não ser tentando ser aquilo que queria ser com Natsu, com outra pessoa. Além disso, e se Natsu não sentisse o mesmo que ela? Ele tinha uma história com Lisanna que parecia não ter sido retomada, mas ninguém poderia saber se algum dia seria ou se ela foi totalmente esquecida.

No final das contas, o que ela tinha a perder se tentasse?

– Tudo bem – Ela sorriu – Eu quero tentar.

– É sério? – Gray perguntou desacreditado e ela assentiu.

Gray sorriu e esticou o braço segurando a mão de Lucy firmemente, sentindo uma certa segurança ao toque e agradeceu não só por ela ter aceitado, mas por compreendê-lo. E assim, o namoro deles começou.

Voltando ao tempo presente, Lucy suspirou e se jogou na cama.

– A gente pisou na bola, não?

Gray suspirou em seguida e se sentou numa cadeira, aparentemente cansado também.

– Eu não sei dizer. Só sei que não foi como esperávamos... Quero dizer, você é muito legal e tudo, mas...

– Eu não sou a Juvia – Lucy completou erguendo-se um pouco para fita-lo – Assim como você não é o Natsu.

– É, acho que pode ser por aí – Gray disse coçando a nuca.

– Quando foi que você percebeu que o que estamos fazendo era besteira? – Perguntou ela curiosa enquanto se ajeitava na cama para ficar com as costas apoiadas na parede.

– Quando Mizuki apareceu – Gray confessou – No início tive um pouco de raiva dela porque parecia que ela estava afastando a Juvia de propósito. Só depois do renascimento dela, de ver como a Juvia ficou arrasada eu entendi que ela estava na verdade tentando fazer Juvia se recuperar e dar a volta por cima. Ela não ia conseguir fazer isso sozinha, muito menos ficando perto de mim – Gray constatou – E você?

– Quando achei que ela e o Natsu estavam namorando.

– Pera, o que? – Gray exclamou surpreso.

– Faz tempo... – Lucy suspirou – Eu ouvi o Natsu falar algumas coisas e depois vi ele com a Mizuki... É claro que ia pensar isso, principalmente depois daquele beijo!

– Você sabe que aquilo não foi voluntário, né?

– Sim, assim como você tirar suas roupas. Aliás, pode colocar elas de novo?

– Do que... – Ele olhou para si, vendo-se somente de cueca – Ah, de novo não! – Gray reclamou procurando as roupas.

Depois de colocar tudo de novo, ele voltou-se a Lucy que abraçava um travesseiro parecendo preocupada. Se aproximando devagar, ele se sentou ao lado dela, fitando o teto.

– Não é algo que devemos nos envergonhar – Gray disse – A gente tentou, não deu certo e é isso. Mesmo que não tenha dado certo, eu não me sinto desconfortável com você.

– É – Lucy assentiu – Eu também não...

– Então... – Gray pensou um pouco – A gente se joga na friendzone e tudo certo?

Lucy riu sem conseguir segurar e ele a acompanhou.

Realmente, eles não deveriam se envergonhar de terem tentado ao menos. Pelo menos agora ambos tinham uma visão mais aberta e certeira. Eles eram apenas amigos, eles gostavam de outras pessoas e só. Se fossem viver na dúvida eterna do "e se..." seria muito pior.

– Não é isso que me preocupa... – Lucy admitiu.

– O que é então? É a missão?

– Também... Amanhã saem os resultados...

– Vamos passar.

– Não é essa minha preocupação – Disse Lucy, Gray percebeu que ela apertou o travesseiro com mais força – Eu tenho a sensação de que...

– De que... – Gray a incitou a continuar quando ela deixou a frase no ar.

– De que nem todos vamos voltar dessa missão...

Gray a fitou pelo canto dos olhos, ficando preocupado também. Ele podia ver o medo de Lucy bem ali, quase palpável... Seria uma hora ruim para dizer que ele também sentia aquilo?

Sim, uma péssima hora.

Por isso, Gray apenas afagou o cabelo dela levemente dando um sorriso torto.

– Vamos sim. Cada um de nós. E voltaremos todos juntos. Você vai ver – Ele falou à ela, como se aquilo também o fosse convencer – Eu já vou indo. Precisamos chegar cedo amanhã na guilda.

– Certo – Lucy assentiu.

– Boa noite! – Disse se levantando em direção a porta.

– Boa noite.

Quando estava com a mão na maçaneta o mago de gelo a fitou novamente, sem saber como perguntar, mas não se rendendo a duvida.

– Por acaso... Quando a gente se beijava... – Ele começou devagar – Você sentia desconfortável? Como se tivesse beijando um primo ou algo assim?

Lucy pareceu estática por um momento antes de soltar o ar aliviada.

– Graças aos céus, eu não era a única.

– Ok, isso só confere que a gente devia ter parado tudo há muito tempo! – Ele riu – Agora eu vou – Se despediu.

– Tome cuidado.

E com o leve baque da porta fechando, Lucy estava sozinha novamente. Ela fitou as estrelas e rezou para que sua impressão não fosse nada além da incerteza da missão que saberiam no dia seguinte.

.

.

.

Num lugar distante dali, Lisanna estava brincando com Hime enquanto Blume parecia já ter adormecido numa almofada que Mira preparou para ambas. Mira estava sentada no sofá fazendo algumas anotações e Elfman já tinha ido se deitar. A maga de transformação mais nova voltou a jogar o novelo de lã para Hime, mas dessa vez ela não o pegou nem o seguiu, ficou apenas olhando para o alto parecendo confusa.

– O que foi? – Lisanna perguntou, fazendo Mira também fitar Hime.

– Dois nós foram desfeitos... Eu achei era deles que vinha a bagunça, mas tem outros nós no meio... – A exceed franziu o cenho – Tem outras pessoas envolvidas.

– Como assim? – Mira indagou.

– Eu não sei... – A Exceed balançou a cauda – Acho que agora teremos que esperar para ver.