Candidatos a Deuses escrita por Eycharistisi


Capítulo 53
Capítulo 53




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Depois de almoçar, Circe pegou nas roupas que Snow lhe emprestara e fez o caminho de volta ao quarto dele. Como só vestira as roupas por alguns minutos, decidiu que não faria mal voltar a guardá-las no guarda-fatos. Dobrou-as e arrumou-as, mas não fechou o guarda-fatos.

Ela nunca reparara em como Snow cheirava bem. Mas ali, no seu quarto, aquele cheiro delicioso estava por todo o lado, o que dificultava imenso o ato de sair do quarto. Circe não se queria ir embora, queria ficar ali, deitada na cama de Snow, com o rosto enterrada na almofada em que ele poisava a cabeça todas as noites.

“Se calhar até tenho um fetiche com a cama dele”, ponderou a rapariga, demasiado seduzida por aquele cheiro para verdadeiramente se importar se estava a agir ou não como uma tarada obsessiva.

Voltou a olhar para a roupa dentro do guarda-fatos, descobrindo uma camisa que outrora teria sido branca, mas que agora se encontrava acinzentada pelas lavagens e descosida em alguns pontos, com vários botões em falta. Snow com certeza já não a usava, pelo modo como estava toda amarrotada no fundo do móvel. Portanto, ele não se importaria se Circe de facto a levasse. Pois não?

Sem se conseguir segurar, Circe retirou a camisa do guarda-fatos e encostou-a ao rosto, inspirando profundamente. Soltou um suspiro logo de seguida, completamente embriagada com o cheiro. Podia passar o dia inteiro com aquela camisa encostada ao rosto. Quem é que precisava de respirar oxigénio? Ela respirava o cheiro de Snow e não queria substituições.

– Vá, Circe, já chega de taradisse – murmurou para si mesma.

“Só mais um pouquinho”, implorou uma vozinha na sua mente.

Circe olhou em volta, acabando por se concentrar na cómoda, onde estava um frasco de perfume. Aproximou-se e tirou a tampa, chegando o pulverizador ao nariz.

Quase desfaleceu com a intensidade com que o cheiro chegou ao seu cérebro, queimando-lhe os neurónios e deixando o seu corpo a implorar pelo de Snow. O quanto ela não daria para o poder abraçar…!

Mas não podia, e já estava na hora de sair dali. Portanto, escondeu a camisa velha de Snow dentro da sua mala e saiu do quarto. As suas noites passariam a ser muito mais agradáveis, agora que tinha algo que vestir no lugar do pijama.

* * *

– Passas-me as folhas azuis? – pediu Saya, estendendo a mão enluvada para que Lilás lhe pudesse entregar o pequeno molho de folhas secas.

– Claro – confirmou ele.

Lilás pegou rapidamente no montinho de folhas azuis que ele e Saya tinham preparado no dia anterior e entregou-lho, deixando a sua mão sobre a da rapariga talvez mais tempo do que aquele que seria propriamente necessário.

Saya dirigiu-lhe um pequeno sorriso de agradecimento, sem sequer ter reparado nesse pormenor. Rasgou as folhas em pedacinhos pequeninos e depois juntou-se à poção que fervia brandamente na sua frente. Mexeu com a colher de pau e depois juntou mais uma pequena porção de água.

– Okay, agora só nos resta esperar – constatou ela, limpando as mãos a um pano próximo.

– Que vamos fazer enquanto esperamos? – perguntou Lilás, sorrindo.

– Não sei – disse Saya, encolhendo os ombros.

Lilás ficou alguns segundos a olhar para Saya, mordendo levemente o lábio enquanto ponderava se lhe devia ou não perguntar. Acabou por ceder:

– Foste ver o significado da flor de lótus?

Saya ficou congelada por um segundo, as suas faces corando levemente, antes de se dar conta da sua própria reação e continuar a agir normalmente. Apenas o rubor não se dissipou.

– Sim, fui ver – disse ela, pigarreando suavemente.

– Ah… – fez Lilás, acenando e baixando o olhar num gesto envergonhado.

Saya ficou a olhar para o topo da cabeça baixa dele, enquanto um silêncio opressor se estendia entre eles.

– Então – disse ela, para quebrar aquele gelo e fazendo Lilás erguer a cabeça de repente – O que é que vamos fazer, enquanto esperamos?

– Posso colocar mais flores no teu cabelo – sugeriu Lilás, com um sorriso de menino adorável.

Saya empurrou nervosamente uma madeixa de cabelo para trás da orelha.

– O-okay – cedeu.

Lilás alargou o seu sorriso e correu a puxar uma cadeira para a sua frente, enquanto ele se sentava sobre o tampo da mesa de laboratório.

– Senta aqui – convidou ele, batendo suavemente nas costas da cadeira.

Ainda algo hesitante, Saya cedeu, sentando-se de costas para Lilás. Logo sentiu os dedos cuidadosos do rapaz deslizar pelos seus cabelos, penteando-os ou entrançando-os.

– Camélias vermelhas – apresentou Lilás, colocando uma das belas flores na frente do rosto de Saya, oferecendo-lha – Significam sinceridade.

Saya não respondeu, simplesmente aceitou a flor e deixou que Lilás continuasse a mexer-lhe no cabelo.

– Uma dália vermelha – disse ele, oferecendo outra flor a Saya – Significa que a pessoa tem uns olhos abrasadores.

– Isso resultaria melhor com a Hisui, ela é que tem olhos vermelhos – disse Saya, pegando na flor.

– O azul dos teus olhos é profundo e quente que chegue – murmurou ele.

– É a cor do gelo – murmurou Saya, baixando ligeiramente a cabeça.

– O gelo também queima.

Saya torceu-se para olhar para Lilás, os olhos arregalados de espanto.

– Que foi? – perguntou ele, fazendo um pequeno sorriso enquanto empurrava uma pequena madeixa de cabelo solto de Saya para trás da sua orelha.

– Tu… sabes…?

– Sei o quê? – perguntou Lilás, confuso.

– Nada – negou Saya, rapidamente, voltando a sentar-se direita.

Lilás ficou a olhar para ela alguns segundos, até que tornou a mexer no seu cabelo, dizendo:

– Sabes que podes confiar em mim, Saya. Se quiseres desabafar… eu estou aqui para te ouvir.

Saya não respondeu logo e Lilás continuou a entrelaçar o seu cabelo, enchendo-o de flores.

– Quando as Parcas me disseram que o meu pai tinha morrido – murmurou Saya –, eu chorei pela primeira e última vez da minha vida.

Lilás ficou alguns segundos em silêncio, admirado.

– Eu lamento muito, Saya…

– Não tens nada a lamentar – negou ela, num tom brando – Só que…

– O quê? – insistiu Lilás, ternamente, quando Saya se calou.

A rapariga respirou fundo, soltando toda a tensão de dentro dela.

– O meu poder é o gelo – revelou ela – e, quando chorei, quando libertei aquela única e simples lágrima… ela congelou na minha cara. O frio, tão intenso para uma coisa tão pequena, queimou-me a pele e deixou-me marcada para o resto da minha vida. Uma representação física da dor psicológica que senti naquela hora.

Saya baixou a cabeça ao terminar de contar a sua história e Lilás saiu de cima da mesa, dando a volta à cadeira em que ela estava sentada até se colocar na sua frente. Ajoelhou-se junto dos pés de Saya, com as mãos sobre os seus joelhos, para podes espreitar o rosto baixo da rapariga. Fez um dedo deslizar pela pequena cicatriz que ela tinha por baixo do olho, murmurando:

– Agora compreendo.

– Não posso chorar – disse Saya, os olhos brilhando com as lágrimas contidas – Não posso chorar, ou ficarei completamente desfigurada, cheia de cicatrizes de cada lágrima que soltei.

– Lamento muito, Saya – murmurou Lilás – Lamento que tenhas de guardar toda essa dor dentro de ti… Se houver alguma maneira de eu a amenizar, por favor, diz-me. Farei tudo o que puder.

Saya abanou a cabeça, fazendo um pequeno sorriso comovido.

– Obrigada, Lilás. Mas não há nada que possas fazer.

A tristeza marcou os traços do rosto de Lilás. Suavemente, ele poisou uma mão sobre o queixo de Saya, fazendo-a erguer o rosto. Depois esticou-se, chegando o seu rosto ao dela e depositando um longo e terno beijo na pequena cicatriz. Saya fechou os olhos, apreciando o calor e o carinho daquele gesto.

– Farei tudo o que puder – insistiu ele.


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