Candidatos a Deuses escrita por Eycharistisi


Capítulo 16
Capítulo 16




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– C-como assim? – perguntou L – Tu nunca conheceste os teus pais?

Hisui negou com a cabeça.

– E és uma deusa?! – continuou L, quase num guincho.

Hisui acenou.

– Mas… como pode isso ser? Que tipo de deusa és?!

A rapariga ergueu uma sobrancelha.

– É contra as regras falar sobre os poderes. Mas acho que mereces saber.

– A história toda, por favor! – pediu L, num tom que revelava que ela não estava a gostar nada da brincadeira.

Hisui suspirou e olhou pela janela para o céu salpicado de estrelas.

– Ainda estava suja com os fluídos do parto – murmurou Hisui, continuando a olhar pela janela – Embrulhada numa manta velha, dentro de um cesto de verga. Não fosse eu ter boas goelas e teria morrido gelada à porta do orfanato. Ou pelo menos foi o que toda a gente me disse, quando eu perguntava de onde viera. Ninguém sabia quem eram os meus pais, nem qualquer outro familiar. Ainda tentaram investigar, saber se alguém tinha visto quem me deixara ali. Mas ninguém viu nada. Fiquei lá durante seis anos, no orfanato. Sabes que a partir de uma certa idade é menos provável que as crianças sejam adotadas porque toda a gente prefere bebés. Mas o Sebastian não. O Sebastian queria uma criança naturalmente inteligente, uma criança com quem ele pudesse ter uma boa conversa e que o arrancasse da sua monotonia. E escolheu-me a mim. Admito que fiquei um pouco desconfiada, pensando que mais coisas poderia ele querer de mim. Mas ele sempre foi gentil comigo, sempre me tratou bem… deu-me algumas das minhas mais importantes lições de vida. Assim como a mulher dele. Mas esse é outro caso. A Cristina nunca gostou de mim. Sentia que o marido estava a desistir dela e de ter filhos com ela quando decidiu adotar-me. E achava que, mesmo que eles ainda conseguissem ter um filho, ele continuaria a gostar mais de mim do que dos outros. Nunca pôde provar isso. Passaram-se anos sem que ela engravidasse e, entretanto… o Sebastian foi assassinado durante um assalto. Foi um golpe muito duro e eu nem sequer tive tempo para recuperar dele. A Cristina atirou-me logo para um internato, chegando mesmo a acusar-me de ser a culpada da morte do marido. Enfim, vamos saltar essa parte. O internato em que eu estava, felizmente, facilitava um pouco a passagem a quem quisesse seguir a “carreira de deus”. Portanto aproveitei. Pretendia tornar-me uma deusa exemplar, para fazer a Cristina engolir tudo aquilo que dissera sobre eu ser inútil, e, principalmente, para tentar descobrir o assassino do meu pai Sebastian. Acabei por descobrir algo bem mais interessante. Descobri que era uma Deusa Adepta da Morte perdida no mundo dos humanos.

Hisui baixou o olhar da janela para o colo quando terminou a sua história e L ficou a olhar para ela, de queixo caído, sem saber o que haveria de dizer.

– Hisui… – murmurou, apesar de não fazer ideia do que poderia dizer.

– O meu maior objetivo de momento é terminar os meus estudos em Atlantis – disse ela, erguendo os olhos para L – Depois, eu e o Darkness iremos visitar a campa do meu pai e ele poderá dizer-me quem o matou. Eu não tenho esse tipo de poder, afinal, sou só uma Deusa Adepta. Mas o Darkness, que é o Deus Supremo da Morte, poderá alcançar o espírito do meu pai e saber como foram os seus últimos momentos de vida. Saberá dizer-me quem o matou.

– Hisui, lamento muito…

– Não o faças – estalou de imediato a rapariga – Não preciso da piedade de ninguém. Não tive um passado perfeito, mas não o lamento. Foi ele que fez de mim a pessoa que sou hoje. E gosto do jeito que sou, gosto daquilo que consegui para a minha vida.

Ficaram em silêncio por alguns momentos, simplesmente a olhar através da janela, até que L ganhou coragem para o quebrar:

– E os teus pais? Os teus pais verdadeiros, digo.

– Que têm? – perguntou Hisui, erguendo suavemente uma sobrancelha.

– Não… descobriste quem são?

– Não – negou Hisui – E, sinceramente, não sei se quero. Se os meus pais fossem humanos, eu até poderia procura-los para tentar saber porque razão me haviam abandonado. Poderiam ter uma boa razão para ter feito isso. Mas sendo deuses… quer dizer, que razão teria um deus para abandonar a sua filha? Ainda para mais no mundo dos humanos?

– Para proteger? – questionou L.

– Proteger de quê? – perguntou Hisui, com uma expressão aborrecida – Não há nada de que eu deva ser protegida.

– Talvez não haja agora, mas quem sabe se não haveria naquela altura?

Hisui ficou alguns momentos a olhar para L. Depois encolheu os ombros e tornou a olhar para a janela. O silêncio tornou a descer sobre as duas, até que Hisui se endireitou de repente.

– Vem aí alguém – murmurou ela.

L olhou rapidamente em volta, desorientada. Não via ninguém, não ouvia nada, portanto, como é que Hisui podia saber? A questão era que ela estava certa. Não demorou até uma rapariga com longos cabelos vermelhos surgir de entre as prateleiras, esfregando um olho ensonado com um punho.

– Oh… não sabia que estava aqui gente… Precisam de ajuda com algum livro? – perguntou ela, soltando depois um bocejo.

– Claro que não – negou Hisui, levantando-se com um movimento fluído e elegante – Ainda nem sequer começámos a ter aulas.

– Oh… é verdade – murmurou a rapariga, parando por fim de esfregar o olho e revelando o negro brilhante e aquoso do seu olhar – E por falar nisso, o baile deve estar a começ… – e depois calou-se, lançando um olhar chocado às janelas e à lua do outro lado – Ah, bolas! O baile já começou, não já?

– Começou, sim, abécula – confirmou Hisui – Mas se te despachares, és capaz de ainda aproveitar qualquer coisita – acrescentou ela, fazendo um pequeno sorriso sardónico.

– Okay – aprontou-se a rapariga, preparando-se para correr para fora da biblioteca, mas parando de repente e lançando um sorriso muito gentil por cima dos ombros – A propósito, chamo-me Yngrid. E vocês?

– Sou a L – respondeu L, sorrindo.

– Hisui – disse a outra rapariga, num tom neutro.

– Prazer – disse Yngrid, com mais um sorriso, antes de desatar a correr para fora da biblioteca.

– Bem! – exclamou Hisui – Acho que já falamos tudo o que tínhamos a falar. Eu vou voltar para junto da Circe. Tu devias voltar para o baile, afinal, foi feito para te dar as boas-vindas.

– O que se passa com a Circe? – atreveu-se L a perguntar, enquanto se levantava da sua cadeira.

Hisui inspirou fundo.

– Lembraste de dizer que o poder da Circe ainda está em bruto? – perguntou, ao que L acenou – Quer dizer que ela não o consegue controlar, não consegue controlar as visões que tem. Especialmente durante a noite, que é a hora associada ao sono. Os sonhos que a Circe deveria ter enquanto dorme começam a manifestar-se diante dos seus olhos enquanto ela ainda está acordada. E vê coisas na lua, como se ela fosse um espelho. Normalmente vê só coisas sem sentido, como um rosto, uma paisagem… às vezes ouve vozes. Sussurros.

– Então, quando eu me encontrei connosco no salão…

– A Circe estava a começar a ter as visões – confirmou Hisui – Estava a tentar controlá-las por tempo suficiente para chegar ao quarto e é claro que isso é extremamente cansativo, para não dizer doloroso.

– Ela está bem? – perguntou L, preocupada.

– Agora sim – confirmou Hisui – Deixei-a sentada à janela do quarto, a olhar para a lua. Não deverá demorar muito tempo até adormecer e as verdadeiras visões começarem.

L acenou, compreendo, dentro dos possíveis.

– Agora, volta para o baile – disse Hisui, praticamente ordenou, antes de também ela se afastar na direção da saída.


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