Moldando o Nosso Clichê escrita por Nynna Days


Capítulo 1
Qual é o número da sua felicidade?




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É estranho o modo como acontecimentos repentinos podem virar em cento e oitenta graus a vida de uma pessoa. Não importa se for um acidente de carro, um ataque cardíaco, uma gravidez. A cada segundo que passa, alguém tem a sua vida transformada.

E naquela sexta feira foi a minha vez.

Não sofri nenhum acidente – Graças a Deus – nem nada semelhante, mas isso não fez a força do baque diminuir. Estava observando meu castelo de cristal rachando diante dos meus olhos e foi preciso apenas uma minúscula pedra para que tudo desabasse aos meus pés.

Analisando com cuidado a minha vida, percebi que tinha feito uma analogia incorreta ao pressupor que meu castelo era cristalino. Não. Minha vida era como um castelo de cartas. Montado com cuidado, sendo almejando chegar ao topo. Porém só bastou uma brisa forte e tudo desmoronou.

Estava no meu último ano do ensino médio, ansiando pela liberdade que a faculdade tanto nos prometia. Só que, antes disso, minha mente vibrava com a expectativa para o último baile. Vestido perfeito, cabelo perfeito. Talvez o par perfeito. Vida perfeita. Ou era isso o que eu esperava que todos vissem. Era o que eu transparecia.

“Não acredito que estão nos obrigando a perder o ensaio e assistir essa palestra ridícula.”, Luen Masters, minha melhor amiga reclamou. Seus olhos escuros estreitos explicitando sua raiva e o lábio inferior projetado para frente – explicitando o quão mimada era. “Queria passar um tempo com Bryan.”

Seguindo o estereótipo de qualquer líder de torcida do colegial, Luen namorava o capitão do time de futebol. Algumas pessoas achavam aquilo estranho, afinal, eu era a capitã. Eu deveria ser o par perfeito de Bryan. Isso reduzia um andar de meu castelo de cartas.

“Vocês passam o dia inteiro juntos.”, reclamei revirando meus olhos azuis cristalinos. “A diretora está fazendo um bem para você.”, trombei meu ombro no dela de brincadeira e a vi dando um pequeno sorriso. “Ele já te convidou para o baile?”

Luen moveu os dedos pelos cabelos escuros, exibindo seu novo corte Chanel. Admirava sua coragem por fazer algo tão drástico com o cabelo. Quase me sentia envergonhada por manter meus cabelos loiros longos e ondulados. Defensiva – e levemente incomodada – apertei meu rabo de cavalo.

“Ele não seria de louco de não fazê-lo.”, debochou cruzando as pernas, expondo as torneadas pernas bronzeadas cobertas apenas por uma micro-saia. Com as longas unhas pintadas de escarlate, ajeitou o top vermelho do uniforme. Me deu um olhar de soslaio. “E o seu par misterioso, Amber? Quando irá tomar uma atitude?”

Encolhi meus ombros, não querendo falar desse assunto, mesmo que fosse quase impossível. O boato da St. Camurim inteira era que Amber Dale não tinha par para o baile. Os motivos variavam de pessoa para pessoa.

Naquele exato momento, por exemplo, tinham duas pessoas atrás de mim que debatiam a teoria sobre eu estar ficando com alguém comprometido e ele se recusar á me levar para o baile. No dia anterior, duas garotas no banheiro deliberavam a hipótese de eu ser lésbica. Entretanto, a mais absurda saiu de duas líderes de torcidas. Enquanto estávamos tomando banho e tirando as roupas suadas, elas fofocavam, pensando que o barulho do chuveiro abafaria suas vozes esganiçadas.

“Talvez ela esteja se envolvendo com algum tipo de criatura sobrenatural.”, uma delas murmurou. Poderia imaginar a outra assentindo, concordando com aquelas palavras estúpidas. “Um vampiro ou um lobisomem.”

“Reparou o quanto ela está pálida?”, a outra questionou. “Aposto que se olharmos com atenção, vamos ver uma marca de mordida em seu pescoço.”

E, para o meu espanto, ela procuraram. Enquanto eu me vestia, podia sentir seus olhos averiguando meu corpo, em busca de alguma marca suspeita. Depois reclamam quando dizem que as líderes de torcida têm inúmeros neurônios a menos.

Não que culpasse todos os que futricavam – não acredito que usei essa palavra. Estava passando muito tempo com minha avó – sobre as razões de minha imutável solteirice. Ou o porquê de não ter aceitado nenhum dos convites para o baile. A resposta era simples.

Eu estava esperando alguém especial.

Luen sabia disso, mesmo não desconfiando de quem fosse. Conhecia minha amiga bem o suficiente para ter certeza que surtaria. Na verdade, todos naquela escola surtariam ao saber de quem eu esperava o convite. Se você está me imaginando como uma Lolita, pode esquecendo. Meus professores eram asquerosos – alguns eram bacanas, mas mesmo assim... Arg!

“Tiffany me perguntou se você está grávida.”, Luen me confidenciou, mexendo os dedos com uma velocidade surpreendente no celular. Bufou. “Já é a terceira vez nessa semana.”, se inclinou para frente, rosnando as palavras raivosamente enquanto as digitava. “Ela. Não. Está. Grávida. Merda.”, guardou o celular e cruzou os braços. “Como se ela fosse uma santa e não desse para o time inteiro de futebol.”

Fui poupada de dar alguma resposta – já que não tinha nenhuma, além de sorrir – quando a palestrante entrou e começou o seu discurso. Era uma tradição na St. Camurim que todo o último ano assistisse a uma palestra sobre algum tema polêmico. O desse ano era Motivação. Luen se entediou em cinco minutos – um recorde – mas eu continuei prestando a atenção.

“Sei que alguns de vocês ficaram chateados quando terminaram um relacionamento ou perceberam que logo irão se separar de seus amigos, mas tem que perceber que isso não é um final. É um começo.”, a palestrante andava de um lado para o outro, querendo olhar para todos os presentes. “O tempo está a favor de vocês, então aproveitem. Sejam felizes e se arrisquem.”

O assistente dela passava por entre as fileiras entregando panfletos, parando ocasionalmente para fechar os olhos e assentir, demonstrando que concordava com tudo o que sua chefa dizia. Cruzei os dedos e pousei as mãos em minhas coxas, ignorando o descaso e os comentários de Luen.

“Estou me sentindo em um maldito culto religioso.”, murmurou. E, sem medo de represarias, tornou a pegar o celular. “Bryan quer ir jantar naquela pizzaria nova que abriu no centro. Quer ir?”

Recebi um panfleto e balancei a cabeça em agradecimento. “Qual é o número de sua felicidade?” era o estava escrito. Para uma garota como eu – que tinha pais amorosos, boa estabilidade financeira, uma amiga companheira, popularidade e um futuro promissor pela frente – deveria ser dez, certo? Então porque em minha mente brilhava um cinco em neon?

“Hoje pode ser o último dia para que façam alguma coisa que valha a pena.”, a palestrante disse recuperando a minha contemplação. Deu um sorriso terno. “Eu ficaria muito lisonjeada em saber que os ajudei a driblar um problema e encontrar a solução. Apenas pequenos atos podem ter grandes consequências. Se serão boas ou ruins...”, deu de ombros. “Isso irá depender de suas intenções.”

E aquela foi a minha virada de cento e oitenta graus. Assim que a palestra acabou, senti toda a adrenalina tomando conta da minha corrente sanguínea mesclada com a impaciência de ter que esperar uma fila escassa de alunos sair por uma minúscula porta.

“Terra para Amber.”, Luen estalou os dedos na frente do meu rosto. Perguntei-me se ela estava falando comigo a algum tempo. “Vai querer sair comigo e com Bryan ou não?”

Finalmente conseguimos sair, mas isso não diminuiu minha urgência. Olhei para os lados, como se dali fosse sair a resposta para todos os meus dilemas e me peguei encarando o relógio central da escola. Calculei mentalmente quanto tempo teria para fazer a loucura do século.

“Desculpe, Luen.”, dei um tapinha em suas costas sem realmente focar no que estava fazendo. “Eu tenho que fazer uma coisa importante agora.”

Não escutei o que mais ela disse. Misturei-me na multidão de alunos com a mente presa em uma epifania e só um objetivo: Encontrar o meu dez.

***************************

Bati com o livro na mesa na biblioteca, atraindo os olhares de algumas pessoas ao nosso redor. Incluindo o dele. Meu rosto – já corado por conta da caminhada/corrida até ali – adquiriu um tom de vermelho que quase rivalizava com a cor das unhas de Luen. Ignorando as batidas ensurdecedoras do meu coração, sentei-me a sua frente.

A sua expressão ficou confusa e seus dedos – um pouco trêmulos – empurraram os óculos de grau na ponte do nariz de volta ao seu devido lugar. Suas bochechas se rosearam e seus olhos escuros observavam cada movimento meu com sobressalto. Não iria culpá-lo. Afinal, nós só tínhamos conversado três vezes durante o ensino médio inteiro.

“Hum, você precisa de ajuda, Amber?”, ele perguntou em voz baixa. Nervoso, piscou demasiadamente rápido e desviou os olhos por alguns segundos. Sorri, pousando as mãos trêmulas em minhas pernas expostas. “É sobre a pesquisa para amanhã? Posso tentar de ajudar.”, ofereceu.

Juntando a coragem que tinha se esvaído segundos atrás, pus meus cotovelos na mesa e me inclinei na sua direção. Vi seu pomo de adão subindo e descendo, deixando ainda mais aparente o seu nervosismo. Ergueu os óculos com uma mão e coçou os olhos com o indicador e o polegar, como se estivesse se obrigando a sair de um sonho.

“Eu tenho algumas perguntas sobre Amor Platônico.”, sussurrei, evitando que a ansiedade preenchesse todo o meu corpo e afetasse minha voz. Engoli a seco obrigando meus pulmões a permanecer no mesmo lugar. “Como se acabar com um Amor Platônico?”

Franziu o cenho, abandonando seu nervosismo e dando o lugar para a preocupação. O modo como me analisou de cima a baixo, procurando pistas que o ajudassem a entender o motivo daquela pergunta estúpida, fez os pelos de minha nuca se arrepiar. Moveu os dedos por seus cabelos escuros, parcialmente ocultos por sua touca preta e suspirou.

“Eu diria que é muito difícil se livrar de um Amor Platônico.”, ele com insegurança em cada uma de suas palavras. Meus dedos começaram a formigar e me forcei a relaxar contra a cadeira. Força, Amber. “Mas, está tudo bem com você, Amber?”, ele levantou os olhos tímidos, porém determinados. Hesitou antes de continuar. “Não imagino quem seria louco o suficiente para não gostar de você. Qualquer um te amaria.”

Ele tinha que dizer aquelas palavras logo no momento em que estava me acalmando? Toda a bagunça que acontecia em meu interior foi exposta por minhas bochechas – novamente coradas – e meu sorriso nervoso. Mordi a ponta do lábio inferior com uma ideia idiota soando em minha mente. Era um tiro no escuro, mas era melhor que nada.

“Qualquer um?”, perguntei duvidosa de minhas próximas palavras. Ele assentiu. Pigarreei, enrolando uma mecha de meu cabelo por entre os dedos. Tanta confiança em dançar e nenhuma confiança em falar com ele. “Até mesmo você?”, ergui uma sobrancelha.

Theodore tossiu engasgado com a própria saliva. Segurei a vontade de sair correndo e respirei fundo. Se ele mostrasse que não tinha nenhum interesse em mim, seria mais fácil. Poderia voltar para meu castelo de cartas. Terminar mais um andar.

O silêncio fez meus ouvidos queimarem e a expectativa me cegou. Só queria uma brecha. Algo que me fizesse ver que eu não estava perdendo tempo com um estúpido amor impossível. Porque dali a uma semana, tudo estaria terminado.

Os olhos escuros de Theodore finalmente pousaram em mim e tinha uma confiança tão desconhecida por mim, que me manteve desconcertada por poucos segundos. Ele nem me deu a chance de me recuperar e deu um sorriso meigo.

“Principalmente eu, Amber.”, respondeu em um sussurro rouco. Passei a língua pelos lábios, aproveitando o momento intenso e envolvente que nos tomava. Como ele conseguia me atingir com só um olhar? “Mas, isso não é uma história adolescente e nem uma fanfic, onde o nerd e a patricinha se apaixonam de repente.”, ele riu, sem graça, movendo os dedos pelos fios escuros.

Meu castelo de cartas ficou desestabilizado e bambeou. Ele disse que poderia me amar, mas que estávamos no mundo errado. Era isso? Fechei os olhos, massageando minhas têmporas procurando por uma solução mais simples. Esquecê-lo seria mais simples. Ele tem razão. Desde quando a história se reverteu e a patricinha passa noite em claro por causa do nerd?

Malditos clichês da sociedade.

“Amber, está tudo bem?”

Seus dedos contra minha pele fez com que uma descarga de duzentos e vinte volts passasse por meus membros. Abri meus olhos de supetão encarando sua expressão preocupada. Por um instante senti raiva. Não de Theodore, mas de mim mesma. Todos os anos que perdi para me tornar a número um não adiantaram de nada se não conseguia fazer uma medíocre declaração.

“Amber, você está vermelha.”, Theodore pegou minha mão me puxando em direção a saída. Até as roupas dele eram distintas das minhas. Camisa de botão com as mangas curtas, calça preta e tênis esfarrapados. “Vamos para a enfermaria. Você quer vomitar?”

Ah, eu queria. Queria vomitar todas as palavras que estavam presas em minha garganta. Coragem, por que me abandonou novamente? Com espanto reparei os corredores totalmente desertos. Era óbvio que depois daquela palestra todos iriam embora. Só tinha sobrado Theodore e a estúpida que vos fala.

“Theodore, espere!”, pedi. Ele pausou me olhando com curiosidade. Quer saber? Dane-se. “Eu-eu...”, pausei balançando a cabeça. Vamos, Amber. Uma semana e você o perderá. “Vai parecer muito louco se eu disser que gosto de você?”

Sua boca pendeu aberta e meus pulmões esqueceram-se de trabalhar. A palidez tomou conta de sua pele e quem ficou preocupada fui eu. Será que ele iria desmaiar? Soltou minha mão, ainda me encarando como se eu fosse um E.T.

Agora que já havia começado...

“É ridículo, eu sei.”, continuei, expressando meu desespero em gesticulações exageradas. “Mas, aconteceu, ok? Você sempre estava nos momentos que eu mais precisava. No primeiro ano quando não consegui entrar para as líderes de torcida e você me fez tentar de novo...”

“Elas que são as estúpidas por não te aceitarem, Amber.”, ele murmurou beijando meus cabelos e limpando o rastro de lágrimas de minhas bochechas. Sorriu. “Quando menos esperar, vai estar usando aqueles uniformes ridiculamente curtos e me ignorando.”

Funguei, limpando meu nariz na manga de meu moletom.

“Como você sabe o meu nome?”

Seu sorriso se ampliou até se transformar em uma gargalhada.

“Já está começando, viu?”, tirou a touca e me olhou com doçura. “Fazemos biologia juntos há quase seis meses.”, estendeu a mão livre. “Sou Theodore Hart.”

“E quando minha avó sofreu um acidente e eu pensei que nunca mais a veria.”, acrescentei ainda vendo a descrença brilhar em seus orbes negros. “Você foi o único que conseguiu me tirar daquele mar de desespero.”

E estava me empurrando para lá de volta.

“Por que você sempre me encontra quando estou chorando?”, questionei feliz por não estar mais sozinha. Ele sorriu e eu retribui com prazer. Apontei para minha roupa. “Viu? Estou usando o uniforme ridiculamente curto.”

Levantou uma sobrancelha enquanto se sentava ao meu lado.

“Estou feliz por ainda se lembrar de mim.”, confessou em voz baixa. E, me pegando desprevenida, passou os braços ao meu redor. “Não importa o que aconteceu, estou do seu lado e farei tudo dar certo.”

Contrariando tudo o que uma pessoa do meu nível social e burocrático deveria fazer, descansei minha cabeça contra o seu peito. Assim foi fácil perceber o quanto seu coração estava descompassado. Semelhante ao meu.

Theodore deu um passo para trás, saindo de seu estado de torpor. Eu o estava perdendo, era fácil perceber isso em seus olhos. Meneou a cabeça, não acreditando em nenhuma palavra que saía de minha boca. Nem eu acreditava que estava dizendo aquilo. Estiquei minha mão na sua direção, como se isso fosse impedir sua fuga.

“E teve aquele dia, no mês passado.”, dei um pequeno sorriso. “Que meu carro quebrou no caminho da escola. E estava chovendo.”

“Lata-velha idiota.”, ralhei para o meu carro e andei pisando duro em direção á escola. Eram apenas algumas quadras. Nada que fosse me matar. Ou era o que eu pensava até as primeiras gotas de água tocar minha pele. “Oh, muito legal.”, olhei para cima, raivosa. “Sério, Deus? O que eu fiz? E não me venha com o papo de que deveria ter tirado o lixo para a minha mãe. Era a vez dela e eu estava atrasada...”

“Acho que está um pouco tarde para reclamar.”, Theodore disse desacelerando o carro para que acompanhasse meus passos. Tinha noção de seus olhos avaliando meu corpo molhado e coberto meramente por curtos pedaços de pano – meu uniforme ridiculamente curto. “Entre.”, ele abriu o carro.

Balancei a cabeça.

“Já estou vendo a escola daqui.”, passei os braços ao meu redor, me impedindo de mostrar o quanto ansiava estar dentro de seu carro e me aquecer. Meu cabelo grudou em meu rosto. “A culpa é minha por nascer a garota mais azarenta do mundo.”

“Não se faça de durona, Amber.”, ele retrucou. Então estacionou o carro e me lançou um olhar rígido. “Se você não entrar em cinco segundos, juro que vou sair e pegá-la.”

Algo em suas palavras me fez quase tropeçar e meu corpo atingir uma temperatura incomum de acordo com a situação atual. Era uma oportunidade. E Amber Dale nunca perdia uma oportunidade. Ergui uma sobrancelha em desafio e acelerei meu passo. Isso não me impediu de escutar o barulho do motor morrendo e da porta abrindo. Muito menos se seus passos contra o chão molhado.

“Te peguei.”, ele sussurrou contra o meu ouvido e me virou.

Tudo ao redor parou e eu esqueci até que estava chovendo. Seus dedos contra minha pele era tudo o que importava. Sua respiração quente roçou em meu rosto e eu sabia que estava á poucos centímetros de uma queda social. Então, porque não me importei? Lutei tanto para conquistar aquilo e estava disposta a largar tudo aquilo em troca de um misto de sensações desconhecidas.

E antes que eu pudesse me dar conta do que acontecia ao meu redor, Theodore se abaixou e passou os braços ao redor de minhas coxas. Soltei um grito que foi abafado por seu riso. Ele jogou meu corpo em seus ombros com facilidade e caminhou até o carro. Assim que estávamos protegidos da chuva – e ainda assim completamente molhados – ele limpou os óculos contra a camisa e ligou o carro.

“Me pergunto o que as pessoas dirão quando verem a rainha Amber com um plebeu como eu.”, ele gracejou e riu de sua própria piada.

Quanto a mim? Estava me lixando para o que diriam. Só queria que aquele momento durasse.

“Theodore, me escute.”, supliquei percebendo a distância imposta por ele. “É loucura? Sim. Até para mim. Não queria admitir que estivesse totalmente apaixonada por uma pessoa como você. Somos de círculos sociais, mundos e galáxias diferentes. Mas eu não ligo. Daqui á uma semana toda essa besteira vai acabar e não vamos ver metade dessas pessoas que tanto tem prazer em nos julgar...”

“Isso é uma maldita aposta?”, ele me interrompeu olhando para os lados, nervoso. Dei um passo em sua direção e o vi se retraindo. “Pare, ok?”, tirou a touca e agarrou os cabelos com a mão livre. “Posso ser o que for, mas nunca um idiota. Não tem como uma garota como você se apaixonar por um nerd como eu.”

Agora sim eu me irritei. Bati o pé como uma perfeita patricinha e estreitei os olhos. Uma sombra de sorriso surgiu em seus lábios, mas ele balançou a cabeça, afastando-se de meu encanto.

“Isso não é uma aposta.”, me defendi. Antes de tudo explodir diante de meus olhos, estendi um papel em sua direção. “Vá comigo ao baile, por favor? Desculpe-me por ter jogado essa bomba em seu colo desse jeito.”, abaixei os olhos. “Queria fazer isso de um jeito suave, então percebi que...”

“Era a sua última chance.”, ele completou, pegando o convite. Franziu o cenho pensando nas opções. “Não sei, Amber. Estou confuso.”, apontou para o próprio peito. “Eu que deveria estar implorando por seu amor, mas meu bom senso me alertou que isso acabaria em lágrimas.”, virou em direção à saída. “Só não imaginava que não fosse eu á derramá-las.”

*****************************

A música e os murmúrios sobre a fofoca do ano se misturavam. Encolhi meus ombros, evitando olhar para todos os meus acusadores. Minha vida foi de um cinco para um zero em menos de uma semana. Bem feito, Amber. Quem mandou dar ouvido á uma palestrante idiota?

“Olhe, não vou dizer que concordo com a sua escolha.”, Luen disse se sentando ao meu lado. Levantei meus olhos lacrimejados e funguei. Amber Dale, a chorona número um da St. Camurim. “Mas sou sua amiga. Poderia ter me contato que estava apaixonada pelo Hart. Iria surtar? Sim. Iria querer te estrangular? Talvez.”, pegou minha mão. “Mas quero te ver feliz.”

Dei um pequeno sorriso agradecido.

“Onde está Bryan?”

Revirou os olhos escuros.

“Se despedindo do time de futebol idiota.”, bufou. “Está uma choradeira sem igual. Parece um bando de meninas que perderam a promoção da nova Barbie.”

Impossível não rir com os comentários pouco sutis de Luen. Era como meu bote salva-vidas. Ergui minha cabeça, enfrentando todos os olhares curiosos e inquisitivos. Luen deu um sorriso orgulhoso e me deu suporte para levantar. Não tinha gastado uma fortuna naquele vestido para ficar sentado em um canto.

Todos se calaram no segundo em que a porta do salão se abriu novamente. Quem deveria comparecer já tinha entrado. Franzi o cenho, compartilhando um olhar curioso com Luen. Ela deu de ombros e se enfiou por entre a multidão. A segui, ocasionalmente empurrando alguém para poder passar. Quando vi o motivo daquela comoção, meu sorriso se ampliou.

“Esse garoto está acabando com todos os clichês.”, murmurei para ninguém em especial. Minha amiga me encarou. “Ele causou mais comentários do que eu, quando cheguei sozinha.”

Luen trombou seu ombro no meu.

“Sua Cinderela chegou.”, zombou. Então acenou na direção onde Theodore estava parado, passando as mãos pelas calças pretas, desconfortável. “Agora mostre para ele que ninguém diz não à Amber Dale.”

Os olhos escuros de Theodore se fixaram em mim, me analisando com desconfiança. Caminhei com determinação na sua direção. Uma coisa que ele havia me ensinado em nosso primeiro encontro era não desistir diante de uma barreira. E não seria um bando de fofoqueiros e normas sócio-escolares que iriam me deter.

“Se isso for uma aposta...”, ele começou.

Pus um dedo em seus lábios.

“Cale a boca e me beije, nerd.”

Nossos lábios se tocaram no mesmo segundo em que o baile explodiu em comentários e burburinhos. Sinceramente, eu não ligava. Naquele momento, se alguém me perguntasse qual era o número da minha felicidade, poderia responder com orgulho que estava beirando o dez.


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