Uma Fita Vermelha Carmim escrita por Kraken


Capítulo 3
Justificam Os Meios




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"Ãh? Como assim? Desess... Desessên... o quê? " pensou a garota, ela iria perguntar ao rapaz o quê ele havia dito, mas não houve tempo. A parede do barracão se abriu, como que feita de papel, quando o enorme leão a atravessou. Mona não pode conter o grito agudo e afeminado que soltou, pois a fera avançou sobre ela. O barracão desmoronou sobre si mesmo e um punhado de vigas caiu sobre a jovem antes que o leão o fizesse. As pesadas patas da fera cravaram suas cimitarras na madeira, pesando sobre a garota. Um apocalíptico rugido emergiu de dentro da garganta da besta, como um estouro inteiro de animais selvagens.

— Mona! Mona, saía daí! Corra, vamos!

Mona podia ouvir o rapaz, mesmo que abafado pelo pandemônio. Algo a distraiu, em meio a aquela tormenta, três colossais pares de asas se estendiam sobre o enorme leão.

— Heitor... Decidiu colocar humanos no meio disso?

— Fecha essa sua matraca sua esfinge estupida! Você já conseguiu o que queria, agora solta ela que não tem nada a ver com isso!

— Não seja tão apressado meu jovem... Você não pode sair dai mesmo.

O enorme leão falava sem mover seus lábios. O máximo que podia ser notado eram mudanças em sua feição, como se expressasse sua intenção por ali.

Mona abriu sua boca para gritar como se não houvesse um amanhã, mas foi rapidamente interrompida.

— Uma ideia não tão brilhante minha cara. Sabe, ninguém pode ouvir o que ocorre aqui, não sem a minha permissão. E graças ao seu amiguinho ali, eu consegui te trazer pra fora, sem ter que mover uma garra pra isso! Sabe a quanto tempo eu não como? Um lanchinho duplo não faria mal a ninguém, he, he, he.

O enorme leão olhou dentro dos olhos de Mona, ela mergulhou em um enorme vazio. O vácuo e o frio consumiram a jovem. Como um ser vivo poderia ter tal extinto assassino? Era a própria morte que a encarava através daquele vazio eterno. Por mais que ela se debatesse, seu corpo não a respondia. Como sempre sua fraqueza a deixava inapta a agir, seu corpo havia a traído uma ultima vez.

A fera se aproximou da pequena menina, a farejando pelo que parecia uma eternidade.

— Curioso...

O tempo pareceu parar, Mona mal podia ouvir seu próprio coração.

— Escute humana. Você por acaso não se sente só?

"O quê?" Pensou a jovem.

— Ah, não se preocupe. Eu tenho todo o tempo do mundo, mas você... Parece que o seu tempo já está para esgotar...

Por um instante o vazio dos olhos do leão foi substituído por uma cena em preto e branco. O frio tomou conta de Mona enquanto ela assistia seu corpo sem vida dentro do quarto. Preso a cama como a correntes.

— Não se sente só minha jovem? Sabe podemos fazer um acordo... Eu tiro essa maldição que te consome, lhe dou mais tempo.

"Não pode ser!? Por que você faria isso?"

— Ah, não se surpreenda minha pequena, nós esfinges temos certas vantagens quanto aos portões do outro mundo, então não seria nem um incomodo. O que me diz, quer viver novamente? É claro, eu só vou requerer um pequeno favor...

"Que favor?"

— Nada de mais... deixe isso para um momento mais oportuno. Por hora, eu te nomeio Pafos. Terás um brilho tênue aos olhos deles, para convencer que é a filha da mãe dos Ornitópteros. Não poderás contar a ninguém sobre o nosso acordo.

O leão soprou o rosto da jovem e o tempo voltou a sua marcha habitual.

— NÃAAAAAAAAO!! Não pode ser! Pafos vive! Malditos sejam os da sua linhagem!

O leão parecia completamente fora de si, ele rosnava e rugia enquanto recuava com a calda entre as patas traseiras. Ele cuspiu uma pequena bola de luz, como um gato faria com uma bola de pelo.

A pequena esfera voou prontamente para o peito de Heitor, sumindo instantaneamente. Mona quis duvidar de seus olhos, mas depois de tudo que havia visto... Ela apenas aceitou a cena, virando a pagina para ver o que ocorreria a seguir.

O leão voltou a abrir suas enormes asas e, as batendo um par após o outro, ganhou os céus.

Mona saiu de baixo dos escombros, ela o conseguiu sem fazer todo o esforço que havia se tornado cotidiano. Não só isso, mas ela se manteve de pé! Suas pernas, firmes como vigas, a sustentavam sem vacilar. Um quente brilho vinha por debaixo do seu pijama. A sua pele brilhava fracamente, como um vaga-lume a distância.

— Você, Pafos?

Heitor soltou incrédulo.

— A Pafos de verdade? Tipo, A PAFOS?

Mona estava muito confusa. Muito mais do que gostaria de estar. Ela parou por um instante para juntar seus pensamentos: "Aquele leão... ou esfinge, sei lá... Ele me curou. Eu sinto isso. Antes de ir embora ele deixou algo cair... Algo que pertencia ao Heitor. A essência dele? Ou seja lá o que ele tenha dito antes." Um barulho de metal caindo chamou a atenção de Mona. Ela olhou ao redor, sua luz fraca a deixou ver bem entre os escombros.

Era a chave! Uma pequena chave prateada do cadeado que prendia Heitor ao chão. Ela a pegou rapidamente, surpresa por não se desequilibrar no processo.

— Mas, se você é a Pafos... Isso significa que... estamos salvos?

Mona foi até Heitor e destravou o cadeado, ela ficou zonza com todo esse movimento, afinal ela havia passado meses na cama. Ela respirou fundo e disse:

— Vai embora.

— Não, espera... Pafos você tem que vir comigo.

— Vai embora.

— Pafos...

— Esse não é o meu nome! Olha, eu já te soltei, você não me deve nada, agora vai embora!

— P... Quer dizer... Mona...

Mona se manteve em silêncio.

— Tudo bem, então...

Com um grande estralo, Heitor abriu suas asas e assim como o leão, ele ganhou os céus.

Mona se pôs a correr de volta ao casarão. O vento frio da noite em seu rosto, o coração palpitando, a força em seus movimentos. Todas coisas que Mona não sentia a muito tempo.

— Hey Mona!

A garota ouviu dos céus.

— Obrigado.

Ela se virou rápido e pode ver os olhos faiscantes daquele vulto enorme em frente a lua cheia. Ele logo subiu se mesclando a noite e desaparecendo em meio as estrelas.

Mona sorriu sozinha, ela seguiu até a porta andando. O caminho até seu quarto foi rápido e silencioso. Ela logo pegou no sono.

Na manhã seguinte, Mona despertou com os berros de um Marco inconformado. Em uma tradução livre:

— Aquele maldito! Miserável, moleque de uma figa!

— Marco! As meninas ainda estão dormindo! Atenção com essa sua boca!

— Mas você viu o que ele fez com o barracão? Salete, o senhor Frederick deve estar aqui a qualquer momento! Aquele pivete derrubou o barracão de jardinagem!

— Meu Deus! Bom, deixe disso e vamos esperar os rapazes chegarem, assim você vai poder consertar isso.

Marco continuou a resmungar por ter que adiar ainda mais a sua folga. Enquanto isso, Mona levantou e trocou de roupa sozinha. Ela se deu conta que mesmo com seus perfumes, o cheiro de ficar na cama por tanto tempo combinado com a breve corrida de ontem se mostrava no mínimo inconveniente.

Ela correu até o banheiro, que por acaso foi uma das melhores sensações que ela já havia sentido. Era como antes, ela e suas irmãs correndo para o disputado banheiro. Mas era cedo de mais para tais disputas. Pelo menos era o que ela pensava.

Ela se lavou rapidamente, na pia mesmo, apenas tirando o suor. Mona enfiou sua cabeça debaixo da água corrente, subitamente a porta se abriu. Era Sarah, ela estava com a pequena Michele no colo, as duas com cabelos de quem acabou de acordar. Sarah ficou ali por alguns instantes encarando uma de suas mais novas com a cabeça embaixo do feixe de água.

Talvez por ser muito cedo, ou por ter acordado varias vezes durante a noite por causa de Michele, Sarah não conseguia ligar os pontos.

"O que que a Adeline tá fazendo?" Pensou a moça.

— Isso é vingança por eu ter usado toda a água quente ontem? Adeline, deixa de ser tão infantil!

Mona se virou rapidamente batendo a cabeça na torneira.

— Ai – ai – aiiiií.

Ela batia o pé enquanto seus cabelos encharcados cobriram o seu rosto.

— Calma ai. Essa voz não é da Adeline. Mona?

— Oi Sarah. Ain...

— O que você está fazendo aqui? Você deveria estar na cama, são ordens do médico!

Michele bocejou longamente, virando o rosto para ficar mais confortável no ombro da irmã.

— Ah, você não vai acreditar! Ontem...

Aquele leão queimou nas memorias de Mona, suas palavras soaram como uma sentença de prisão: "Não poderás contar a ninguém sobre o nosso acordo." Mona se calou ao ouvir isso.

— Ontem o quê? Quer saber, não interessa mocinha, de volta pra sua cama já!

Mona olhou para a sua irmã. Ela estava com um sorriso no rosto, aquele que ela dava quando dizia que o "médico sabe o que está fazendo Mona, é uma questão de tempo até você melhorar!". Sarah nunca havia perdido a fé em sua irmã, embora todos da casa soubessem que a situação era grave, Sarah sabia também que Mona se recuperaria, ela era uma menina muito forte para ficar presa ao chão, ela pertencia aos céus.

— Tá, eu volto pra cama. Se alguém me pegar!

Mona tirou os cabelos da frente dos olhos e se jogou por debaixo do pijama da irmã mais velha.

— Mona! Nossa, que energia-ah

Disse Sarah com um bocejo enquanto a irmã acelerava pelo corredor. Mona passou em frente ao quarto de Adeline, parou e voltou a porta.

— Bom dia Ada!

— Bom dia Mona.

Adeline estava distraída arrumando sua cama, quando finalmente notou quem havia a cumprimentado.

— Mona?

Ela se virou e viu a irmã com um sorriso enorme na porta. Mona virou por um instante e voltou a correr com um gritinho. Sarah passou correndo logo em seguida gritando: "Eu vou te pegaaaar".

Adeline olhou de novo para sua cama. "Como esse povo acorda assim?" Pensou alisando sua melhor amiga nesse mundo.

Voltando as escadas, Mona desceu pelo corrimão, aterrissando a poucos centímetros da mesa de centro, o que rendeu uma parada quase na ponta dos pés.

— O corrimão não valeee, eu tô com a Michele no colo!

Mona se virou e puxou os olhos e os cantos da boca. Rebolar com uma careta era uma das provocações assinatura entre os "Monstrinhos".

— Nã-na-na-nã-na-blah

— Ora sua!

Mona passou pelo corredor térreo, contornando a ala dos empregados e chegando a cozinha. Ela entrou rapidamente e ao levantar os olhos encontrou com Salete.

Mon chère! Que faites-vous ici?

Mona virou 180 graus e se pôs a correr de volta a ala dos empregados. Ela avançou até o meio do corredor, mas Sarah a cercou pelo outro lado. Agora presa pelas duas pontas, Mona gritou o mais alto que pode. Ela então saltou por dentro das janelas do hall, saindo atrás das poltronas de visita. Como Sarah estava do outro lado do corredor, ela logo chegou ao hall. Mas já era tarde, Mona havia saído pela porta principal.

Livre, sob o sol da manhã, a pequena levantou o rosto para saudar aquele céu aberto.

Quando finalmente Salete e Sarah saíram da casa, o jipe militar terminava sua curva por detrás das árvores, estacionando no quintal ao lado do conversível. Nisso, Jean se levantou ainda dentro do veiculo.

Mon hangar! Que que aconteceu a mon hangar!?

Hector desceu do carro e admirou o estrago.

Il a plu ici, Marco?

— Não, não Hector... não choveu... foi um certo fripon que nos atacou ontem.

Un fripon, euh? Onde ele está?

Michel logo se juntou a eles. Após uma boa olhada no barracão, ou ao que sobrou dele, Michel comentou:

— Conhecendo o nosso bom e velho Marco, esse tal fripon está apodrecendo na cadeia!

Que délégué d'une merde! Eu bem que tentei, mas esse dorme mais do que come, e olha que ele come hein!

Os rapazes riram de um Marco inconformado com a incompetência do estado, a rixa entre ele e os corpos do estado se estendia a anos. Logo Frederick desceu do jipe também, dando a volta no veiculo para poder abrir a porta para Nicole.

Mona então viu seus pais e com uma ultima corrida passou pelos rapazes. Marco avistou a pequena e se destacou do grupo.

Mademoiselle! O que faz aqui em baixo? Volte aqui já!

O que Mona prontamente ignorou.

— Papai! Mamãe! Olhem só!

A pequena então levantou os braços e para surpresa de todos ao redor, completou uma estrelinha em frente aos seus pais.

Ouve um certo alvoroço após isso. Frederick tomou sua filha nos braços e todos entraram no casarão. Nicole passou algum tempo examinando sua querida Mona. Como ela havia se recuperado tão abruptamente era um mistério aquela experiente doutora, mas uma coisa ela havia aprendido com os casos de guerra, milagres ocorrem. E sua recuperação foi dita a todos como sendo uma dadiva, digna de comemoração.

Já que os pais teriam que viajar por tempo indeterminado após o final de semana, eles propuseram que todos saíssem para comemorar. Todos mesmo! Como o jipe havia sido entregue para Frederick como auxilio a locomoção, todos poderiam ir até Chalons para aproveitar a feira de verão. Algo que deixou Mona fora de si! Finalmente ela deixaria de ser apenas o interlocutor das peripécias de um jornaleiro atrapalhado, agora ela seria uma personagem das tais peripécias.

Ela poderia escolher os doces que comeria, andar no carrossel, tomar raspadinha e comer algodão doce. Poderia pular ladrilhos, saltar poças, jogar pique-esconde e pega-pega.

O festival de verão estava bem menos cheio que o habitual, por causa da guerra, mas ainda era aquele carnaval do qual ela se lembrava. Eles passaram a tarde nas barracas de brincadeiras, onde Mona acabou ganhando uma mascara de borboleta. Não demorou muito e a noite começou a cair sem que eles percebessem.

Esse ano o festival tinha algo de novo, um famoso baile de Veneza havia sido contratado por um dos queijeiros mais ricos da cidade. O Danza di foxes, no qual todos os integrantes entravam mascarados. Para promover o evento, mascaras eram um dos prêmios mais comuns.

A praça principal de Chalons estava cheia de bandeirolas e luzes amarelas. Fogos no céu, declaravam que o baile estava prestes a começar, como Mona estava muito ansiosa, acabou correndo na frente do grupo. A garota subiu na lateral do pequeno chafariz que ficava no centro da praça, dali ela poderia acompanhar o progresso do grupo em meio a multidão e assistir os fogos ao mesmo tempo.

— Vamos seus molengas!

Ela provocou o grupo, mas as vozes ao redor dificultavam a comunicação. Como resposta seu pai acenou para ela. Ela acenou de volta e passou a olhar para o céu.

Era uma noite bem clara, mas isso não tirava a magia dos fogos coloridos que cortavam as poucas nuvens. A banda começou a tocar. Eram marchinhas estrangeiras, das quais Mona nunca ouvira falar.

O ambiente era surreal, distante e imaginário. Como se Mona estivesse sonhando e, assim como em todo sonho, se você se torna ciente do que está realmente acontecendo ele se desmancha.

Foi assim que a garota se sentiu ao ver aquele enorme leão se movendo entre a multidão.


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