Nightmares Come True escrita por Polo


Capítulo 20
Antes da Guerra


Notas iniciais do capítulo

Oi, já faz algum tempo.
Eu tenho noção de como postar esse capítulo pode ser redundante de muitas formas. O último capítulo de NCT foi postado a quase quatro anos e muita coisa mudou de lá pra cá. Provavelmente muitos de vocês sequer ainda usam o nyah para escreverem suas histórias, eu pelo menos não. Mesmo assim, aos poucos que restaram, acho que esse capítulo fica como um grande pedido de desculpas por ter abandonado esse mundo por tanto tempo.
Vez ou outra eu ainda volto para ler algumas passagens de NCT e dos comentários de vocês falando do quanto essa história afetou as suas vidas. Faço isso, em parte, como lembrete de que participamos de algo especial juntos. E, por isso, sei que devo algumas explicações.
Por que sumi durante tanto tempo? Terei eu sido apagado junto ao estalo de Thanos? Não. Sinto em dizer que a explicação é infelizmente mais simples que isso. O que me aconteceu é o que acontece com muitos autores de fanfic. Eu cansei. É muito difícil para mim admitir isso porque a NCT foi uma história a qual eu realmente fiquei apaixonado. Mas foi isso, eu desanimei e toquei outros projetos pessoais. Comecei a faculdade, tentei escrever um livro de contos, participei de peças de teatro, aprendi a tocar ukulele, fiz viagens, me apaixonei e tive o coração partido (algumas vezes) e vi muitos filmes. Enfim, a vida seguiu seu curso e o Nyah e todo esse mundo foi ficando cada vez mais distante da minha realidade.
Então por que, do nada, eu decidi postar esse capítulo depois de tanto tempo? Olha, se fosse uma resposta fácil eu daria. Eu poderia dizer que apenas sentei no sofá da minha sala numa tarde de domingo e senti uma nostalgia imensa dos tempos de autor de fics. E então, decidi dar um final mais ou menos decente para a minha história mais querida.
Mas eu sei que essa resposta não carrega nem 10% do porquê eu senti que devia fazer isso. Eu acho, que de uma forma ou de outra, em um nível extremamente pessoal, eu preciso de algum tipo de fechamento. Um acerto de contas com o meu passado. Um abraço caloroso de despedidas. De modo que eu possa seguir em frente.
Próximo semestre, lá para o meio de agosto, eu farei um intercâmbio de seis meses para a Espanha. Pode parecer clichê, mas sinto nessa mudança completa de realidade uma chance de finalmente seguir em frente de tudo que está me segurando.
Eu sei que isso não está fazendo muito sentido para você, leitor. Nesses quatro anos, você também seguiu em frente e teve muitas experiências. Assim como eu, você teve suas aventuras e tristezas e, com o tempo, a NCT foi ficando cada vez menor dentro dos seus pensamentos. É apenas o curso da vida.
Esse último capítulo não se compara com o final que eu acredito que essa história ou você mereça. É apressado, mais saudosista que consistente e um tanto quanto enferrujado. Mas, é cheio de coração e carrega o final que o eu de 17 anos de idade queria dar para essa grande saga.
Ainda assim, aqui estamos nós. Em 2019 e com o resto das nossas vidas inteiras pela frente. Convido você a embarcar pela última vez nesse mundo que, de uma forma ou de outra, fez parte da sua história.
Abraços, Paulo.



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ARIEL

 

O calor da fogueira aquecia o meu corpo naquela noite de muitas estrelas. Assim como eu, muitos outros do nosso numeroso grupo não conseguiam dormir. Estávamos divididos em pequenas rodas de conversa, cada uma mais soturna que a outra. Éramos pequenos fragmentos de um mundo que já se fora. Um verdadeiro pelotão de condenados.

Olhei para os meus braços cheio de arranhões. Já haviam se passado quatro anos desde que tudo começou. O mundo não havia sido gentil com nenhum de nós até então. Lembrei da garota assustada que precisava de resgate anos atrás. Deixei um sorriso triste escapar. Essa garota teve que morrer para que eu pudesse ter sobrevivido.

Junto a mim, estavam outros cinco. Pareciam desalentados e senti que devia dizer alguma coisa.

— Então. - Comecei a dizer para ninguém em especial. Minha voz parecia mais áspera que o usual - Tudo o que vivemos nos levou até aqui.

Uma mulher de cabelos metade preto e metade branco sorriu na minha direção.

— Isso aí. - Ela respondeu entre uma baforada de cigarro e outra. - Para a nossa morte certa.

— É… - Eu olhei entristecida para a fogueira. - Suponho que sim.

Um homem forte e de cabelos claros e ondulados decidiu que era a sua vez de falar.

— Sabe, eu não acho que estamos todos condenados. - Sua voz carregava certa inocência. - Eu acho que realmente temos alguma chance amanhã. Meu treinador vivia dizendo que a primeira batalha que devemos travar é com nós mesmos. Em nossas mentes.

— O seu… Treinador? - A mulher pessimista riu consigo mesma de modo que percebi que estava um pouco bêbada. - O seu treinador dizia isso? E onde ele está agora?

O homem musculoso recusou-se a responder.

— Não, não. Sério. Onde ele está? - Ela disse se levantando e indo em direção ao seu esperançoso companheiro de fogueira. - Ele não chegou até aqui, chegou?

— Não…

— Não?! - A mulher, que vestia um casaco de pele grande demais para o seu corpo fingiu estar surpresa. - Meu deus, estou chocada.

— Você deveria se sentar.

Minha atenção se voltou para outro participante da roda. A primeira coisa que me chamou atenção nele eram seus olhos. Olhos negros e claramente espertos. Foi só depois disso que notei que uma das partes de seu corpo faltava. A sua mão esquerda havia sido substituída por um gancho.

— Nós todos perdemos algo para chegarmos até aqui. - Eu podia sentir o rancor na sua voz. - Você não devia ser tão crítica com os outros.

— E quem é você para me dizer o que fazer? - A mulher, que era a mais velha do nosso grupo, carregava certo ar infantil com ela. - Como você se chama?

— Eu já tive muitos nomes. - Ele disse com rastros de sombras e de luz cobrindo o seu rosto. - Mas hoje eu me chamam Pan.

— Pan? - Me meti na conversa com um sorriso sarcástico. - Que tipo de nome é esse?

— É mais um título que um nome em si na verdade. - Ele sorriu de volta. - E o seu nome, qual é?

— Ariel.

— Ariel… - Pan se concentrou no meu nome como se quisesse se lembrar de algo. - Ariel, qual é a sua história?

Olhei ao meu redor. Meus companheiros de fogueira olharam ansiosos para a minha direção. Até a mulher de cabelo bicolor se sentou para ouvir meu testemunho.

— Eu sou só alguém que teve que endurecer para sobreviver. É isso. - Contei sem olhar nos olhos de ninguém. - Eu vim de uma família grande da Cidade Litoral. Todos morreram cedo. Eu era muito frágil quando tudo isso começou. Eu tive que aprender do jeito difícil a me reerguer. Eu não posso deixar que ninguém mais se sacrifique por mim.

Uma garota de pele escura e olhos puxados olhou em minha direção. Ela estava acompanhada por um cachorro de coloração azul.

— Eu sei como você se sente.

— Espera… Cidade Litoral? - Pan parecia estar tentando organizar seus pensamentos. - Você disse que alguém teve que se sacrificar por você. Qual era o nome dessa pessoa?

— Hã? - Eu estava ficando atordoada, de repente não sabia se podia confiar no jovem de cabelos castanhos, ainda assim me senti compelida a tirar esse peso do meu peito. - Jim. Seu nome era Jim Hawkins.

— Jim! - Pan levantou de maneira jovial. Havia uma energia inspiradora vindo dele. - Eu o conheci. Faz alguns anos, mas eu o conheci. Ariel, não é? Ariel, ele não está morto. Pelo menos não estava naquela época. Ele estava procurando por você!

— O que?

— Ora, mas que conveniente. - A mulher com casaco de pele levantou uma sobrancelha. - Às vezes eu acho que a Disney Land é do tamanho de um ovo.

Quase não prestei atenção a esse comentário irônico, meu mundo estava começando a dar voltas. A informação desconcertante de Pan me levou para quatro anos atrás para a Rua Tesouro onde Jim havia se sacrificado para me salvar. Ele me empurrou em um rio enquanto lidava sozinho com uma horda das coisas mortas. Eu sempre acreditei que ele havia morrido naquele dia. Embora sempre houvesse algo estranho. Algo que me avisava que talvez, apenas talvez…

— Jim está vivo. - Eu disse sem poder acreditar, com os olhos cheios de lágrima.

— Para ser bem verdadeiro, não tem como eu saber com certeza. - Pan disse tentando não soar muito esperançoso. - Eu encontrei ele faz três anos. Muita coisa pode ter acontecido desde então.

Me deixei levar pelo momento. Eu não conhecia aquele jovem maneta. Até onde eu sabia ele poderia ser um sádico a aplicar uma pegadinha cruel com uma desconhecida. Os anos me tornaram mais cética para o meu próprio bem. Ainda assim, eu escolhi acreditar em suas palavras acolhedoras. Jim pode estar vivo. Talvez fosse porque muito provavelmente eu morrerei amanhã, mas eu precisava daquela dose de esperança.

— Eu sei. - Me limitei a dizer. - Mas obrigada, de qualquer forma.

— Eu também estou procurando alguém. - O homem forte voltou a falar. - Já faz algum tempo, mas eu prometi que iria encontrá-la. Ah, eu me chamo Hércules, caso alguém esteja se perguntando.

— Ninguém está. - A mulher de cabelos alvinegros disse com um sorriso presunçoso. Tenho que admitir que estava começando a me divertir com seus comentários ácidos. - E eu me chamo Cruella. Mas quem liga?

— Eu ligo. - A menina com o cachorro deu um sorriso encorajador para Hércules. - E você? Qual a sua história?

O rapaz ficou um pouco vermelho com a pergunta.

— Bem... - Ele coçou os cabelos claros. - Eu não sei se eu devia ficar falando muito sobre eu mesmo. - Ele esperou para ver se mais alguém gostaria de falar algo. - Mas já que você perguntou, eu fui treinado por Philoctetes, um dos maiores homens que já conheci para ser um herói.

Olhei para meus companheiros de fogueiras, confusa.

— Um herói?

— É. Eu sei como isso soa brega. - Hércules demonstrava um misto de confiança e timidez. Não pude deixar de me simpatizar por aquele projeto de guerreiro. - Mas a ideia era me tornar alguém que corrigiria a escuridão desse mundo sombrio. Por isso, durante esses quatro anos, tudo o que eu fiz foi me enfiar de batalha em batalha para salvar os bons de coração.

— Me surpreende que você ainda esteja vivo.

Hércules olhou para Cruella com penetrantes olhos azuis e deu um sorriso esperançoso.

— A mim também.

De repente, o último participante do nosso grupo se levantou sem dizer nada. Sua pele era branca como o gelo e seu cabelo tão loiro que quase parecia branco. Ele enfiou suas mãos em seu casaco azul e se afastou da lareira de volta a escuridão.

— Boa noite pra você também. - Pan disse deixando escapar um sorriso travesso.

— Ele tem razões para estar assim hoje. - A garota com o cachorro azul falou com o rosto quase que totalmente envolto em escuridão. - Ele sabe que vai ter que matar os seus amigos amanhã.

Ainda que ainda estivesse atônita da minha mais recente descoberta, aquele comentário foi o suficiente para aguçar a minha curiosidade.

— O que te faz dizer isso?

— O nome dele é Jack Frost. - A garota disse olhando para o fogo. Tive um calafrio. Era como se sua voz tivesse envelhecido dez anos em um tempo de dez segundos. - Ele era um agente do lado da Lua anos atrás. Ele pensava estar ajudando esse mundo a se reerguer, mas ao invés disso, estava-o destruindo. Sorte sua que acabou descobrindo a verdade de tudo. - Ela fez carinho em seu cachorro - O mesmo não pode ser dito dos outros Guardiões.

Hércules se levantou de maneira imponente.

— E como você sabe disso?

A garota olhou para nós com tristeza.

— Meu nome é Lilo Pelekai.

Obviamente, eu já havia ouvido a respeito dela. Acho que todos aqueles que escolheram o lado dos militares já ouvido falar sobre a história dela.

Lilo Pelekai era uma garota da mesma cidade que eu, Cidade Litoral, que havia sido recrutada pelo próprio Cobra Bubbles para se juntar a resistência. Acompanhada dela estava esse cachorro bizarro modificado geneticamente que funciona quase como um guarda-costas. Desde então, ela vem se envolvendo em diferentes importantes missões estratégicas para os militares.

O que era estranho é que eu sempre imaginei alguém maior e mais forte quando pensava no seu nome. Aquela garota era menor do que eu e não parecia ser de grande ajuda no campo de batalha. Se não fosse pelo cachorro que a acompanhava, eu nunca acreditaria na sua identidade.

— Uau você que é a tal irmã da Nani? - Cruella abriu um sorriso verdadeiro. Eu esperava um comentário irônico, mas o que ela disse em seguida me deixou ainda mais surpresa. - É um prazer finalmente te conhecer.

Lilo pareceu feliz em ser tratada com normalidade.

— É um prazer conhecer você também Cruella. - A garota exibiu um sorriso amistoso. - Eu ouvi falar muito de você.

Hércules se sentou, finalmente relaxado, e começamos a conversar. Falamos sobre nossas vidas antes do fim dos tempos, de amores, de morte e de como nos tornamos aqueles que estavam naquela roda. Todos nós havíamos travado diferentes lutas para chegar até ali.

Ainda assim, estávamos todos lá. Pelo menos por enquanto.

 

 

PETER

 

Aqueles olhos azuis alucinados me olhavam através da escuridão. Ela não dizia nada, apenas me encarava como se estivesse investigando todos os meus pensamentos. Eu não sabia o que ela estava imaginando, mas algo me dizia que eu não precisava dizer nada. Apenas nós dois deitados nus de frente pro outro em uma cabana apertada, no que talvez fosse a última noite das nossas vidas, já era o suficiente.

“Meu deus.” Pensei. “Quando eu fui ficar assim tão sentimental?”

Eu estava exausto. Já havíamos transado duas vezes e algo me dizia que ela queria mais. Eu também estaria de acordo se não fosse a guerra do dia seguinte. Eu precisava de toda a energia disponível.

— No que você está pensando? - Perguntei, procurando alguma confirmação da minha teoria.

Alice deu um sorriso preguiçoso e alisou o meu braço sem mão.

— Nada… - Ela disse reunindo toda a malícia possível. - Apenas pensando em outras funções para esse seu cotoco aqui.

Ri tirando meu braço de perto dela.

— Eu não acredito que você está pensando nisso. - Avancei e lhe dei um beijo. - Sua ninfomaníaca. Parece que quer transar mais que coelho!

— Ah, agora eu sou a ninfomaníaca! - Ela fingiu estar ofendida. - Eu não vi você reclamando até agora.

Olhei para o corpo da minha namorada e o levei para mais perto de mim.

— Não estou reclamando de nada.

Para resumir a história, transamos mais uma vez.

Ao final do nosso terceiro ato, comecei a me vestir com rapidez, de modo que a minha parceira não começasse a criar ideias na cabeça. Um tanto quanto contrariada, Alice também vestiu suas roupas.

Talvez fosse esse sentimentalismo inesperado, mas senti necessidade de tirar algo dos meus pensamentos.

— Ele está aqui, Alice. - Eu falei encarando a escuridão. - Eu posso sentir.

— É. - Ela concordou. - Eu senti também.

— Me parece certo. Eu não consigo imaginar um final melhor que esse.

— Um último acerto de contas.

— Um último acerto de contas.

A minha namorada se calou por um instante. Aquele ar reflexivo não combinava com ela.

— Sabe, Peter. Anos atrás quando nós estávamos no País das Maravilhas eu sentia algo parecido. - Eu podia sentir a raiva em sua voz. - Esse calor da vingança. Essa adrenalina. Quando eu matei a Rainha de Copas, bem, eu achava que isso ia me fazer me sentir bem. Sabe o que aconteceu?

— Você descobriu que a vingança não leva a nada?

— Pelo contrário. - Eu quase podia perceber um sorriso insano se formando na escuridão. - Matar aquela desgraçada fez eu me sentir incrivelmente bem. Eu espero que você tenha a sua vingança.

De repente, um sujeito de cabelos brancos até o pescoço com nariz de batata enfiou a sua cabeça na cabana. Revirei os meus olhos. Era Reginald, o Chapeleiro Louco.

— Ah, finalmente vocês terminaram com esse rala-e-rola. - Ele falou com uma simpatia que me fazia ter vontade de socá-lo no rosto. - Devem estar cansados, aceitariam um chá?

Alice, como de usual, pareceu se divertir com o comentário do seu melhor amigo.

— O que você quer, Reginald? - Perguntei com mau-humor.

— Ah, muita coisa, Peter Pan. - Ele disse com um sorriso tolo e sonhador. - Uma torta de limão, uma lebre de março, não morrer amanhã também seria uma boa.

— Eu quis dizer agora.

— Ah sim, você devia ser mais direto, Pan. Se ficar enrolando, as pessoas vão parar de prestar atenção em você. - Eu estava a um passo de estrangular aquele palhaço. - Mas a turma está toda reunida lá fora. Estamos todos ansiosos pelo discurso encorajador do nosso grande líder.

— Hum. - Assenti. - Certo. Já estou indo.

Reginald fez uma reverência exagerada e nos deixou sozinhos outra vez. Alice foi em minha direção e me deu um beijo encorajador.

— Ciúmes não combina com você, Peter.

Dizendo isso, ela deixou a nossa barraca. Olhei a escuridão. Era hora de encorajar alguns Meninos Perdidos.

Saí da barraca e quase levei um susto ao notar que todo o meu grupo já me esperava atentos e em semi-círculo. Devo ter feito alguma cara engraçada, pois muitos começaram a rir com a minha chegada.

Nosso grupo de sobreviventes era formado por mim, Alice, Reginald, Sininho, minha ex-namorada e especialista em elementos químicos, Tod, que era provavelmente a pessoa mais leal que eu já conheci, Coelho Branco, provavelmente o ser mais agitado que eu já conheci, Cody, que havia perdido seu irmão gêmeo anos atrás, Wendy, a mulher mais responsável do mundo e meu porto seguro e um rapaz que eu nunca vi na vida.

— Hã… - Apontei para o estranho de cabelos castanhos bagunçados. - Quem é esse?

— Sério que você não lembra de mim, Pan? Sou eu, Butch, o Vagabundo! - O rapaz abriu um sorriso típico de malandro. Eu me lembrava dele, era amigo de Jim Hawkins, Alice o havia beijado na minha frente apenas para me provocar anos atrás. - Águas passadas, não é?

— O que você está fazendo aqui? - Deixei escapar um sorriso. Se ele estava aqui, era provável que Ariel tivesse o reencontro que tanto esperava.

— Bem, eu estava passeando por aí, sabe como é. - Ele deu de ombros como quem não quer nada. - Quando esbarrei nessa linda dama aqui do meu lado. Não podia deixar passar a chance de conhecê-la.

Wendy ficou claramente enrubescida e olhou pra baixo.

— Eu tentei expulsá-lo, Pan. Mas esse traste não me dá ouvidos. - A voz sempre racional da minha antiga amiga estava completamente desconcertada. - Não importa o que eu faça.

— Eu te deixo em paz assim que você aceitar aquele convite que eu te fiz. - Ele sorriu ainda mais malandro. - O tal espaguete, ainda vai rolar?

— Bem… - Wendy evitava-o olhar nos olhos. - Veremos.

Sorri em direção a garota de cabelos cor de mel. Ela teve que crescer rápido demais nesse mundo, uma noite de descontração lhe cairia muito bem.

— Enfim… - Eu disse elevando a voz para voltar a atenção do grupo para a minha direção. - Alguém sabe dizer que dia é hoje?

— O seu desaniversário?

— Não, não, Reginald, não é meu desaniversário. - Minha mão direita massageou a minha testa. - Eu já te disse que não existe isso de desaniversário. Mais alguém tem algum palpite? Sininho?

— O dia da vingança!

— Isso! - Eu disse empolgado. - O dia da Vingança!

— O dia da Vingança! - Tod se levantou empolgado. - Espera, vingança do quê?

Cody foi quem se levantou agora. Seu semblante era sombrio.

— O dia em que nós nos vingamos do Capitão Gancho.

— É. O dia em que nós nos vingamos do Capitão Gancho. - Assenti para Cody, sentindo a sua raiva. - Durante anos esse psicopata nos aterrorizou. Ele destruiu nossa casa, arrancou a minha mão, matou parte da nossa família.

— Devemos isso ao Kit! - Coelho Branco se levantando como se estivesse atrasado para algo.

— Devemos isso ao Zack! - Cody completou imitando o movimento do seu companheiro.

— Devemos isso ao Nemo! - Wendy se levantou, seguida por Butch que a encarava como um cachorro apaixonado.

— Devemos isso ao País das Maravilhas! - Alice se levantou junto a Reginald.

— Devemos isso a Terra do Nunca! - Sininho se levantou e olhou empolgada para mim.

Eu, que havia crescido sozinho, nunca me senti tão em família como naquele momento.

— Meninos Perdidos. - Foi o que eu disse olhando para os mais corajosos sobreviventes que eu conhecia. - Nós vamos matar o Capitão Gancho.

 

 

CRUELLA

 

— Senhoras e senhores! - Eu anunciei de braços abertos segurando uma caneca grande de chope. - Vocês poderiam estar em qualquer outro lugar aproveitando a última noite das suas vidas, mas escolheram estar aqui com a gente. Vocês estão prontos para a grande final?

A multidão de soldados urrou em celebração. Havia cerca de cem pessoas naquela cantina improvisada às pressas, cento e uma contando comigo. Haviam barris de cerveja, garrafas de cachaça e caixas e mais caixas de cigarro espalhadas por aí. A iluminação era precária e provida apenas por algumas poucas lâmpadas que funcionavam por sorte.

Eu estava quase ficando bêbada, aquele chope devia ser o suficiente para concluir o trabalho. Sorri animada em resposta a minha plateia. Pobres almas.

— Do lado direito nós temos ele! A grande lenda da base militar Heitor! Meu amigo pessoal, apenas com dezessete anos e com um fígado capaz de suportar qualquer desafio! Deem seus aplausos para… - Sorri para o garoto de chapéu escuro. - Pinóquio!

A multidão aplaudiu fortemente o meu velho amigo. Sou obrigada a admitir, o garoto cheio de vícios cresceu para se tornar um rapaz bastante bonito. Com um cabelo negro desarrumado e olhos azuis quase sem vida, o garoto que mente quebrou muitos corações com o passar dos anos.

— Obrigado, obrigado. Mas a minha amiga pessoal aqui cometeu um erro. - Ele me olhou de modo acusador. - Ela sabe que eu detesto esse nome. Pinóquio morreu. Eu me chamo Trevor.

— Agora, no centro, temos a surpresa da noite. A garota que provou que tamanho não é documento quando o assunto é aguentar sua bebida. Com um metro e sessenta de altura e muita atitude mostrem sua torcida para… - A plateia ouvia animada. - Anna!

Os gritos foram ainda mais ensurdecedores. Ninguém sabia como, mas Anna foi a responsável pela eliminação do favorito da competição: Dumbo, um homem grande e beberrão que era o grande destaque do Pátio dos Milagres.

A garota ruiva se limitou a cruzar os braços e exibir um sorriso presunçoso.

— Por último, temos o participante do lado esquerdo. Ex-terrorista e agora agente especial das forças de Disney Land, esse cara sabe como destruir coisas. É a vez de receber… - Eu disse já sem tanta empolgação. - O Detona Ralph!

A multidão inteira se calou com exceção de uma única mulher de cabelos pretos e casaco verde que aplaudia animadamente em apoio a ovelha negra. Aquela devia ser Vanellope Von Schweetz, mulher de Ralph.

— Você consegue, grandão! - Ela gritava em meio ao silêncio. - Mostra pra esses pirralhos quem é que manda!

— As regras são simples. - Eu disse assim que a mulher terminou de dar seu apoio moral. - Quem terminar esses três copos de chope primeiro vence. Preparados? - Fiz uma pausa teatral e bebi de uma vez o copo que eu estava segurando. - Bebam!

Os três participantes começaram a beber animalmente. A multidão vibrou para ver quem seria declarado o maior bebedor de Disney Land. Mas a minha atenção não estava no concurso. Ela atravessou toda a cantina e encontrou três silhuetas na escuridão. Dois homens e um cachorro. Eu sabia muito bem a quem pertenciam aquelas sombras.

Quando dei por mim, alguém já havia vencido a competição.

— Senhores e senhores! Nós temos uma campeã! - Eu anunciei um tanto distraída. - Uma salva de palmas para Anna de Arendelle!

A multidão aplaudiu a garota que respondeu com um arroto confiante. Trevor se juntou a comemoração, se o conhecia bem era muito provável que ele tentasse algo com a grande campeã. Ralph se encontrava detonado sem conseguir se levantar com Vanellope gritando ofensas em seu ouvido.

Me afastando da balbúrdia, me encontrei com alguns velhos amigos.

— Cruella Cruel, a quanto tempo.

— Beethoven. - Eu disse para o homem magro e simpático que invadiu os meus sonhos mais vezes do que eu achava necessário. - É. Faz muito tempo.

Nos encaramos por um instante. Fazia anos que nos separamos. Eu havia seguido a vida militar, enquanto ele ficou para cuidar da sua mulher, Anita. Foi ele que quebrou a tensão, me dando um abraço caloroso.

— Que bom que você continua inteira.

— É. - Eu disse me afastando de Roger, ainda era bastante doloroso estar tão perto dele. Me senti estúpida pois já faziam anos de sua decisão e eu ainda não havia superado completamente. - O mesmo não pode ser dito de você.

Disse isso olhando para meu outro antigo companheiro, Gaspar Badun. Um homem caolho e com mais arranhões do que eu me lembrava. Os anos não lhe haviam sido gentis.

— Ha, ha. - Ele fingiu humor. Sua voz continuava tão seca quanto a de anos atrás. - Você continua uma figura, De Ville.

Minha atenção se voltou para o dálmata que os acompanhava. Não pude deixar de sentir um arrepio ao me lembrar dos acontecimentos de quatro anos atrás, nas fábricas da minha família.

— Pode ficar tranquila. - Roger percebeu o meu desconforto e afagou o seu cachorro para mostrar que estava tudo bem. - Os militares fizeram algumas alterações no código genético do Pongo. Ele não segue mais as ordens da Lua.

— Ah. - Eu disse ainda mantendo uma distância segura do bicho. - E como eu vou saber que ele está do nosso lado?

— Ele é um cachorro. - Roger explicou como se fosse simples. Eu nunca iria entender essa conexão entre cães e seus donos. - Eles sempre ficam do seu lado.

— Então. - Senti a necessidade de mudar de assunto. - Vocês vieram aqui só para me ver mesmo?

— Te ver? - Gaspar deu uma risada de escárnio. - Eu vim aqui para me embebedar.

Dizendo isso, o homem alto de boina se afastou da conversa e se juntou ao resto da festa. Olhei em reprovação para aquele coitado.

— Não mudou nada.

— Não seja tão dura com o Gaspar. - Roger deu um sorriso apaziguador. - Toda essa atitude é fachada. Ele falava muito de você lá em Heitor.

Olhei de relance para a festa e observei meu antigo companheiro por um novo prisma. Ele parecia triste e solitário. Quase me senti mal por ele.

— Você vai se juntar a nós? - Perguntei esperançosa.

— Ah, não, não. - Roger coçou a cabeça. - O álcool provavelmente não vai me fazer bem. E eu quero sobreviver amanhã.

— Você tem alguém para quem voltar.

— É.

— Como está a Anita?

— Bem, bem. - Ele disse um pouco embaraçado, mas muito feliz. - Estamos esperando um filho.

Meu coração parou por um segundo.

— O quê?! - Eu gritei. - Isso é sério?

— Aham. - Ele confirmou sem saber como reagir. - Ela já está no sexto mês.

— Eu… Eu não sei o que dizer… - Admiti. Tentei dar o sorriso mais convincente que consegui reunir. - Quer dizer. Parabéns, Beethoven.

— Obrigado. É um grande passo. - Ele comentou olhando para a festa. - Colocar uma criança em um mundo como esse. Foi uma grande decisão, sabe? Mas eu amo muito a Anita. Eu sei que seremos bons pais.

Concordei em silêncio e com o coração na boca.

— E é por isso que a gente precisa vencer amanhã. - Havia um brilho decidido naqueles olhos negros. Um brilho que eu ainda não conhecia. Era claro que ele não o mesmo que eu conheci a anos atrás. Havia muito daquele jovem atrapalhado e criativo, mas havia mais. Era quase um estranho para mim. - Nós estamos lutando pela vida. Para que essa terra tenha algum futuro. Se eles vencerem, acabou. Nós precisamos dar tudo de si amanhã.

Olhei séria para Roger. Eu também havia mudado muito nesses quatro anos.

— Nós daremos.

Continuamos conversando por pouco tempo. Não demorou até que ele desse uma desculpa para ir embora. Ele tinha que estar preparado para a grande luta de amanhã. Eu não precisa ir dormir ainda. Fui até um canto escondido da festa onde encontrei Trevor escorado em um barril fumando um charuto. Me sentei ao seu lado.

— Dia difícil?

— Já tive piores.

— E aí? - Eu disse roubando um pouco do charuto do meu amigo. - Acha que vamos vencer amanhã?

— Quer saber de uma coisa, Cruella? - Trevor perguntou com olhos azuis entediados. - Eu estou confiante. Acho que realmente temos chance de vencer amanhã.

Eu dei um sorriso sarcástico para Pinóquio como se soubesse que ele havia contado uma de suas maiores mentiras.

 

 

JACK

 

Então quer dizer que você correu por tanto tempo, apenas para morrer no mesmo lugar onde tudo começou?

Soquei o gramado do acampamento com força. Faziam três anos que a Lua se comunicava comigo todos os dias. Eram convites de perdão, ameaças, trivialidades. Tudo o que ela poderia fazer para não deixar que eu me esquecesse do meu passado. Ou melhor, o passado que ela criou para mim.

Porém, esses últimos dias haviam sido insuportáveis. Com o aproximar da Grande Guerra, a misteriosa comandante dos guardiões passou a me mandar mais e mais mensagens por dia, de modo que me fazia querer acabar logo com tudo aquilo

O céu estava estrelado e a noite escura. Quase não percebi a presença de Breu a poucos centímetros de onde eu estava.

— Você escutou também?

Ele balançou a cabeça em afirmativo.

— Eu não sei como você aguenta. - Eu confessei misturando inveja e admiração. - A lua está me enlouquecendo. Essa maldita não para de falar.

— O que ela quer é justamente mexer com você. - Ele me lançou um olhar sombrio. - Fazer você se desconcentrar para que seja mais fácil matá-lo. Jack, nós dois fomos treinados pelas tropas adversárias. Somos estrangeiros aqui, não pertencemos junto a esses outros soldados. Somos perigosos.

Olhei para o meu cajado altamente afiado jogado na grama não muito distante de onde estávamos.

— Eu sei disso. - Comentei taciturno. - A lua não me deixa esquecer.

Breu foi até perto de mim.

— Eu não acho que você se esqueceria de qualquer forma.

E então, o meu companheiro de vários anos começou a afagar o meu cabelo. Senti meu corpo relaxar por pelo menos alguns instantes. Breu tinha aquele poder estranho sobre mim. Fui até a sua boca e lhe dei um beijo agradecido.

Frio e escuridão sempre funcionaram bem juntos. Ainda que sem a luz da Lua para lhes iluminar.

 

 

JANE

 

Eu era suficientemente inteligente para saber que, qualquer um que estivesse de fora da nossa roda, agora jogava um olhar de desprezo absoluto para nós. E, com toda a sinceridade, não posso culpá-los.

Estávamos em um círculo de mãos dadas encarando uns aos outros sem dizer nada. Para um transeunte desavisado, parecíamos um grupo de oração. Esse não era o caso. Apenas estávamos focados em passar boas energias para os outros da roda. Por mais brega que isso pudesse ser. O mundo ainda precisava de breguice aqui e alí para continuar sendo mundo.

Junto comigo, estavam o meu namorado, Tarzan, Hércules, o homem que havia organizado aquele grupo improvisado, Arthur, um rapaz loiro que carregava uma espada para todos os lado, Pacha, um homem sério e que não era muito de falar, e Mégara, que não parecia nada feliz de estar alí.

— Podemos parar com esse circo de horrores? - Ela disse com uma expressão cansada.

— Claro, claro. - Hércules disse com um sorriso confiante, ainda segurando a mão de Mégara e Pacha. - Apenas se lembrem desse momento. É importante saber que podemos contar uns com os outros amanhã.

Dizendo isso, ele sentou em um tronco. O resto do grupo seguiu seu movimento. Eu já ouvira falar sobre os trabalhos de Hércules pela Disney Land. Ele era conhecido por sempre se colocar em risco pelos outros. Como um verdadeiro herói.

Para ser franca, eu sempre achei suas história um tanto exageradas. Mas nessa noite, ele havia tirado os que talvez fossem seus últimos momentos para ir de grupo em grupo levantar a moral dos soldados.

Eu preferia estar nesse momento dentro de alguma barraca com o Tarzan, mas fiquei com pena de recusar.

Hércules nos pediu para contar como estávamos nos sentindo. Pacha foi o primeiro a falar.

— Eu vim de um lugar chamado Pátio dos Milagres. - Ele disse olhando para baixo. - Quer dizer, antes eu era de outro lugar, mas o primeiro lugar que eu me vi em casa foi lá. Bem, havia um homem…

Ele fez uma pausa. Hércules deu um tapinha encorajador em suas costas.

— Vai em frente.

— A gente pensava que o nome dele era Cameron. - O homem corpulento continuou. - Depois a gente acabou descobrindo que ele se chamava Dr. Facilier. Enfim, estou me perdendo aqui. O importante é que a gente confiava nele, era um de nós. Mas na verdade ele estava agindo pelas sombras, nos transformando um a um e uma daquelas coisas mortas. Descobrimos isso assim que ele assassinou o nosso chefe, o Fera. Mas era tarde demais. O Pátio dos Milagres ruiu e os sobreviventes vieram para cá procurar por refúgio.

— Essa é uma constante na estratégia do Lobo Mal. - Arthur comentou segurando sua fiel espada. - Infiltrar e destruir por dentro. Ouvimos muitos relatos de ocorrências parecidas. Eu e meu grupo tentamos isso uma vez. - Ele deu um longo suspiro. - Não deu muito certo.

— Havia alguém assim no grupo da Jane. - Tarzan comentou, o que me deixou surpresa. Ele não era muito de falar.

— Sério? - Eu perguntei distraída. - Quem?

— Clayton.

— Ah, sim. Clayton. - Falei, sabendo o quão devagar devo ter parecido. - Maldito.

Tarzan olhou para mim compreensivo. Ele sabia quando eu estava me fazendo de boba. O Sr. Clayton era o homem que havia sequestrado o meu pai anos atrás. Era óbvio que eu não havia esquecido desse incômodo detalhe. Agora, eu não precisava que aquele grupo de estranhos soubessem disso e me dessem conselhos sobre como a vingança era algo primitivo.

Se teve algo que eu aprendi em toda essa minha horrível experiência era que eu também tinha um lado primitivo. Um lado que eu não estava nem um pouco disposta a deixar morrer.

— Eu não tenho ninguém para me vingar. - Arthur comentou. - Mas tenho a quem proteger. Minha namorada, Hazel, está segura agora na base Próspero, mas sua segurança depende de como vamos nos sair amanhã.

— Muito bem. - Hércules elogiou com um sorriso. - Amanhã devemos focar em coisas positivas. Em quem amamos e estamos lutando para proteger. Se focarmos apenas na destruição não seremos muito diferentes dos nossos inimigos.

Mégara, a companheira de viagem de Hércules, deu um riso acusador.

— Não me venha com esse papo paz e amor, H. - Seus olhos eram de um azul tão profundo que quase pareciam roxo. - Você e eu sabemos que você tem a sua vingança pessoal.

— Még…

— Não vem com essa. Deixa eu falar um pouco dele. - Mégara olhou diretamente para mim. Seu olhar era penetrante e de repente eu me senti arrepiada. - Seu nome é Hades. Ele é o mal encarnado. Ele tirou tudo de mim. Tudo mesmo. Se vocês saírem perguntando por aí tenho certeza que vão encontrar mais pessoas que ele destruiu.

— É… - Hércules disse pondo a mão nos ombros de Mégara. - Há alguns meses descobrimos que ele se juntou ao lado deles.

Dei uma olhada rápida por todo o acampamento. Todos lá tinham uma história própria e lutava por um motivo diferente. Tentávamos encontrar conforto em grupos de ajuda, garrafas e em uns aos outros. Haviam outros Claytons por aí. Talvez até do nosso lado. E amanhã, tudo seria resolvido.

Mégara parecia mais furiosa do que nunca.

— Tem horas que eu penso no que aquele desgraçado deve estar fazendo agora…

 

 

HADES

 

Olhei intimidador para o último pedaço de pizza. Meus companheiros já não aguentavam olhar para a comida de tão saciados que estavam. Eu também estava exausto, mas queria mostrar o quão mais forte eu era. Com os braços tremendo, peguei o pedaço restante de pepperoni.

— Ha. - Dei uma risada forçada. - Vocês todos tem muito o que aprender comigo.

— Claro. - Malévola comentou com um sorriso ainda mais forçado. - Se um dia em quiser aprender a como me empanturrar tanto a ponto de me tornar inútil na batalha de do dia seguinte, já sei com quem contar.

Cameron Facilier gargalhou alto e deu um tapa nas costas do nosso outro colega, John Clayton, que o encarou irritado.

— Hades, caro amigo, ela acabou contigo.

— Pode zombar o quanto quiser, Facilier. - Eu disse dando de ombros dando uma mordida triunfal na minha fatia. - Todos sabem que você só está falando isso porque não conseguiu acompanhar eu e o Sr. Clayton no torneio de pizza.

— Por favor. - Clayton implorou. Sua aparência normalmente séria e compenetrada dera lugar para um homem completamente enjoado de tanto comer. - Não fale mais essa palavra.

— Qual? - Dr. Facilier abriu um sorriso zombeteiro. - Pizza?

O caçador de Nova Londres fincou o seu facão na mesa de madeira e olhou para o homem de vestes de cigano com ódio.

— Eu disse para não falar mais essa palavra.

Estávamos em um grande refeitório de estilo clássico. E quando eu digo clássico, era clássico mesmo. As mesas eram de madeira e as paredes de pedra, a iluminação era apenas provida por tochas que decoravam o lugar. Dei uma mordida final na pizza e olhei irritado para o meu redor.

— Olha, sem querer ofender o nosso chefinho. - Falei com certo tom de deboche. Eu definitivamente não gostava de ter que seguir ordens. - Mas ele não sabe escolher um bom lifestyle, não acham?

— O que você quer dizer? - Malévola levantou uma sobrancelha.

— É só que… - Eu gesticulei apontando para o salão onde estávamos. - Um castelo? Isso é realmente necessário?

— Sou obrigado a concordar com ele. - Sr. Clayton  disse tentando recuperar sua compostura. - Ter escolhido essas ruínas como base de operações foi completamente desnecessário. É como gritar para toda a Disney Land “ei, estamos aqui, podem vir nos pegar se quiserem”.

— Exatamente. - Cameron comentou relaxado. - E essa é a intenção.

— Vocês estão sendo racionais demais. Acham que a única guerra que estamos travando é a das armas. - Malévola comentou, arrumando seu grande cabelo negro em um coque. - É mais do que isso, se quisermos sairmos vitoriosos daqui precisamos vencer a guerra ideológica.

— Isso é besteira. - Eu disse cruzando os braços. - Nós vamos matar todos os que estiverem no nosso caminho. Fim de papo.

Meus companheiros me olharam com desconfiança. Facilier foi o primeiro a falar algo.

— Matar a todos o que estão no nosso caminho? - Ele repetiu as minhas palavras. - O que você acha que nós somos? Vilões de desenho animado?

— Nós estamos em um castelo negro. - Comentei fazendo pouco caso. - Aliados com o homem que destruiu o mundo. Além de nós, pessoas terríveis se me permitem falar, lutam do nosso lado cachorros geneticamente modificados para matar e literalmente cadáveres. Se isso não é ser um vilão, eu não sei mais o que é.

— É uma maneira muito simplista de ver as coisas, Hades. - Malévola deu um suspiro, como se estivesse reunindo paciência.- O mundo é muito mais cinza do que você está pensando. Sim, tivemos que fazer coisas terríveis para chegar até aqui. Mas o outro lado também.

— E se quiser saber. - Cameron Facilier, um homem cigano e que sempre foi visto como pária da sociedade, comentou de maneira soturna. - Eles vem fazendo coisas terríveis a mais tempo que nós.

Engoli em seco. Eu não sabia se eles conheciam o meu passado. Algo me dizia que se eles soubessem de algo, seu discurso mudaria bastante.

— Além disso, o nosso exército também é bastante grande. - Clayton comentou com um sorriso educado. - E com os mais variados tipos de pessoas também. Antes de entrar aqui eu conversava com um jovem casal de playboys. Quais eram os nomes deles? - Ele fez força para se lembrar. - Ah, Elsa e Hans. A menina só falava da saudade que ela tinha da irmã. Era fácil perceber que ela tem uma alma boa. Ainda assim…

— … Ela luta pelos vilões. - Um homem que eu ainda não conhecia entrou no recinto.

Era um homem de meia idade e de olhar cansado. apresentava um bigode e um cavanhaque bastante desenvolvidos e tinha um cabelo longo e ondulado. Seu rosto já lhe transmitia bastante autoridade por si só, mas o que mais me chamava atenção em seu visual era a sua mão direita, que havia sido substituída por um gancho.

— Capitão. - Malévola sorriu para o visitante. - É sempre um prazer.

— O prazer é todo meu, meu amor. - Ele disse beijando a mão da mulher de cabelos negros. Quase tive vontade de vomitar com tamanha cafonice. - E quem é esse?

— Ah, esse é Hades. - Clayton respondeu prestativo.

— E aí, maneta? - Falei sem estender os braços. - Como vão as coisas no século 19?

O visitante deu um sorriso a contragosto.

— Temos um comediante a bordo. - Ele disse pegando uma cadeira e se juntando ao nosso círculo. - Desculpa por perguntar, mas o que você está acrescentando a nova ordem?

Olhei para meus companheiros para ver se mais alguém além de mim estava achando graça de tudo aquilo além de mim. Todos me olhavam apreensivo. De súbito, me senti ameaçado por aquele homem esquisito.

— O que eu tenho a acrescentar?

— É. Você sabe. - O Capitão deu de ombros e apontou para o Sr. Clayton. - Nosso corajoso John aqui foi responsável por capturar um renomado cientista para trabalhar para nós. Já este homem... - Ele apontou seu gancho para o Dr. Facilier. - Destruiu sozinho uma sociedade independente que seria uma ameaça gigantesca se não tomássemos cuidado. E essa linda mulher aqui. - Ele disse com um sorriso galanteador e um tanto brega. - É a voz que controla os Guardiões e muitos outros agentes especiais da Lua.

— Ah, Gancho… - Malévola deu um sorriso gigantesco. - Assim você me deixa sem graça.

— Hã… - Eu não sabia muito o que dizer. Não gostava de ter que me defender. - Eu tenho um lança-chamas.

Os outros riram da minha cara.

— Eu sou responsável pela maior frota de navios de Disney Land. - O Capitão disse com o sorriso mais repugnante que eu já havia visto. - Graças a meu domínio dos mares, conseguimos ter vitórias estratégicas que nos ganharam tempo até a última batalha.

Me levantei com raiva.

— É um lança-chamas muito bom.

Sai com raiva do recinto. Quem se importava com o que todos aqueles esnobes idealistas pensavam? Eu só estava fazendo aquilo para não ser morto. Eu nunca poderia ser perdoado se lutasse do lado dos militares, então só me restava a anarquia.

Pouco me importava se éramos mocinhos, ou se estávamos fazendo a coisa certa, pouco me importava se eu estava sendo útil para uma revolução projetada por um homem doente que se denominava com um nome ridículo como Lobo Mal. Eu faria tudo o que me desse na telha. Mataria todos aqueles que estivessem no meu caminho. Queimaria tudo o que se opusesse a mim até que não restasse nada.

O meu lança-chamas era realmente um lança-chamas muito bom.

 

 

JIM

Já faziam cinco horas que eu estava indo de barraca em barraca de modo que eu estava começando a parecer uma piada para todos no acampamento. Mas não importava. Eu estava mais perto de Ariel do que eu estive nos últimos quatro anos. Se havia alguma chance dela estar por perto, eu tinha que arriscar.

Eu esperava contar com o Vagabundo nesse momento, mas ele preferiu ir atrás de uma garota como de costume. Eu não estava decepcionado com ele. Cada um de nós escolhe como quer viver seus últimos momentos. Eu batalharia até o fim por ela.

Me aproximei de mais uma fogueira onde outro grupo descansava. Encontrei uma mulher ruiva que eu admirava junto ao fogo, mas infelizmente não era a que eu procurava.

— Capitã Amélia. - Eu falei me colocando junto ao resto das pessoas. - Eu pensei que nunca mais iria te ver.

— Jim Hawkins. - Ela disse com um sorriso felino. - A recíproca é verdadeira.

Mesmo com a intimidado com a presença da minha antiga superior, fui até ela e lhe dei um abraço apertado, o qual ela retribuiu depois de alguns segundos de confusão.

— É bom ver que você ainda está vivo, Jimbo.

Uma integrante do grupo que eu ainda não conhecia pigarreou alto para chamar atenção. Olhei em sua direção. Seu cabelo era negro como a noite e sua pele branca como a neve.

— Sem querer interromper o reencontro emocionante. - Ela disse com um sorriso vermelho. - Mas você é o cara que todos estão falando?

— Não que eu saiba. - Falei me afastando de Amélia. - O que estão falando?

— Estão dizendo por aí que tem um cara indo de barraca em barraca procurando por uma namorada sumida.

O grupo me encarou atento como se esperasse alguma resposta importante.

— É. - Admiti. - Esse deve ser eu.

De repente, uma garota loira e de cabelos cheios que parecia estar dormindo até então, despertou e apontou para um homem forte de dreads que sentava perto de Amélia.

— Ha! - Ela disse triunfante para ele. - Eu disse que essa história era real. Pode ir me passando vinte para cá, Gantu.

Devo ter parecido confuso porque a jovem pálida se viu obrigada a explicar o que estava acontecendo.

— Esses dois apostaram sobre você era real ou não.

— Mas Jim. - Minha atenção se voltou a Amélia que parecia escolher as palavras com cuidado. - E a garota? Algum Sucesso?

— Não. - Confessei me sentando em um tronco perto a fogueira. Percebi que estava exausto. - Sem sinal dela em lugar algum. Fazem quatro anos. Talvez as minhas expectativas estavam muito altas.

— Sinto muito, garoto. - Gantu, o homem de dreads, comentou em um tom quase culpado. - É um mundo cruel lá fora.

— Ei. - A mulher de cabelos curtos e negros segurou na minha mão e me lançou um sorriso que tentava ser reconfortante. - Eu sei que pode parecer difícil agora, mas todos nós somos sobreviventes. Você ficaria surpreso com o quão forte todos nós somos.

— Obrigado. É só que… - Senti as lágrimas lutando para sair. Olhei para baixo para que ninguém percebesse. - É difícil.

— Nunca é fácil perder alguém que se ama. - A voz de Amélia estava amargada pela dor. - Qual era o nome dela mesmo? Mildred?

— Ariel. - Cerrei os pulsos. - O nome dela é Ariel.

— Espera. - A mulher de pele clara disse de supetão. - Ariel?!

Olhei para a sua direção.

— Aurora! - Ela disse com um sorriso muito mais animado e deu um tapa em sua amiga, que parecia estar cochilando mais uma vez. - Você ouviu o que ele disse?!

— Hã? O quê? - A jovem de cabelos loiros e cheios olhou a sua volta, um tanto confusa. - Não, não. Desculpe. Eu não estava prestando atenção.

— Francamente, você precisa acordar para a vida. - Ela revirou seus grandes olhos escuros. - Jim, me diz uma coisa. Essa sua Ariel, é ruiva?

— Sim! - Eu me levantei com empolgação sentindo todo o meu vigor sendo recuperado. - Um cabelo bem vermelho. Olhos azuis. Não muito alta.

A garota de pele branca como a neve levantou empolgada junto comigo, como se me conhecesse já a muito tempo.

— Jim. - Ela disse com um sorriso genuíno. - A Ariel é nossa amiga. Ela está dormindo na nossa barraca.

Meu coração saltou pela a boca. Era como se eu tivesse despertado de um sono de quatro anos. De repente, não havia mais pais ausentes, guerras e apocalipses. Havia apenas eu e ela. O pirata e a sereia.

Atordoado, me despedi de Amélia e dos outros sem entender ao certo o que eles diziam. A jovem de pele clara, que me havia dito o nome, mas que acabei esquecendo, me levou por entre as barracas até chegarmos em uma barraca razoavelmente pequena com o número sete escrito em suas laterais. Me despedi da minha guia e encarei a cabana.

“Finalmente estou em casa” Pensei, e me peguei surpreso com o pensamento. “Finalmente estou em casa”.

Entrei.

E lá estava ela quatro anos depois. Com um cabelo curto ruivo espalhado pelo chão da barraca. Roupas de dormir roxas e verdes. A paz que eu encontrava observando o ir e vir das ondas era a mesma que eu tinha observando Ariel dormir. Escutei um som alto vindo dela e quase soltei uma gargalhada emocionada. O seu ronco ainda era o mesmo.

Peguei em seu ombro e dei uma leve balançada. Ariel olhou em minha direção com confusos olhos azuis de oceano.

— Por que todas as vezes que a gente se reencontra você está dormindo?

Ariel parecia estar sem voz. Ela me encarava assustada na escuridão.

— J-Jim?! - Ela disse pegando no meu braço. - Como isso é possível?!

— Não é. - Lhe dei um sorriso incerto. - Mas aqui estamos nós.

Passamos alguns bons minutos nos encarando na penumbra. Os dois sem acreditar no que estava acontecendo. Até que em algum momento as nossas mãos se tocaram. Olhei apreensivo para a sereia apenas para ver que Ariel me abria o sorriso mais lindo do mundo. Fui até ela e lhe dei um beijo. Nós dois desatinamos em choro.

Finalmente estou em casa.

 

 

LILO

 

Do alto de um morro, com a luz do sol começando a surgir, eu a minha Ohana observávamos o grande acampamento. Haviam barracas e mais barracas em um perímetro impressionantemente grande. Dentro de cada uma dessas barracas, e ao redor das inúmeras fogueiras, sobreviventes dos mais variados tipos. Sobreviventes que haviam passado por toda a forma imaginável de adversidade, mas que talvez estivessem a poucas horas do seus últimos momentos.

Fiz um afago na cabeça de Stitch, que me lançou um olhar compreensivo.

— Sabe, Lilo. - Nani disse sentada ao meu lado. Seu olhar era triste e cheio de nostalgia. - Tem horas que eu fico pensando a quem você puxou.

Olhei para a minha irmã mais velha.

— A mamãe e o papai era bem diferentes. - Ela falou olhando para o acampamento. - Eles não pareciam se preocupar muito com as coisas. Viviam com a cabeça nas ondas, sabe?

— Como alguém que eu conheço.

— É. - Ela deu de ombros. - Eu tenho muito deles.

— Não sei. - Respondi sem emoção. - Acho que as coisas mudaram muito depressa para mim. Um dia eu era uma menina que ouvia Elvis e dava nome para todos os peixes que eu encontrava e no outro…

— É! - Nani concordou quase empolgada. - Você fazia muito isso mesmo. Qual era o nome daquele que você dava pão toda a manhã? Aquele vermelho?

— O fofucho. - Falei arriscando um leve sorriso. - Nossa, isso parece a uma vida atrás.

— Sim. - Minha irmã olhou para mim com carinho e fez um afago no meu cabelo. - Você cresceu rápido demais, Lilo. Mais rápido do que deveria.

Peguei nas mãos quentes de Nani, me lembrando de todo o tempo que ela teve que ser como uma mãe para mim. Depois do acidente dos nossos pais, nós só tínhamos uma outro. Um sentimento forte de admiração foi crescendo dentro de mim.

— Nós duas tivemos. - Falei na tentativa de reconfortá-la. - Foi o que nos fez sobreviver por tanto tempo.

— Boa noite.

Nós duas nos viramos para trás, junto de Stitch que deu um latido animado. Um homem negro, alto, musculoso e sem sobrancelhas surgiu das sombras vestido de um elegante terno escuro.

— Cobra Bubbles. - Nani anunciou Nani. - É sempre bom te rever.

— Igualmente, Senhorita Pelekai. - O homem respondeu com um raro sorriso. - Como vai a vida?

— Ah, você sabe. - Ela deu de ombros como se não desse muita atenção a isso. - Só seguindo o fluxo, ver onde as coisas vão me levando.

Me levantei séria. Eu conhecia Cobra Bubbles muito a fundo, para saber que ele só aparecia quando era estritamente necessário.

— Qual é o problema?

— Precisamos de você, Lilo. De você e do seu time. - Ele já havia adotado a sua postura séria mais uma vez. Ele pareceu olhar para Stich - E do Experimento 626.

Apreensiva, olhei para a minha irmã.

— Nani…

— Está tudo bem, Lilo. - Ela disse se levantando e me dando um beijo na cabeça. - Nós dois trilhamos caminhos diferentes, a Disney Land precisa de você. Apenas… - Ela me deu um abraço apertado. - Apenas tenha cuidado amanhã.

— Você também. - Respondi o braço. Pude sentir Stitch subindo nas minhas pernas. Talvez fosse o último abraço da minha pequena Ohana.

Depois de me despedir de Nani, eu e Stitch seguimos Cobra Bubbles por dentro da escuridão. Ficou claro para mim que estávamos indo para algum lugar secreto. Algum lugar que apenas poucas pessoas tinham autorização para adentrar. Quando eu perguntávamos onde estávamos indo, meu silencioso acompanhante se limitava a dizer:

— Tem alguém que você precisa conhecer.

Andamos por cerca de vinte minutos até que chegamos a um matagal que não aparentava nada de especial. Cobra Bubbles apontou para uma moita qualquer.

— Vá por aquele caminho.

Estranhei o comando, mas não consternei. Era dever de uma soldado seguir ordens. Ao chegar perto da noite percebi que, na realidade, ela não passava de um simples holograma que oscilou enquanto eu e Stitch atravessávamos. De repente, estávamos em uma clareira com uma pequena clareira que aquecia um único homem.

Era um homem entre trinta a quarenta anos, alto, de porte atlético e que vestia uma armadura. Seu cabelo e barba castanha pareciam vermelhos por causa da proximidade com o fogo. Perto do tronco em que estava sentando, se encontrava uma pesada espada fincada no chão. De alguma forma, eu já sabia quem ele era.

— Lilo Pelekai. - Sua voz era tão poderosa e altiva quanto eu havia imaginado. - Sente comigo.

Inevitavelmente tímida, me joguei em cima de um tronco pequeno em frente de onde meu anfitrião estava. Apertei as mãos tentando esconder o meu nervosismo.

— Imagino que saiba quem eu sou.

— S-sim. - Eu falei sem acreditar no que estava acontecendo. - Quer dizer, sim senhor. Eu sei quem o senhor é.

O homem que vestia a armadura cruzou os braços.

— Então me diga.

— O senhor é Taran. - Soltei sem conseguir olhá-lo nos olhos. - Comandante-chefe de todo o exército de Disney Land.

— Sim. - Ele concordou. - O ex-criador de porcos.

Permanecemos em um silêncio constrangedor por alguns segundos.

— Você tem alguma ideia do porquê te chamei aqui?

— Não, senhor. - Respondi de prontidão. - Tudo o que Cobra Bubbles me contou é que vocês precisam de mim e do meu time amanhã.

— Sim, de fato. - Ele parecia ponderar em cada frase que dava. - Sabe Lilo, o inimigo que enfrentamos é um homem muito inteligente. Ele sabe que uma guerra não se vence apenas com armas. É preciso ganhar a guerra simbólica.

— A guerra simbólica, senhor?

— De nada adianta matá-lo e reconquistarmos o castelo… - Ele explicou com a paciência de um pai. - … Se não o fizermos do jeito certo. Contando a história certa. É a maneira mais segura de assegurar que outros como ele não se levantarão.

Assenti, compreendendo a situação.

— Então eu e o meu time somos propaganda?

Taran me olhou surpreso.

— Sim. Você é muito perspicaz em compreender isso. Estou começando a entender o que o Cobra Bubbles viu em você, menina. - Ele respondeu. - Vocês são jovens, bons de luta e tem uma história convincente que deve inspirar todos no continente. Precisamos de vocês.

— Sim, senhor.

O comandante balançou a cabeça satisfeito.

— Lilo. Eu não posso deixar você entrar nisso se não souber exatamente no que está se metendo. - Ele continuou. - Amanhã não lutaremos nos campos de batalha juntos com nossos irmãos e irmãs, vamos entrar no Castelo Negro e destruir toda a operação do inimigo.

— Entendo, senhor.

— Será perigoso.

— Não tenho medo, senhor.

— Bom. Muito bom. - Ele falou e pensei ter ouvido um tom de orgulho vindo dele. - Agora, o que você sabe sobre o inimigo que estamos enfrentando ao certo?

— Não muito. - Admiti. - Sei que ele se chama Lobo Mal. Ele tem mortos no seu exército. E cães de guerra iguais ao Stitch, quero dizer, iguais ao Experimento 626. Ele quer a completa destruição de tudo e tem que ser parado a qualquer custo. É isso o que eu sei.

— Sim. Porque é isso que nós decidimos que era importante ser contado. - Taran Explicou. - Agora deixe-me contar a verdadeira história do Lobo Mal.

Olhei atenta para o meu comandante sabendo que estava recebendo uma honra que poucos havia recebido até então.

— Nós nos conhecíamos quando jovens, éramos quase irmãos. Ele não havia adotado esse nome ridículo ainda. Eu o conhecia apenas como Mogli. - Taran parou por um instante e pude perceber que era doloroso para ele reviver todas aquelas lembranças. - Há muitos anos atrás, eu e ele lideramos uma missão para destronar o Rei de Chifres, o lunático que mandou construir o Castelo Negro e que ameaçava a paz da nossa noção. Eu mesmo matei aquele desgraçado, mas depois daquele dia algo mudou em Mogli.

Taran se remexeu no tronco, claramente desconfortável.

— O Rei dos Chifres tinha ideias radicais de liberdade. Dizia que as instituições eram todas corruptas, falhas, apenas limitavam o homem e o deixavam cada vez mais distante do que realmente é. Um lobo, segundo ele. - Meu comandante explicou. - Naquele dia, eu matei o Rei dos Chifres, mas seus ideais continuaram vivos no meu amigo. Mogli sempre foi articulado. Havia feito amizade com cientistas, políticos e inclusive… Terroristas. Se algum homem era capaz de destruir o mundo, esse alguém era ele.

— Mas não faz sentido. - Comentei, sentindo a raiva se acumular dentro do meu peito. - Como trazer os mortos de volta à vida pode trazer o bem para alguém? Isso é a lógica de um louco.

— Ele quer que pensemos assim. Mas tudo isso de apocalipse é apenas uma distração. - Taran explicou como se todo aquele sofrimento não tivesse tanta importância. - Nesse tempo em que estivemos ocupados tentando sobreviver, ele fez a sua varredura do mundo?

— Como assim?

— Ele assassinou pessoas estratégicas. Políticos, Capitalistas, Chefes de Milícia. Qualquer cargo de autoridade jogado no lixo. Para assim que tudo isso acabasse, o mundo não conseguisse mais se reerguer.

Ponderei por alguns segundos.

— Mas. - Olhei para o meu cachorro de pelagem azul que assistia em silêncio a nossa conversa. - Mas como nós podemos vencer essa ameaça?

Taran me olhou com um olhar cansado de quem já vinha lutando a muito tempo.

— Nós não podemos vencer. Ele já venceu. O mundo que nós conhecíamos já está morto. - Ele me confidenciou. - Cabe a nós fazer o mesmo com eles.


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Notas finais do capítulo

Pois é, como vocês podem ver, ainda não é o fim de NCT. Estou ainda planejando mais três capítulos para acabar com a saga de um jeito satisfatório. A verdade é que eu planejei apenas postar o primeiro capítulo quando o terceiro estivesse pronto, para evitar a demora entre os capítulos, mas senti a necessidade de postar logo.
Estou perto de terminar o segundo capítulo, mas percebi que precisava de uma injeção de ânimo.
Estou muito feliz de dividir esse retorno com vocês. Até a próximo, Polo.



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