O despertar do Apocalipse escrita por AHSfan


Capítulo 4
Não diga essas palavras -


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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08 de Janeiro de 2014 – Uma e vinte da manhã. Yelp Club.

O som dos disparos ricochetando era interessante, agradável até.

No começo Magdalena detestava a mera ideia de pegar em armas, mas com o passar do tempo isso tinha mudado. Tudo tinha mudado. Magdalena não só gostava de atirar e de toda a experiência por detrás disso, ela era muito boa nisso. Só tinha uma coisa que Magdalena não gostava sobre atirar: errar o alvo por milímetros.

Ela estava correndo as escadas de incêndio do lado externo do Yelp Club, perseguindo seu alvo como a caçadora experiente que era. Estava escuro, mas Magdalena não precisava de nada além da luz da lua para saber exatamente onde estava indo. Seus passos eram leves e rápidos, facilmente igualando-se aos de uma corredora profissional. Em seu braço direito estava o escudo cinza com a pedra roxa. Ela vestia calça jeans e uma blusa cinza de mangas compridas, que lhe permitiam correr e saltar sempre quando necessário. Do lado de fora do clube ainda era possível sentir a vibração da música estridente pelas paredes e instalações do prédio, contudo, Magdalena não se deixaria distrair por nada, afinal a noite de hoje seria decisiva.

Magdalena diminuiu a distancia entre ela e seu alvo, rapidamente. Em seguida ela segurou sua semiautomática com segurança, respirando e inspirando com calma uma única vez. Um fragmento de segundo antes dela puxar o gatilho, porém, o alvo desviou-se velozmente correndo para a direita.

“Merda!” Magdalena amaldiçoou a velocidade ágil do alvo. Ela ainda tinha um pente de balas relativamente cheio, mas não queria parar para verificar ou recarregar em último caso, então apenas continuou correndo o mais rápido que pôde. Ela sabia que tinha pouco tempo...

Aquele maldito não me escapa, ela pensou irritada.

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Atlas estava absolutamente certo que tinha ouvido uma voz em sua cabeça. Literalmente, dentro da cabeça dele. Ele saiu procurando respostas, mas tudo que tinha encontrado era a longa escada do estacionamento. Atlas acelerou o passo um pouco mais até perceber que fazia algum tempo que ele não ouvia mais nada. Havia apenas o estranho silêncio ao seu redor e ele começou a perguntar-se se não teria imaginado tudo, por estar bêbado demais.

“Me salve!” A voz inumana implorou, repentinamente, mais próxima do que antes. Ele olhou em volta e após constatar que estava completamente só, continuou a descer as escadas vorazmente.

“Onde você está? Está ferido?!” Atlas gritou de volta, mas não obteve nenhuma resposta. Droga, que merda está acontecendo? Ele pensou preocupado. Atlas chegou ao final da escada do estacionamento e percebeu estar de frente para grandes portas vermelhas com uma placa. Uma saída de emergência.

“Rápido, Atlas!” A voz pediu, suplicando.

Ele sentiu o senso de urgência na voz e empurrou as portas da saída de emergência sem pensar duas vezes, jogando o corpo com toda a força. Imediatamente uma rajada de ar frio esbofeteou-o no rosto. Atlas tentou ignorar a dor e identificar o local onde estava. Aparentemente, ele se encontrava em um beco deserto, mais precisamente na base das escadas de incêndio do lado de fora do Yelp Club. Atlas nunca tinha notado a quantidade de enormes latas de lixo e sujeira bem ao lado do clube e tampouco nunca tinha ele percebido o quão sombrio aquele local poderia ser de noite. Não tinha ninguém na rua, nem taxis, nem carros, muito menos pedestres. O cenário era perfeito pra um crime. Qualquer evento poderia se dar ali sem que existissem testemunhas e Atlas estava pensando em cada uma das possibilidades possíveis, quando a coisa mais impensável aconteceu. Do meio das escadas de incêndio, uma criatura branca e pequena como um animal doméstico, saltou e caiu praticamente aos pés de Atlas. A criatura que se parecia com um gato, arfava e sangrava como se tivesse sido muito ferida.

“Deus!” Atlas apressou-se em ajoelhar-se e tentar colocar o estranho animal em uma posição mais confortável, segurando-o com máximo de cuidado possível.

Atlas...” A voz inumana ecoou novamente em sua cabeça enquanto a criatura o encarava com seus três olhos vermelhos. Então era você que estava falando comigo? Como? Atlas indagou-se se sentindo mais bêbado do que nunca. Ele estava tão imerso em seus próprios pensamentos que não percebeu quando uma figura pulou a uma distancia humanamente impossível e se pôs de pé graciosamente no chão.

“Afaste-se dessa criatura.” A voz poderosa e segura de Magdalena ressoou pelo beco. Atlas tinha certeza que se tratava dela, pois seu timbre era inconfundível. Ele olhou na a direção que julgava ter escutado sua voz e a viu, caminhando lentamente, com seus olhos intensos, pele negra e cabelos cacheados.

“Afaste-se logo. Deixe-me terminar o que comecei.” Ela disse friamente. Atlas ficou surpreso com a indiferença afiada nos olhos de Magdalena, como não ficaria? A garota com a qual ele tinha sonhado e a que estava na frente dele agora eram pessoas inteiramente distintas.

“Não sei do que se trata, mas... Ele está ferido, você não está vendo?!” Atlas gritou em resposta. Ele queria tanto estar com Magdalena e agora que finalmente a tinha diante de si as coisas tinham mudado de lugar.

“É a última vez que aviso, Atlas Youngblood. Afaste-se!” Ela retirou uma arma do escudo vagarosamente, para que ele visse bem que estava falando sério. Em seguida Magdalena apontou a semiautomática na direção da criatura.

Um segundo tenso transcorreu.

“Eu não moverei um dedo sequer.” Atlas falou determinado, apesar de seu coração bater tão rápido que ele poderia jurar estar prestes a ter um ataque fulminante. Na verdade, ele nunca tinha sentido tanto medo quanto naquele momento, mas ainda assim sua resposta permaneceria a mesma. Atlas apertou a pequena criatura contra o próprio peito e olhou diretamente nos olhos de Lena, se ela quisesse atirar teria que atingi-lo também.

“Entendo.” Magdalena abaixou a arma e foi andando na direção de Atlas, sem desviar os olhos dele por um minuto sequer. Quando eles estavam a menos de um metro de distancia um do outro, Magdalena abriu a boca para falar algo, mas foi impedida pelo grito desajeitado de outra pessoa.

“Atlas, corra, agora!” Era Stella que tinha em mãos um pesado extintor.

De alguma forma, ela rapidamente o ativou, criando uma eficaz cortina de fumaça. Em seguida, Stella jogou o extintor vazio na direção de Magdalena, distraindo-a por tempo o suficiente para que Atlas se levantasse e fugisse. Ele e Stella correram acelerando o passo a medida que se distanciavam. Eles percorreram boa parte do beco, mas ainda estavam relativamente longe de alcançarem a avenida do clube. Antes mesmo que Atlas pudesse dar alguma explanação racional dos últimos fatos para si mesmo Stella começou a falar apressadamente:

“Qual é o problema dessa garota?! Ela praticamente apontou uma arma pra você! E que animal é esse? Está vivo?”

“Estou tão no escuro quanto você. Só sei que preciso salvá-lo!” Atlas respondeu ofegante. Eles estavam extremamente próximos da saída para a avenida quando um estranho tremor começou a balançar as paredes do beco. Quais são as chances de eu estar delirando? Atlas pensou.

“Você sentiu isso?” Stella perguntou parando de andar e olhando para Atlas de relance. Foi aí que ela viu o impossível. Uma névoa densa se alastrava muito rapidamente por todo o perímetro engolindo tudo que estava em seu alcance. E eles eram a próxima coisa ao alcance da misteriosa névoa.

“Cuidado!” Stella exclamou tarde demais. A névoa abraçou-os com suas garras, tragando-os para dentro de um espaço acinzentado e angustiante, como se eles estivessem presos dentro de uma nuvem.

“Droga! Você tá conseguindo ver alguma coisa?” Atlas perguntou assustado. A névoa tornava impossível enxergar qualquer coisa que não estivesse tropeçando neles.

“Nã-Não... Atlas, o que está acontecendo?” A voz de Stella falhou no final da frase.

Quando a bruma finalmente abaixou o suficiente pra que eles pudessem ver onde estavam uma sensação de mal estar e estranheza se instaurou nos dois. Era o mesmo beco de antes, mas estava claramente diferente. Atlas observou, impressionado, a enorme parede que se impunha diante dele, no mesmo local onde a saída deveria estar. Os tijolos marrons pareciam mais vagabundos que nunca e a parede era alta demais para ser escalada. Lia-se SEM SAÍDA em uma placa vermelha no meio dos tijolos.

“Isso é algum tipo de piada?” Stella perguntou olhando aflita de Atlas para o muro diante deles. Ele apenas balançou a cabeça negativamente.

“Diga-me que só estou muito chapada e...” Antes que Stella pudesse terminar a sentença, um líquido vermelho e lustroso como sangue começou a escorrer do topo da parede derramando-se nos pés do casal de ex-namorados. Os frágeis tijolos começaram a tremer novamente, como se algo estivesse prestes a explodir dali. Atlas e Stella assistiram com horror no momento em que cerca de treze tijolos foram empurrados, todos de uma vez só, e atrás deles surgiam mãos e braços longos e pálidos, como os de um manequim.

“Merda! Merda! Merda!” Atlas exclamou apavorado. Ele imediatamente tomou a mão de Stella e correu, na direção contrária, o mais rápido que pôde. Enquanto eles corriam, mais e mais tijolos iam caindo no chão, fazendo um som estrondoso. O estranho líquido ainda escorria velozmente dificultando ainda mais a corrida dos dois, que titubeavam em uma linha tênue entre cair e manter-se de pé. Simultaneamente a fuga, os braços de manequim empurravam seu caminho para fora dos tijolos, tentando agarrar o que pudessem de Stella e Atlas. Em algum momento, Stella quase tinha sido agarrada pelos tornozelos e precisou chutar com toda força de vontade que tinha para se livrar. Ela não gritou em nenhum momento, mas o olhar em seu rosto era de pavor e uma parte de seu subconsciente queria desistir e se deixar levar pelo que quer que fosse. Até que Stella escutou algo.

MAGDALENA NORTHUP

O coração de Magdalena batia rápido. O mais acelerado que ela tinha sentido desde que este fatídico dia tinha começado. Ela estava desesperadamente tentando encontrar uma brecha, uma falha que fosse, pois apenas um fragmento seria o suficiente para que ela adentrasse e então o salvasse.

“Droga!” Magdalena praguejou, tentando entender como as coisas tinham mudado de lugar tão rápido. Em um minuto ela tinha tudo em seu controle e Atlas estava em sua frente, parecendo mais decepcionado com ela do que nunca. No outro, ele e Stella estavam fugindo, mas não rápido o suficiente para escapar da névoa. E Magdalena sabia muito bem o que aquilo significava. Atlas estava em grande perigo...

ATLAS YOUNGBLOOD

Continue... Até... As escadas.” A voz inumana da criatura no colo de Atlas voltou a ressoar, mas dessa vez ele não foi o único a conseguir ouvi-la.

Atlas olhou confuso para o animal que estava em seu colo, mas em seguida foi forçado a voltar-se para frente, pois o fluxo de mãos que lhe puxavam o corpo estava aumentando. Ele não conseguia entender o que estava acontecendo, nem sabia por onde começar a racionalizar aquela situação, entretanto naquele momento, sobreviver era tudo que importava. Então, Atlas correu até avistar uma curva de 90° no corredor que o levaria até uma longa escada.

“Só mais um pouco!” Ele falou avistando a porta que estava ao final da escada.

“Eu sei.” Stella respondeu automaticamente, ciente de que tinha acabado de escutar vozes em sua cabeça. Ela também não estava pensando muito sobre como chegaram ali e sim como fariam para sair de lá. Os dois subiram a escada praticamente de dois em dois degraus, evitando olhar para trás o máximo que podiam. Eles alcançaram o topo da escada e Atlas empurrou Stella um pouco para trás. A princípio ela não tinha entendido o porquê de tal ação, mas então ela viu Atlas tomar impulso e chutar uma porta violentamente, abrindo-a de uma vez.

“Entre!” Ele disse, sentindo-se exausto.

“Não precisa falar duas vezes!” Stella respondeu, arfando.

Os dois se deixaram desabar no chão, respirando em grandes golfadas de ar. A pequena criatura nos braços de Atlas estava puxando ar rapidamente também, mas seu estado físico era deveras pior.

Como Magdalena foi capaz de fazer algo assim? Atlas questionou-se.

“Precisamos encontrar uma forma de dar o fora daqui!” Stella exclamou fechando os olhos e inspirando o mais profundamente que podia. Atlas olhou ao redor e achou o local estranhamente familiar, de alguma forma semelhante ao lounge do terceiro andar no Yelp Club. Era possível ver os mesmos pilares inspirados na arquitetura grega e um espaço muito similar ao qual a pista de boliche deveria estar. Entretanto, as semelhanças se encerravam aí, pois o local poderia ser facilmente confundido com o inferno. Grades enferrujadas como as de uma fábrica abandonada substituíam o piso permitindo uma visão do estranho abismo embaixo, com canos e tubulações que emitiam calor, deixando a temperatura extremamente desconfortável. As paredes estavam descascando sua textura aveludada e em algumas delas, era possível ver gigantescas rachaduras. No espaço onde a pista de boliche deveria estar havia uma disposição de manequins, montados em todos os lugares errados e enrolados em arame farpado, arrumados como pinos de boliche.

“Estão caçoando de nós.” Stella falou tão baixinho que Atlas teve de repetir mentalmente o que tinha ouvido até fazer sentido das palavras dela. Ele olhou para a melhor amiga que tinha os olhos cristalinos arregalados.

“É uma paródia sombria das nossas vidas não, é?” Ela concluiu deixando que uma lágrima escorresse de seu olho esquerdo. Atlas pensou em tentar confortar a amiga, mas ele não fazia a menor ideia de como fazer isso. Repentinamente o som estridente dos manequins movendo-se despertou a atenção dos dois. Os manequins vinham na direção deles, arrastando consigo todo o arame farpado.

É como um grande pesadelo sem fim, Atlas pensou entendendo pela primeira vez o quão impotente estava diante da situação. Um dos manequins estava deveras próximo dele, mas Atlas não conseguiu mover um músculo que fosse.

“Cuidado!” Stella gritou pondo-se em pé, de costas para o ex-namorado. Ela estava chorando agora, lágrimas quentes rolavam de seu rosto, mas seu olhar era destemido. Ela não deixaria que o seu melhor amigo se machucasse.

Atlas apertou a criatura em seus braços desejando que ele pudesse dar qualquer outra dica que fosse, mas o animal parecia desmaiado. Ele levantou-se com as pernas trêmulas e ficou ao lado de Stella. Em silêncio, Atlas olhou para cima, prestes a fazer uma oração. Foi então que ele viu o terceiro andar do Yelp Club de cabeça pra baixo, refletido acima das cabeças deles, como se fosse um espelho invertido. Aquele andar do clube estava absolutamente deserto e apenas uma garota caminhava por entre as mesas de sinuca. Atlas observou atentamente quando a jovem loira com o cabelo trançado de lado, levantou a cabeça e olhou diretamente para ele. Ela sorriu gentilmente e retirou de sua jaqueta uma arma dourada, apontando-a para o espelho.

A última coisa que Atlas viu foi o dedo indicador da garota apertar o gatilho.


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Notas finais do capítulo

Algumas curiosidades até agora:

O sobrenome do Atlas, no caso, Youngblood é inspirado em uma das minhas personagens favoritas, Tally Youngblood da série de livros "Feios" do Scott Westerfeld.

O sobrenome da (Magda)Lena, no caso, Northup é inspirado em um dos meus autores favoritos que também era natural de Nova York. Talvez vocês tenham visto o filme que foi inspirado no livro dele, filme este que ganhou vários oscars. Estou falando de Solomon Northup, autor do livro "12 Anos de Escravidão".

Obrigada por acompanhar e se possível deixe um comentário!