Desejo e Reparação escrita por Ella Sussuarana


Capítulo 9
II - Capítulo 7: Os olhos castanhos e as coisas inadimisíveis




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Parte Dois

{Os olhos azuis sobre os castanhos}

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Capítulo 7: Os olhos castanhos e as coisas inadimisíveis

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Seria mais um dia completamente ordinário, com o sol a descansar no horizonte e as nuvens a mancharem, espaçadas, o azul do céu, caso Hogwarts fosse por si só um lugar em que o adjetivo “comum” caísse tão bem como uma luva na mão. Porém, como não o faz, aquele dia haveria de trazer uma surpresa que mudaria completamente a vida de certo sonserino.

Os alunos do terceiro e do quarto ano tinham vinte e cinco minutos de intervalo antes do início de mais uma aula, o que explicava a lotação dos pátios internos e o excesso de barulho.

Draco estava atravessando um corredor quando se deparou com algo que o surpreendeu de tal maneira que ele seria capaz de tropeçar e cair. Na verdade, isso de fato aconteceu. Bem, não exatamente. Draco tropeçou, mas foi ágil o bastante para agarrar-se nos braços gordos de Vicent Clabbe, que protestou soltando um gritinho agudo e agarrou-se nos braços finos de Gregory Goyle, que perdeu o equilíbrio e bateu o ombro com força na parede, soltando, também, um grito nada agradável.

Aqueles próximos do trio riram o mais longo que puderam, antes que Draco recuperasse a sua postura e lançasse seu olhar frívolo como se fosse facas jogadas sem direção específica, podendo acertar, inevitavelmente, qualquer alvo.

Contudo, Hermione, que passava por perto, com os braços sobre os ombros dos seus dois melhores amigos, rindo alto, não percebeu a confusão. Nenhum deles percebeu, algo pelo qual se arrependeriam pelo resto de suas vidas, se soubessem.

O fato de Hermione ser a culpada do ocorrido também os alarmaria.

Pela primeira vez em todo aquele tempo em que estudaram juntos, Draco notara que a garota de sangue-ruim tinha olhos castanhos da cor de mel morno. Não apenas isso! Por ironia do acaso, os olhos dela eram da exata tonalidade que os do garoto que deixara fugir num sonho que tivera há tantos meses, que era impressionante que ainda se lembrasse daquele detalhe insignificante, quando existiam tantas outras cenas mais interessantes, como a que ele matava Harry Potter. Aquilo era algo que uma pessoa nunca esqueceria. Agora, a cor dos olhos de uma figura sem significado lógico? Logicamente, passaria despercebido, como se nunca tivesse existido.

E por assim tinha sido por todos aqueles meses, até ele desviar os olhos de seu trajeto para descobrir o motivo de o Trio Maravilha estar tão feliz. Ele estava preparado para caminhar na direção de seus inimigos e estragar-lhe a felicidade, como é de praxe a todo e qualquer vilão que se preze, quando foi cegado pelos olhos dourados da detestável e nojenta Granger. Certamente, ela teria enfeitiçado os seus olhos para jorrarem intensa luz solar nos de Draco, o que o fez tropeçar em algo e, em seguida, acarretar uma série de acontecimentos desastrosos.

Era nisso que ele acreditava, e ninguém o faria pensar de outra forma!

Acreditava, também, que isso o teria confundido e o feito achar que os olhos dela, daquela nojenta sem graça prepotente que não sabe onde é seu lugar no mundo (debaixo da sola do sapato dele), eram iguais ao do jovem em seu sonho.

Lógico que não eram!

E, mesmo que fossem, era apenas um sonho meio feliz, completamente sem noção, como os eles sempre são. Só isso.

No momento, tinha assuntos mais sérios para tratar, ao invés de ficar se importunando com tamanha trivialidade. Ele precisava fazer o que gostava mais em todo o mundo bruxo: ameaçar algumas pessoas para que mantivessem a boca fechada sobre o que acontecera.

Draco Malfoy jamais seria motivo de piada em Hogwarts.

x.x.x.x.x.x

Hermione estava sentada a uma mesa repleta de livros e de papéis organizados, no seu ambiente natural, na Biblioteca. O silêncio do lugar não a incomodava, como o fazia a outros, nem o peso dos volumes encadernados a assustava. Ela gostava de estar envolta por conhecimento, e não havia lugar no mundo mais fascinante que uma biblioteca, fosse ela pequena, apertada, com cheiro de mofo, ou enorme, deslumbrante, com cristais despencando do teto e brilhando como fogo-vivo¹.

Enquanto estudava, adentrava a uma nova realidade paralela, esquecendo-se, por vezes, de que a vida e o tempo ainda existiam e seguiam em frente, com ou sem ela. Harry e Rony viviam falando que ela deveria se divertir mais. Porém, eles não entendiam que aquela era a sua forma nata de diversão.

Por estar tão atenta ao texto que lia, não notou ser o objeto de interesse de um par de olhos azuis.

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Draco já a observava por extraordinários vinte e um inadmissíveis minutos. Não havia razão para ter tanto interesse em alguém de uma casta muito inferior a sua, ainda mais uma garota da Grifinória amiga do detestável Potter e do miserável Rony Weasley – aqui, ele precisava especificar o sujeito, visto que havia demasiados Weasleys neste planeta e que todos eles eram igualmente miseráveis. Era muita incompetência de uma família ter cerca de uma centena de filhos, e nenhum deles conseguir atingir melhor status social e econômico que os demais. Contudo, fazia sentido. As pessoas estavam predestinadas a serem o que são, é inevitável, imutável, o destino já fora selado; alguns, como ele próprio, nasceram para serem poderosos e ilustres bruxos, outros, como os Weasleys, nasceram para serem pisados. E assim continuaria a ser para sempre.

Portanto, não havia motivo para que Draco continuasse a encarar, fixamente, a sangue-ruim.

Mas não conseguia evitar.

Ele julgava que se a olhasse por tempo suficiente, a cor dos olhos dela mudaria. Talvez, aquela cor de mel fosse somente o efeito do sol em determinada hora do dia, ou, talvez, fosse somente a impressão que tivera ao observá-los por certo ângulo.

Durante aqueles vinte e um minutos, Draco tentara diferentes pontos da Biblioteca e analisara a mudança tênue que a luz artificial e que a luz do sol em diferentes horários fazia na coloração das íris dela. Contudo, nada de relevante acontecera. Os olhos dela continuavam a emanar aquela cor de mel derretido escorrendo pela boca – eram envolventes e calorosos e sedutores, mesmo quando passavam ligeiros por cima das palavras dos livros que lia.

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Hermione ergueu os olhos do livro para procurar um novo maço de pergaminho no polo oposto da mesa, entre duas pilhas pequenas de livros velhos. Nesse momento, avistou Blaise aproximando-se, carregando alguns cadernos e pergaminhos nos braços.

Eles se cumprimentaram com um rápido aceno de cabeça.

Blaise passou por ela. Hermione pegou o pergaminho e escreveu algumas palavras nele.

Desde a primeira vez que se falaram, nunca mais voltaram a fazê-lo, apesar de sempre notarem a presença um do outro no mesmo ambiente. Hermione, geralmente, via-o transitando pela biblioteca e pelos corredores da escola, sozinho, e, com menor frequência, cercado de algumas pessoas com sorrisos maldosos nos olhos e nas bocas.

Ela queria conhecê-lo melhor, porque ele fora o único sonserino que já ouvira falar ter sido gentil com algum bruxo(a) nascido(a) trouxa pertencente à Grifinória. Esse era o tipo de assunto que estamparia as manchetes dos jornais e alarmariam toda a população bruxa. Contudo, ele ainda era um sonserino. Deveria existir algum motivo grave para ter sido mandado para aquele lugar habitado por víboras.

Esse era um pré-conceito idiota, sabia. Mas, não tinha boas nem felizes recordações de sonserinos. Eles a ensinaram que não eram boas pessoas e que jamais faziam algo que não os beneficiaria mais tarde.

Todos os sonserinos eram cópias do Malfoy. Mudavam-se apenas nomes, rostos e níveis de malevolência.

Não passou despercebido ao loiro o rápido cumprimento trocado pela sangue-ruim e pelo sonserino Zabini, um garoto quieto e estudioso que não conhecia bem. Decidiu que, mais tarde, teria uma séria conversa com o traidor. Por enquanto, permitir-se-ia sentir o ódio e estragar a paz da menina que andava roubando a atenção dos sonserinos com aqueles malditos olhos hipnotizantes.

Teria que os destruir! Era a única solução!

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Fechou o livro e pegou o próximo na pilha mais próxima. Abriu-o lentamente, deixando os seus dedos correrem pelas folhas macias, procurou o assunto desejado e voltou a derramar as folhas sobre os dedos. O som delas chocando-se contra matéria densa cresceu e expandiu-se pelo ambiente, tornando-se mais melodiosa, então, mais rude. Então, eram gritos de desespero e palavras sem sentido.

Os gritos se transformaram num choro agudo de bebê esfomeado, debatendo-se contra as almofadas e as grades do seu berço.

Hermione piscou, assustada.

“Hermione”, escutou alguém a chamar. A voz era de Harry, percebeu tarde demais.

“Não vá”, Rony gritou, em meio a lágrimas imateriais.

“Você estará destruindo tudo pelo qual lutamos por todos esses anos”, disse uma voz que não reconhecia.

“Hermione”, sussurrou, como em êxtase, uma voz familiar, porém que lhe fugia da compreensão.

Levantou-se da cadeira, subitamente. Os dedos trêmulos agarraram-se ao tecido da saia, mastigando-o com nervosismo. Afastou-se da mesa, deixando todos os seus pertences sobre ela, mas não deu dois passos inteiros para longe. Voltou a sentar-se, remexendo no cabelo, na blusa, na gravata apertada, na saia, nas meias longas, tentando ocupar suas mãos para que elas não tocassem o objeto à sua frente.

Lembrava-se claramente do diário de Riddle, o qual fora parar nas mãos de Gina e que a fez abrir a Câmara Secreta por meio de controle mental. Temia que aquele livro tivesse poder semelhante. Porém, se tivesse, não poderia o deixar na Biblioteca, sobretudo em cima de uma mesa, onde qualquer estudante poderia encontrá-lo com facilidade. Ela precisava queimá-lo ou levá-lo a Dumbledore.

Harry nunca a perdoaria se não investigasse o objeto antes de destruí-lo. Com esse pensamento, ela pegou a sua pena, molhou a ponta no tinteiro e experimentou escrever uma pergunta na borda de uma página. Apesar de o livro ser um objeto maligno destinado a corromper a mente das pessoas, ela não conseguiu evitar se sentir profundamente culpada por tê-lo riscado.

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Draco estava a cerca de um metro da Granger, quando estancara no meio de um passo. Ela olhava em sua direção, porém, não parecia o enxergar. Em seguida, ela movera a cabeça na direção contrária, fizera um semiarco, levantara e abaixara os olhos, como se estivesse sendo atormentada por centenas de moscas invisíveis.

Curioso, Draco afastou-se para observá-la por trás de uma prateleira, onde o olhar dela não o encontraria.

A face dela estava contraída, os olhos alargados, os lábios entreabertos, deixando a respiração escapar como um gemido de agonia. Ela levantou-se num salto e andou para longe da mesa. E voltou a sentar-se com a mesma rapidez e inconsistência com que todo o movimento acontecera.

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A quem você pertence? – escreveu Hermione.

Ela não se surpreendeu quando obteve uma resposta.

Um traçado curvilíneo negro formou-se no papel, vagarosamente – Eu não pertenço.

O que isso significa?

Eu nunca tive um lar. Eles me transformaram no que sou. Não era para ser assim.

Não entendo. O que está tentando dizer?

Deixe-me mostrá-la.

Não foi um pedido de permissão.

As vozes desesperadas voltaram a abranger o mundo. Hermione tampou os ouvidos, mas elas lhe gritavam furiosas. Foi banhada por uma luz branca, que, por um vão segundo, a cegou.

Quando abriu os olhos, pensou uma série enorme de palavrões que aprendera com o amigo ruivo, porque ela havia, realmente, sido cegada. Enxergava somente o breu. Abriu a boca para permitir que o encadeamento de insultos fosse proferido, afinal, aquele momento era exatamente o tipo que merecia que uma moça se esquecesse de sua educação e de seus pais e gritasse com toda a potência de sua garganta todas as coisas horríveis e iradas em que podia e não podia pensar. Porém, o que escapou pela sua boca foi um suspiro seguido por um gemido de prazer, o que a faria ter as suas bochechas pintadas de róseo, caso isso pudesse acontecer dentro das lembranças de outra pessoa, em que ela era somente uma consciência intrometida.

Após a sua mente ter silenciado a reação de cólera por ter ficado cega, ou algo parecido, já que, enfim, percebera não estar completamente dentro do seu corpo, mas estar transitando pelas memórias de quem quer que tenha enfeitiçado o livro; pôde escutar a melodia que preenchia o quarto. Ela era alegre e vibrante.

She showed me her room,

Isn't it good?

Norwegian wood.

Hermione sentiu um desconforto latente, a sensação de que já escutara tal música em algum lugar.

She asked me to stay and she told me to sit anywhere,
So I looked around and I noticed there wasn't a chair.

Fora na cabine do trem que a levaria à Hogwarts, nesse ano. Estavam Harry, Rony e ela sentados e professor Lupin jogado no banco. Harry pretendia contar que Sirius Black fugira de Askaban e que tinha como única meta de vida matá-lo para vingar o que Harry obviamente não havia feito por vontade e consciência própria ao Lorde das Trevas. Antes que ele pudesse formular uma frase, ela o interrompera.

Havia uma música que somente ela conseguia escutar, assim como houve um grito que somente Harry escutou, mais tarde naquele dia, após ter sido atacado por um dementador.

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Draco, movido pela extraordinária e perigosa força da curiosidade juvenil, andou na direção da Granger e postou-se ao lado dela. A garota não notou sua presença, como das outras vezes. Dessa vez, no entanto, ela tinha a expressão vazia de significado, enquanto encarava o mesmo ponto no papel.

Ela mal piscava ou respirava.

O loiro testou passar uma mão na frente dos olhos dela, esperando que ela despertasse do transe furiosa e que o ameaçasse explodir do lado de fora da Biblioteca.

Não foi isso o que aconteceu.

Hermione permaneceu quieta.

Quase julgou que ela tivesse sido petrificada, se o canto da boca dela não tivesse oscilado no momento em que estava preparado para decidir se criava uma festinha de comemoração pela mais terrível bruxa de Hogwarts ter sido subjulgado ou se corria para se proteger, porque havia um segundo basilisco à solta causando discórdia e caos no castelo, e qualquer um poderia ser a sua próxima vítima.

Não era esse o caso, pelo que percebeu.

Por mera curiosidade malandra, tocou no livro que ela encarava, planejando revirar as suas páginas, em busca do que causara tamanho transtorno à Granger.

Ao sentir a estranha textura macia do papel em seus dedos, foi engolido por uma intensa luz branca.


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Notas finais do capítulo

¹fogo vivo: resolvi fazer uma homenagem a minha grande paixão, que é, logicamente, As Crônicas de Gelo e Fogo, mais conhecidas por Game of Thrones. :D

Espero que tenham gostado do capítulo. Deixem a opinião de vocês nos comentários para me incentivarem a escrever mais rápido.

xoxo!



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