Desejo e Reparação escrita por Ella Sussuarana


Capítulo 43
IV - Capítulo 41: Doçuras e travessuras


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de dizer duas coisas muito, muito importantes:
1. Esse capítulo é dedicado as minhas queridas leitoras Blair Herondale e Minerva Lestrange. Vocês tem um lugar especial no meu coração



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Parte IV

{Sobre a loucura, o amor e a guerra}

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Capítulo 41: Doçuras e travessuras

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Poderia fazer dois, três dias ou uma semana inteira que tomava poções para se manter acordada; não saberia dizer o total de horas que passara acordada num estado de transe. Nos primeiros dias – ou seriam minutos? –, um pouco do líquido grotesco de cor rósea pálida era o bastante para lhe afugentar o sono e permiti-la estudar para as provas que se seguiriam. Contudo, logo precisou aumentar as doses para evitar as sonecas e o cansaço do corpo, de tal forma que chegou ao final de três dias sem saber que dia era, ou como conseguira vencer todos aqueles que se passaram.

Como não sabia com precisão o tempo que se passara, não ficara surpresa quando Harry e Rony descobriram e brigaram com ela, forçando-a a dormir pelos próximos dias consecutivos. Não compreendiam que o que ela tentava evitar era, justamente, esse período em que perdia controle do corpo e da mente. Nem mesmo quando Harry e Rony ficaram de guarda fora do dormitório, conseguira relaxar o bastante para descansar.

Ela caiu no sono, eventualmente, pois Rony convencera Gina a levar um copão de suco para ela, sendo que, neste, continha mais de poção do sono e menos de suco. Hermione dormiu por dois dias seguidos e, quando acordou, estava tão irritada com os amigos que não se dignou a dirigir uma única palavra eles, nem mesmo Blaise parecia capaz de suavizar a raiva dela.

Foi dessa forma, com os nervos à flor da pele, que encontrou Draco naquela noite.

Ao vê-la, ele ergue-se do degrau e encarou-a, erguendo a sobrancelha direita, achando graça de algo que ela não queria saber o que era.

– Você trouxe o seu bicho para passear, Granger?

Apesar da voz cheia de desdém, ela foi capaz de capturar a tênue hesitação com que ele falara, o que denunciava que, na verdade, tinha a intenção de fazer uma pergunta completamente diferente daquela.

– Ele morde – foi a resposta dela, que veio acompanhada de um estreito sorriso.

Hermione aninhava Bichano nos braços, acariciando sua cabeça; o gato parecia estar muito contente naquele momento.

Eles andaram devagar, até o fim do corredor. Draco virou-se para ela e abriu a boca, então a fechou, balançou a cabeça para desembaralhar os pensamentos e andou na direção oposta à que ela seguiria.

Hermione o observou se afastar, somente quando a luz da sua varinha desapareceu na curva de outro corredor foi que ela retornou a mover-se, apertando o gato com mais força contra de si, de forma que ele agitou-se e arranhou-lhe o braço.

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Duas horas depois, eles se encontraram no mesmo ponto. Hermione falou que não encontrara nada fora do usual, só o mesmo de sempre, como quadros roncando e fantasmas vagando sem rumo. Estava se virando, no exato momento em que Draco sugeriu algo impensável.

– Quer subir? – sussurrou ele, sem emoção na voz ou na face. A sua expressão denunciava nada, e ele olhava para um ponto no espaço acima da cabeça dela.

A resposta dela não foi exatamente a que deveria ser, porque ela murmurou “Tanto faz”, o que significava que havia aceitado o convite.

E foi nesse exato momento que o mundo acabou e começou de novo, como se alguém tivesse apertado, meio que sem querer querendo, o botão de reset. Nessa nova realidade, Draco seria mordido por um irritadiço Bichano. Antes disso, ele subiu, fingindo estar contrariado, as escadas para o seu quarto, seguido por uma sonolenta Hermione e por um gato que a acompanhava com uma postura régia.

De alguma forma, eles terminaram sentados no sofá, ele sem os sapatos e as meias, ela com um copo grande de suco de verdade e os restos de um bolo de chocolate. Bichano, por sua vez, estava entretido desbravando aquele novo território.

– Se esse seu bicho rasgar as minhas coisas, ou mijar sobre elas, eu o jogarei pela janela – reclamou Draco, colocando os pés em cima do sofá e jogando-se de lado para ficar deitado. – Onde você estava nesses últimos dias?

Ele cuspiu a pergunta tão rápido que tudo o que Hermione conseguiu fazer foi ficar confusa, confusa demais para se questionar se aquilo teria algum significado ou teria sido apenas o som de tosse entalada na garganta. Como o Malfoy permaneceu quieto, ela continuou a mordiscar as migalhas de bolo, esperando que ele repetisse ou começasse um assuntou para quebrar aquele silêncio tenso.

Na verdade, não havia silêncio tenso, isso era apenas algo que ela esperava, até mesmo imaginava, existir. Se ignorasse o que deveria ser e levasse em conta o que realmente era a essência do momento, ficaria surpresa por estar se sentindo confortável na presença dele, com quatro paredes e muitos metros de altura que dificultariam uma tentativa de fuga.

– Você não apareceu nas noites anteriores... – começou ele, baixo, quase rouco, como se não estivesse habituado ao ato da fala. – Eu pensei que...

Porque não estava preparada para escutar o que ele teria para falar, ela o cortou, explicando que Harry, Rony e Gina armaram um complô contra ela.

– Eles me drogaram com a poção do sono! Eu perdi dois dias inteiros da minha vida dormindo! – falou ela, quase gritando, tamanha era sua raiva. – Como eles pensam que serei capaz de recuperar dois dias de estudos perdidos! Estarei atrasada pelo resto da minha vida escolar, provavelmente, nem conseguirei terminar os trabalhos para a próxima semana e mancharei meu perfeito registro de notas!

Antes que Draco pudesse sequer pensar numa piada para verbalizar sobre o assunto, Bichano espreitou-se sobre a extremidade do guarda-roupa gigantesco, inclinou-se furtivo, retesou as patas e pulou, pairando no ar na forma de um borrão e pousando sobre o colo de Draco, que gritou e se levantou abruptamente, assustando o gato. A resposta natural do animal foi mordê-lo. Dessa vez, foi Draco quem gritou em dor, balançando o braço nervosamente para que o gato largasse o seu aperto.

Pela primeira vez em semanas, Hermione gargalhou alto, um som vibrante e cheio de vida.

O gato soltou Draco, arranhou o seu braço e pulou para fora do sofá, empinando a cabeça e o rabo, olhando de forma ameaçadora para ele. Draco xingou-o e considerou atirá-lo ao fogo, uma ideia que morreu tão logo foi formulada, pelo temor que tinha da reação da dona daquela criatura maligna. O loiro encarou a garota que se retorcia na poltrona, apertando a barriga com uma mão e a boca com a outra, sentindo-se indignado por a sua dor despertar o humor dela. A expressão dele se fechou, encarando-a com desprezo.

– Não ouse continuar rindo da minha cara, Granger! Eu irei fazer um pano de chão do seu bicho!

Ele falou muito sério, porém o efeito que isso provocou nela foi aumentar a intensidade de seus risos.

– Pare com isso! – falou Draco, jogando um travesseiro nela.

Entre risos, ela o pegou e o jogou de volta, com força o suficiente para que quase atingisse o rosto do sonserino. Vermelho de raiva, Draco jogou duas almofadas nela, sendo que uma teria atingido a cabeça dela, se Hermione não tivesse usado os braços como escudo; a outra conseguiu atingir a barriga dela. Bichano miou alto, correndo desesperado para sair daquela zona de guerra.

Hermione levantou-se para pegar as almofadas no chão, ao mesmo tempo em que Draco se precipitava para jogar mais uma. Ele colocou pouca força, fazendo com que a almofada voasse e se chocasse contra a cintura da garota.

– Não foi justo, eu não estava preparada – disse ela. – Cadê a sua honra?

– Não seja uma má perdedora, Granger! – falou ele, sorrindo de lado, daquela sua forma arrogante.

– Quem disse que eu já me rendi? – objetou. Ela lançou as almofadas na direção dele com força, esperando que atingissem, as duas, a cara presunçosa dele. Por poucos milímetros, quase acertou; no último segundo, o loiro conseguiu virar-se para o lado e salvar-se.

Hermione correu para esconder-se atrás do da poltrona, enquanto Draco tentava mirar nela. Draco chegou sorrateiro, subindo na poltrona. Hermione moveu-se rápido para chegar até as costas do sofá. Ele a seguiu com a mesma rapidez e conseguiu, no último segundo, jogar as duas almofadas sobre ela. Draco esticou-se próximo aos pés dela, tentando controlar seus risos. Hermione estava fazendo uma expressão tão engraçada, com os lábios pressionados firmemente e a ponta de um sorriso aparecendo no lado direito, os olhos afiados, fingindo fuzilá-los, o nariz empinado e os braços cruzados em frente ao peito. Ela conseguiu fingir-se séria por mais um minuto antes de cair numa longa e sufocante crise de risos.

Conseguindo respirar com um pouco mais de facilidade, ela retirou suas botas e as meias, jogando-as para debaixo da cama. Draco ajeitou-se, sentando-se ao lado dela, puxando o ar com força para dentro dos pulmões, sentindo a cabeça tonta de alegria como não conhecia desde que tinha cinco anos e brincava ao redor da mansão de seus pais com os seus amiguinhos.

– Quem diria que você poderia ser divertido, Draco – falou ela, sorrindo.

O alívio escorreu da face dele. Draco sentou-se ereto, tenso, encarando-a surpreso.

Ao perceber o que havia feito, Hermione rapidamente se corrigiu.

– Desculpe-me – disse ela, abaixando os olhos para fitar os dedos dos pés.

– Não... – Draco engoliu em seco. – Chame-me do que quiser, pois eu faço o mesmo...

Ela o olhou pelo canto dos olhos, sentindo o rosto febril.

Draco, contudo, sentia-se tonto, afinal, o seu mundo escapou da órbita e, agora, vagava sem rumo por um universo desconhecido. Hermione não apenas havia lhe chamado pelo nome, mas também havia lhe sorrido. Era mais do que acreditava ser possível aguentar numa única madrugada.

– Eu não acho que seria apropriado... – começou ela.

Ele revirou os olhos para ela e decidiu que, se havia sobrevivido até ali, poderia descobrir onde jazia o limite de ambos.

– Diga o meu nome! – ordenou ele, em tom de desafio.

– Mas...

– Diga o meu nome – inclinou-se para próximo dela, que tentou se afastar, e abriu o seu melhor sorriso de predador faminto, completando em seguida –, Hermione.

As bochechas dela tingiram-se de vermelho. Ele aproximou-se ainda mais, e ela afastou-se o máximo que podia, parando somente quando suas costas bateram na lateral da poltrona e o garoto barrava todas as suas rotas de fuga.

– Vamos, você consegue fazer isso! Não é como se eu fosse mordê-la, como aquele seu monstrinho.

Derrotada, ela abriu a boca, testando a possibilidade de repetir a loucura que fizera.

– Draco – falou de uma vez só, sentindo-se profundamente aliviada por não ter conjurado uma maldição ao fazê-lo.

– Hermione – disse ele, lentamente, provando o nome como se este fosse algo que poderia comer por completo.

Ele sorriu manso, e ela tentou prender o sorriso que se formava. Revirando os olhos, empurrou-o para fora do seu caminho e colocou-se de pé, sentando no braço da poltrona.

– Isso é ridículo!

Subitamente, ele mordeu a perna dela. Não foi forte o bastante para machucá-la, mas deixou a marca de seus dentes e fez com que ela soltasse uma exclamação de surpresa.

– O que você pensa que está fazendo? – perguntou ela, indignada.

Draco desviou-se com dificuldade do chute dela e, ainda sorrindo, respondeu.

– Compensando a mordida que o seu gato me deu – falou, mostrando a marca avermelhada com pontilhados de sangue no seu braço, logo acima do enorme arranhão de três garras pontudas. – Ainda há esses arranhões, mas, quanto a isso, eu vou deixá-la escolher onde quer que eu a arranhe – disse ele, como se estivesse sendo bastante racional sobre o assunto.

Hermione sentiu vontade de rir da dissimulada seriedade dele, mas suprimiu a risada.

– Você está louco se pensa que eu vou deixá-lo fazer isso!

– Ah, mas eu vou sim – disse ele, pulando sobre ela, que caiu na poltrona e chutou-o para tirá-lo de cima de si, o que ocasionou a queda dos dois no chão.

Draco soltou um grito abafado, e Hermione, por sorte, teve o corpo dele para amortecer a sua queda. Ela foi rápida e ergueu-se, fugindo dele, que prontamente aceitou o desafio de capturá-la.

Bichano estava odiando aquela correria toda, protegendo-se dos pés apressados deles debaixo da cama, encarando a cena com o tédio típico dos gatos. Por fim, percebeu que seria mais proveitoso dormir.

Os dois jovens corriam, rindo, pelo quarto, dando voltas e mais voltas ao redor da mesa, pulando em cima do sofá e, por vezes, tropeçando e apoiando-se no que vissem pela frente para não caírem.

Hermione pulou em cima da cama e seus pés enrolaram-se na confusão de lençóis e travesseiros. Dessa vez, quando tropeçou, usou a cabeceira da cama como apoio, o que deu tempo para Draco segurá-la pela cintura e usar o seu peso para imprensá-la na cama.

Ele a virou, prendendo as mãos delas nas suas.

– Pare, você vai me matar – falou ela, entre as risadas estridentes, que faziam todo o seu corpo tremer. Ela agitou-se, fortemente, esperando desequilibrá-lo para escapar do seu aperto, porém ele conseguiu manter-se firme, encarando-a de cima com um sorriso maligno.

– Retiro o que disse, eu a arranharei onde quiser.

O tom de malícia na sua voz fez com que Hermione se arrepiasse da raiz do cabelo à última vértebra nas costas. Contrariando todas as suas convicções, ela ficou quieta, permitindo que ele soltasse o aperto em seus braços e deslizasse uma unha por toda a extensão deles, primeiro no direito e, em seguida, no esquerdo, lentamente. A pressão da unha dele na sua pele não era o suficiente para machucá-la ou para causar incômodo. Uma diminuta parte de si debatia-se, enlouquecida, gritando que aquele sobre si era um Malfoy, que ele não desperdiçaria uma oportunidade de arrancar-lhe a pele, e, aquele, era o momento propício, pois Hermione não apresentava nenhuma resistência. Suas barreiras estavam ruindo, e isso a fazia sentir medo, mas não a fazia se sentir errada.

Draco ergueu a mão direita fechada com apenas três dedos para fora na forma de garras e tocou no rosto dela, arrastando seus dedos do topo da sua testa, contornando o formato do olho e da bochecha, deslizando até tocar o canto dos lábios, repuxando-o.

Algo que descobriu sobre o seu próprio limite naquela madrugada era que, quando se sentia embevecido de felicidade, com os pulmões doloridos por estridentes risadas e os olhos cheios de lágrimas que não eram de tristeza; era muito fácil ceder aos seus desejos mais secretos, pois, em momentos raros como esses, não havia alegria plena. O que havia era uma dor no peito, a ansiedade pulsante, a respiração espaçada gritando em seus ouvidos, silenciando a razão. Ele todo se sentia como o intervalo de uma palpitação, o espaço mínimo de tempo em que se está na iminência de ser, em que todo o corpo está sendo preenchido por uma onda violenta de calor, um raio tremulante, e está se tornando a própria estática, vibrando tão forte, até explodir por completo numa palpitação real.

Ao se inclinar na direção de Hermione, era assim que ele se sentia – na iminência de ser. Ela remexeu a cabeça de um lado para o outro, tentado escapar do seu beijo, mas, diferente das outras vezes, esse não era um movimento desesperado, era apenas mais uma brincadeira, que a fazia sorrir e rir baixinho toda vez que os lábios dele tocavam a sua face no olho fechado, na bochecha avermelhada, na testa, nos cabelos, no queixo.

Ela desviava-se para a direita, quando ele finalmente conseguiu capturar a boca dela na sua. Apesar do movimento ligeiro e agressivo, o beijo era calmo e lento, com os lábios dele acariciando os dela, era mais como a descoberta do beijo, um movimento sutil e delicado. A língua dele contornou os lábios dela, provando-os, e, timidamente, adentrou pelo espaço estreito entre eles.

Ele rolou na cama com ela, colocando-a sobre si, enrolando seus dedos nos cachos dela, sentindo o cheiro de xampu de frutas silvestres no cabelo dela. Ele nunca antes havia beijado uma garota daquela forma, como se tivesse todo o tempo do mundo para desfrutar do gosto dela. Com as outras era sempre sobre luxúria, sobre necessidade e sobre fome; era sempre ardente demais, rápido demais, cruel demais.

– Draco – murmurou Hermione, afastando-se dele o suficiente para conseguir encará-lo –, você tem sonhos laranja?

– Como assim? – riu ele, brincando de bagunçar o cabelo dela. Hermione balançou a cabeça, gemendo, mas isso só o fez gargalhar mais alto.

– Sonhos bons, felizes – explicou ela.

Ele balançou a cabeça em negação. Tinha muitos sonhos, mas todos eles eram escuros e violentos, mesmo quando era sobre amor.

– Como eles são? – perguntou ele.

– Uma vez, sonhei que estávamos num parque de diversão. Foi engraçado – disse, sentindo-se estranhamente nostálgica. – Nós dividimos um milk-shake e fomos na montanha-russa e na casa dos espelhos. E havia esse lugar que era feito só de cores, e elas caíam sobre as nossas faces. Foi tão bom... Foi bom desse jeito – beijou o olho dele, segurando o seu rosto e acariciando com um dedão a bochecha; com o outro, o canto próximo ao lóbulo da orelha.

Draco soltou o ar de uma só vez, fazendo um som peculiar, um murmúrio rouco.

– Eu gostaria de ter sonhos assim – confessou ele.

– Com o que você sonha?

– Guerra, tortura, mortes, decepção e você – falou ele, sem hesitar. – Mas dificilmente é feliz.

– Conte-me – pediu ela.

Ele contou sobre as coisas terríveis que viu e sobre o seu último pesadelo, em que seu filho o odiava. Hermione escutou calada; à medida que o relato prosseguia, a razão ia voltando à sua mente e à da dele. Porém, ela ainda não conseguia se sentir envergonhada pelo que fizera nem odiar a si mesma. Havia ainda aquela sensação de contentamento toda vez que ele a chamava pelo nome ou acariciava a sua bochecha com os dedos.

Quando ele terminou, ela finalmente se manifestou.

– O que você sentiu, no sonho, quando teve que enfrentar o ódio que o seu único filho nutria por você?

– Assustado e, sobretudo, triste por saber que eu o havia decepcionado de todas as formas – respondeu Draco sem hesitar.

– Você gostaria de ser um bom pai – não foi uma pergunta. Ela virou-se na cama, ficando de lado para encará-lo sob os seus cílios pesados. – Você gostaria de ser presente da vida dele, de garantir que ele é amado e que deveria se orgulhar disso. Eu penso que você gostaria de ser amigo do seu filho, gostaria que ele pudesse ver em você um porto seguro e que se sentisse confortável para contar os seus segredos.

Draco ficou em silêncio. Ele não poderia dizer um pensamento em sua mente. Como ela poderia compreendê-lo? Certamente, se o transformasse em palavras ditas, ela começaria com um daqueles seus típicos discursos sobre a Bondade, a Justiça e afins, e eles discutiriam, porque ela era uma teimosa incurável e ele não conseguiria jamais fazê-la entender que era o filho do seu pai. Apenas. Ele não era os seus brilhantes amigos, que poderiam fazer tais escolhas como qual profissão seguir, quais bobagens cometer em público, quais dores sentir. Ele era o que seu pai queria, porque ele precisava ser útil, ser necessário, ser perfeito. Ele precisava ver aquele brilho de orgulho nos olhos do seu pai.

– Eu não posso ser esse homem que você quer, Hermione – ele disse.

Hermione prendeu a respiração, observando-o virar-se de lado também e chegando mais próximo dela do que qualquer outro homem. Ah, se ele ao menos soubesse que era possível permanecer a milhas de distância de uma pessoa mesmo quando ambas estavam retirando roupas e adornos. Ela pensou se ele poderia chegar ainda mais próximo. Seus dedos tremeram. Ela os fechou num aperto ao redor do pano da sua camisa.

– Você pode ser o que quiser, Draco – sussurrou ela.

Ele riu sem humor.

– Eu costumava pensar, quando era uma iludida criança de quatro ou cinco anos, que eu era um Malfoy e que, por causa disso, eu poderia ser qualquer coisa que eu quisesse, poderia ter o que quisesse, quando e como quisesse. Não demorou muito para eu perceber que eu tinha apenas uma escolha. O que eu sou é o legado da minha família. Estou sendo moldado para ser exatamente o que meus pais querem, com o objeto de perpetuar este legado.

Na expressão de Hermione não havia a usual raiva que emergia toda vez que ele falava dessas besteiras. Na verdade, ela parecia realmente sentir pena dele.

– Eu não deveria querer que você fosse nada além do que é – falou ela. – Eu não deveria sequer querer querer que isso fosse diferente, entende? – escondeu o rosto entre as mãos, soltando um fino som de irritação. – Estou tão confusa! Você não pode me beijar dessa forma!

Ela o olhou nas profundezas de seus olhos azuis.

– Não – suspirou ele. – É por isso que, quando sairmos por aquela porta, nunca mais falaremos sobre o que acabou de acontecer. Isso foi algo de uma vez e nunca mais se repetirá, compreendeu?

– Nada aconteceu – sussurrou ela num tom tristonho.

– Durma – ordenou ele com o seu ar imperioso.

Ao encará-lo dessa vez, ele era novamente Draco Malfoy, e seus olhos eram gélidos como uma noite de inverno.

Hermione virou de lado na cama, afastando-se dele, e fechou os olhos, esperando o sono chegar.

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Hermione acordou sentindo-se sufocada. Ao tentar mover-se, descobriu que estava presa pela cintura pelo braço de Draco e suas pernas estavam entrelaçadas nas deles. Por um minuto, fechou os olhos e desejou voltar a dormir. O minuto passou, ela remexeu-se, resmungando.

– Me solte, Dra... Malfoy! – gritou ela mais de uma vez.

Ele acordou-se murmurando algo que deveria ser uma sequência de xingamentos, mas que em sua voz sonolenta transformou-se num rugido raivoso. Hermione aproveitou o momento em que ele estava desorientado para empurrá-lo, no entanto acabou por acertar o nariz dele com mais força do que pretendia.

Ele sentou-se, apertando o nariz machucado.

– O que você pensa que está fazendo, sua mulher louca?! Volte aqui!

Hermione pegou o seu gato nos e caminhou para fora do quarto.

– Lide com isso sozinho, Dr... Malfoy! – Fechou a porta com força atrás de si e desceu as escadas correndo, parando apenas quando se encontrava nua, debaixo do chuveiro, no dormitório da Grifinória. Sentia a sua pele queimando onde a dele havia tocado e sua mente estava num estado caótico, onde metade dela era emoção e a outra metade era o grito da razão.

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Após uma longa aula que deveria ser de Defesa Contra as Artes das Trevas, caso Dolores não fosse a professora, um nervoso Blaise puxou uma cansada Hermione para um corredor vazio e escuro, sem janelas, com tapetes velhos recobrindo o chão.

– Hermione, eu sei que este, certamente, não é momento mais adequado, por causa de tudo pelo que você está passando – falou ele, segurando o rosto dela entre as suas mãos. – E ainda há essa loucura da Dolores, o medo de que aquele-que-não-deve-ser-nomeado ter retornado, e nós somos de Casas que são rivais por séculos, mas eu sinto que, se não dissesse isto, estaria traindo a mim mesmo. Então... Oh, por favor, não entre em pânico! – Ele tossiu, para limpar a sua garganta, e ajeitou a postura, descendo as mãos pelos braços dela, até pressionar as mãos dela nas suas. – Quer namorar comigo?

Devido aos acontecimentos da noite passada e, bem, de todo este ano, o pensamento de Hermione estava num estado de constante confusão e lerdeza, pois metade dele era o eco das lembranças e a outra metade tentava se concentrar na realidade para não enlouquecer. E as duas partes viviam num perpétuo estado de guerrilha interna. Por causa disso, ela escutou muito bem as palavras de Blaise, sabia o que cada uma significava, porém o significado geral do conjunto delas parecia demasiadamente complexo.

– O que? – falou ela, mais alto do que deveria.

Ele engoliu em seco e olhou para os lados, como se quisesse fugir. Então, voltou os olhos para ela e repetiu.

– Quer namorar comigo?

Dessa vez, a compreensão a atingiu.

Ela abriu a boca para responder e, subitamente, fechou-a. O que deveria responder? Nunca, jamais, a inquiriram com tal questão. Ela não estava preparada para isto, não quando a sua mente e o seu corpo pareciam traí-la com desejos absurdos sobre tal loiro sonserino.

– Você não precisa responder agora – sussurrou ele, sem a encarar. – Eu entendo que está sofrendo bastante... É, provavelmente, este não é um bom momento para assumir um compromisso como esse, foi tolice minha pensar nisso. Até mais, quem gostaria de namorar, quando pode ficar livre para sair com quiser, não é? – riu-se sem humor. – Quer saber, esqueça isso! Estamos melhor sendo amigos, eu também não quero estragar isso começando um relacionamento que pode nem funcionar...

– Blaise – chamou ela, segurando suas mãos –, eu quero namorar com você!

Ela sorriu, quando ele a abraçou forte, rodopiando-a no ar. Mesmo quando ele a beijou, ela ainda sorria. Mas havia algo debaixo da sua epiderme que doía, que a fazia querer se contorcer e fazer caretas.


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Notas finais do capítulo

Todo mundo ainda está vivo? Espero que sim, não posso me responsabilizar por paradas cardíacos. Eu sei que foi uma fofura incrivelmente linda ^^, eu também amei kkkk
Espero que vocês tenham gostado tanto quanto eu!
Eu sei que esse capítulo parece especial do dia dos namorados, mas foi acaso do destino que o dia da postagem dele caísse hoje. Conclusão: uma hora ou outra, a vida sempre encontra uma forma de fazer dar certo!
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Beijão para todxs!



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