Desejo e Reparação escrita por Ella Sussuarana


Capítulo 33
IV - Capítulo 31: A mão esquerda do Lorde das Trevas




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Parte IV

{Sobre a loucura, o amor e a guerra}

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Capítulo 31: A mão esquerda do Lorde das Trevas

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No dia seguinte à polêmica aula de Defesa às Artes das Trevas, todos os alunos olhavam Draco de forma estranha. A notícia sobre o que ele falara e o contexto no qual o fizera correu por Hogwarts, ganhando detalhes novos para tornar a história mais emocionante e inacreditável cada vez que ela era transmitida oralmente ou por escrito de um aluno a outro. Alguns já acreditavam que foi Draco quem disse que o Lorde das Trevas havia retornado, que ele o viu com os seus próprios olhos, jantando casualmente na mansão dos seus pais.

Certas pessoas o olhavam com curiosidade; outras, com medo não disfarçado; algumas, com desprezo; um ou duas, com moderado orgulho.

Draco evitou o olhar e a conversa delas e continuou o seu caminho aos aposentos da professora Minerva, onde ela designaria qual seria o mais novo e horrendo castigo pelo qual ele e Zabini teriam que passar, até que a mulher decidisse que já haviam sido suficientemente humilhados por cinco vidas inteiras para compensar aquela ridícula cena do Baile de Inverno. Se ela soubesse que isso nunca aconteceria, desistiria de colocá-los em tarefas que somente acarretava o crescimento do ódio entre eles.

Naquela manhã, Minerva encarou ambos com um estranho olhar de divertimento que beirava o sádico e disse que ficariam a serviço das necessidades da mais nova – e não desejada – professora de Hogwarts, Dolores Umbridge, a partir da próxima semana. Ao escutar isso, Blaise comprimiu os lábios e falou “Isso é sério, professora?”. Minerva não se dignou a responder; despachou-os com um movimento da mão e retornou a sentar-se, confortavelmente, na sua cadeira, sentindo-se incrivelmente satisfeita consigo mesma.

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Faltavam quinze minutos para as dezoito horas. Os ponteiros do relógio moviam-se lerdos, sem o toque familiar de um som que marcasse a passagem do tempo. Eles praticamente não se moviam, de fato, porque, para o observador que se espreitava nas sombras entre duas grandes e largas estantes, o período transcorrido entre um segundo e o próximo não existia. O que existia era o longo e eterno agora – os dedos dela arrastando-se muito vagarosos pelos cachos desfeitos, os lábios dela abrindo-se, ainda mais devagar, formando uma estreita fenda por onde o ar era expelido.

Ela ergueu a sua delicada mão direita e deslizou um único dedo pela curvatura da boca, sentindo sua textura. Mordiscou-o, puxando suavemente a pele, como fazia quando estava muito concentrada estudando e o mundo à sua volta não existia. Ela estava tão indefesa e, por isso, irresistível neste momento.

Poderia caminhar até a mesa e sentar-se, observá-la de perto e deixar que seus joelhos encostassem um no outro como se o ato fosse mero acaso, não uma frívola estratégia para sentir a sua pele desnuda. Mesmo que houvesse um inconveniente tecido separando-as, poderia imaginar a sensação da sua pele deslizando sobre a dela. Quanto prazer isto lhe proporcionaria..!

Ela ergueu os seus brilhantes olhos castanhos, mas o seu olhar não parecia estar completamente vendo o que acontecia à sua frente. Era como se apenas parte dela estivesse desperta, e a outra metade dentro de um sonho. Os olhos entreabertos piscando, vagarosos, os cílios encontrando-se para um beijo demorado. Abafou um bocejo com as costas da mão.

Tic-tac.

De repente, os seus ombros ergueram-se numa posição tensa. Ela apertou uma mão na outra e as escondeu debaixo da mesa, os olhos abriram-se por completo, perdendo a inocência de quem está perdido em bons pensamentos.

Poucos segundos depois, Draco entrou em cena. A figura nas sombras bufou, ao perceber que os olhos da garota seguiam os passos do sonserino mais odiado de todos os tempos, perdendo apenas para o renomado, mundialmente, você-sabe-quem.

– Espere – falou ela, agarrando a manga dele. Ele fitou o lugar em que ela o tocava com moderado desprezo, ela também direcionou os olhos para a região e, ao se dar conta do seu erro, arrancou a mão dali. – Eu... Quer... Queria... Dizer. – Ela parecia estar afogando-se nas suas próprias palavras, a respiração vazava pela boca fazendo um chiado horroroso de se escutar.

– O quê?

Ela encarou o teto e respirou fundo, o seu peito oscilando nervosamente. Quando recuperou alguma cor, recomeçou a sua fala.

– Eu queria dizer que o que você falou na aula da Dolores foi realmente incrível. Eu sei que você não tinha qualquer intenção de apoiar Harry e que o seu pequeno discurso visa, apenas, à conquista de seus interesses mesquinhos. Você poderia ter se mantido calado ou ter contrariado Harry, ao invés de desafiar a autoridade da professora e de mostrar aos outros alunos a importância de aprendemos a nos defender.

Ele escutou, sem demonstrar emoção, e, tão logo ela se calou, retornou ao seu trajeto.

Ela levantou-se num salto da cadeira e seguiu-o.

– É isso? Eu engulo o meu orgulho para dizer que ainda existe esperança para que você se torne uma pessoa melhor, e você nem se dá ao trabalho de me agradecer!

Ele revirou os olhos.

– O que você esperava, Granger?

– Algo como “Obrigado! Isso foi bastante gentil!”.

– Eu não acredito em gentileza.

– Claro que não – disse ela, como se isso fosse óbvio, porque, de fato, o era. – Também não acredita que seja mortal como todas as famigeradas e ingratas criaturas imundas que habitam essa terra. Você sabe que eu poderia fazê-lo acreditar na Maldição da Morte, não é?!

Para a surpresa de todos, Draco riu. Ainda estava de costas para ela, todavia o movimento dos seus ombros era inegável. Pouco tempo depois, a sua risada invadiu o ar, mesmo que uma mão tentasse tampar a boca. Ele acabou por desistir de simular que não achou a situação divertida.

Ele virou-se, os seus olhos azuis estavam repletos de um estranho humor e de leveza, coisas que não combinavam com a personalidade cruel do sujeito Draco Malfoy.

– Você acabou de fazer uma piada, Granger? Eu pensei que você fosse incapaz de compreender o termo “diversão”.

Ela revirou os olhos e suspirou.

– Eu não sei o que deu em mim para pensar que poderia existir algo de bom dentro de você.

Draco parou de rir, abruptamente. O silêncio formou uma camada densa sobre eles, ameaçando despencar e amassar os seus membros, até que virassem uma gosma no chão da Biblioteca. Mesmo a figura que se escondia na escuridão era capaz de sentir a mudança de pressão na atmosfera.

– Eu não posso ser um homem melhor, Granger – disse ele, sério.

– Por que não? – perguntou ela, curiosa como sempre.

– Eu não quero ser tão tedioso quanto o Santo Potter. – Ele sorriu de lado, sarcástico. Porém, o humor não alcançou os seus olhos.

– Eu sinceramente espero que você viva uma longa e solitária vida, Malfoy! – disse ela, sem precisar se esforçar para deixar transparecer a sua apatia pelo loiro.

Ela retornou a sentar-se à mesa onde deixara seu material, fingindo que estava lendo algo no livro à sua frente.

Tic–

O sujeito nas sombras imergiu para as profundezas dela, desaparecendo completamente, no exato momento em que o relógio marcava dezoito horas e ressoava o familiar “Tac”.

* * *

Draco, deitado na sua cama, piscava lentamente, vendo, aos poucos, o mundo escurecer.

O dormitório da Sonserina estava silencioso, a única fonte de luz era a fraca chama que ardia no centro.

Fechou os olhos e retornou a abri-los. O sono o acolhia, mas ele não queria dormir, não queria ter que se lembrar das visões escarlates outra vez. Queria um sono sem sonhos, queria desmanchar-se numa perfeita escuridão.

Fechou os olhos. Abriu os olhos. Cada vez mais lento. Fechou... E abriu. Tentou erguer a mão para bater em sua bochecha, mas ela havia se tornado, subitamente, tão pesada... Não poderia... Não poderia... O quê?

As formas perderam o sentido e as cores derreteram-se – via abstrações, deformações.

Piscou. Havia uma sombra sobre si. Piscou. E não viu mais nada.

Seus membros estremeceram-se, e ele chutou, inconscientemente, o lençol para fora da cama. Sentiu que o seu corpo inteiro despencava de um infinito para dentro de outro, este ainda mais grandioso e sombrio, este que tomou a forma de uma cobra e o engoliu.

O seu primeiro pensamento ao abrir os olhos foi que deveria estar gritando. O segundo pensamento, no entanto, não era mais completamente seu, ele pertencia a outro Draco, em outra época, em outro lugar.

Deixe que tenha luz.

Lumus Máxima – sussurrou o homem que era ele, ao mesmo tempo em que não o era. Era confuso, de fato. Draco nunca conseguiria se acostumar a essas visões.

A luz revelou-lhe um corredor estreito, nas paredes, em ambos os lados, havia portas espaçadas. Ele sabia o que encontraria dentro delas – agonia, solidão e loucura. Havia uma prisão à sua espera também, marcada com o seu nome e sobrenome e com o seu sangue impuro, para o dia em que descobririam a sua traição.

Evitou pensar sobre isso. Continuou o seu percurso, ignorando, também, o gemido de sofrimento que vazava pelas aberturas nas portas. Ele nunca olhava dentro delas, exceto quando Voldemort o obrigava a entrar em alguma delas para terminar o que começara no dia anterior.

Como um Comensal da Morte, era ele o melhor que já existira. Draco era a mão esquerda do Lorde das Trevas e inspirava tanto pavor quanto este. Anos atrás, ele assassinara, com suas próprias mãos, o antigo homem que estava nesta posição e a furtara par a si. Na época, sentira-se terrível por ter tirado uma vida, mesmo que fosse a de uma pessoa cruel e incapaz de sentir empatia. Hoje, ele estava congelado por dentro.

Faria o que tivesse que ser feito para proteger as únicas pessoas com quem ainda se importava – sua mãe, seu filho e a mulher com quem tentara fugir da guerra, antes de perceber que não havia lugar no mundo seguro para que uma criança crescesse escondida da Morte.

Entrou numa das celas, fechando a porta atrás de si. O lugar era pequeno, sujo, fedido e úmido, de tal forma que sentia água forçando caminho para dentro de seus pulmões. Não havia ratos, felizmente, mas havia toda espécie de inseto desagradável que subia em cima dos corpos e tentava escavar a pele para, nela, penetrar.

Deu um passo cauteloso para frente. Havia algo num canto da cela, uma forma encolhida em forma de bola, os braços enlaçando as pernas, a face escondida pelos longos cabelos ressecados. A coisa ergueu a cabeça, e Draco foi atingido pela compreensão daquele rosto desfigurado. Aquilo era uma pessoa, ou melhor, havia sido uma antes de ser capturada, era alguém que ele conhecera e com quem frequentara as aulas, um dia, num passado tão distante e surreal, que precisava se esforçar para lembrar como se pareceria vestido novamente com os trajes da escola de Hogwarts e com um enrugado sapo nas mãos.

– Onde está ele? – perguntou Draco, suavemente, dando um segundo passo para frente. A figura afastou-se, espremendo-se contra a parede, na esperança de se fundir a ela. Infelizmente, não conseguiria. – Onde está Harry Potter?

A coisa que um dia foi uma pessoa ergueu a cabeça e o encarou com apenas o olho que lhe restava; no esquerdo, havia uma grotesca crosta de sangue seco e de pus esverdeado. O resto do seu corpo não estava em situação melhor: a pele dos braços estava rasgada, como se alguém tivesse brincando de raspá-la; escorria sangue da perna esquerda, de uma ferida que as baratas reabriram; no pescoço, nas costas e no rosto, havia cortes causados pela força com que se debatera no dia anterior, quando algum Comensal entrara para interrogá-lo pelo segundo dia consecutivo.

Draco sustentou o seu olhar, do alto.

– O Lorde está perdendo a paciência com você, e eu também o estou – disse Draco, sem a suavidade que usara anteriormente. Ele estava cansado daquela guerra, tudo o que queria era encontrar a desgraça do Potter e o eliminar de uma vez por todas. E descansar, enfim ser livre.

– Prefiro morrer – sussurrou o sujeito, cuspindo sangue.

Draco abriu um largo e frívolo sorriso, que quase parecia o de um homem insano.

– Eu o permitirei morrer, quando você me contar onde está o Potter.

A coisa permaneceu calada, abaixou a cabeça e espremeu-se com mais força no canto da sala, onde duas paredes de pedra se encontravam.

– Eu poderia fazê-lo falar a verdade com o feitiço certo – começou o loiro, percorrendo a cela de um lado ao outro, o que sabia, intimidava ainda mais os prisioneiros. Interrogadores sádicos e enraivecidos eram fáceis de decifrar, porém nunca poderiam prever o que viria em seguida, quando o homem à sua frente era calmo e, frequentemente, inexpressivo. – Você sabe por que eu não faço isso? Em parte, eu gosto de torturá-lo, de fazê-lo gritar por sua morte, mas o principal motivo é que eu quero que você traía os seus leais companheiros, que você morra sabendo que não foi um feitiço que o fez falar a verdade, foi você mesmo que escolheu fazê-lo.

Ele sorriu de lado, uma fina linha cruel. Deu tempo para que o prisioneiro absorvesse as suas palavras e movimentou a varinha, dizendo “Crucio”.

O feitiço atingiu o seu alvo, que se retorceu, esforçando-se para não gritar. Foi em vão. O segundo golpe o atingiu e ele escancarou a boca para um longo grito de desespero, que faria qualquer um arrancar as suas orelhas para não mais ter que escutar tal horrendo som. Todavia, Comensais da Morte louvavam o desespero e a destruição.

A coisa aos seus pés começou a tossir sangue, enquanto convulsionava, como se tivesse sendo eletrocutado. E os gritos não cessavam, nem mesmo durante os ataques de tosse. Engasgou-se com o seu próprio sangue e levou as mãos para o pescoço, pressionando-o com força, tentando fazer o líquido sair de si.

– Crucio! – gritou Draco. Suas mãos estavam tremendo também. – Crucio!

Ele estava cansado daquela guerra sem fim, daquele sofrimento, de toda aquela desgraça em que sua vida se transformara. Não queria mais ter que matar, mas isto era tudo o que sabia fazer. Esquecera-se o que significava ser amado, o que era ter alguém que se importava com a sua existência. Passara anos sem jamais sentir qualquer emoção boa dentro de si, havia apenas um extenso e denso vazio no lugar em que deveria haver um peito que ainda batia.

Às vezes, ele estava convicto de que havia enlouquecido, porque era incapaz de sentir. Não sentia pena pelas pessoas trancadas naquelas selas, não sentia medo ao desafiar aurores e comensais nem ao encarar a Morte, não sentia paixão pelas mulheres que tinha na sua cama, não sentia respeito pelo homem que servia. Não sentia. E isso o perturbava, era esta a sua agonia, o motivo pelo qual acordava gritando, suando frio, nas noites em que não precisava sair para caçar a sombra da mulher que amara.

– Pa... Pare! – gritou a coisa no chão. Ela teve que repetir mais algumas vezes, até que Draco compreendesse o que falava. – Eu contarei tudo... Tudo o que quiser.

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– Draco! Draco, acorda!

Antes mesmo de abrir os olhos, sabia que aquela era a realidade, porque podia sentir o colchão macio debaixo de si e o frio percorrer o seu corpo. Além disso, havia dois pares de mãos balançando seus ombros com força, para chacoalha-lo para fora do pesadelo.

Abriu os olhos, respirando pesado, sentindo o pijama grudado na sua pele suada.

– Você está bem? – perguntou um preocupado Goyle. Crabble estava ao seu lado, parecendo mais irritado que preocupado. Na cama ao lado, um garoto os observava, com a sombra do sono sobre os seus olhos.

– O que está acontecendo? – perguntou o garoto na cama ao lado.

– Você não estava escutando todo o barulho? – perguntou outro garoto, sentado, com o lençol sobre as suas pernas, numa cama do outro lado do quarto. – Você está surdo, Bald?

– Você está bem? – repetiu Goyle, balançando Draco, incerto de que o amigo tivesse acordado completamente.

Draco o encarou, esforçando-se para que sua expressão não denunciasse o pavor que sentia abraçando seu âmago.

– Sim. Foi só um pesadelo – murmurou ele.

– O que você viu que o fez agir dessa forma? Você estava se remexendo e murmurando alto, quase gritando.

– Eu não consigo me lembrar – mentiu. Goyle estava decidido a continuar com o assunto, mas Draco o olhou daquela forma de quem indica que não há nada mais para ser dito. Além disso, os outros garotos começaram a mandá-los calar a boca e ir dormir. E foi exatamente isso que fizeram, exceto Draco, quem ficou acordado até que a chama no centro da sala se apagasse, anunciando a chegada da alvorada e, com ela, um novo dia.


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês estejam gostando ^^
Sejam pacientes com a história, grandes e fabulosos momentos de Dramione irão chegar, mas, primeiro, preciso desconstruí-los e reconstruí-los. E isso, para mim, é a parte mais interessante da história.