Desejo e Reparação escrita por Ella Sussuarana


Capítulo 32
IV - Capítulo 30: Sonhos da cor de escarlate




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Parte IV

{Sobre a loucura, o amor e a guerra}

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Capítulo 30: Sonhos da cor de escarlate

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O anúncio da nova professora de Defesa contra as Artes das Trevas foi uma surpresa para todos os alunos. A maioria deles pensava que não poderia levar a sério uma mulher que se vestisse dos pés até o último fio de cabelo com rosa felpudo.

Harry, contudo, sabia que não deveriam subestimá-la. Se ela foi escolhida pelo Ministro, isso significava que era poderosa e astuta.

E cruel.

Quando se levantou com os amigos para seguir o familiar caminho em direção à sede da Casa da Grifinória, escutou os mais variados comentários e deboches sobre a nova professora e o seu excesso de feminilidade. Ele suspirou e controlou a língua. Não queria parecer mais prepotente do que muitos já pensavam que era.

Hermione também estava estranhamente quieta. Mas, esse não era o local nem essa era a hora certa para perguntar o que lhe afligia. De qualquer forma, não precisava perguntar para saber a resposta, bastava fitar a angustia nos olhos dela. Era em Draco Malfoy que pensava e na visão de que ele seria o único a lhe arrancar da vida.

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Existiam sonhos, e existiam sonhos.

Draco estava sendo assombrado por uma série de visões sobre um futuro caótico. As visões eram manchadas de rubro, lampejos de verde e azul pálido, tonalidades de cinza e um profundo breu que espreitava o mundo, deslizando sobre ele, vagarosamente, trazendo o terror e a promessa da morte.

Hermione não habitava a maioria delas. Nestas, ela era apenas uma presença imaterial, o resquício de uma lembrança que gerava pressão no ar à volta de Draco, que fazia o seu corpo pender e, por vezes, desabar.

A maioria delas era cenas de guerra. Corpos esquecidos sobre a relva, árvores e casas em chamas, uma grande cobra abocanhando uma criança que gritava de forma desesperada e desolada. Os piores pesadelos eram aqueles em que se via torturando jovens que um dia conhecera, eles tinham lágrimas nos olhos e grandes rasgos abertos na pele, por onde o sangue vazava, pintando-os de vermelho. Draco sentia o vômito subir-lhe o esôfago, mas ele se obrigava a engoli-lo e sussurrar mais uma vez a Maldição.

Apesar do estado em que se encontravam, esses mesmos jovens jamais traíam os seus companheiros. Secretamente, no sonho, Draco os admirava e os odiava por causa disso. Que força além do parco egoísmo humano os governaria de tal forma que prefeririam enlouquecer completamente ou morrer sofrendo que entregar aqueles que juraram proteger?

O Draco do sonho compreendia, porque ele faria o mesmo para salvar Hermione e o filho que não via desde que ela o deixara.

O Draco real, no entanto, não compreendia. Acordava suando frio, as mãos, os lábios e as pernas trêmulas. Ele levantava-se, segurando na cabeceira da mão para não cair e arrastava-se ao banheiro, onde caía no chão e encarava as suas mãos, podendo jurar que existiam partículas de sujeira e de sangue velho enterrado debaixo das unhas. Então, ele corria para a pia e limpava-as, esfregando o sabão com força; os olhos refletidos no espelho eram os de um homem febril em delírio.

Não importava quantas vezes limpasse as mãos ou quantos feitiços sussurrava para ter certeza de que não ficara nenhum grão de sujeira, ele sempre poderia enxergar o sangue seco debaixo das unhas.

Durante as manhãs, ele transitava pelo castelo como uma criatura semiviva. Estava mais quieto do que jamais fora, andava de forma cansada e se encostava a qualquer parede que encontrava e fechava os olhos, respirando fundo, até que alguém surgisse por trás de si, chamando-lho e perguntando o que havia de errado. “Nada”, dizia sempre.

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Talvez tenha sido a primeira, a segunda ou a décima aula de Dolores Umbridge, quando Draco se sentou na última cadeira, ao lado da janela, e abaixou a cabeça, tentando dormir. A mulher caminhou até onde ele estava e espetou-lhe a cabeça com a varinha. Draco ergueu a cabeça e encontrou os olhos venenosos dela. Foi quando compreendeu que ela era mais do que parecia, que ele deveria temê-la, pois, debaixo daquela epiderme, se escondia um espírito maligno, como o dele. Porém, diferente do dele, ela não hesitaria em matar, ela não teria pesadelos que a manteriam acordada durante toda a noite, ela não sentiria culpa nem pediria perdão pelo que fez.

Então, ele compreendeu o que Harry ainda não descobriu: A guerra já havia chegado ao castelo de Hogwarts.

Draco ajeitou a postura, enquanto a mulher girava a varinha nas mãos, na frente da sala. Ela começou a explicar como seria a sua didática: apenas ensinaria a teoria e os proibiria de praticá-la, pois, segundo ela e o Ministro, tais feitiços eram demasiadamente perigosos para que jovens inexperientes bruxos os realizassem.

Como era de se supor, Harry pulou na cadeira e falou que aquilo era um absurdo.

– Quando nós formos atacados, não haverá tal coisa como “sem risco”, nós precisaremos saber como usar os feitiços para nos defendermos – disse Harry, como se tentasse explicar algo muito complexo para uma criança.

Dolores virou as costas para ele e andou em direção ao quadro, ainda girando a varinha nas mãos.

– O Ministério está de acordo que é apropriado que vocês aprendam somente a teoria básica que será aplicada nos exames, os quais são o motivo de vocês estarem aqui – explicou a mulher, sorrindo de forma dócil.

– Como poderemos nos preparar para enfrentar o que está lá fora? – questionou Harry. Dolores soltou uma risadinha fina e perguntou que besta o jovem esperava que o atacasse lá fora. – Talvez Lorde Voldemort!

A sala inteira mergulhou num denso e desconfortável silêncio.

Draco remexeu-se na cadeira, ponderando se deveria se manifestar. Porém, a sua boca abriu por vontade própria e expeliu as palavras.

– Mesmo que o Potter esteja mentindo, o que eu, particularmente, não duvido; é nosso direito aprendermos a nos defender, para o caso em que encontrarmos bruxos ou criaturas indóceis.

O loiro calou-se, balançando a cabeça e repreendendo-se pelo tolo impulso. Sabiamente, ele evitou o olhar raivoso de Dolores.

Harry aproveitou o seu incomum comentário para incendiar a discussão e falar sobre o assassinato de Cedrico. A mulher estava a ponto de explodir de fúria, e, de fato, ela o fez. Ela soltou um fino gritou que silenciou Harry e disse que, após a aula, ele e Draco deveriam ficar para a detenção.

Draco xingou-se e enterrou a cabeça nas mãos, pensando que de todas as coisas estúpidas que já fez e que ainda faria, aquela seria a maior de todas elas.

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Harry foi o primeiro a entrar no escritório de Dolores Umbridge, enquanto Draco foi deixado esperando a sua vez do lado de fora. Ele sentou-se num dos degraus da escada em espiral esculpida na rocha, próxima a uma janela estreita. A luz que adentrava não era o suficiente para iluminar metade da escadaria nem para gerar calor ou conforto ao jovem.

Draco pressionava as mãos debaixo das coxas, pensando o quão estupidamente agira. Não tinha motivos para se meter naquela discussão, ainda menos para defender e ficar do lado do Potter – o que todos pensavam, erroneamente, que havia acontecido.

Esfregou a mão no rosto e bufou. Idiota, idiota, repetiu para si mesmo. O que o seu pai faria quando soubesse? Era isso o que lhe apavorava. Lucius Malfoy não admitia erros que pudessem manchar a reputação da família. Desde que nascera, Draco fora ensinado a como se portar e a como falar em praticamente todas as situações, de forma a favorecer a imagem nobre da sua família.

Suspirou, impaciente. Encostou-se à parede, fechou os olhos e esperou.

E esperou.

E esperou.

A porta foi aberta e vozes vazaram do cômodo. Passos. Cada vez mais próximos.

Draco abriu os olhos e forçou-se a ficar de pé. Harry parou dois degraus acima dele e o encarou. Não precisava avisar que era o próximo, porque o fato era óbvio, nem poderia adverti-lo de que a mulher era sádica, porque sabia que o tratamento dado a um sonserino era diferente daquele dado a um grifinoriano órfão.

Apesar de a sua mão ainda sangrar e doer, Harry manteve-se sem expressão. Observou o sonserino afastar-se e perguntou-se qual seria a punição de alguém que fora criado para repudiar cada um de seus ideais.

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Draco entrou nos aposentos de Dolores olhando em volta. A sala era pequena e circular, com duas portas de madeira opostas, as paredes recobertas por tinta rósea e adornada com dezenas de fotografias de gatinhos fofos fazendo poses. O garoto teve que suprimir a vontade de simular uma reação de vômito a elas. Ele não gostava gatos, em parte porque o lembrava de certa garota que pertencia à Casa rival.

Dolores, sentada a uma mesa circular e também rosa, indicou-lhe a cadeira à sua frente e serviu-lhe, em uma xícara floral, chá adoçando com açúcar granulado róseo. Tudo demasiadamente fino e pomposo. Draco olhou com desgosto para o líquido, mas sorveu parte dele para aliviar o ressecamento da sua garganta e para prolongar a eventual conversa que não queria ter desde o princípio.

A mulher sorriu, porém a felicidade não alcançou o seu frívolo olhar.

– O senhor poderia me explicar o que aconteceu durante a minha aula? Que ato de rebeldia fora aquele? Estou certa de que há um motivo sensato para que você, um bruxo de família nobre e de sangue puro, tenha agido de maneira alvorotada e expressado opinião a favor dos absurdos ditos pelo senhor Potter!

Draco também esperava ter uma boa explicação, quando a achasse perdida no limbo entre a razão e a loucura que parecia estar o dominando dos recônditos ao centro da sua mente, desde que salvara a Granger de uma terrível queda.

– Senhora – disse o loiro, tentando soar respeitoso. Os lábios da mulher se contraíram, e ela o olhou com desprezo, como se ele tivesse acabado de falhar no teste que comprovaria a sua inocência. – Senhorita – corrigiu-se rapidamente. O sorriso dissimulado dela retornou. – Eu não estava defendendo o Potter, jamais teria tal intenção. Eu estava apenas expressando a minha opinião.

– Você concorda com o senhor Potter quando ele insiste em afirmar que há algo maligno lá fora, algo que precisamos temer, algo do qual precisam se proteger?

– Não – foi a resposta dele. Logo acima das profundezas mais obscuras e impenetráveis do seu ser, ele sabia que isso não era verdade. – Penso que, eventualmente, poderá surgir forças opressoras com o anseio de desestabilizar o poder do Ministério e a integridade moral dos bruxos de sangue puro. Nós somos um número cada vez menor e somos desprezados pelas famílias impuras, que julgam os nossos valores conservadores e arcaicos. Contudo, são elas que desrespeitam e que cometem heresia aos nossos poderosos e magníficos ancestrais, que conservaram o dom da magia ao longo das gerações ao manter os seus sangues puros. Se continuarmos a nos misturar com os trouxas, a nossa magia, a nossa raça, desaparecerá. E em prol de quê? De igualdade? De respeito por criaturas débeis que desconhecem a verdade sobre o próprio mundo em que habitam? Eu digo que precisamos, eu e os meus iguais, aprender a nos defender e, sobretudo, a atacar, para irmos à guerra contra aqueles de valores e de ideais corruptos!

Draco finalmente respirou.

O sorriso de Dolores finalmente alcançou os olhos, apesar de isso só os fazer parecer mais cruéis.

– Você, de fato, é o filho do seu pai.

Os lábios do garoto alargaram-se num sorriso prepotente de quem acredita ser superior ao resto da humanidade e está orgulhoso pelo mesmo motivo. O seu discurso não foi completamente original; na verdade, ele foi uma síntese de todas as falas eloquentes e longas de seu pai, durante o jantar na mansão dos Malfoy. Porém, ao contrário do pai, ele julgou que não se pronunciou de forma tão marcante e feroz. Nada que não pudesse ser resolvido com algum treino diante do espelho, testando expressões diferentes, até encontrar a que lhe cabia perfeitamente. Afinal, o grande propósito da existência de Draco era receber uma provação de orgulho do pai. Pouco lhe importava a mais.

Ao menos, era isso o que pensava.


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês gostem! Quem quiser, sinta-se livre para deixar um comentário para alegrar a minha semana :)
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P.S.: Sim, começarei a postar semanalmente. Vez por outra, postarei alguma cena extra no meu tumblr, por isso não deixem de segui-lo (so-tur-nos.tumblr.com)



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