Desejo e Reparação escrita por Ella Sussuarana


Capítulo 3
I - Capítulo 2: O dia em que Draco Malfoy tornou-se rei de si mesmo


Notas iniciais do capítulo

Experimentem ler a cena da batalha escutando "And I love her" dos Betles. Pode parecer sem noção, mas, quando lerem, vão entender.



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Parte Um

{A poção e as primeiras visões}

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Capítulo 2: O dia em que Draco Malfoy tornou-se rei de si mesmo

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Draco saiu cedo do Grande Salão. Tão logo comeu, desapareceu, como fumaça, ou quase. Ele andou rápido através dos corredores, descendo escadas e mais escadas, até alcançar o Salão Comunal da Sonserina, que estaria vazio, se o loiro não estivesse de frente à lareira, observando as chamas arderem, apertando a barriga, que doía como se alguém a chutasse repetidas vezes.

Provavelmente, o motivo de estar se sentido tonto e de a ânsia de vômito ter subido por seu esôfago três vezes era o júbilo advindo da mesa em cores vermelhas e douradas. Os risos e os sorrisos o deixavam seriamente enjoado. Por isso, tivera que se retirar para respirar ar puro – na medida em que se é possível num lugar que costumava abrigar masmorras.

Vinte, trinta minutos passaram-se sem que a dor abrandasse. Pelo contrário, ela se expandia pelo seu corpo. Com muita dificuldade, arrastou-se até a sua cama e, ali, despencou, respirando fraco, suando frio, sentindo pontadas de agulhas nos extremos e chumbo derretido queimando seus neurônios. Quando se sentisse melhor, teria uma séria conversa com os elfos do castelo, que envolveriam ameaças e a quantidade de dor física necessária para satisfazer a sua ira. Aqueles incompetentes deveriam ter deixado algo queimar ou estragar de propósito a mando do Potter ou do Weasley, certamente de ambos, e teria direcionado toda a comida ruim à mesa da Sonserina. Nesse momento, todos já deveriam estar passando tão mal quanto ele, e o trio maravilha deveria estar se revirando no chão de tanto rir.

Ah! Mas eles lhe pagariam! Não agora, logicamente. Quando estivesse forte e saudável novamente...

Não demorou muito para que a inconsciência o poupasse de mais sofrimento.

Enquanto esteve desacordado, sonhou. Não um sonho de calmaria e prazeres, mas uma mancha de imagens e o ruído rouco de explosões estourando no espaço.

Ele era um homem alto no centro de uma confusão feita por corpos e por luzes. Pessoas corriam e atiravam feitiços contra seus adversários; algumas tombavam, sem vida, a varinha ainda presa no aperto da mão, os olhos abertos, a boca retorcida em um grito inaudível – talvez, ele fosse audível apenas para os mortos.

Draco trajava vestes negras e longas, esvoaçantes, com mangas gordas que poderiam esconder praticamente qualquer coisa. Os seus cabelos estavam mais longos, presos em um rabo de cabelo no fim da nuca; a varinha estava apontada para um alvo em movimento. Era difícil de enxergar a sua presa, pois estava escuro e os grossos troncos de árvores ocultavam surpresas desagradáveis. Além disso, o embate de bruxos gerava fumaça e explosões que faziam os seus olhos arderem e as imagens se distorcerem.

Ele recuou, correndo em volta de uma árvore. O alvo também se moveu.

– Crucio – ouviu-se falar. Até mesmo a sua voz estava diferente, era mais rouca e cansada, não havia sequer resquício de arrogância nela.

A pessoa, fosse quem fosse, conseguiu rebater a maldição e atacou. Draco defendeu-se, agilmente.

Seguiu a forma humanoide pela floresta escura. À sua direita, uma intensa luz crescera até cegá-lo, ele abaixou-se e continuou movendo-se com rapidez, evitando olhar em direção as sombras que eram projetadas pela luz. Ela era tão intensa quanto o sol, mas era fria e se expandia através da noite, trazendo segurança. Ele conseguiu enxergar pelo canto dos olhos uma segunda luz, essa de cor esverdeada. Houve um longo grito desesperador, um som tão terrível, que fez o seu âmago apertar-se e sentir-se, também, completamente sem esperanças e desolado, a sensação de quem perdeu algo para sempre.

A luz branca morreu. Outra vez, reinou a escuridão.

Draco parou na borda de uma grande clareira. Ali, também havia guerra. Três bruxos duelavam no lado esquerdo, dois deles usavam as mesmas vestes que Draco; do lado direito, havia cinco combatentes, três com roupas negras. No centro, uma cabana estava em chamas.

– Este é o seu fim, Potter! – gritou o Draco mais velho, sem tom de júbilo ou de glória na voz. – Este é o fim!

Da próxima vez que sussurrou um feitiço, ele atingiu a perna do seu alvo, fazendo cair e abrindo cortes por onde o sangue serpenteava para fora do corpo. Escutou-se dois gritos – o primeiro do homem caído no chão, aquele que Draco chamara de Potter; o segundo pertencia a um outro homem caído, este, fatalmente morto. A identidade dele, contudo, era desconhecida.

Por um momento, a guerra a sua volta não existia, era apenas negrume. Harry Potter, o garoto da profecia, era somente uma forma imprecisa no vazio. Havia um ponto de luz vindo da cabana em chamas e havia uma melodia arrastada, algo que o Draco adulto conhecia, mas que o Draco menino detestou.

A love like ours

Could never die

As long as I

Have you near me

Ele hesitou, segurando firme a varinha, sentindo o seu traçado, a sua densidade. Ele precisava fazer aquilo e colocar um fim nessa guerra. Ela já durou tempo demais, tanto tempo, que mal se lembrava da sua vida de antes. Quantos anos já fazia? Dezessete? Dezoito? Crianças cresciam e morriam num mundo em guerra. Isso precisava terminar.

A guerra terminaria nesta noite.

Ele encarou Harry Potter, o seu grande rival, e disse as palavras que precisavam ser ditas – Avada Kedavra. Harry conseguiu defender-se, mas isso custou-lhe a varinha, que fora arremessada para longe de seu alcance.

Draco repetiu as palavras sem hesitar e, dessa vez, não errou o alvo. Houve um longo grito de dor. Nada mais.

Bright are the stars that shine

Dark is the sky

I know this love of mine

Will never die

Houve dois outros gritos, mas Draco não os escutou. Ele lançou um feitiço na direção da cabana, causando uma grande explosão, que mandara pedaços de madeira e de metal descrevendo parábolas no ar. A música morrera, subitamente.

– Saía daqui, agora – escutou alguém dizer atrás de si.

– Eu não posso abandoná-lo aqui!

– Harry está morto, não há mais nada que podemos fazer por ele, além de honra a sua morte com a nossa vida. Agora, corra!

Draco virou-se para terminar o seu dever.

Um garoto correu para o meio das árvores, seguido por uma mulher de cabelos róseos curtos. Após observar que um dos seus companheiros estava morto e os outros dois incapacitados de se mover, Draco seguiu os rebeldes.

– Crucio! – gritou Draco, com a varinha apontada ao garoto.

Quando o jovem virou-se para rebater o feitiço, Draco pode ver as feições dele. Ele parou, alarmado, os olhos se encarando, um com ódio evidente, outro com surpresa.

O garoto deveria ter dezesseis ou dezessete anos. Ele era uma cópia quase perfeita do próprio Draco jovem, os cabelos louros curvados atrás das orelhas, a pele alva, o nariz fino, a postura arrogante; havia apenas um defeito – os olhos dele eram castanhos, não azuis-claros.

Pela segunda vez na noite, Draco hesitou.

Ele sentiu-se envergonhado e impotente. Abaixou a varinha.

O garoto, no entanto, continuava com a sua erguida, pronto para o ataque. Ele estava prestes a sussurrar as palavras proibidas, quando a mulher o puxou pelo braço e lembrou-o de que a sua alma valia mais do que aquilo. Quando ele a fitou, os cabelos dela mudaram de cor para o ruivo natural, as sardas espalhando-se por seu rosto retorcido em dor, os olhos claros cheios de lágrimas a serem derramadas.

– Você já matou nesta noite – disse ela. – Não condene ainda mais a sua alma, ou acabará se transformando nele.

Ele encarou o homem à sua frente uma última vez, antes de balançar a cabeça e segurar a mão da mulher. Os dois sumiram com um estalido grosseiro, um vértice aberto no espaço.

Draco caiu de joelho na terra úmida e segurou a cabeça entre as mãos trêmulas. A quem ele estava tentando enganar? A guerra não acabaria naquela noite nem naquele ano.

Quando ela acabasse, não restaria nada para ele. Todos aqueles que amou estariam mortos ou transformados em criaturas cruéis, soldados imorais, sanguinários e loucos, as armas que as guerras moldavam.

O Lorde das Trevas ascenderia. E ninguém poderia impedi-lo, pois o menino da profecia morreu nesta noite.

Ele havia feito a sua escolha anos atrás, porém ela tinha um gosto azedo em sua boca. Não havia felicidade nem orgulho. Toda a sua vida foi um erro. Ele era covarde demais para fazer o que queria, no passado.

O Lorde das Trevas o concederia qualquer favor, após ter matado o único que poderia derrotá-lo. Quando voltasse, pediria, enfim, liberdade para vagar pelo mundo com os seus erros e com as lembranças, até que não houvesse nada mais para ser visto.

Ele visitaria Paris antes que ela fosse destruída, como Londres, e andaria, uma última vez, por suas ruas estreitas lotadas de cafés e de livrarias, com música suave inundando o dia. Paris era especialmente bonito nesta época do ano, lembrou-se.

Depois, iria para que o restava da cidade submersa de Veneza e imaginar-se-ia andando por suas pontes e por seus ladrilhos, outra vez, em companhia a uma moça que lhe sorria, como se ela própria fosse uma estrela irradiadora de energia.

Houve uma fagulha de luz na sua vida, uma vez.

De certa forma, ainda há.


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Notas finais do capítulo

E, aí, quem leu a batalha escutando "And I lover her"? O que acharam? É uma experiência bem diferente e bem mais sensível, né? Ou só eu que sou estranha o bastante para achar isso? O.o
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Obrigada a todos que deixaram um comentário, estarei respondendo a eles sexta-feira, assim que arranjar tempo.
Três beijões a todo mundo!
Deixem um comentário para me incentivar a continuar escrevendo.
Sexta ou sábado tem mais um capítulo, assim eu espero .-.



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