Tudo o que você precisa é de amor? escrita por morangochan


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Oi morangolinas, aqui é a morangochan.
Essa one shot estava em meus planos há muito tempo. Espero que gostem.
Se é a primeira vez que você lê algo meu, eu tenho uma fanfic.
O nome dela é "A órfã doce" (http://fanfiction.com.br/historia/451151/A_Orfa_Doce/).
Boa leitura.



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Aconteceu em um futuro. Pelos registros que eu havia lido, as coisas não eram assim. Antigamente, o amor entre um homem e uma mulher era algo normal, mas algo mudou. E isso fez com que tudo virasse de cabeça para baixo. Ser heterossexual era errado, ser homossexual era certo.

– Hei Violette.

– Sim?

– Vai ensaiar “Romeu e Júlio”?

– Depois da aula?

– Sim.

Claro que o governo havia queimado todos os registros sobre essa época. E pelo que eu li, fizeram uma espécie de “lavagem cerebral” na população, que vivia sobre pressão para diminuir o crescimento populacional. O que eu lia sobre isso era nos sites da deep web. Há uns tempos atrás, contaram em alguns sites de lá, que a deep web era um espaço obscuro da internet em que as pessoas compartilhavam experiências e vídeos de pedofilia, necrofilia, entre outros. Hoje, eles compartilham informações históricas sobre o que aconteceu antes da terceira e quarta guerra mundial. Mas o problema inicial foi o crescimento populacional desordenado.

Pelo que eu li, antigamente o errado era ser gay... O errado agora é ser “hétero”. É assim que eles chamam. Na igreja em que eu vou com as minhas mães todos os domingos, dizem que Deus odeia os héteros e que eles irão queimar no inferno. Talvez eu tivesse medo disso, mas ao mesmo tempo, isso não podia me impedir de olhar para ele.

– Eu acho que o papel do Júlio deveria ser para uma garota.

– Uma garota? – Iris fez careta. – Que estranho.

Confesso que sempre tinha um incomodo em falar perto de várias pessoas, por mais que eu as conhecesse e por mais que eu tivesse o básico de intimidade ou amizade. Eu simplesmente preferia ficar calada, porque achava que tudo que eu falava era errado.

– Por que você acha que o papel do Júlio deveria ser de uma garota? – Alexy perguntou.

– Por nada não. – respondi sem graça. – Eu só... Pensei. Sabe? – ele fez que sim com a cabeça.

Estavam eles dois e Kim, a namorada de Iris. A que me olhava de maneira mais estranha era Iris. Iris não costuma muito ser grossa com as pessoas, e além disso, ela é uma das pessoas mais detalhistas que conheço. Já deveria desconfiar, mas, felizmente, não falou nada sobre isso.

Após o pequeno ensaio, fui para casa. Em casa, era só eu e minhas duas mães. Contei que havia ganhado o papel de enfermeira na peça de “Romeu e Júlio”.

– Isso é bom. – minha mãe falou colocando o almoço a mesa. – Não é bom?

– Sim, é bom. – minha outra mãe respondeu com os olhos no jornal. Ela sempre era assim, não dava importância para as coisas.

– Sabia que Shakespeare escreveu para seu primeiro amor verdadeiro, a Duquesa de South Hampton?

– Ele era hétero? – minha mãe perguntou sentando-se a mesa.

– Sim. Bom... Ele a amava muito, mas ele não podia se divorciar de seu marido, então escreveu “Romeu e Júlio” como forma de expressar o amor deles.

– Quem te disse isso? – perguntou um tom grave repousando o jornal sobre a mesa.

– O professor Faraize.

– Temos que falar com a diretora da sua escola. – ela fez expressão negativa. – Como pode uma escola contratar um professor que fale isso para os alunos?

– Querida, calma. – pediu a outra voz do outro lado da mesa.

– Calma? Não estou calma. Ainda mais por causa dos novos vizinhos. Um casal hétero. Por que justo um casal hétero?

– Como sabe que eles são um casal? E hétero, ainda por cima? – retruquei.

– Vi os dois saindo do carro, e além do mais, havia uma bandeira rosa e outra azul decorando o carro. – ela explicou. – Por isso que de hoje em diante você vai para a escola pelo outro lado.

– Mas... Demora quase o dobro do tempo.

– Não quero saber. Não quero você exposta ao relacionamento imoral desses dois. Vai pelo outro lado.

Subi para o meu quarto. O meu celular estava sobre a minha cama, quatro mensagens novas.

Mensagem de texto: Você gosta de meninos? Que patético.

Mensagem de texto: Tinha cara de ser uma fornicadora mesmo!

Mensagem de texto: Espera só chegar amanhã. Todo mundo vai saber.

Mensagem de texto: Todo mundo vai saber que você gosta de garotos! A Violette gosta de garotos! A Violette é uma porca heterossexual.

Aquelas mensagens foram apagadas assim que eu terminei de lê-las. Nunca havia recebido mensagens no celular assim. Ainda mais de números desconhecidos. Um frio percorreu a minha espinha, os pelos da minha nuca se arrepiaram. Eu sabia que eu deveria ser como todo mundo. Eu sabia que era para eu ser como todo mundo, já que eu cresci vendo todos quase iguais. Eu deveria seguir os passos dos outros, das minhas mães, da minha família. Mas eu simplesmente não conseguia. Meu coração acelerava, tudo por causa do menino de cabelos azuis. E pensar que eu já olhava para ele há mais de dois anos... De qualquer forma, eu tinha que me manter firme. Talvez fosse só um blefe de uma pessoa que só queria me intimidar. É claro! Todo mundo vira valentão e fala o que quer quando não está frente a frente. Até eu poderia fazer tal coisa sem me preocupar, já que ninguém saberia que era eu.

Tudo que eu fiz foi excluir as mensagens e voltar para a escola do dia seguinte.

Quando coloquei minha mochila na cadeira, no dia seguinte, vi Ambre e suas amigas cochichando algo sobre mim. Para mim, aquela era uma visão quase rotineira. Apenas desviei o olhar e comecei a desenhar algo. Aliás, a colorir um desenho que tinha feito semana passada, mas que havia perdido no meio dos outros desenhos.

– Hei Violette, soube que você gosta de chocolate. Que tal um chocolate em forma de pênis? – provocou Ambre.

Meus olhos ficaram arregalados, Ambre saiu rindo com suas amigas. Além de Ambre e suas amigas, Iris estava na sala com Kim. Kim me lançou um olhar analítico e Iris me olhou completamente corada. Tinha que ser Ambre! Aposto como foi ela quem me mandou as mensagens na noite passada.

No intervalo, eu contei o que se passou para Alexy.

– Ela disse isso?! – Alexyfez cara feia.

– N-não foi nada demais. S-só foi uma brincadeira. Eu acho...

– É claro que é algo demais! Você tem que ir falar para o irmão dela.

– Não! – exclamei segurando seu braço. – Eu não quero pagar de fofoqueira.

– Mais fofoqueira é ela. Além de fofoqueira, é mentirosa. Olha só como as pessoas estão te olhando, ela falou mal de você para todo mundo.

Encarei os lados. O ruivo me olhava com um olhar sacana enquanto cochichava com Lynn, uma das garotas que veio para a escola antes de Alexy e seu irmão. Bia cochichava com Peggy e Kentin falava algo com Armin. Tudo era referente a mim, tinha certeza.

– Eu sei que você não é hétero. – Alexy fez bico. – Por que não fala para o irmão dela? Ela merece uma punição por te chamar assim.

Mordi o lábio inferior. Ao concordar, Alexy foi comigo na sala dos representantes e contou a Nathaniel tudo o que se passava. Meu coração se petrificava, pois ele tinha expectativas diferentes da minha realidade. A culpa era minha? A culpa era minha. De quem mais seria a culpa? Eu deveria ter falado logo de uma vez. Mas... Se eu nem consigo falar direito com as pessoas, como eu falaria que gosto dele? E falar que eu era hétero estava fora de questão. Ainda mais porque ele era gay e eu era hétero. Era impossível que desse certo. Mas eu queria acreditar pelo menos uma vez que as coisas dariam certo para mim. Mesmo que fosse impossível.

– A luz dos recentes acontecimentos nos países baixos, onde o casamento heterossexual já é permito, Papa, João XI quer lembrar a todos os católicos do mundo, que a igreja não mudou sua postura com este problema. Sua santidade nos lembra e confirma: “é pecado um homem deitar-se com uma mulher. É uma abominação uma mulher deitar-se com um homem fora do período de cria. Qualquer semelhante pessoa que, aloje a luxúria em seu coração para o sexo oposto... Queimará no fogo do inferno. – nesse dia, o “sermão” na igreja terminou assim.

Eu tinha medo de quem eu era. As pessoas odiavam os heterossexuais. Mamãe estava certa quando falou que os novos vizinhos eram um casal. Tanto que eu vi garotos picharem no portão da garagem deles “Deus odeia os heterossexuais”. Se Deus nos odeia, por que nos criou? Se Deus nos odeia, por que não nos mata? Foi nesse dia em que eu comecei a discordar de tudo. Tanto, que eu parei de acreditar no que a madre da igreja falava. Se ele mandou seu filho para morrer por nós, por que fez isso, já que nos odiava? As pessoas nem ao menos se davam o trabalho de inventarem uma boa mentira.

Talvez eu não estivesse virando as costas para Deus, só acho que as pessoas estão falando mentiras a respeito dele. E eu não aprovo as palavras que a madre fala na igreja. Talvez Deus não seja como ela fala.

No dia seguinte, houve uma mudança repentina nos papeis da peça de teatro. Os papeis de Romeu e Júlio correspondiam, respectivamente, a Alexy e Armin. Pelo que a diretora falou – e Alexy confirmou – Armin estava adoentado e internado. Não faltava muito tempo para que a apresentação chegasse.

– Faremos a substituição de papeis, mas ainda não sei quem colocar no lugar de Armin. – disse a diretora. Sorte nossa que ela nem ao menos estava explosiva naquele dia.

– Tenho uma ideia. – disse o professor Faraize. – Kentin.

– Sim?

– Poderia substituir o papel da Violette?

A sala inteira ficou em silêncio. A maioria dos olhares veio diretamente para mim. Engoli a saliva e me encolhi um pouco na cadeira.

– Mas ela é uma menina. Não ficaria um pouco estranho? – a diretora encarou o professor, que mantinha um olhar fixo para mim. – Os pais dos alunos irão vir ver essa peça. Não acha que será um pouco polêmico?

– Criando polêmica ou não, estou apenas valorizando o esforço de Violette. Ela atua bem e se esforçou muito, mesmo que seu papel de enfermeira não exigisse muito. Acho que ela merece o papel de Júlio. E sei que se ela se esforçar como se esforçou para o antigo papel, ela irá se sair muito bem. – Faraize parou um pouco, deu um pequeno sorriso e olhou para Kentin. – Poderá ser o enfermeiro?

– S-sim... – Kentin me olhou, olhou e olhou. O olhar dele era tão invasor que parecia estar tentando enxergar a minha alma. – Mas e o figurino?

– Ficarei bem. – disse Rosalya.

Rosalya pareceu ser uma das únicas que não protestava contra uma garota fazer o papel de Júlio. Ouvi boatos de que ela namorava o irmão do Lysandre. Se não me engano, ele se chama Leigh e tem uma loja de roupas na cidade. Acho que já fui lá uma vez comprar um vestido com a minha mãe.

Rosalya deu uma piscadela e Kentin me encarou feio. Me encolhi mais um pouco na cadeira.

–Violette. – o professor me chamou.

– S-s-sim?

– Poderá fazer o papel de Júlio?

– S-sim.

– Está tudo resolvido então. – Faraize sorriu para a diretora.

A diretora assentiu com a cabeça. Fez vista grossa para Faraize, mas não relutou mais. Nunca havia visto Faraize ser tão decidido, normalmente ele era como eu, deixava as pessoas tomarem as decisões sem sequer retrucar.

Havia recebido outro roteiro – que já tinha em casa – e outro que havia apenas as falas e cenas em que minha personagem aparecia. Para falar a verdade, nunca havia lido o roteiro da peça por inteiro, só a parte que minha personagem aparecia, o que era no começo da peça e logo ela saía de cena.

– Você nem deveria estar atuando. – disse minha mãe.

– Ora, querida. Ela gosta disso. – retrucou a outra.

– Está atuando porque não conseguiu entrar no time de futebol? – perguntou ela, mordi o lábio inferior. – Peças de teatro e essas coisas são para meninos.

– São para meninas também. – retruquei.

– Não, não são. – ela reforçou.

–M-mas todos da minha sala estão fazendo, meninos e meninas.

Minha mãe fez cara feia e voltou os olhos ao jornal. Minha outra mãe apenas deu um sorrisinho, sentando-se a mesa para que pudéssemos ter um jantar normal.

– Mas foi um acaso eu ter ganhado o papel de Júlio. – tentei remendar as coisas. – O garoto que ia fazer o Júlio está internado no hospital e eles sortearam os papeis na sala.

– Não seria mais fácil colocar qualquer um no lugar do garoto? O dia da peça está perto.

– As meninas do roteiro o tornaram mais simples por isso. E além do mais, ninguém havia gostado do papel de tinha pegado.

Minha mãe era linha dura, uma morena de pavio curto. Mal falava na mesa de jantar, e quando falava, era para reclamar de alguma coisa. Estava sempre a mesa com um jornal e resmungando. Já minha outra mãe era uma loira bondosa e gentil. Sempre fazia de tudo para agradar a esposa, mas digamos que isso era muito difícil. Quase que impossível.

A morena apenas deu de ombros. Eu sentia que ela sabia que eu estava mentindo, mas havia perdido as forças para puxar briga comigo. Ela sabia que a esposa me defenderia caso fosse necessário.

Subi para meu quarto e fui navegar um pouco na internet. Entrei no ShowFace e havia mais outra mensagem de outro perfil fake.

“Vadia arrombada”.

Suspirei. Não entrei em pânico e nem nada do gênero, não era a primeira vez que isso acontecia. Apenas apaguei a mensagem e pronto. Quando entrei na minha conta no dia seguinte, ela havia sido excluída por conta do número de denuncias que havia recebido. Decidi então que pararia por um tempo, que ficaria sem entrar em redes sociais.

Apesar de xingamentos na internet não levarem a nada, senti que não era só Ambre e suas amigas que andavam pegando no meu pé. Havia mais pessoas que tinham algo contra mim, aquilo me preocupava. Só podia ser porque as pessoas sabiam que eu gosto do Alexy, não tem outro motivo que justifique essa perseguição. Um dos meus motivos para ficar calada é justamente evitar conflitos com outras pessoas.

Talvez meu maior defeito seja aguentar as coisas sem nem ao menos reagir. Eu aguentava e deixava aquela bola de neve crescer. Talvez o maior erro fosse o meu.

Quando li o roteiro com atenção, havia uma cena de beijo entre Romeu e Júlio.

“Armin e Alexy iriam se beijar?” – pensei. – “Isso seria bem estranho”.

Segundos depois foi que eu me dei conta de que, já que eu estava substituindo Armin, eu teria que fazer a cena de beijo com Alexy. Agora havia entendido que realmente a preocupação da diretora não era a toa. O que diria os pais se vissem a cena protagonizada por um casal hétero? E o pior não era nem isso. De onde diabos eu tiraria coragem para beijar Alexy? Por mais que fosse uma peça, ainda era um beijo.

Enquanto estava tomando banho, fiquei aérea pensando nisso. Depois até recebi uma bronca por ter passado tanto tempo no banheiro.

“Será que eu devo mesmo me declarar para ele?” – pensei. – “Será que eu pelo menos conseguirei fazer isso?”.

Dois dias depois de me esforçar e estudar as falas do meu novo papel, fui ensaiar com Alexy. Tínhamos que ensaiar juntos, já que éramos os protagonistas da história.

Na cena do beijo, Romeu é quem tinha que beijar Júlio. Havia fechado os olhos e corado, mas só esperava e nada. Abri um dos olhos para conferir o que estava acontecendo de errado. Meu coração acelerado não me permitia mais fazer nada do que aguardar que ele me beijasse. Poderia ter um troço a qualquer momento.

– O que está fazendo? – ele perguntou.

Abri os olhos e a boca para falar, mas as palavras não vieram à minha mente. Fechei a boca e engoli a saliva.

– Violette. – ele fez bico. – Você não recebeu o novo roteiro?

– N-novo?

– Sim, o novo. – ele suspirou. – Eu sabia que não deveria ter confiado na Ambre e na Melody para te passarem o roteiro.

Ambre e Melody eram responsáveis pelo roteiro da peça. Assim que eu entrei para fazer o papel de Júlio, elas rapidamente resolveram mudar e tirar a cena do beijo. Lá ia por água a baixo a minha chance de Alexy me beijar sem eu ter que me declarar.

– E-eu sinto muitíssimo! Eu não sabia de nada disso, juro!

– Não precisa se preocupar. – ele sorriu. – Você foi ótima, mas vá para casa e estude mais as falas, nunca é demais.

Assenti com a cabeça. Alexy saiu rapidamente do ambiente do qual escolhemos para ensaiar. Escolhemos ensaiar perto da piscina onde ocorriam as aulas de natação das crianças. Naquela hora da manhã aquele lugar estava calmo e vazio.

Quando fui arrumar minha mochila, meus desenhos caíram e eu fui desesperadamente recolhendo-os com medo de suja-los e estraga-los. Três sombras surgiram atrás de mim, uma mão agarrou um dos meus desenhos. Tinha desenhado Alexy naquele.

– Tsc! Que menina patética. – disse Ambre. – Odeio putinhas de merda como você. Você é só outra qualquer que fica sendo putinha de qualquer homem.

Mordi o lábio inferior para aguentar tudo aquilo. Estava de joelhos no chão quando comecei a recolher os desenhos. Assim que Ambre encerrou a frase, continuei a recolher os desenhos e os enfiei na bolsa com pressa.

– Quem você pensa que está ignorando? – ela bradou.

Ambre agarrou meu cabelo e me levou até a piscina, onde conseguiu submergir meu rosto na água. Coloquei as mãos na borda da piscina para tentar respirar, mas nada dela me soltar. Em certo intervalo de tempo, Ambre me puxava pelo cabelo para que eu conseguisse tomar ar, mas só para depois afundar meu rosto na água novamente.

– Eu vi você, sua porca! Te vi querendo beijar o Alexy. Quem você pensa que é? – ela me sacudiu pelo cabelo quando levantou meu rosto.

– Ambre!

Olhei para o lado sem poder mover a cabeça, mas consegui ver um pouco e reconheci o professor Faraize.

– Vão para sala, já!

Dito isso, as três se retiraram.

– Você também, Violette.

As lágrimas não conseguiram ficar mais retidas e oprimidas, apenas chorei. Chorei enquanto tossia por conta da água que havia engolido.

– Violette, eu tentei te ajudar. Eu juro. – ele suspirou. – Mas se você mesma não se ajuda, então não adianta de nada. Isso que você está... sentido é só uma fase.

– Como sabe que é uma fase?

– Sei que é. – ele reforçou. – Limpe-se no vestiário e vá para a sala de aula.

Virou de costas e deu alguns passos, mas parou para falar algo.

– Se você arrumar uma namorada, acho que tudo isso irá acabar.

As mensagens no celular continuavam. Começou com uma, e outra, e outra, e outra. A cada mensagem recebida, o celular dava um toque, mas com tantas mensagens ruins que estavam chegando, pensei que os toques não iriam acabar nunca. Deixei no silencioso e fui dormir chorando.

Alexy havia me contato que Ambre e Melody haviam passado as mudanças do roteiro no ShowFace, mas o meu havia sido excluído e não havia como elas me mandarem. Senti até que o universo estava fazendo tudo contra mim.

Talvez Deus estivesse me castigando, só não entendo o porquê.

Quando cheguei em casa, tive medo das minhas mães terem conhecimento do que aconteceu na escola. Minha mãe com certeza brigaria comigo por eu não ter me defendido. Mas elas não sabiam de nada.

Infelizmente minha expressão de tristeza já entregava que havia algo errado.

– Você está bem, querida?

– Sim. Por que não estaria?

– Diga-me você. – ela mordeu o lábio. – Foi alguém da escola?

– S-sim... Mas por favor, não conte para a mamãe.

– Está tudo bem. – ela sorriu. – Mesmo assim eu quero tomar uma providência, mas prometo que não deixarei ela descobrir. Ok? – fiz que sim com a cabeça. – Ótimo, agora não fique com essa expressão, caso contrário ela irá perguntar o que aconteceu.

As coisas iam piorando a cada dia. Na escola ninguém mais falava comigo, nem mesmo Alexy. Só nos víamos quando ele me chamava para ensaiar, e eu comecei a notar que ele já não era o mesmo quando estava comigo. Nosso último ensaio deveria ser no palco onde nos apresentaríamos. Estávamos apenas nós dois, e estávamos quase terminando.

– E o que tu tens a me dizer? E o que faremos se existe tanto ódio entre o nosso amor?

– Eu gosto de você.

Alexy fez bico e parou a cena.

– Hei, essa não é a fala.

– Não estou dizendo a minha fala. – encarei o chão. – Gosto de você.

– Você é...

– Eu sinto muito. Muito mesmo.

– Então os boatos eram verdadeiros? – fiz que sim com a cabeça.

– Não queria me afastar de você, mas não quero que falem mal de você também.

Meu rosto não se erguera, a vergonha e angustia estavam me esmagando por dentro. Alexy tocou em meu ombro.

– Contaram a Armin sobre você e eu. Disseram que havia algo entre nós e ele ameaçou a contar para os nossos pais. – ele deu um meio sorriso. – Você é legal, Violette. E eu até poderia, mas eu acho que não consigo fazer isso.

– Poderia ao menos me beijar?

Ergui o rosto, ele me encarou surpreso. Não conseguiu falar.

– Ninguém está olhando. – insisti. – Por favor, Alexy. Nunca beijei ninguém e não sei quando vou poder beijar outro garoto novamente.

Ele assentiu com a cabeça. Nem ao menos imaginei que tinha tido coragem para falar tudo aquilo sem gaguejar qualquer sílaba. Eu estava cansada, meu coração estava cansado.

Ele segurou em minhas mãos e aproximou seu rosto com os olhos semiabertos, mas nem ao menos tive oportunidade para desfrutar daquele momento.

Ambre apareceu na porta da sala do teatro. Estava com suas duas amigas a seu lado e mais uma pessoa um pouco atrás, quase que escondida. Ambre não teria feito tudo aquilo sozinha, disso eu sabia. Fiquei me perguntando quem lhe dera o número do celular ou dito qual perfil do ShowFace eu realmente usava.

Lá estava ela, a garota que um dia que eu considerei uma amiga. Estava com um olhar frio e um celular na mão.

– Lynn? Foi você quem ajudou elas? – uma lágrima escorreu. – Por que?

Ela deu de ombros.

– Pensei que fossemos amigas.

– Ambre disse que me ajudaria a conquistar a Kim e toma-la da Iris. E também, eu não quero ter uma amiga como você. – ela apenas disse, partindo meu coração em pedaços.

Alexy estava petrificado a meu lado, recebendo um olhares reprovadores de Ambre e suas amigas.

– Alexy, essa fornicadora estava te forçando a algo?

Alexy me olhou em desespero. Desespero maior foi o que eu tive quando ele confirmou com a cabeça.

– Peguem ela!

Elas correram até mim, e eu corri delas, saindo da sala e indo em direção a qualquer lugar onde pudesse me esconder. Parei no ginásio quando elas me alcançaram e me derrubaram. Foram distribuídos socos e chutes, minha visão embaçava e meu corpo não respondia para agir contra aquilo. Eu apenas chorava e tentava gritar pedindo por ajuda. Várias outras garotas se juntavam a Ambre para me agredir. Até mesmo Kentin veio também.

Alexy observava de longe, nem ao menos pensava em interferir. Lysandre e Castiel também observavam e permaneciam imóveis.

– Hei, loira oxigenada! – disse Kim, metendo-se no meio da confusão. Agarrou no cabelo de Ambre e a tirou de cima de mim. – Quem você pensa que é para fazer essas coisas, guria? Quem você pensa que é?!

Rosalya apareceu também para tirar Charlotte e Li de cima de mim, e Leigh derrubou Kentin com um só soco. O resto do pessoal se afugentou quando os três chegaram para me ajudar. Ainda mais por Kim vir me ajudar, muita gente na escola tinha medo dela.

Lynn apareceu com a maior cara de santa, com cara de quem não sabia de nada do que tinha acontecido. Ela era a única envolvida que não havia vindo me bater, mas ela ainda havia escrito algo em minha testa.

– Hei, você! – Kim agarrou Lynn pela gola da blusa. – Não se finja de inocente, eu ouvi tudo! Acha mesmo que eu deixaria a Iris para ficar com uma vadia como você?! – Lynn ficou em silencio, prestes a chorar. – Você me dá nojo, sua patética.

Rosalya e Leigh me ajudaram a levantar. Me levaram para a enfermaria da escola e eu nem ao menos conseguia me acalmar.

Eu sempre pensei que a menina que estava contra mim era Kim. Nunca imaginei que Kim viria me ajudar em um situação como essa. Sempre imaginei que no lugar de Lynn, Kim estava lá. Mas pensando bem, Kim odeia Ambre e nunca a ajudaria.

– O-obrigada. – gaguejei aos três.

– Deveria ter agido. – Kim passou sermão. – Poderiam muito bem fazerem isso com a Rosalya, mas ela não deixa.

– Por que me ajudou? Você não é lésbica? – Kim deu de ombros.

– São só rótulos, e são rótulos que não significam nada. Só não achei que você merecia tudo aquilo, por isso ajudei.

Agradeci novamente, soluçando.

Os três me levaram até em casa. Kim me ajudava a andar, Rosalya e Leigh tocaram a campainha. Minha mãe atendeu a porta, a outra estava sentada numa poltrona lendo o jornal.

– Ah meu Deus! Minha filhinha. O que fizeram com você? – ela alarmou-se, chorando e me pegando nos braços.

Com tamanho alarme, minha outra mãe virou o rosto e encarou Leigh e Rosalya na porta, com alianças iguais. Não preciso nem dizer a cara que ela fez.

– Tire sua filha daquela escola, senhora. – disse Leigh.

– Se não tivéssemos feito nada, já imagino o que teria acontecido. – Kim suspirou. – Tome conta dela, sim?

A porta se fechou, minha mãe me levou até o banheiro e me deixou sentada na borda da banheira.

– Limpe-se. – ela pediu, e desceu as escadas.

Além de tudo o que houve, tive que ouvir os gritos vindos lá de baixo.

– Você viu a testa dela? Você viu aquele garoto e aquela garota? São essas más influencias.

– Não seja tão mal agradecida! Se eles são héteros ou não, eles salvaram a nossa filha! Você sabe o que isso significa? Sabe o quão estupido é essa sua heterofobia?

Caminhei até a pia com dificuldade, encarei meu reflexo no espelho. Na minha testa havia escrito “hétero”.

Engoli a saliva ouvindo os gritos que viam lá da sala de estar. Limpava a testa com um algodão ensopado de removedor de maquiagem, até que estava saindo bem.

– Eu deveria ter batido mais nela, quem sabe isso não acontecesse.

Abri o armário do banheiro para devolver o removedor de maquiagem. Me deparei com alguns giletes.

– Você não ama o suficiente sua filha para aceitar as escolhas dela? O que você é? Uma monstra insensível?

– Não grite comigo nesse tom! – o som de uma pancada foi ouvido, junto a um grito.

Peguei um dos giletes, me sentei na borda da banheira e o aproximei do pulso, na posição vertical.

– Eu quero o divórcio.

Um corte profundo foi feito, o sangue escorreu como uma torneira aberta. Minhas lágrimas despencavam do meu rosto. O choro era silencioso.

Fiquei imaginando como seria minha vida se eu escolhesse ser lésbica. A homossexualidade nos escolhe ou nós escolhemos ela? Eu seria uma pessoa feliz se escolhesse ser como todo mundo? Será que as pessoas eram realmente felizes quando eram obrigadas a se casarem com uma pessoa do mesmo sexo só porque era o “correto” a se fazer?

O sangue pingava no chão, junto com as minhas lágrimas. Já me sentia tonta. A dor que eu sentia todos os dias era como aquela em meu braço. Aquilo que esmagava meu coração.

– Violette, já terminou? – ela perguntou mexendo na maçaneta. – Querida, a porta está trancada, por que a trancou?

Sem resposta, as batidas na porta continuaram, até ela decidir verificar o que acontecia olhando pelo buraco da fechadura.

– VIOLETTE! Ah meu Deus!

Ela forçava a porta, forçava e forçava. Investia de ombro e gritava por mim. Caí dentro da banheira por conta da fraqueza. Ouvi a voz da minha outra mãe chegando e forçando a porta também.

– Eu vou pegar alguma ferramenta. – disse ela correndo pelos degraus.

Pessoas se importam com pessoas, por mais que o ódio exista entre elas. Com a minha morte, poderia todos que me bateram e me humilharam passar a serem pessoas que não olhariam para as preferencias do outro? Qual é a diferença do amor? Amor não é um só? Amor não é amor?

Minha mãe, que nunca gostou de mim, agora estava desesperada para abrir a porta e me salvar. Sua falta de fé em mim foi uma das coisas que me matou. Ela sempre me oprimiu e me fez acreditar que tudo que acontecia ao meu redor era por culpa minha. Que eu não era uma vítima, que quem fazia o inferno era eu e não os outros.

Será que eu teria filhos se crescesse? Será que eu envelheceria sendo considerada um lixo?

As pessoas precisam de amor, mas por que rejeitam o amor por causa do sexo de uma pessoa? Homens não deveriam se apaixonar por homens e nem mulheres por mulheres. Homens não deveriam se apaixonar por mulheres e vice-versa. Pessoas deveriam se apaixonar por pessoas, corações por corações. Afinal, tudo o que você precisa é de amor?

Antes de morrer, pude concluir algo: as pessoas me assustam.


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