Hope for Us escrita por Lady Anne


Capítulo 30
Capítulo 28: Linha tênue


Notas iniciais do capítulo

MAOE!
Uke? Voltou?
Voltei.
E ae turma, capítulo 28, postando aqui rapidinho, e alguns super avisossss:
Na verdade, isso não é tudo o que eu prometi para vocês anteriormente, era para estar em um capítulo só. But, deram mais de 11.000 palavras o que prometi a vocês, então melhor dividir. BUT, esse capítulo ta uma delicia tbm, tem sofrimento, amorzinho, ças coisa tudo que vocês gostam.
Vou responder todos os coments com mt amor, but não agora, pq estou num pc que não me pertence, e sem tempo fduyhsgfufg ♥ But eu amo vocês.
Muito obrigada a todas por todos os coments, todo o amor, vamo que vamo.
Obrigada ao grupo de TWD Writers, suas fodonas.
UHU, atualizando vcs, eu estou reescrevendo os capitulos de HFU, e assim que tiver td LYNDO eu posto, e vcs vão ter a chance de ler algo mt melhor, pq vcs merecem, é isso ai.
É ISSO GENTE, to sem tempo, to indo já, o cap 29 ta praticamente pronto, vai sair essa semana ai, uhu.
MOITO OBRIGADA AGAIN, AMO VCS!
Beijo na alma, JÁ JÁ TO AI DNV!
Anne. ♥



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Eu abri meus olhos, e tive que piscar várias vezes para entender onde estava e por que. Estava claro e o sol entrava pelas grandes janelas na parede que eu não podia enxergar, minha visão era da parede branca do lado direito onde ficava uma estante vazia naquela sala, no prédio administrativo, com crianças órfãs , como eu, dormindo ao meu redor.

Estava muito silencioso, o que significava que nenhuma delas deveria ter acordado ainda, e perguntei-me que horas eram – com certeza não mais que 08h00. Eu estava sentindo o peso do braço de Carl envolvendo minha cintura, mas não era ruim porque o calor dele emanava como radiação.

Não, não era o travesseiro que estava absurdamente mais macio e quentinho, era o peito dele, o incomodo que eu estava sentindo na orelha era um botão de sua camisa e o movimento e barulho constante que eu estava estranhando era a respiração calma dele dormindo profundamente e seu coração batendo.

Estávamos dormindo meio que atravessados como duas crianças pequenas, minha cabeça estava sobre seu peito, um braço meu também rodeava sua cintura e o outro estava em seu ombro, enquanto o resto do corpo estava todo virado para o lado contrário. Já ele estava dormindo reto, o braço em minha cintura e a outra mão segurando meu braço que o rodeava.

Eu fiquei imóvel e mesmo tentava respirar menos para que ele não acordasse também, porque queria ficar mais alguns minutos ali. Quem olhasse de fora provavelmente acharia graça do jeito que estávamos dormindo, mas para mim era um dos jeitos mais confortáveis que já havia dormido na vida, e eu não admitiria aquilo para Carl em voz alta.

Ele respirou fundo e eu aproveitei para me aconchegar a seu corpo, como alguém que abraçava um ursinho. Não me sentia estranha por estar fazendo aquilo, ou mesmo por estar apreciando, em verdade eu sentia uma tranquilidade, que se misturava com uma ansiedade estúpida quando eu o ouvia suspirar e as várias borboletas estavam em cena de novo.

Sempre fazíamos rodeios antes de nos aproximarmos demais, o normal eram beijos na bochecha, selinhos roubados e as mãos dadas e isso tudo com brigas, faces coradas e sarcasmo. Mas na noite anterior não havia tido qualquer aviso prévio para “vou te dar um beijo de boa noite”, e parecia tão natural estar dormindo com ele que eu não me importava – em outra época talvez eu acordasse e o agredisse, e riscasse o rosto dele com caneta permanente antes que acordasse (isso ainda parecia legal e eu o faria eventualmente) –, parecia que o universo também não, por sorte. Não era como no começo, quando nos beijávamos e riamos, fazíamos alguma piada, não. Beijávamos-nos, trocávamos olhares, voltávamos a nos beijar e isso bastava, e eu me sentia uma otária por pensar sobre isso.

Tomei um pequeno susto quando ele se moveu repentinamente, mas logo me recuperei, porque era normal que ele se movesse dormindo – eu o ouvia se mexendo às vezes, na cama de cima. Mas a mão que descansava sobre o meu braço foi colocada encima da mão que eu espalmava no ombro dele, e me perguntei se ele realmente continuava adormecido. Concentrei-me na sua respiração e notei que já era mais rápida e regular, e as batidas do coração também estavam mais fortes.

Bom dia. – falei baixo, para que só ele ouvisse.

Eu não vi, mas senti que ele sorriu ao me ouvir e logo disfarçou a alegria matinal, afinal ele era babaca o-cowboy-apocaliptico-mais-durão-de-todos, não poderia ficar transparecendo felicidade.

– Bom dia, Texas. – sua voz rouca era várias vezes mais interessante de ouvir quando ele não estava no beliche de cima, mas a centímetros do meu ouvido, e não estava mau humorado – Acordei você?

– Talvez, você não é o travesseiro mais macio de todos. – menti, dormiria ali todos os dias se pudesse, mas nem que me pagassem admitiria isso, não mesmo.

O som que ele fez para rir baixo foi provavelmente a coisa mais legal do universo naquele momento, e eu queria me enfiar num buraco e pedir para jogarem terra encima depois de pensar isso.

– Foi você quem quis dormir assim. – ele comentou com uma sombra de riso na voz.

– Foi? – me movi para conseguir olha-lo nos olhos com uma sobrancelha arqueada – Não minta, sentiu saudade do seu ursinho e teve que me abraçar.

Ele fez uma carranca que não durou muito quando eu comecei a rir, o que era raro pelas manhas. Carl riu também e usou a mão que estava segurando a minha outrora para afastar os cabelos do meu rosto com gentileza.

– Servir de travesseiro não era meu objetivo. – revirei os olhos – Não sei como consegui dormir aqui.

– Eu deveria ter cantando a abertura de Pokémon para você dormir ontem. – sorri quando ele soltou uma gargalhada surda e fechou os olhos – Não acordei nenhuma vez depois que peguei no sono, senão ficaria te fazendo companhia.

Ele sorriu de novo e mordeu os lábios, como se tentasse se reprimir. Seus olhos estavam entreabertos de sono, num azul muito claro e o cabelo estava bagunçado, o que não era exatamente incomum. Parecia na versão mais radiante que poderia existir dele, e ironicamente havia acabado de acordar.

– Acordei várias vezes, para checar se você continuava assim. – seu rosto corou ligeiramente – Eu me mexo muito dormindo.

Senti que também corava, então desviei os olhos para a janela e fingi que não estava sentindo as borboletas irritantes no meu estômago. Comecei a brincar com um botão da camisa dele para disfarçar meu constrangimento.

– Eu sei, você se mexe no beliche. – ele mordeu os lábios de novo – Deveria ter dormido mais.

– Não, estou bem. – voltei a olhar em seus olhos – Dormi muito com Charlie ontem.

Rimos lembrando os dois espalhados no pequeno saco de dormir – Carl tomando a maior parte, claro. Soltei o botão que eu segurava e apoiei-me para tomar impulso e me sentar.

– Que horas são? – ele perguntou esfregando os olhos de forma estupidamente adorável.

– Não sei, mas é bem cedo para Carl Grimes estar de bom humor. – cutuquei a barriga dele, fazendo-o se contorcer.

Carl não fazia o tipo que acordava disposto a aplaudir o sol e falar com os passarinhos, ele demorava a ter qualquer reação diferente de irritação ou indiferença a qualquer coisa que fosse dita ou feita por qualquer um. Vê-lo rir e confessar atitudes gentis naquele horário me deu vontade de coloca-lo numa caixinha e guardar, porque isso sim era uma dádiva do universo.

– Não é bom humor. – ele disse ainda apreensivo de que o cutucasse – Só parece que as coisas vão melhorar, mesmo que eu duvide muito.

– Meu Deus, Carl Grimes sendo positivo. – fingi desmaiar e deitei por cima dele de novo – Só pode ser a parte dois do fim do mundo.

Ele revirou os olhos e me encarou deitada no peito dele de novo, bem mais perto do rosto desta vez, o que me deu a oportunidade de mexer no emaranhado que era seu cabelo e começar a ajeita-lo com os dedos.

– É o efeito Hope. – falei convencidamente.

– Engraçadinha. – ri fazendo-o sorrir também.

Ficamos em silencio, minha mão ainda mexia em seus cabelos castanhos – bem mais claros na luz do sol – e ele, como esperado de Carl, logo começou a fechar os olhos em sinal de sonolência.

– Você fica bonita dormindo. – ele murmurou com uma voz mole.

– Porque dormindo eu não posso discutir com você e tirar sua razão com os melhores argumentos do mundo. – falei casualmente e ele mostrou a língua sem abrir os olhos.

Fiquei mais alguns segundos ali, vendo-o voltar a dormir devagar, e quando o sol já parecia esquentar meu rosto mais que o normal, deduzi que era hora de levantar e ir checar se tudo estava certo – eu podia dormir, mas sabia sobre as coisas ruins que poderiam acontecer enquanto meus olhos estavam fechados, a perturbação era constante mesmo que o sono durasse a noite toda.

Principalmente porque Noah não era uma das crianças dormindo ali, ele era mais um doente no bloco A, e provavelmente estava se sentindo sozinho mesmo que tenha dito que não sentiria. Perguntava-me se ele tinha conseguido dormir, se o chá o tinha ajudado e já se sentia melhor, ou se estava resistindo o melhor que podia na espera dos medicamentos.

Soltei o cabelo de Carl e me apoiei para levantar de novo, antes me aproximando para beija-lo na bochecha. Joguei a manta por cima dele antes de sair da sala tentando fazer o menor barulho possível e encostar a porta.

O corredor repleto de papeis ainda parecia o mesmo da noite anterior, e me perguntei se Beth já havia acordado ou mesmo se havia dormido. Provavelmente não, porque Judith a preocuparia a noite toda e depois acordaria cedo como qualquer bebê faminto.

Fui até a porta de entrada e a abri para olhar se o dia estava tão ensolarado quanto parecia, e sim, estava. O céu vibrava em azul sem uma nuvem sequer, e eu odiava não poder enxergar as cercas dali, porque pelo menos teria alguma garantia de que nada havia desmoronado durante a noite, mas nesse mundo um céu azul não garantia mais um bom dia, mas um dia em que você não precisaria se esconder só dos errantes, mas da chuva também.

Pensar que estávamos ali por causa de um vírus mortal – como se um já não bastasse – deixava-me realmente indignada. “Não vou morrer para essa merda” é o que Noah havia dito, passamos por tudo aquilo para chegar até ali e sermos massacrados por uma gripe suína?

Passara-se um dia e os medicamentos ainda não haviam chegado, e também não havia modo de saber se estavam chegando. A única coisa que sabíamos era que o tempo estava passando para todos nós, aparentemente mais rápido. Rick estava fora para uma busca, acompanhado de Carol, mas alguém viria nos avisar se os remédios chegassem ou algo ruim acontecesse – eu esperava que sim, pelo menos.

Uma brisa fria me atingiu e eu arrepiei, saindo dos devaneios preocupados para de repente lembrar-me de uma coisa e automaticamente levar a mão a cintura. A cinta do coldre estava lá, mas a arma estava guardada na sala junto com a de Carl. Havia tirado na hora de contar a história e me esquecido dela. Esse era um luxo que podia ter, até então.

Resolvi entrar e esperar as crianças acordarem para comerem alguma coisa, então fechei a porta e me voltei para o corredor, mas não precisei andar até lá, porque Carl saiu da sala de olhos arregalados, arrumando a arma que já residia de novo em sua cintura.

– Temos um problema. – ele disse enfaticamente, e eu só pude pensar: mais um?

Ele deu meia volta e eu o segui até sala, onde todas as crianças já estavam acordadas, sentadas nos sacos de dormir, imóveis com olhos assustados, olhando todos para o mesmo lugar: Charlie.

O menino estava ofegante, olhava para as mãos com uma expressão num misto de surpresa e terror, e ninguém me precisou dizer nada para que eu entendesse, porque Charlie logo começou a tossir com as mãos na boca de novo, e pude ver quando o sangue sujou seu rosto.

Droga. – olhei para Carl, e ele parecia tão aterrorizado quanto eu.

Aproximei-me de Charlie, ficando agachada em sua frente e checando suas mãos e sua boca ensanguentadas, vendo-o sentir o gosto do sangue sem entender porque estava saindo. Encostei uma mão em sua testa e não demorei em constatar que ele estava febril.

– Charlie. – tentei não parecer desesperada – Quando começou a tossir?

– Eu acordei assim. – ele respondeu, com uma voz embargada.

– Ele acordou e começou a tossir e o sangue saiu. – Carl explicou com urgência, ficando em pé ao meu lado – Estava se sentindo bem ontem?

Charlie abaixou a cabeça e pareceu pensar um pouco, então nos fitou de novo e seus olhos já estavam cheios de lagrimas.

– Estava me sentindo meio quente à noite, mas achei que não era nada. – deu de ombros e a primeira lagrima caiu.

Carl e eu compartilhávamos da mesma expressão perdida, não tínhamos ideia do que fazer, qual era o primeiro passo. Ele acabou tomando a iniciativa e estendendo uma mão para Charlie, para ajudar a levantar-se e decidirmos o que seria feito, mas fui rápida e segurei a mão dele antes.

– Carl... – ele entendeu o que eu queria dizer quando a mãozinha vermelha de Charlie se aproximou, logo se afastando disfarçadamente.

Numa hora estávamos acordando no que parecia ser um dia bom, e no outro estávamos acudindo uma criança tossindo sangue, tentando mantê-la longe das outras sem fazer parecer que ele era um pedaço de carne infectada. Quando o ajudei a se levantar e as outras crianças o lançaram um olhar de compaixão em silencio, ele pegou minha mão e a apertou como se buscasse algum apoio. Carl me olhou apreensivamente, e eu apenas desviei os olhos.

Convenci-o de que era melhor que eu levasse Charlie para lavar as mãos e a boca, enquanto ele ficava com as outras crianças para acalma-las.

– O que foi, Hope? – Charlie perguntava enquanto eu lavava suas mãos – O que vai acontecer comigo?

– Nada, querido. – sorri desejando parecer tranquilizadora – Vai ficar tudo bem, é só uma tosse.

– Igual à mamãe? – ele fungou.

Igual à mamãe. – respondi.

– Eu vou ficar com ela agora? – a possibilidade pareceu acender algo em seus olhos.

Hesitei em responder por que não sabia qual era o estado da mãe dele, se ele poderia ficar junto dela no bloco ou se ela continuava no lá. Tive medo de dizer que sim e ter uma má noticia quando chegasse lá – outra, por sinal. Ele me encarou com um olhar temeroso quando demorei em falar, parecia entender o que estava acontecendo, mas queria que eu acreditasse que não.

– Vamos ver. – disse por fim, e ele assentiu parecendo mais calmo depois disso.

Pedi que ele entrasse de novo na sala e vi quando Carl conversava com Carly, que aparentemente estava chorando – provavelmente porque entendia melhor a situação e parecia gostar bastante de Charlie –, ele segurava as mãozinhas dela como se estivesse explicando o que aconteceria a seguir. Mika estava enrolando o saco de dormir de Charlie e colocando seu ursinho na bolsa, e quando trocamos um olhar na porta ela sorriu compreensivamente.

Chamei Carl para fora a fim de dizer o que faríamos agora, então ele soltou as mãozinhas da menina e sorriu gentilmente para Charlie quando passaram um pelo outro. Já estava com seu chapéu de xerife na cabeça, como se ele fosse o que o tornasse um homem pronto para tomar decisões e cuidar de problemas. Ele se aproximou de mim na porta e trocamos um olhar que foi suficiente para que ele entendesse o que viria a seguir.

Só porque achamos que as coisas melhorariam, pensei.

– Você não pode ir. – disse o mais baixo que pode quando nos aproximamos – Está se colocando em riscos demais.

– Eu já estive lá ontem, é mais seguro que eu vá de novo. – falei autoritariamente, porque não havia discussão – Você sabe que é.

Já estivera em contato com o vírus no bloco D, diretamente com o sangue infectado de Ângela que estava em Noah, e depois no bloco A rodeada de doentes, não fazia mais diferença. Se eu tivesse que pegar algo já deveria ter pegado àquela altura, e até então não havia sentido nenhum sintoma.

– E se você pegar? – perguntou arregalando os olhos, mostrando que a possibilidade já o aterrorizava.

– Se eu pegar? Carl, você praticamente carregou o Noah quando ele estava jorrando sangue, estava com Charlie o tempo todo ontem, acha que estou preocupada comigo? – arqueei as sobrancelhas.

– Devia, porque eu beijei você. – declarou de forma urgente – Dormimos juntos.

– Ótimo, vamos os dois pegar e não vai importar porque os remédios vão chegar logo, ficaremos bem. – dei de ombros, mas meus olhos se umedeceram – Noah ficará bem, Charlie, Glenn, todos nós.

Encaramos-nos por segundos sem falar nada, ele ainda não parecia de acordo que eu fosse, mas nada me faria mudar de ideia. Dissera as ultimas palavras com muita convicção tentando passar uma confiança e controle que eu não tinha – me faltava mesmo o otimismo, mas não deixaria transparecer.

– Não sabe se vão chegar hoje, Hope. – Carl disse já se mostrando menos resistente.

Precisam chegar, Carl. – conclui, colocando uma mão no ombro dele – Não temos tempo para ser pessimistas, passaremos por isso sem perder mais nenhum dos nossos.

Escorreguei a mão pelo braço dele e apertei sua mão, ele retribuiu o aperto e nós dois olhamos para Charlie, colocando a pequena mochila nas costas e trocando algumas palavras com ou outros que não conseguimos ouvir.

– Ele vai ficar bem, só está tossindo e com febre, se fosse pior estaria soando e vomitando. – Carl assentiu, acreditando em minhas palavras provavelmente porque tinha visto o estado de Noah.

– De qualquer forma, essa coisa é uma merda. – disse por fim, e só pude concordar.

Logo eu estava com o lenço preto amarrado ao pescoço e arma no coldre balançando como um chaveiro pesado, Carl instruía as crianças para que fossem lavar o rosto e Charlie não saia de seu lado e parecia disposto a continuar seguindo-o enquanto não fosse hora de ir, mesmo que não pudesse toca-lo.

As crianças pararam na porta e olharam para o garotinho que agarrava a calça de Carl, e nós dois os motivamos a dizer um “até logo” para Charlie, explicando que assim que melhorasse estaríamos juntos de novo.

Deixei que eles saíssem para fazer a higiene matinal, parabenizando-os na porta pela atitude gentil que haviam tido com o amigo doente, mesmo que tivesse sido um tchau bem tímido. Quando me voltei para Carl e Charlie de novo, ele entendeu que já era a hora de ir e apertou mais a mãozinha na calça, isso me fez lançar um sorriso breve para o alvo de seu afeto.

– Você não vai com a gente? – ele perguntou com o semblante triste.

Carl hesitou e procurou apoio em mim com um olhar, então se agachou para ficar da altura dele e tirou o chapéu, Charlie não teve outra escolha senão segurar na manga da camisa dele. Aproximei-me para ficar em pé ao lado deles, para ajudar Carl caso precisasse.

– Eu não posso ir dessa vez, alguém tem que ficar aqui cuidando das coisas, não é? – explicou, Charlie balançou a cabeça e tossiu – Não precisa se preocupar, a gente vai se ver logo.

– Quando? – ele perguntou com expectativa.

– Quando você ficar melhor. – ele disse com um sorriso como se isso fosse ocorrer logo – Os medicamentos estão chegando.

Fiquei surpresa pela confiança com que Carl proferiu aquelas palavras, esperava que ele tivesse acreditado em mim e não as dizia da boca para fora.

– Seja corajoso. – ele estendeu o punho, como se dissesse “bate ai”, e foi o que Charlie fez – Hope vai te levar até lá dessa vez.

– Vou ser. – disse tentando parecer mais animado do que realmente estava, parando um pouco para tossir de novo antes de soltar a manga de Carl e se afastar – Vamos logo, Hope, eu quero ver a mamãe.

Deixei que ele tomasse a frente e se dirigisse para porta a passos rápidos e cabeça baixa – suponho que para esconder as lagrimas que poderiam cair na frente de Carl –, como se pensasse que quanto mais rápido fosse, mais rápido poderia voltar. Olhei para Carl e ele apenas suspirou, me lançando um sorrisinho que deveria me motivar de alguma forma – mesmo que talvez ele não estivesse tão crente assim. Deixei que beijasse minha bochecha coberta pelo lenço e segui Charlie, que antes de passar pela porta deu mais um aceno.

Fomos nós para o bloco A, lado a lado, e na ausência de Carl ele parecia muito mais cabisbaixo. Ele parava para tossir algumas vezes e na maioria precisava cuspir sangue, e isso me angustiava quase tanto quanto quando vi Noah em seu estado completamente debilitado. Numa das paradas eu me abaixei para checar sua febre, que continuava alta, e imaginei o quanto ele estava se sentindo mal, mas não deixava que isso transparecesse.

Quando chegamos no bloco passamos pela entrada principal e os corredores, até a porta de ferro que levava as celas, onde bati algumas vezes e chamei por Hershel.

– Hershel? – chamei de novo, confusa por ele demorar tanto – Há algo errado.

Fiz um sinal para que Charlie permanecesse onde estava e empurrei a porta, a outra mão estava pousada no punho da arma, e assim que ela se abriu me arrependi de não ter aguardado.

Puxei Charlie para trás de mim, de forma que ele não pudesse ver nada. Havia uma mulher no chão – provavelmente, agora só um corpo – e todos os outros doentes estavam para fora da cela, vendo aquela cena deprimente. Noah também estava para fora, olhando tudo da escada, estava fraco e verde. Sasha estava ao lado da mulher, tentando levanta-la, mas ela estava tão debilitada quando qualquer um ali.

Hershel logo apareceu, com os olhos arregalados, completamente chocado com a cena trágica, e por ver todos os doentes do lado de fora. Ouvi quando ele mandou-os voltar para as celas, e sabia que não queria que vissem isso. Era como se um pedaço da pequena linha de esperança deles fosse cortada naquele momento.

Ele logo me viu, e viu Charlie entre minhas pernas, e com um sinal urgente me mandou ficar parada, foi então que percebi que não era só porque havia um corpo no meio do corredor. Forcei a visão para enxergar melhor, e mesmo que o rosto da mulher de cabelos cacheados estivesse coberto do sangue que ela cuspira, ainda era reconhecível. Era Júlia, a mãe de Charlie.

Tive um momento de desespero, imóvel, sem saber o que fazer. Minhas mão que prendiam o pequeno garoto atrás de mim começaram a tremer um pouco, então me desvencilhei dele e encostei a porta, me virando para encara-lo.

– Hershel está... – comecei, e tive que controlar minha voz esganiçada pelo pânico – Ocupado, teremos que esperar um pouquinho.

– Espero que ele não demore. – Charlie disse parecendo cansado.

Agachei-me na frente dele, e comecei a me sentir tão mal emocionalmente, que fiquei nauseada. Era como se tivessem dado um tiro ou uma flechada em Charlie, e só eu pudesse enxergar, e só eu pudesse sentir. Não sabia o que dizer, não sabia como olha-lo, não sabia se deveria olhar. Tinha medo de que ele pudesse saber se me encarasse.

– Esta sentindo alguma coisa? – perguntei para cortar o silencio que parecia me massacrar mais.

– Frio. – ele disse, então tirei o moletom do Texas Rangers e coloquei envolta dele, amarrando as mangas para que não se soltasse – Obrigada.

– Sem problemas, só esta com febre. – falei, ainda sem encara-lo nos olhos.

– Será que ele vai demorar muito? – perguntou, então disse o que eu temia – Eu quero ver a mamãe.

Fiquei imóvel novamente, olhando para o chão. Desta vez era como se uma flecha estivesse entrando em meu peito com movimentos circulares, dilacerando o controle de minhas emoções. Eu não poderia dizer que sua mãe estava morta, não eu, não naquele momento. Sem que eu percebesse e pudesse freá-las, as lagrimas silenciosas começaram a cair e tentei seca-las rapidamente.

– O que foi? – ele perguntou assustado – Porque esta chorando, Hope?

– Sinto falta da minha mãe. – menti, fingindo um sorriso em meio as lagrimas estúpidas.

– Desculpe. – falou com surpresa, então se aproximou.

Inesperadamente me abraçou forte, colocando a pequena mãozinha sobre meu cabelo e afagando como se eu fosse um gatinho perdido. Ele ficava mais alto quando eu estava sentada, e isso foi de grande ajuda porque não queria que visse como eu chorava.

– Eu sinto muito. – disse, e fungou.

– Sinto muito também, querido. – falei de forma embargada – Sinto também.

Mesmo depois de desfazer o abraço ele segurava meu ombro, como um apoio silencioso. Eu só queria me desculpar por estar sendo tão fraca com ele, tão inútil. Estava vendo seu ferimento aberto, mas não havia coragem para avisa-lo.

– Foi assim que o Carl se sentiu. – constatei.

Antes que eu pudesse explicar o que estava dizendo, a porta atrás de mim se abriu e precisei me levantar para encarar um Hershel pálido, e balançar a cabeça para informar que não, não havia dito nada para Charlie.

– O que fazem aqui, crianças? – perguntou baixo.

– Charlie pegou. – tentei controlar a voz novamente – Rick não esta ai, tive que trazê-lo.

Ele assentiu, então estendeu uma mão para que o garoto entrasse. Antes tentou me devolver o moletom, mas deixei que ficasse com ele. Acenamos um para o outro antes que ele sumisse atrás de Hershel, e a expectativa em seus olhos estava acesa, ansioso para ver a mãe que não resistira.

Hershel me olhou tristemente, estávamos juntos compartilhando da mesma dor.

– Não queria que nenhum de vocês visse isso. – ele abaixou a cabeça – Não queria.

– Noah? – perguntei, tentando impedir que outras lagrimas caíssem. – Ele parece do mesmo jeito.

– Ele queria ajudar a levantar Júlia. – respondeu com pesar – Esta fraco, mas o chá parece ter feito algum efeito.

Assenti um pouco aliviada, aquela parecia ser uma noticia boa depois do que eu havia presenciado, mas ainda não reprimia o sentimento devastador.

– Precisamos ser fortes, os remédios vão chegar. – falei – Não pode deixa-los perder a esperança.

– Vou fazer o melhor que puder. – ele tocou meu nariz gentilmente.

– Você já faz. – respondi, com um sorriso breve para encoraja-lo.

Deixei que ele fechasse a porta e antes que mais alguma lagrima caísse, corri de volta para o prédio administrativo, batendo a porta ao entrar e esperando não ter feito muito barulho, porque não queria que Carl me visse daquele jeito, mas não tive escolha, ele estava sentado no chão, encostado na porta na frente da entrada, me encarando assustado.

– O que houve? – perguntou.

Hesitei em falar, mas acabei por me aproximar e sentar ao lado dele, esfregando os olhos para tentar aliviar a cara de choro. Ele me encarava sem entender, eu parecia tão fraca, e isso me irritava, e com razão perturbava Carl também.

– Onde estão as crianças? – perguntei – Porque não esta junto delas?

– Estão na biblioteca, precisei vir respirar sozinho. – explicou, então se aproximou mais de mim como se quisesse cochichar algo – Não fuja de mim, o que houve?

– Quando chegamos tinha um corpo no chão. – funguei – Era a mamãe dele.

Carl continuou a me encarar seriamente, piscando várias vezes, parecia não estar absorvendo o que eu acabara de dizer, ou talvez tentasse processar a informação. Vi, em silencio, seus olhos se encherem de água, e ele continuar piscando para conter o choro. Como eu, ele não sabia o que dizer a seguir.

Quando havia dito a Charlie que era assim que Carl havia se sentido, estava me referindo ao fato de que ele precisou contar ao pai que Lori estava morta, e assistir seu sofrimento que com certeza fora devastador.

– Mas que merda. – disse, e fungou também.

– Não deixei que Charlie visse aquilo. – balancei a cabeça – Ele não sabe, não sei se Hershel será capaz de contar.

– Não podem contar a ele. – Carl passou a manga da camisa nos olhos – Ela era só o que ele tinha.

– Ele tem todos nós. – coloquei uma mão sobre a de dele – Ficará bem.

Ficamos vários minutos em silencio, olhando para o nada, fungando e acariciando nossos dedos juntos no chão frio. Depois de uma morte, qual era o próximo passo? Como seguir depois de ver a vida de alguém se esvaindo sem lutar, e chorar não só por esta perda, mas pela dor de um garoto de cinco anos que mal entendeu o que houve com o mundo enquanto ele brincava?

– Mas se ela tivesse esperado mais um pouco. – ele se virou – Eles estão chegando.

– A morte não é assim, Texas. – ele disse, com pesar – É como um tiro na cabeça, não vai sair se não for sua hora, e não vai desviar porque você não merece. É uma bala, não existem mais de duas para uma pessoa, ela simplesmente te acerta quando tem que te acertar.

Fiquei admirada pelo jeito como Carl falou, surpresa por ele ter um tipo de filosofia quando o assunto era morte. Mas é claro que ele teria, uma vez que já havia assistido tantas, e as piores.

– Chamam isso de destino. – falei, sorrindo sem humor.

– Não tem essa coisa de destino. – ele deu de ombros – Nem essa de fugir da morte, ela não vai ficar correndo atrás de você.

– Ela anda ao seu lado. – completei, fazendo com que ele me encarasse.

– Mesmo que a esperança também ande. – foi a vez dele de sorrir sem humor – Noah está bem?

Lembrei-me da visão de meu irmão, assistindo uma morte quando ele mesmo me havia dito que a sua parecia tão próxima. Estava fraco, solitário, e eu me sentia como uma espectadora da dor. E claro, da bala morte, que eu faria o possível para desviar dele se tentasse acerta-lo antes que a minha própria me levasse.

– Na mesma. – ele apertou minha mão – Ele viu aquilo, e todas as outras pessoas também.

– O realismo dói, mas como eu disse, não vai matá-las. – apertei a mão dele de volta.

– Realismo é diferente disso. – insisti – Aquilo foi ruim de verdade.

Enterrei o rosto entre os joelhos, sem saber como explicar a sensação que aquela cena havia me proporcionado.

– A esperança delas é o que ainda restou aqui fora.

– O amor é o que restou aqui fora, junto com a destruíção. – apertei a mão dele de novo.

Entendi o que ele quis dizer, a vontade que as pessoas tinham de sobreviver não era por elas, mas por quem amavam. Carl não disse mais nada, só ficou me encarando daquela forma que eu jamais consegui compreender, mas que não questionei. Talvez a palavra “amor” tenha causado seu silencio repentino. Mas não durou tanto.

– Amor e morte. – disse, pronunciando com cuidado – Parece uma linha tênue.

Antes que eu pudesse afirmar que não apenas parecia, mas era de fato uma linha tênue, Mika apareceu no corredor para checar se eu já havia chegado porque queria perguntar de Charlie. Omiti a morte da mãe dele, porque talvez ele não quisesse que tocassem nesse assunto quando voltasse para junto dos amigos.

O resto do dia passou em silencio na biblioteca, eu e Carl numa angustia perceptível pelo fato de que não havia mais informação nenhuma, não sabíamos o que estava acontecendo do lado de fora, principalmente depois da cena que havia presenciado no bloco A. Quantos mais haviam caído? Os remédios haviam chegado? Rick havia chegado? Ninguém nos dizia o que estava acontecendo quando nós queríamos fazer o possível para ajuda-los, mas estávamos sentados atrás das estantes enquanto as crianças liam, olhando um para o rosto do outro.

Carl me havia informado de que Rick já tinha retornado e enquanto estava fora conseguira algumas frutas para as crianças. Ele também dissera algo sobre não importar o que ele diga para o pai, porque não parece fazer diferença. Admito que não havia prestado muita atenção, uma vez que minha cabeça estava cheia.

Passei o que pareceu uma hora encarando os olhos de Carl, recontando várias vezes os riscos azuis de vários tons e as sardas do nariz dele enquanto ele ficava mexendo na arma de forma inquietante, tirando e colocando o carregador, montando e desmontando, quase uma atividade normal para se passar o tempo. O barulho que o atrito das partes da arma faziam me perturbou depois de um tempo, quando a tirei das mãos de Carl e devolvi ao coldre.

– Desculpe. – ele murmurou – É que você não para de me olhar.

– Desculpe. – murmurei também, corando – Não sei o que fazer agora.

– Olhar crianças, é o que fazemos agora. – ele disse com desdém, fazendo com que eu revirasse os olhos – Não negue, está frustrada também.

Desviei os olhos dos dele, porque isso tirava minha coragem de dizer as coisas. De qualquer forma, era mesmo visível a minha frustração, mas não queria começar outra longa discussão sobre de que forma estávamos ajudando.

– Sobre o que você disse antes. – voltei a olha-lo – Amor e morte.

– Linha tênue. – ele completou.

– Sim, e eu sei o que você pensa. – ele levantou uma sobrancelha – Amor e morte é uma linha tênue para você porque acha que tudo o que ama está destinado a morrer antes de você.

Ele absorveu o que eu havia dito, porque aquela era de fato a opinião dele, eu já sabia disso, mas enfim, não deixei que ele tomasse a palavra.

– Não precisa ser assim. – dei de ombros – Amor não é a morte, sabe.

– Às vezes é. – suspirou, e eu entendi o que queria dizer.

– Só quando ele parte seu coração. – dei de ombros.

– Você acredita nisso? – perguntou.

– Sim. – ele assentiu – Porque acha que muitas pessoas, como você, se recusam a admitir que amam?

Carl balançou a cabeça como se concordasse, mas depois sorriu daquele jeito irônico e disse:

– Porque não queremos partir nossos corações. – concluiu, usando da frase em primeira pessoa – Como sabe que eu estou apaixonado?

– Eu não disse isso. – arqueei a sobrancelha – Mas você está?

Ele corou como um tomate e abaixou a cabeça, o que me fez corar também. O que me intrigava era o fato de que podíamos ser tão maduros falando sobre mortes e todas essas coisas ruins, mas agíamos como duas crianças quando falávamos sobre sentimentos.

Parecia que o mundo havia parado para que Carl Grimes dissesse suas próximas palavras, pelo menos para mim. Eu não desviava de seus olhos azuis que estavam claros e dilatados, e já estava começando a me julgar estúpida por parecer tão intrigada. Mas enfim, eu estava mesmo, o que era uma porcaria.

Ao esperar por sua resposta notei que estando com Carl parecia que as coisas lá fora não estavam tão ruins, e eu poderia ficar tranquila pelo menos enquanto ele sorrisse e levantasse sua sobrancelha irritante.

Minhas esperanças de receber uma resposta verbal naquele momento foram eliminadas quando ele me encarou de volta, estava nítido em seu rosto que ele se negava a dizer, a admitir. Ou talvez ele não estivesse apaixonado, e isso não foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça.

– Eu não sei. – simplesmente disse – Isso é ruim?

– Não. – balancei a cabeça, então sorri – Eu só fiquei curiosa.

– E se eu te perguntasse? – olhei surpresa para ele – Hipoteticamente falando.

Tive vontade de rir com o uso da palavra “hipoteticamente”, mas ele estava sério e ficando bem vermelho, então me contive.

– Eu hipoteticamente não te responderia. – ele revirou os olhos – Você não quer me dizer, porque eu diria?

– Você não sabe. – disse autoritariamente – Também não faz ideia do que é o amor.

Arqueei as sobrancelhas desafiadoramente, e sem nenhum aviso prévio me aproximei e o beijei. Um selinho que durou três segundos, algo quase normal para nós dois quando estávamos em momentos normais, e me separei rapidamente, voltando a minha postura encostada na estante. Vi o rosto dele praticamente ficar em chamas e os pelos dos braços se arrepiarem involuntariamente.

– Precisa me dizer o que sente, eu ainda não tenho o super poder de ler mentes, apesar de ser super legal. – não desviei os olhos dele, observando-o morder os lábios e fugir de mim.

– Hipoteticamente, quer saber como me sinto quando você faz isso? – perguntou por final, me fazendo suspirar.

– Cowboy. – dei um tapa em sua testa – Não é o que eu quero saber exatamente, mas pode ser.

Ele passou a mão atrás do pescoço como fazia quando estava com calor – o que me lembrava que eu realmente deveria cortar aquele cabelo – e pareceu procurar as palavras que melhor expressassem o que ele estava sentindo – eu poderia dizer que ele estava prestes a explodir.

– Você só acertou metade do que eu quis dizer com essa coisa da linha tênue. – revirei os olhos – Quando você faz isso, sinto que meu coração bate tão rápido que a qualquer momento ele vai parar e eu não vou conseguir respirar mais, e eu vou morrer, mas não me sentiria mal por causa disso, o que é muito estupido.

Fiquei imóvel, completamente surpresa e estagnada, sem saber como responde-lo. Amor e morte não eram uma coisa ruim, no final das contas? Era isso que ele queria dizer, e eu jamais adivinharia se não me contasse.

– Então eu quase matei você agora pouco? – ele me mostrou o dedo do meio, obviamente envergonhado, e eu só consegui rir.

– Não ria. – levantei as mãos, inocentemente – Agora vai me dizer o que sente?

– Você só precisa saber de uma coisa. – dei de ombros – Eu não vou partir o seu coração.

Levantei-me calmamente, fazendo Carl me olhar de forma mais surpresa ainda depois de eu ter declarado que não partiria seu coraçãozinho jovem, o que na verdade declarava muito mais coisas do que eu realmente pensava.

Dirigi-me para fora do pequeno quadrado de estantes que nos mantinha escondidos do resto do mundo, mas fui impedida pela mão forte dele que me puxou para trás de volta. Antes que eu pudesse pedir que ele me soltasse, Carl me beijou. Beijou-me de verdade, como na noite anterior, assim como naquelas cenas de filmes antigos que você tem vontade de vomitar só de ver.

Mas não tive vontade de vomitar naquele momento. A surpresa fez com que eu não resistisse. Ele soltou meu braço e ficamos os dois ali, parados em pé no meio daqueles livros empoeirados, nos beijando por sete segundos inteiros e mortais, porque ele lidava melhor com ações do que com palavras.

Quando enfim nos separamos, nos encaramos por o que pareceram minutos em silencio, mesmo que houvesse muito a ser dito. Eu podia ver o ar faltando a ele, e coloquei uma mão sobre o peito dele, sentindo seu coração bater freneticamente, quase saltando para fora. Uma quase morte.

– Porque sabe que não vou partir o seu coração? – perguntou seriamente.

– Eu não sei. – respondi.

– Nós somos melhores amigos. – balancei a cabeça – Mais o que?

– O que separa sua melhor amiga da garota que não vai partir seu coração? – ele me olhou com curiosidade.

– É outra linha tênue. – assenti, seriamente, sem a resposta que eu gostaria novamente.

Talvez não fosse a hora de ter uma resposta, para que soubéssemos o que nós éramos. Eu estava certa, ele estava certo, porque nós éramos muito jovens e hipoteticamente não sabíamos o que era amor, ou pelo menos não entendíamos seu real significado naquele momento. Mas entenderíamos, mais cedo do que mais tarde.

– Não importa agora. – decidimos, por final.

Mas em algum momento importaria, e importaria muito.

Saímos da nossa pequena redoma de livros e sentamos perto das crianças que continuavam lendo. Estávamos começando a nos inquietar internamente de novo por não receber nenhuma informação, olhando para os lados, procurando manter-nos ocupados.

Esperávamos que alguém chegasse a qualquer momento com um sorriso no rosto e dissesse que estávamos todos salvos, os medicamentos haviam chegado e poderíamos voltar ao bloco C. Mas não foi assim, porque o que chegou até nossos ouvidos foi o som de tiros, que obviamente saiam do bloco A.


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Notas finais do capítulo

UHU.