Hope for Us escrita por Lady Anne


Capítulo 3
Capítulo 3: Prisão, doce prisão


Notas iniciais do capítulo

O negocio é que eu escrevi o capítulo 2 e achei que a inspiração tinha acabado, mas não, para a felicidade de vocês kkkkkkkk
Mesmo que seja pequeno, acho que é como uma continuação do Prisão.
Espero que gostem ^^
Beijos, Anne.

Att:
Capizão atualizado, se divirtam! Beijo!
Anne. ♥



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Tomar banho debaixo de um chuveiro foi, sem duvida, a melhor coisa que eu fizera em meses. Precisei ser rápida, claro, por causa do racionamento, mas isso era o de menos, aquele banho de cinco minutos fora o melhor de todos. Meu cabelo estava molhado e não era pela chuva, o que era uma sensação maravilhosa.

Carl havia me dito que algumas das mulheres lavavam as roupas – o que me revoltou um pouco, afinal, porque apenas elas? –, mas não me importaria de lavar a minha própria roupa e coloca-la para secar, assim poupando o trabalho de alguém que com certeza deveria ter outras obrigações naquele momento.

Saí do bloco C e vi que já estava bem tarde, o céu começava a tomar tons de laranja e rosa e logo escureceria. Caminhei até o lugar onde lavavam as roupas, avistando já de longe uma mulher de cabelos curtos e grisalhos recolhendo algumas roupas. Imaginei que era Carol, Carl havia me falado um pouco sobre as pessoas com quem ele era mais próximo, e isso a incluía. Quando aproximei-me e ela me notou, parou de esfregar a frauda que tinha nas mãos e me olhou curiosamente.

– Eu acho que você é novidade. – disse, com um sorrisinho amigável.

– Sou sim, meu nome é Hope. – suas mãos estavam molhadas, então só levantei a minha num cumprimento simples – Rick me encontrou na ultima busca.

– Sou a Carol. – se apresentou, então percebeu que eu carregava minhas roupas – Pode deixar isso ai encima, estou lavando umas coisas da Judith e... Você a conhece, certo?

– Ouvi falar, a irmãzinha de Carl. – ela balançou a cabeça – Não se incomode, eu posso lavar, sério.

– É seu primeiro dia, não precisa, sério. – ela estendeu a fralda no varal – Pode continuar o tour pela prisão.

Ela veio até mim sorrindo e pegou as roupas gentilmente, depositando-as dentro de um balde vazio ao lado de um cheio de água.

Carol parecia ter feito aquelas tarefas desde tipo, sempre. Ela com certeza era mãe, ou pelo menos havia sido, porque era fácil reconhecer uma normalmente, e havia essa coisa materna e gentil nela. Mas mesmo assim, não parecia uma pessoa tão frágil, principalmente por estar ali ainda, vivendo.

– Obrigada. – agradeci, sem jeito – Você está aqui desde quando?

– Bem, estou com o grupo do Rick desde que tudo começou, como Glenn, Daryl. – ela deu de ombros – Éramos muitos, mas você já sabe o que houve.

– Sei. – afirmei – Então alguns de vocês fazem parte do clã original. – ela riu com o jeito que falei, provavelmente nunca tendo ouvido o termo “clã”.

– Acho que fazemos, sim. – ela tirou a camiseta do Texas do balde e começou a lava-la ali – Depois de nós veio Maggie, Hershel, Beth.

Eram muitos nomes, muita gente nova e muita história pelo o que havia percebido, e pelo visto não havia conhecido nem metade do que deveria.

– Só conheço Maggie, mas Carl me falou algo sobre a Beth. – “uma garota loira e adorável segurando um bebê adorável”, eu realmente queria vê-la.

– Ela é jovem como você, talvez vocês possam se entender. – sorriu de lado – Ah, lá está ela.

Virei-me e vi uma garota loira, definitivamente adorável, levando um bebê no colo que só poderia ser Judith, igualmente adorável. Beth balançava Judith e aparentemente estava cantando alguma coisa que divertia a criança, porque ela batia palminhas e se mexia, inquieta no colo da garota.

– Será que vou atrapalha-la? – perguntei à Carol.

– Tenho certeza que não, ela gosta de companhia. – ela me encorajou.

A garota estava andando em direção ao bloco C, talvez também dormisse ali, o que facilitaria as coisas se conseguir criar alguma amizade com ela.

– Acho que vou até lá. – falei, Carol assentiu – Obrigada de novo.

– Sem problemas, Hope. – fiz um pequeno aceno de novo e corri de volta para o bloco, onde a garota já havia entrado.

Ainda não havia gravado exatamente como chegar aos lugares que Carl me mostrara, e esperava que ela não tivesse ido longe por conta disso. Por sorte, ela não foi, porque assim que adentrei o bloco de celas pude ouvir o som, que provavelmente vinha dela. Uma voz muito, muito bonita, cantando uma musica doce que deveria servir para que a criança dormisse.

Segui sua voz até chegar a uma cela que ficava há três celas da minha, contando a de Carl. Apenas me aproximei, não cheguei a ficar no seu campo de visão porque não queria que ela parasse de cantar. Fiquei encostada na parede, escutando-a até que parasse de cantar porque ou a canção havia acabado, ou Judith havia dormido.

Então tomei coragem e apareci na porta timidamente, para que ela me notasse. Demoraram alguns segundos, mas ela levantou a cabeça e viu-me parada entreolhando ela e a pequena garotinha em seus braços. Ela me olhou surpresa, e não soube o que dizer, então tomei a liberdade.

– Desculpe. – não sei por que me desculpei exatamente, mas senti que precisava – Eu estava ouvindo você cantar.

Ela hesitou em responder, talvez envergonhada por saber que eu estava ouvindo-a secretamente.

– Tudo bem. – disse gentilmente – Mas quem é você?

Era tão bom ter gente querendo saber quem era você, na verdade era tão bom ter finalmente alguém que perguntasse coisas. Arvores e insetos não proporcionam exatamente um bate papo emocionante, e algumas arvores são bem ranzinzas.

– Meu nome é Hope, Rick me encontrou hoje. – expliquei, e ela pareceu compreender.

– Eu sou a Beth. – sorriu brevemente – Esta á Judith.

– Oh, eu sei. – respondi, então reformulei minha resposta – Que dizer, Carl citou você.

– Você já o conhece? – perguntou curiosamente, e eu me aproximei sentindo que aquela era a deixa certa.

– Na verdade, ele me encontrou primeiro que o Rick. – olhei para o chão – Foi ele quem me mostrou a prisão, há pouco.

– Ele foi gentil com você? – perguntou com um sorriso instigador, que me causou curiosidade.

– Não de primeira. – ela riu de verdade então – Isso é o esperado dele geralmente?

– Geralmente. – sorri de volta – Tem mais alguém com você?

– Não, estou sozinha há algum tempo. – dei de ombros, ela pareceu surpresa.

As poucas pessoas para quem eu havia dito que estava sozinha tinham feito a mesma cara de “mas o que?” que Beth estava fazendo, e eu não sabia se deveria me sentir subestimada ou aceitar normalmente e explicar de algum jeito.

– Você é bem jovem. – assenti.

– Acho que eu aprendi as coisas certas. – ela me encarava com seus grandes olhos verdes azulados – Não é fácil sobreviver, mas não é impossível.

– É admirável. – senti minhas bochechas corarem levemente – Que grosseria minha, porque você não senta?

Estranhei o modo como ela disse, tão cordialmente, o que não era normal pelo menos no meu lado da Geórgia. Com certeza ela vinha do interior, mais ainda do que Rick e Carl, tinha cara de garota da fazenda e eu diria isso para ela eventualmente. Me movi para dentro e me sentei numa cadeira ao lado da cômoda branca onde ficavam as coisas dela. Havia uma decoração interessante na cela, vintage cabia perfeitamente.

– Você tem algumas coisas bem legais aqui. – apontei para uma caixa de musica que não funcionava mais, mas ainda era linda.

– Obrigada, eu sempre peço para Carl, Rick ou Daryl... – ela fez uma pausa – Você conhece o...

– Daryl, cara da moto, esquilos, popular por aqui. – rimos juntas, eu havia acertado em tudo – Já ouvi falar, mas ainda não o conheci.

– Vai se assustar de primeira, mas você se acostuma. – assenti, cada vez mais curiosa para conhecer o tal Daryl Dixon – Enfim, eu sempre peço para trazerem alguma coisa legal e eles sempre são gentis e conseguem alguma coisa, até para pequena Judy.

A garotinha se remexeu nos braços dela e esfregou os olhos, eu quis tirar uma foto, mas não sairia correndo para pegar a câmera porque poderia perder o tom casual daquele momento que estávamos tendo.

– Todos parecem muito gentis. – sorri amigavelmente – Eu gosto de fotos, tenho algumas, quero colar na cela quando tiver oportunidade.

– Fotos suas? – balancei a cabeça – Você tem uma câmera?

– Polaroid. – falei o nome como se significasse algo grandioso.

– Pola-oque? – ela estreitou os olhos, então pedi licença e corri o mais rápido que pude até a cela e peguei a mochila.

– Roid. – respondi quando já estava de volta – O mundo acabou, mas ainda tem muitas coisas legais para documentar como o que parece ser o ultimo bebê dos EUA atualmente.

– Pensei que nunca mais veria uma dessas! – ela reconheceu a câmera negra com listas coloridas que eu segurava como um troféu – Quer uma foto da Judith?

Antes que eu respondesse ela ajeitou a bebê para que a câmera tivesse um bom ângulo, e rapidamente cliquei a foto, pegando a Judith e ela. Elas eram vitimas da primeira foto tirada na prisão, o que me deixava surpresa.

– Vocês são minha primeira recordação daqui. – peguei a foto que saia e sacudi para que secasse – Pensei que seria o Carl.

– Por quê? – ela arqueou as sobrancelhas.

– Não sei, eu gosto dos olhos dele e do jeito como aquele chapéu fica estupidamente legal. – dei de ombros, e quando a olhei ela estava rindo, o que fez minhas bochechas corarem – O que?

– Nada, na verdade você está certa. – balançou a cabeça.

– Não te conheço há cinco minutos e já estamos falando sobre garotos? – estreitei os olhos e ela riu abertamente.

– Você é engraçada, Hope. – balancei a mão como se dissesse “eu sei, eu sei” – Mas tem muito sobre Carl que você precisa saber.

Observei a foto que havia secado, Judith e Beth pareciam irmãs de primeira, mas logo que você olhasse mais cuidadosamente era possível enxergar os olhos azuis muito claros herdados de Rick em Judy. E vendo as duas juntas, me perguntei o que havia levado uma jovem como Beth decidir cuidar de uma criança como se fosse sua.

– Tem mesmo, e imagino se ele vai me contar. – passei a foto para ela.

– Nossa, eu estou horrível. – disse, mas estava sorrindo – Você é uma ótima fotografa.

Eu era bem curiosa, e assim que vi uma brecha agarrei a oportunidade de saber mais sobre o garoto Grimes e sua história aparentemente trágica.

– Obrigada, mas posso perguntar uma coisa? – ela assentiu – O que aconteceu com o Carl?

Ela fez uma pausa e olhou para o chão, como se recolhesse todas as memórias e selecionasse o que deveria me revelar. De fato deveria haver muito sobre Carl, e mesmo que Beth me contasse ali, eu ainda iria instiga-lo a depositar confiança suficiente em mim para contar.

– Vou te contar a versão resumida. – concordei – Lori teve o bebê assim que chegamos aqui, eu não estava presente, estávamos no meio de um ataque de errantes e acabamos nos separando. – assenti – Carl e Maggie estavam com ela, Maggie teve que fazer uma cesárea de emergência e Lori, obviamente, não resistiu. – seu semblante se tornou triste – Carl viu tudo, e...

– Atirou nela. – deduzi – Atirou na mãe dele para que ela não virasse uma dessas coisas.

– Sim. – assentiu tristemente – Foi exatamente o que houve.

Estava explicado porque Carl era tão defensivo, e eu não podia culpa-lo de forma alguma. Mas eu não teria essa coragem ou sangue frio, porque não fui capaz de atirar nem em meu pai, e provavelmente ainda não seria ainda. Os olhos deles haviam visto muitas coisas, coisas que eu não imaginava.

– Rick é um bom pai? – perguntei, mesmo acreditando que a resposta era sim, porque Rick aparentava ser um pai excelente.

– Eu acho que sim. – deu de ombros – Mas Carl nem tanto.

Não entendi o que ela quis dizer, mas antes que tivesse a oportunidade de responder ela olhou para alguma coisa atrás de mim com olhos alarmados, então contatei que o assunto estava parado bem atrás de mim. Era hora de fingir que nada havia acontecido e esperar que ele não tivesse ouvido nada.

– Então você não é da cidade, é? – perguntei, fazendo-a sorrir pela rápida mudança de assunto.

– Não, eu morava em uma fazenda com meu pai, irmãos e parentes. – guardei a câmera na mochila enquanto ela falava – O grupo de Rick foi parar lá depois que Carl levou um tiro.

– Você levou um tiro? – virei para trás com olhos arregalados e examinei o garoto parado atrás de mim, ele sorriu com meu espanto – Isso não é legal.

– No ombro. – indicou com a mão, e eu revirei os olhos – Nem doeu tanto.

– Aposto que desmaiou. – Beth riu, e com um gesto de cabeça me confessou que isso realmente havia acontecido – Eu disse.

Ele levantou uma sobrancelha e seu rosto tomou uma coloração rosada, estava obviamente bravo. Assim resolvi que era melhor parar de provoca-lo, por hora.

– Cicatrizes são legais, Cowboy. – falei – Mas não tive a chance de levar um tiro ainda, só tenho uma na perna e algumas nas mãos.

– Um dia desses eu atiro em você. – disse sorrindo cinicamente, e eu dei batidinhas amigáveis nas costas dele.

– Você já teve essa oportunidade, rapaz. – então me levantei e sorri para Beth antes de sair e me dirigir para minha cela.

Joguei minha mochila de volta no chão, me perguntando quando eu poderia tirar minhas coisas dali e declarar que aquele lugar era oficialmente meu – porque até o presente momento eu não permitia-me sentir tão a vontade. Talvez porque temesse cometer um erro e ser expulsa, mesmo que achasse pouco provável.

Ouvi os passos de Carl atrás de mim, e me virei quando senti que ele me encarava enquanto prendia meu cabelo num rabo de cavalo. Estava encostado na quina da parede exatamente como na cela de Beth, me olhando com a mesma expressão de “eu levei um tiro e nem doeu tanto”. Ainda estava um pouco vermelho, o que ignorei.

– Perdão? – ele arqueou a sobrancelha.

– Eu só queria saber se você tinha se arranjado. – deu de ombros – E eu não atiraria em você, lá na casa.

Sorri, definitivamente constatando que ele gostava de deixar tudo em pratos limpos. Ao me aproximar notei que ele era mais alto que eu, e foi uma sensação estranha estar confrontando-o naquele lugar pequeno.

– Estou legal. – ele assentiu – Eu também não atiraria em você.

– Certeza? – riu desafiadoramente – Você também não gostou muito de mim.

– Eu gostei dos seus olhos, foi o suficiente. – devolvi o desafio – Porque não atiraria em mim?

– Eu não sei. – deu de ombros – Você só não parecia ameaçadora.

– Você ainda não me viu com um taco de beisebol. – ele riu – Mas tudo bem, obrigada mesmo assim por ter me encontrado.

Aproximei-me dele gentilmente e beijei sua bochecha, aproveitando o que provavelmente seria minha única chance de maior aproximação. Tive que ficar na ponta dos pés para alcança-lo, e ele manteve sua postura defensiva, levantando um braço que se chocou delicadamente com o meu quando me aproximei.

Ao me afastar estava rindo, porque não sabia o que ele pensara que eu ia fazer quando na verdade ia só beija-lo. Seu rosto estava mais corado do que eu pensei que poderia ficar, e ele tinha ficado visivelmente tenso.

– Você faz isso com todo mundo? – desviei minha atenção para mochila de novo, para não constrangê-lo mais.

– Você beija todo mundo que não atira em você? – perguntou, um sorriso surgiu disfarçadamente em seu rosto.

– Não, mas se quiser eu não beijo mais você em especial. – arqueei as sobrancelhas – Se você não gosta.

Ele não soube o que dizer, só ficou me olhando enquanto eu desamarrava minha manta da mochila e colocava junto com o travesseiro que eu não fazia ideia de quem tinha arranjado, mas estava lá, exercendo sua função de ser muito macio e confortável.

– Ei, criança. – um homem alto e desgrenhado apareceu na porta de repente, segurando meia dúzia de esquilos presos por uma linha de barbante – Você parece estar pronto para explodir.

– Calado, Daryl. – Carl riu e se virou para ele – Vamos assar esses coitados hoje?

– Pode ter certeza. – ele balançou os esquilos, então olhou para dentro da cela e me notou ali – Quem é a garota?

Eu o analisei do mesmo jeito que ele me analisou, mas com certeza eu parecia mais amigável. Daryl usava um colete de couro por cima de uma blusa suja onde ele tinha claramente limpado sua faca várias vezes, tinha o cabelo até ombros, a barba rala e os olhos verdes estreitos. Levava uma besta na mão que não tinha esquilos, e quando ele se esquivou um pouco para me encarar, pude enxergar suas flechas guardadas num saco nas costas.

– Hope. – eu e Carl falamos juntos – Você é bem popular por aqui, Daryl.

– Ah é? – ele sorriu com deboche, depois se dirigiu para Carl de novo – Vocês a encontraram onde?

– Lado leste da cidade, você não esteve muito lá nas ultimas buscas. – Daryl assentiu.

Sai das sombras da cela e fiquei do lado de Carl, entreolhando ele e o cara dos esquilos. Ele parecia ter seus quarenta anos também, como Rick, mas havia muitas distrações para notar sua idade de primeira. Sua alma sem duvida deveria ser velha, e ranzinza só pelo jeito que ele estreitava os olhos para me olhar, mas parecia um cara legal pelo jeito como falava com Carl.

Antes que pudéssemos trocar mais alguma palavra, outro garoto alto e sorridente surgiu atrás de Daryl. Ele me fitou curiosamente por trás de seus óculos fundo de garrafa.

– Essa é a garota? – perguntou, vi Carl balançar a cabeça – Oi, eu sou o Patrick.

– Oi. – respondi um pouco constrangida pela atenção que estava recebendo – Sou a Hope.

Patrick parecia um daquele nerds viciados em Star Wars e cálculos matemáticos, mas também parecia gente boa, e devia ser uns três anos mais velho que eu. Era incrível o fato de que mesmo depois do apocalipse conseguíamos encontrar os tipos mais variados de pessoas e personalidades.

– Vamos, parem de olhar desse jeito a menina do beisebol e me ajudem com esses bichos. – Daryl disse, então começou a andar rapidamente balançando os esquilos.

Carl, Patrick e eu olhamos automaticamente para minha camiseta do NY Yankees, e eu só pude sorrir sem jeito. Patrick elogiou a camisa antes de sair com entusiasmo atrás de Daryl, animadíssimo para dissecar alguns esquilos. Carl me sorriu debochadamente antes de começar a andar também, o que não me dava outra escolha senão segui-lo.

– Você só tem essas? – revirei os olhos.

– Você só consegue ser um otário? – ele fechou a cara e olhou para frente, causando-me risos – Ainda não respondeu a pergunta que fiz antes.

E eu permaneci sem resposta, porque ele parecia ter se negado a proferir mais alguma palavra. Mesmo assim, enquanto andávamos para sei-lá-onde-estávamos-indo eu parava para olhar algumas coisas no caminho, como desenhos infantis grudados na parede e objetos de decoração inusitados, e ele sempre diminuía os passos para me esperar.

Acabei tendo uma aula de como preparar um esquilo com maestria, dada por Daryl inicialmente para os dois garotos, mas ele acabou se dirigindo a mim quando notou que eu não tinha nojo do que estavam fazendo. Observei Carl atentamente enquanto ele trabalhava, lembrando-me das revelações que Beth tinha me feito. Estava ansiosa para ter um momento a sós com ele e perguntar, gentilmente, sobre o que havia acontecido.

Também observei Patrick, com seu jeito engraçado de lidar com o esquilo e tratar Daryl com superioridade, além de chamar Carl de “jovem” várias vezes, até enquanto discutiam que órgão haviam acabado de tirar do pobre animal.

– Isso parece churrasco de família. – comentei, fazendo Daryl rir discretamente.

– Você teve sorte de chegar hoje, esses aqui pareciam estar me esperando. – ele bateu no esquilo com sua faca.

Acabei por ficar com eles só até terminarem de limpar o jantar e irem assa-lo, que foi quando reencontrei Beth – cantando outra canção bonitinha – e tive a oportunidade de carregar Judith nos braços enquanto ela ainda estava acordada. Beth aproveitara a deixa para sentar na escada do bloco de celas e escrever num caderno de capa preta, e não me atrevi a perguntar o que era.

Judith estava inquieta, e parecia disposta a ter uma conversa animada comigo, e eu usei minha melhor capacidade de fingir entender tudo o que ela estava me contando.

– Você conversa assim com todo mundo? – perguntei, e ela rapidamente respondeu com um som diferente.

– Ela parece ter gostado de você. – Beth comentou, rindo – Tem jeito com crianças.

– Eu tinha um irmãozinho, então não acho difícil. – Judith balbuciou alto, como se pedisse minha atenção de volta – Ele falava menos que você, mas também falava.

Lembrar de Noah ou de qualquer uma de minhas perdas já não era algo que me fazia querer sentar e chorar, já faziam anos e eu aprendera a superar e me manter firme na frente das pessoas e para mim mesma – mas ainda não doía menos, jamais doeria menos.

Noah tinha cinco anos quando nos separamos, quando tudo aconteceu. Eu não sabia o que havia acontecido, e não sabia se era melhor esperar que ele estivesse morto do que andando por esse mundo onde cresceria cercado de coisas ruins e mais cruéis do que o mundo antigo poderia nos oferecer diariamente.

– Quantos anos ele teria hoje? – perguntou cautelosamente.

– Oito ou nove, não tenho certeza. – não ter noção de data era algo perturbador – Ele era irmão por parte de mãe, meus pais eram divorciados.

– Ter pais divorciados deve ser algo bem difícil. – comentou e eu só pude concordar.

– No começo foi, porque papai ainda a amava mesmo com as brigas, mas superamos juntos. – dei de ombros como se fosse algo relevante – Tenho fotos do Noah, vou mostra-las a você.

Ficamos vendo minhas fotos velhas por um bom tempo – e tentando impedir que Judith mordesse-as –, comentando o quanto meu irmão era fofo, a variedade de joaninhas que eu conseguira fotografar e sobre como até os errantes conseguem um ângulo bom nas fotos. Isso até a hora do jantar, quando Patrick apareceu na porta com aquele jeito entusiasmado, nos chamando para provar um delicioso esquilo na brasa.

Foi quando descobri o refeitório da prisão, que fora iluminado com velas e uma pequena fogueira no centro do grande salão que era. Me sentei numa mesa com Carl, Patrick, Rick (ele estava com Judith desta vez) e um homem negro que até então eu não conhecia. Todos que dormiam no Bloco C estavam lá, e descobri que eles só se sentavam naquele lugar quando havia comida em maior quantidade – e naquele dia havia graças ao senhor Daryl Dixon, pessoal.

Beth foi se sentar com Hershel, Maggie e o rapaz coreano chamado Glenn que olhou minha camiseta e sorriu ao passar por mim.

– Você não é mais a Texas Rangers? – Rick perguntou com humor, enquanto impedia Judy de colocar a mãozinha em sua carne.

– Amanha talvez eu seja Boston Red Sox. – Patrick riu pelo nariz, já que mastigava um pedaço de esquilo.

– Você via beisebol antes disso? – balancei a cabeça.

– Via com meu pai, nos finais de semana. – percebi um olhar curioso dele, provavelmente porque era a primeira vez que falava de família.

Eu não notei, mas o lugar estava bem silencioso e as pessoas olhavam para mim de vez em quando, não de uma forma ruim, só intrigados com a novata que estava fazendo Rick Grimes rir.

– Prefiro futebol. – Daryl passou por nós e foi sentar-se à mesa da frente, sozinho, mas aparentemente muito confortável e a vontade.

– Onde está Michonne? – perguntei mais baixo para Carl, e ele nem me olhou para responder.

– Saiu, e eu espero que não demore muitos dias para voltar. – não entendi porque ela ficaria fora por dias, mas resolvi não perguntar mais porque provavelmente não era da minha conta.

Preferi me calar e começar a comer, enfim constatando que esquilo bem passado era realmente muito bom. Tomei a liberdade de observar as pessoas, e pegar algumas me olhando de volta, logo trocando alguns sorrisos com gente que parecia amigável. Carl jogou alguns milhos no meu prato de plástico – não havia pegado muito, porque me sentia grata demais para abusar até da comida deles – fazendo-me encara-lo envergonhadamente.

– Obrigada. – sorri e ele hesitou um pouco, mas me lançou um sorriso sincero e breve.

– Melhor comer logo, antes que o Patrick tente roubar esse milho. – respondeu, fazendo Patrick revirar os olhos.

Rick estava olhando para nós com um sorriso de canto, como se estivesse se divertindo silenciosamente. Senti que ele olhava mais para Carl, provavelmente surpreso com o gesto dele de me dar o milho e ainda sorrir depois. Judith tinha um dos milhos na mão, entretida por ele.

– Por que seu nome é Hope? – o homem negro, que eu descobri depois se chamar Bob, perguntou.

– Nunca perguntei ao meu pai, mas acho que foi só pelo significado mesmo. – dei de ombros, surpresa pela pergunta – Pelo menos eu sou a ultima a morrer.

Talvez meu pai tivesse colocado esse nome levianamente quando nasci, mas depois eu fiz jus ao significado, quando mamãe foi embora e eu fui a única do lado dele, a única esperança que ele tinha de ser puxado de volta à vida.

– Talvez você signifique algo bom para nós. – Patrick falou sorrindo ingenuamente, e eu devolvi o sorriso.

– Ela é uma garota, não um pé de coelho. – Carl respondeu mal humoradamente.

– E pés de coelho nem funcionam. – Daryl comentou na mesa da frente, fazendo todos rirem.

Terminei o jantar rapidamente, mas não deixei a mesa – bons modos até no apocalipse, a educação do papai Miller não será jogada fora –, troquei uma palavra ou outra com Rick sobre Judy, enquanto Carl havia pegado ela para que o pai pudesse comer finalmente. Não demorou muito até que ela se aquietasse nos braços dele, cada vez mais sonolenta.

Carl não parecia ter muito jeito com bebês, mas Judy gostava dele mesmo assim e se agarrava em sua camisa como se ele fosse um urso grande. Logo Beth apareceu e estendeu os braços para pegar a garotinha de novo, que praticamente se jogou no ombro dela e foi balançando para fora do refeitório, depois que as duas deram boa noite.

Eu me debrucei sobre a mesa e me foquei em não parecer sonolenta porque não queria sair daquela mesa. Escutando a conversa de Rick e Bob descobri que ele também tinha chegado a pouquíssimo tempo, e fora encontrado por Daryl, que ainda comia silenciosamente. Carl e Patrick falavam sobre uma bola de futebol pelo o que havia captado, mas não dei muita atenção para o que estavam falando, mas sim para a normalidade que reinava naqueles pequenos círculos de conversa dentro do refeitório, a tranquilidade misturada a certa fadiga no rosto das pessoas alimentadas.

Eu estava praticamente encantada com aquela simples junção de pessoas, unidas por esquilos assados improvisadamente e pelo apocalipse. Cada um tinha uma história diferente e trágica para contar, mas estavam ali conversando sobre bolas de futebol, hortas e alguma coisa sobre bíblia que não consegui entender quando Hershel falou.

Hershel, o fazendeiro médico pai de Beth, um cara idoso sem uma perna que ainda carregava sua bíblia por aí e conseguia manter sua família unida. Parecia um homem bom, do tipo com quem meu pai sentaria para conversar por horas, e eu mesma sentaria para ouvir algumas histórias, porque ele deveria ter algumas muito boas.

Maggie e o coreano estavam de mãos dadas, descansando o jantar e conversando entre sussurros como gente casada faz quando se lembram de que alguém precisa pagar a conta do telefone no dia seguinte.

Quando me voltei para minha própria mesa de novo notei que Carl estava debruçado também, me fitando, mas seus olhos estavam sonolentos e duvidava que ele tivesse energia para levantar uma sobrancelha irritante. Eu provavelmente estava pior, mas fazia mais força para não transparecer tanto.

– Você está cansada, Texas? – ele perguntou, e eu balancei a cabeça sem perceber que Rick também estava olhando.

– Está tarde, crianças. – ele checou seu relógio de pulso – Hoje foi um longo dia, você realmente precisa dormir.

– Nós precisamos. – Carl abriu a boca em um bocejo longo, e eu tive que me conter para não bocejar também.

Logo nós dois, eu e Carl, dissemos boa noite para todas as pessoas restantes no refeitório – Rick, Patrick e Bob acabaram entrando numa conversa emocionante com Daryl sobre como caçar esquilos de forma eficiente – e nos dirigimos para o bloco de celas. Rick também estava cansado, mas parecia estar se divertindo.

Eu estava seguindo Carl não porque eu achava que deveria segui-lo, mas porque eu não queria voltar sozinha para o bloco, e porque passar por todas aquelas pessoas desconhecidas no caminho seria um pouco constrangedor. Ele andava preguiçosamente ao meu lado, e eu só podia esfregar meus olhos para enxergar o caminho escuro que se entendia.

Nos separamos sem trocar uma única palavra, entrando nas nossas celas uma ao lado da outra como se sempre fizéssemos aquilo juntos. Ele talvez não se importasse em não dizer boa noite para a novata, e eu não me importava de ele ser assim.

Minha cela estava sendo iluminada apenas pela luz da lua que vinha das janelas gradeadas, então tive que pegar minha mochila para achar uma lanterna que provavelmente estava muito no fundo, o que não ajudou em nada naquela escuridão. Vi a cela de Carl se iluminar ao meu lado, e sua sombra aparecer no chão.

Foi então que ele saiu de lá e entrou na minha cela sem hesitar, me encarando por um segundo antes de apertar alguma coisa que fez um clique e a cela toda se iluminar. Ele trazia uma lamparina na mão, e uma expressão que dizia “olhe e aprenda”.

– Obrigada? – eu disse em tom de duvida, porque não parecia exatamente que ele estava me fazendo um favor.

– Use com sabedoria. – ele depositou a lamparina sobre a mesinha na frente da cama e voltou seus olhos para mim de novo – Boa noite, eu espero muito que você não ronque.

Eu ri e ele surpreendentemente riu junto, quando eu esperava que desse meia volta e andaria de volta para sua cela com seu andar preguiçoso. Antes que um silencio constrangedor se instalasse eu procurei algo para dizer, porque ele parecia estar a espera.

– Obrigada, por hoje. – seu semblante se tornou sério, e suas bochechas um pouco vermelhas – Por me encontrar, e não atirar, me aceitar, me deixar zombar da sua cara, te seguir por ai, e me emprestar uma lamparina.

– Esqueceu o “deixar eu te beijar”. – falou convencidamente, desviando dos meus agradecimentos.

– Você não deixou. – ergui as sobrancelhas, e um sorrisinho sem graça surgiu nos lábios dele – Você é bipolar.

– Você não me conhece. – disse autoritariamente, ainda com o sorrisinho – Mas não tem problema me beijar.

Revirei os olhos, mas sorri pelo tom baixo que ele tinha usado ao falar sua ultima frase e o rubor que havia tomado conta de suas bochechas. Ele não sabia, mas eu conhecia sim algumas coisas muito importantes.

– Boa noite, Cowboy. – aproximei-me e desta vez consegui beijar sua bochecha sem atritos, aproveitando para fazer isso mais demoradamente – Não se acostume.

Carl bufou de forma bem humorada e foi se voltando para trás devagar, como se estivesse relutante em ir dormir. Eu fingi indiferença para o fato de que ele estava me olhando enquanto eu soltava o cabelo para dormir.

– Obrigado pela revista em quadrinhos. – disse quando já estava quase fora – Eu vou ler agora.

– Não há de que. – respondi – Eu também leria alguma coisa, mas acho que vou aproveitar o fato de que tenho uma cama num lugar seguro agora.

– E esquilo assado. – sorrimos – Boa noite, Texas.

Deixei que ele fosse para a cela com uma expressão abobada no rosto, sentindo que eu mesma não estava muito diferente. Tirei os tênis e desliguei a lamparina – eu definitivamente a usaria com sabedoria –, enfim me deitando no colchão surpreendente confortável.

Respirei fundo e encarei o beliche de cima no escuro, pensando comigo que se tudo desse certo, eu teria aquela visão pelo resto dos meus dias. Talvez eu não quisesse tê-la pelo resto dos meus dias de fato, mas pelo menos por um bom e longo tempo cheio de calmaria.

Aquele lugar era mais que um refugio, era uma casa para aquelas pessoas, famílias, círculos, gente que não se encontraria nunca em outras hipóteses, mas estavam ali dividindo um lugar e sorrindo uns para os outros, e contando piadas sobre o jantar. Eu era parte da família? Pelo menos, esperava ter tempo para me tornar.

Eu esperava acordar na manha seguinte e me certificar de que a prisão, Carl e Rick Grimes não haviam sido só um sonho bom.

Narração por Carl Grimes

Entrei para minha cela sentindo o lugar onde Hope havia beijado em minha bochecha formigar agradavelmente. Eu não conseguia me ver, mas apostava tudo que parecia um idiota passando a mão na bochecha e tentando fixar na memória a sensação do calor da garota nova, ao se aproximar de mim sem hesitação mesmo quando eu me mantinha na defensiva.

O que eu havia notado, na verdade, era que ela conseguira derrubar minhas defesas como alguém que nocauteia uma parede de isopor. Desde o momento em que a olhei na casa, em que mirei minha arma para ela, soube que eu não poderia atirar em alguém que me olhava daquele jeito. Ninguém me olhava daquele jeito.

E ninguém tirava com a minha cara como ela também, e só precisei de horas ao seu lado para constatar isso. Precisaria trabalhar em minhas defesas se ela me seguiria por ai quando não tivesse nada mais produtivo para fazer.

Ouvi o clique da lamparina dela e sua cela se tornou escura como as outras, então quis desligar a minha para que ela não achasse que eu estava fazendo o que estava fazendo: parado em pé, encarando a revista do Batman como se fosse a coisa mais interessante da terra.

Mas antes que eu alcançasse o botão para desligar, meu pai saiu das sombras para a luz que era refletida da cela e me encarou por alguns segundos antes de sorrir sem dentes, daquele jeito que fazia difícil entender o que ele estava pensando.

– Você pareceu se entender com a menina. – comentou, e senti como se meu rosto ficasse em chamas.

– Ela é legal. – dei de ombros – Não sabia disso quando a encontramos.

– Não precisa ser assim sempre, filho. – desviei meus olhos para a revista de novo – Tem que abaixar a guarda de vez em quando.

– Já ouvi isso antes. – me sentei na cama e comecei a desamarrar as botas – Não se preocupe.

Ele encostou-se à quina da parede e encarou o chão, provavelmente sem saída, como eu sempre o deixava normalmente.

– Tudo bem, boa noite. – disse por final, se aproximando para bagunçar meu cabelo com uma mão – Eu não vou te dar um beijo também ou algo assim.

Afastei a mão dele e o encarei com uma mistura de surpresa, riso e indignação que o fez colocar a mão na boca para conter uma gargalhada.

– Eu vi aquilo, rapaz. – bufei com irritação – Sua sorte é que ela não fugiu de você mesmo que você tenha feito o possível.

– Pai, sai daqui. – falei, mas estava rindo.

– Certo, estou saindo. – levantou as mãos em rendição – Mas tenha cuidado, ela é uma boa menina, não seja rude.

Revirei os olhos, fazendo-o rir mais da minha cara, e mantive minha postura irritada até que ele sumisse de novo. Foi quando não consegui evitar um sorriso por ter aquela conversa boba com ele, e conversas bobas e leves não eram algo normal entre nós dois há muito tempo. Desde que mamãe morrera, precisamente.

Desliguei a lamparina e peguei a lanterna, me deitando para ler a revista que antes estava encarando como um idiota. Aquela garota era a primeira que havia se aproximado tanto de mim, que não havia ligado para o fato de eu ficar na defensiva. E o mais estranho era que eu gostava de pensar nisso, mas sabia que deveria tentar afasta-la de mim, porque eu acabaria machucando-a ou a assustando de alguma forma, porque eu não era legal o tempo todo, e não seria por causa dela.

Mas eu a queria por perto, queria acordar no dia seguinte e me certificar de que ela era real, e aquela sensação na minha bochecha também.


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