Hope for Us escrita por Lady Anne


Capítulo 1
Capítulo 1: O garoto e o Policial


Notas iniciais do capítulo

Primeira fic de The Walking Dead, espero que gostem e acompanhem. Esperem para saber mais sobre o passado de nossa Hope. Beijos, tudo de melhor sempre. Anne.

Att:
UHU! Capítulo reescrito, atualizado, gostoso, é isso aí gente, eu espero que vocês curtam! Obrigada as antigas leitoras que vieram ler e bem vindas todas as novas, VOCÊS SÃO ESTORO! Beijão!
Anne. ♥



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Eu estava viva. Naquele momento, pelo menos. Num mundo onde você poderia escolher entre morrer ou sobreviver (se realmente você pôde escolher, se você não foi devorado), eu escolhi sobreviver. Não sabia se fora a escolha certa até então, não sabia se valeria a pena, e não sabia até quando conseguiria mantê-la.

Poderia ter enfiado uma bala na cabeça, desistido como vários cidadãos mais fracos ou talvez mais sãos que eu. Mas achei que era cedo demais pra desistir, se ainda havia vida ao meu lado eu poderia viver, se eu havia sido capaz de derrubar um deles eu poderia derrubar mais, se houvesse só uma lata de milho para vários nós dividiríamos, acreditava que havia uma esperança.

Parecia estarmos vivendo a punição, a ira de Deus finalmente havia se manifestado chegando como a maré que sobe até a areia na praia, sem que notássemos, e foi tomando forma como um tsunami que surgiu em algum lugar e passou como uma grande e devastadora onda pelo mundo. Mas, como pegaríamos, como impediríamos o que não podíamos ver? Um vírus com o claro objetivo de dizimar nações inteiras, e tudo só precisava começar com uma mordida, com alguém. Eu acreditava em fé e num Deus, sinceramente, mas não sabia se era justa o suficiente pra prevalecer sobre o mundo que supostamente necessitava de ser gravemente castigado. Bom, o mundo continuava lá, e eu não estava sozinha, porque se uma garota de quinze anos sobreviveu no meio da desgraça, garanto que outros também conseguiriam.

Até ali havia deixado muito para trás, na verdade, tudo. Primeiro a parte materna da família, que havia ficado quando já não tínhamos como esperar por nada ou ninguém. Precisávamos continuar, era disso que eu sabia, era o que papai me dizia. Mamãe, Harry, Noah, Willian, ficaram todos há anos, e me perguntava se estavam vivos, se eu seria capaz de encontra-los. Mas talvez não fosse digna, havia os deixado, porque merecia encontrá-los?

Estive em grupos com outros, outros que infelizmente não tiveram a sorte (ou o azar) de sobreviver comigo. Fugir, fugir e fugir, é o que fazemos sozinhos até encontrar alguém pra fugir em companhia. E havia essa companhia, havia pessoas boas e as nem tanto assim, mas não menos merecedoras de estar onde estavam.

Três grupos, várias pessoas que eu tivera a sorte de encontram e o azar de presenciar a morte ou perder pelo caminho árduo que percorremos. Primeiro papai, a família e os amigos da fazenda no interior, onde ficamos por muito tempo e as coisas estavam bem, mas um aeroplano dos infernos, vindo sabe-se lá de onde, caiu no celeiro em um belo dia, e aquilo queimou furiosamente, matando todas as galinhas. Mas não precisaríamos mais delas, porque alguns dias depois vários deles apareceram juntos, e não havia armas para combatê-los. Tivemos que fugir pela segunda vez – sem o meu pai –, foi então que percebi que essa nova vida seria sempre um ciclo de fugas incansáveis.

Ainda havia parte da família e dos amigos, mas papai não estava mais conosco, e eu não gostava de lembrar como havia acontecido, a vida já era muito ruim para que eu trouxesse memórias a tona. Sobrara um casal de amigos, um casal de tios, tia Estela, uma prima pequena e um primo maior.

Sobrevivemos por causa do otimismo estúpido de uma garota de treze anos que insistia em não desistir da droga da vida que precisávamos viver se escolhêssemos continuar, que no caso era eu. Papai havia morrido, e eu precisava superar aquilo, porque como dito antes, se havia vida havia como viver, e foi nisso que os fiz acreditar. E nós vagamos, paramos, voltamos a vagar diversas vezes. Estávamos numa área boa, por sorte, ainda era interior e eles vinham em menor numero.

Então viera o dia que encontramos outros, um grupo pequeno que por sorte tinha pessoas boas e um acampamento “seguro”. Já estávamos mais próximos da cidade, e não sabia o quanto isso poderia ser ruim. As pessoas nos aceitaram e convivemos por algum tempo, mas não tivemos o suficiente para criar laços reais, para nos afeiçoar.

Fomos atacados, e muitos não estavam preparados para isso. Alguns correram, desapareceram, outros foram pegos, pois não tínhamos mais balas suficientes e aquelas pessoas não haviam nascido para decepar cabeças no meio de um jantar que parecia calmo. Por mais que eu cresse, por mais forte que eu havia sido, não havia como fugir da morte se você não quisesse. E talvez eles não quisessem, mas eu continuaria até o dia em que uma bala atravessasse minha cabeça, e esperava que essa bala não fosse minha.

Enfim, procurei minha família, meus amigos, as pessoas novas, e encontrei corpos, encontrei-os e eles já não eram como antes. Como um dia havia temido, estava sozinha, fugindo sozinha pela primeira vez há muitos dias, e estava enlouquecendo. Precisava parar de pensar às vezes, me limitar à apenas observar as coisas, absorver o que deveria ser absorvido, sentir só o que tocava minha pele.

Mas apenas às vezes, porque eu sabia. Sentir era o que me tornava humana, diferente deles, que só vagavam procurando a próxima refeição. E sobre tudo, eu ainda tinha esperança, talvez fosse ridículo, mas se eu estava ali era porque nunca havia me desfeito dela. Pensava se nos final, ela teria me valido tanto, mas era um devaneio que logo afastava, porque não chegara o meu final.

Estava andando há muito tempo pelas ruas de Meriwether County, Atlanta GA, numa tarde de sol quente, soando e me esforçando para resistir ao impulso de beber o pouco de água que restava, mas essa sensação me fazia esquecer todas as outras coisas, então não era de todo o ruim. A cidade era pacata antes de tudo isso acontecer, o tipo de lugar pra onde as pessoas se reuniam na praça no domingo apenas para conversar vendo crianças brincarem, mas o tipo de lugar onde eu não gostaria tanto de morar.

Estava praticamente deserta, um ou dois infectados (como os chamo, afinal, é como se estivessem doentes) mais lentos mancando por ai, a maioria fora para as áreas rurais pelo o que parecia, já que não sobrara ninguém pra comer na cidade. Ninguém pra comer, e gostaria de estar falando de não ter ninguém para convidar pra jantar.

Tem um momento quando finalmente paro de caminhar e olho para os lados, encarando as casas bonitas em volta, com a grama alta, os balanços e brinquedos quebrados, com um ar totalmente solitário e seria até um pouco aterrorizante se já não tivesse visto coisas piores antes. Eu estava sem suprimentos, era a hora de fuçar as residências atrás de algo comestível e outras coisas uteis. Seria tão legal achar enlatados de algo que não fosse feijão, pensei comigo.

Acabei por escolher uma casa do lado direito da rua, de madeira branca bem conservada e um pouco menor que as outras, então não me demoraria lá se não houvesse nada que me interessasse de cara.

Tirei a arma e a faca que levava na cintura e me aproximei cautelosamente em passos rápidos mesmo que a rua parecesse solitária e quieta, porque no mundo atual as pessoas preferiam agir no silencio não importava se era quando faziam coisas boas ou ruins. Lamentava dizer que até as pessoas são perigosas, às vezes muito mais que um infectado. Isso servia para mostrar que o mundo muda, os homens não.

Dei a volta pelo quintal e tentei abrir a porta dos fundos o mais silenciosamente possível, mas essas casas velhas rangiam ao menor toque, e mentalmente desejei muito que não houvesse alguém ali, pelo menos ninguém mal, porque de qualquer forma já deveria ter me ouvido.

Abri a porta devagar e pensei ter ouvido alguma coisa, logo soltei a maçaneta e levantei arma e faca juntas, alarmada. Esquadrinhei o cômodo com os olhos rapidamente, era uma cozinha simples de azulejos e armários brancos, mesa e cadeiras de madeira quebradas, seus pedaços espalhados pelo chão. Alguns armários estavam abertos e havia latas no balcão. Ou havia alguém ali, ou alguém deixara isso assim, e pedia secretamente aos céus que, por favor, fosse a segunda opção.

Segui pisando leve, olhando tudo atentamente, checando antes de decidir pegar alguma coisa que poderia custar a minha cabeça. Saindo da cozinha tinha a porta da frente na parede direita a mim, a entrada para a sala na frente, um banheiro e uma escada na parede esquerda, e vi que ela não era tão pequena quanto imanava, e eu aprendera a temer casas com segundo andar, pois nunca se sabia o que estava trancado lá encima ou o que poderia descer as escadas enquanto você estava embaixo.

Caminhei para a sala, pequena e surpreendentemente aconchegante, com um sofá de couro em frente a uma lareira com fotos de família simples, mas muito belas. Provavelmente a casa pertencera a um casal de idosos outrora, havia fotos dos filhos adultos e dos pequenos netos. A foto de um bebê sorrindo ao abraçar uma arvore de natal de sua altura me fez parar um pouco para observa-la. Tive vontade de tirar minhas próprias fotos da mochila, ou pegar aquela para levar comigo. A criança lembrava-me meu irmão, Noah, quando pequeno, e isso ao mesmo tempo em que me fez sorrir me fez ser atingida por uma nostalgia que afastei rapidamente.

Desviei os olhos da foto logo, pois não estava ali para observar fotografias de família, e enquanto ainda olhava para os lados, um pouco distraída, cometi um erro fatal. Haviam cacos de vidro fino no chão, e eu não os enxergara, o que me levou a pisá-los sem hesitar.

– Merd... – comecei a dizer, recuando rápido para trás, assustada porque parecia ter sido um barulho ligeiramente alto.

TicO som da arma sendo destrava atrás de mim respondeu que sim, aquele havia sido um barulho bem alto, e arrependi-me prontamente de confiar em minha própria sorte. Eu deveria aprender a lição: não existia sorte porcaria nenhuma.

Virei imediatamente, destravando a minha também – mesmo que talvez não adiantasse nada, uma vez que poderiam atirar em mim no momento em que virasse, uma vez que eu poderia hesitar em tirar outra vida. Meus olhos se arregalaram no instante em que virei, completamente surpresa e sem saída.

Era um menino jovem, como eu, apontando uma arma, como eu, mas diferentemente de mim ele parecia não temer puxar o gatilho a qualquer momento.

Estávamos os dois no meio da sala que antes parecia aconchegante – quando não havia alguém apontando uma arma para mim –, com as armas em posição. Ele era alto, as roupas surradas e simples, um chapéu de cowboy no estilo Clint Eastwood chaveirinho. Um rosto bonito, mas suado e com uma expressão endurecida, e cheguei a duvidar se realmente não havia mesmo algum medo ali embaixo da carranca. Olhos azuis intensos me encaravam, como se o mar ou o céu o tivessem escolhido pra levar uma pequena parte de si com ele, e honestamente pensei que valera a pena estar viva pra ver aquilo.

Ele também parecia me analisar disfarçadamente, e seus olhos podiam ser bem bonitos, mas enquanto me olhavam pareciam tão frios que me perguntei como os meus se pareciam. Então me dei conta que eu provavelmente levava esse mesmo olhar comigo, mas o dele poderia ser mais verdadeiro, pois no fundo eu ainda tinha o olhar de alguém que salvaria um gato mesmo que custasse o meu almoço.

– Escuta, eu... – comecei a falar com voz firme, não sabia quem ele era, mas de qualquer jeito eu já estava muito bem ferrada, obrigada, então não queria arrumar confusão.

– Quieta. – ele disse ríspido, mesmo com uma voz que parecia estar amadurecendo pareceu muito, muito autoritário – Você esta sozinha, então sugiro que abaixe a arma, porque eu não estou – ele ofegou e endureceu o olhar – e também não vou hesitar em atirar se for preciso.

Permaneci imóvel alguns segundos depois da fala, sem saber qual atitude tomar, e se alguma das opções salvaria minha vida – havia apenas uma bala na arma, uma que originalmente estava guardada para mim, e se usasse ela agora talvez não salvasse minha vida, mas minha dignidade. Mas quanto valia a vida do garoto em minha frente, porque valia mais ou menos que a minha, e havia a maior duvida: e se ele não fosse mau? Por fim, recuei a arma devagar e estava me movendo para guarda-la de volta no coldre, sem tirar os olhos de minha companhia não amigável.

– No chão – ele rosnou, e fiquei imóvel novamente, sentindo que uma carranca se formava no meu rosto também.

Agachei e depositei a pistola no chão, logo ficando de pé com as mãos livres, ainda encarando ele. Certo, supostamente eu havia sobrevivido todos aqueles anos, todos os dias bons e todos os infernais, perdido tudo e comido feijão enlatado por dias seguidos para um moleque com chapéu de Cowboy me dar um tiro, e o maravilhoso livro da minha vida acabaria assim, ponto final, agradecimentos, créditos, é isso ai. Deus e as ideias de jerico dele para fins bacanas.

– Carl? – ouvi outra voz masculina vindo das escadas e me sobressaltei.

– Aqui, pai. – ele respondeu ainda com sua voz estupidamente autoritária.

Carl. Um rapaz bonito ele era, com um nome até razoável, mas não parecia disposto a abaixar aquela arma e me oferecer um enlatado que não fosse feijão, então eu continuei lá, com uma pose calmíssima, fingindo que a ideia de morrer jamais me amedrontara.

Um homem entrou na sala e parou ao lado de Carl me observando tão surpreso quanto eu estava. Ele tinha os mesmo olhos azuis e era um pouco mais alto que o rapaz, uma barba rala, pele bronzeada e cabelo loiro queimado. Tinha uma mala nas costas.

– Chute a arma para cá. – o garoto ainda mandou, e eu estive perto de pegar a arma e lançar com força, como uma bola de beisebol, bem naquela fuça adorável dele.

Sem escolha, chutei a arma e ele se abaixou e pegou sem recuar a própria pistola ou tirar os olhos de mim.

– Quem é você? – o homem perguntou, parecia mais gentil, mas não menos suspeito.

Ele tinha alguma coisa nele, uma pose diferente, o jeito de mover os braços e como a cabeça se inclinava e os olhos me analisavam. Perguntei-me como eu me parecia, com uma camiseta do Texas Rangers azul, jeans surrado e tênis all star preto. Meu cabelo castanho avermelhado preso num rabo de cavalo, os olhos castanhos grandes deviam me fazer parecer tão mais inocente.

– Hope. Hope Miller, e eu não quero arrumar encrenca. – falei de imediato.

– Tem alguém com você? – perguntou cautelosamente, uma mão pousada sobre o punho da arma.

– Infelizmente não. – respondi enfaticamente – Ninguém há muito tempo.

O garoto Carl estreitou os olhos, como se eu tivesse dito algum absurdo. Talvez parecesse mesmo, eu não aparentava ter mais de dezesseis anos e também não aparentava ser o tipo que sobrevive como uma Lara Croft nas ilhas do Himalaia.

– Sozinha? Impossível. – o homem balançou a cabeça com descrença.

– Talvez para você. – dei de ombros – Se não acredita pode procurar por ai e deixar o Clint olhando, não vou fugir, e morrer também não parece uma opção tão ruim nessa altura do campeonato.

Eles se entreolharam por um instante, e o homem me encarou com um olhar diferente, que eu não soube decifrar, só pude continuar ali parada olhando-os como se não fosse a minha vida rolando igual uma bola de gude nas mãos deles.

– Qual o seu nome? – perguntei ao homem, que se surpreendeu pela pergunta.

– Rick, Rick Grimes. – respondeu e apontou o garoto – Ele é o Carl.

– Eu sei, pode o mandar abaixar a arma? Já disse que não vou fugir, vim aqui atrás de comida. – falei tentando não parecer tão ingênua.

– Abaixe filho. – ele colocou um braço na frente de Carl, e relutante a arma baixou.

Lancei um olhar aliviado e vitorioso ao garoto, que não desfizera sua carranca. Era como se eu dissesse “eu venci, seu otário”.

– Obrigada. – agradeci sinceramente, surpreendendo-os novamente.

– Nós também não queremos encrenca, Hope. – Rick disse se aproximando alguns passos.

Sem duvida Rick não parecia um cara mau, ele se parecia um pouco com meu pai até. Imaginava que se ele quisesse, poderia parecer muito ameaçador, mas naquele momento não parecia.

– Vocês tem um grupo? – era uma das várias perguntas que queria fazer – O que estão fazendo aqui?

– Bem... – Rick olhou para Carl que parecia desconfiado – Temos, sim, e viemos buscar suprimentos.

Ficaram em silencio, talvez não soubessem o que revelar a uma desconhecida interessada no que eles podiam oferecer além de um tiro na cabeça.

– Vocês parecem estar seguros... – analisei-os de novo, apesar de surradas as roupas não estavam sujas ou rasgadas – Tem um lugar fixo?

– Pai... – Carl falou apreensivo, ele não parecia inclinado a me ajudar.

– Olha, eu sei que ter a vida de alguém nas mãos é bem difícil. – comecei, Rick me olhou atentamente – Estou sozinha, não sou o tipo imprudente e não sou tão indefesa quanto pareço, sei como funcionam grupos e eu sei ser útil. – eu jamais imploraria para andar com alguém, mas se a fome ou um infectado não me matassem, eu sabia que a solidão iria – Vocês não se parecem gente má, e espero que eu não pareça, porque realmente não sou.

Eles me encararam por vários segundos depois que me calei, não sabia se estava constrangida ou tensa, se deveria temer alguma coisa depois de Carl abaixar a arma, se deveria me aproximar. Lidar com seres humanos ainda não era a coisa mais fácil, afinal.

– Tem uma prisão. Nós moramos lá, um grupo grande. – ele estava falando um pouco mais para si mesmo do que para mim, era óbvio que estava tentando tomar uma decisão.

– Se me aceitar, não vai precisar se preocupar. – arrisquei alguns passos para frente – Minha vida jamais será sua responsabilidade.

– Se ficará conosco, lutará ao nosso lado. – Carl disse, mas ainda não parecia de acordo – Minha vida pela sua, e a sua pela minha, não há outro modo, garota.

O olhei bem nos olhos, e pela primeira vez naquele breve e desagradável encontro ele não me pareceu tão frio assim.

– Então eu lutaria pela sua vida, se ela valesse apena. – dei de ombros – A minha pela sua, e seria uma forma nobre de morrer.

A postura defensiva dele se desfez, e pude encara-lo como igual. Rick tinha uma expressão diferente no rosto, seus lábios se contraiam um pouco, como se contivesse um sorriso. Mas seus olhos não mentiam, havia uma sombra de apreciação neles.

– Ninguém vai morrer hoje, mocinha. – aquelas palavras foram como um abraço quentinho.

Carl havia desviado os olhos de mim finalmente e tirado a mochila das costas, foi em direção à cozinha e presumi que pra pegar os enlatados do balcão. Rick me olhou fixamente, como se procurasse alguma coisa, então se virou por um momento e pegou outra mochila que tinha deixado na escada.

– Algumas respostas, é o que eu preciso – disse simplesmente.

– Eu também, já que estamos negociando aqui. – ele não pôde evitar um sorriso de canto ao me ouvir – Pode começar.

– Quantos errantes já matou? – estreitei os olhos, estranhando o modo como ele os chamou, mas não contestei.

– Eu não acho que dê tempo de contar na maioria das vezes. – disse, sem ignorância – Mas pode pôr uns cem na minha conta sem problemas.

– Quantas pessoas já matou? – ele fez essa pergunta com cautela, mesmo que tivesse uma sombra de riso em sua voz pelo sarcasmo que eu usava.

– Duas. – lembrei-me dos dois caras imundos na floresta, dos malditos sorrisos que tinham e da vontade de fazer bem mais que atirar em suas cabeças.

– Por quê? – me olhou curiosamente.

– Porque tentaram me matar quando não conseguiram me estuprar. – Rick me olhou compreensivo, com alguma pena que logo desapareceu quando percebeu que a ultima coisa que eu queria era pena – Sobreviver custa caro, e se eu vou morrer depois de tudo isso, sério, eu quero alguma dignidade.

– Sinto por isso, todos passamos por coisas ruins. – disse, e uma certeza que eu tinha era que aquele homem havia passado por poucas e boas.

– O mundo muda, os homens não. – ele assentiu, um pouco admirado – Não é difícil aceitar isso.

Carl voltou à sala, ainda segurava minha arma, e provavelmente ouviu o que eu falei sobre os dois caras e evitou me olhar. Mas, para minha surpresa, fez uma pergunta:

– Quantos anos tem? – tinha uma sobrancelha levantada.

– Devo ter quinze. – ele olhou surpreso.

– Quinze. – repetiu indiferente – Eu também.

O rapaz me estendeu minha pistola bruscamente, e olhou-me quando fui rápida em pegá-la de volta.

– Estou no carro. – ele saiu da casa a passos largos. Aquele modo como andava, cara, se achava a ultima coca-cola do deserto.

Rick encarou o chão, me senti meio contrariada por ele, o moleque deveria dar uma canseira. Contive um riso baixo pelo modo como agiu, porque eu era a garota que eles supostamente acolheriam, não poderia tratar meu salvador com ignorância mesmo que fosse um otário.

– Ele é sempre assim? – perguntei levantando uma sobrancelha, Rick riu baixo.

– Não lida bem com gente nova. – isso me pareceu um lindo e brilhante “sim, eu te aceito no meu grupo”, mas não fiz expectativas – Mas você não parece exatamente ameaçadora.

– Eu juro pela bandeira dos Estados Unidos que sou super legal. – levantei a mão direita, e ele me olhou risonho, mas com incredulidade – Mas e vocês? Que tipo de pessoas vive com vocês?

– Pessoas legais. – os olhos dele sorriram de novo – Minha família.

Olhei surpresa pra ele e não pude evitar sorrir, pois hoje em dia o termo “família” se encaixava em pouquíssimos grupos de pessoas, mas ele usava-o com total confiança e autoridade.

– Família. – repeti, sentindo o gosto doce daquela palavra – Isso é fantástico.

– Tem razão. – ele balançou a cabeça – Mais alguma pergunta?

– Você é policial? – ele me encarou imóvel, surpreso, e eu já sabia a resposta – Você é policial.

Sorri para ele, juntando as peças, o jeito como ele se portava, o chapéu no garoto, o olhar analítico, as perguntas e o jeito calmo que as fez. Era um homem da lei quando não existiam mais leis, isso era evidente.

– Eu era. – disse sorrindo de canto também – Você vem, ou não?

Deu alguns passos para trás, se dirigindo para a porta, e eu estava tão emocionada que não fui capaz de me mover no primeiro segundo, só sorrir a ele, sentindo a massa quente e agradável que era a alegria se espalhar por meu peito.

– Obrigada, policial. – falei, e finalmente comecei a andar.

Isso foi melhor que qualquer enlatado.


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