A Inútil Capacidade de Ser Normal [Degustação] escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 2
Um


Notas iniciais do capítulo

Espero que goste :)



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Dessa vez fui esperto o bastante pra colocar o despertador do telefone pra tocar. E também fui dormir um pouco mais cedo; segurei minha curiosidade em saber o que acontece a partir do capitulo 25 de O Pacto e fui dormir exatamente à uma hora da manhã.

Tentei me arrumar sem fazer nenhum barulho possível; se minha mãe soubesse que eu estava me arrumando para ir ao segundo dia de aula ela começaria de novo com aquele papo de que “garotos normais não vão aos primeiros dias de aula”. Minha mãe estava “viciada” naquela história de me tornar um garoto normal.

Peguei minha bolsa e coloquei nas costas, abri a porta do meu quarto com cuidado para não fazer barulho e andei devagar pelo corredor, a porta do banheiro está aberta, eu entro e escovo os dentes rapidamente e saio de fininho novamente. Entro na sala de estar e minha mãe não está lá e nem na cozinha.

Minha mãe é ginecologista, ela divide um consultório com duas amigas no centro da cidade, e sai todos os dias as sete da manhã para ir trabalhar. Então é cedo demais para que ela já tenha ido.

De repente a porta do quarto do meu irmão se abre e ele sai usando apenas um short branco de dormir.

–O que foi? – Ele pergunta olhando minha cara assustada.

Júlio é três anos mais velho que eu, ele está no segundo ano de biologia da faculdade da cidade. Antes eu e Júlio éramos melhores amigos, do tipo que contam seus segredos e essas coisas. Mas depois que Júlio foi para o segundo ano do ensino médio ele mudou completamente, ele se fechou para mim e para nossa mãe, e nunca mais voltou ao que era antes. Mas, ao contrário de mim, Júlio era completamente normal; ele tinha um corte de cabelo bonito e malhava, tinha uma namorada linda e era convidado para as festas dos mais ricos da universidade. Esse era um dos pontos que faziam com que eu desejasse o mínimo possível ser normal, tinha medo de mudar, de me tornar outro alguém.

–Cadê a mamãe? – Pergunto.

–Está no quarto dela se arrumando – ele diz e eu posso ouvir a porta do guarda-roupa se fechando dentro do quarto dela. – Você sabe que isso é estranho, não é? Fugir de casa para ir para a escola.

–Estranho é... – Começo a dizer, mas paro de repente ouvindo a porta do quarto de minha mãe se abrindo.

Corro para a porta e a destranco rapidamente e fecho ela com força quando saio; não vou esperar pelo elevador e nem mesmo tenho vontade – na verdade é falta de coragem mesmo – de “andar” naquela coisa velha. Vou para as escadas e desço correndo, passo a mão sobe o bolso traseiro da calça e agradeço aos céus pelo telefone estar lá.

Como moro no sexto andar não demora muito para que eu chegue à entrada do prédio. Isaias, o porteiro, abaixa o jornal que está lendo e olha com a cara estranha pra mim.

–Bom dia, Isaias! – Digo ofegando enquanto me encaminho para a saída.

–Bom dia. – Ele diz sem animo e volta a ler seu jornal.

Quando saio paro por um momento e tiro o telefone e os fones de ouvido do bolso. Passo a mão em meu cabelo encaracolado para ter certeza que não está bagunçado e sigo em direção a escola.

Eu estudo na Escola Estadual Jair Silveira, ela fica a cinco quarteirões da minha casa, então prefiro ir andando. Eu moro em Novos Montes, uma média cidade de Minas Gerais. Média porque ela não é tão grande e nem tão pequena, somos no máximo setenta e cinco mil habitantes. É um bom lugar de se viver; o único ponto ruim é você vê pessoas abrindo lojas de parafuso e dizendo que isso era tudo que se faltava na cidade, enquanto não se tem uma livraria ou no mínimo um cinema (também seria bom ter um shopping).

Conecto os fones no telefone e os coloco no ouvido e depois coloco a musica pra tocar, a primeira da minha Playlist é Adore You da Miley Cyrus. Eu adoro essa musica. Passo pelo primeiro quarteirão e de repente a musica para de tocar, tem alguém me ligando. Olho na tela e é o número de Pit, meu melhor – e único – amigo.

–Oi, Pit – falo depois de apertar o pequeno botão no fio dos fones de ouvido.

–Então, vai à aula hoje? – Percebo um leve tom de deboche em sua voz.

–Vou! Eu fugi de casa.

–Fugiu? Tipo de verdade?

–Sim e não. Como poderia ser de mentira se eu fugi? E não porque eu só fugi pra ir á aula hoje; depois te explico.

–Então tudo bem, já to chegando à escola, to te esperando.

Desligo o telefone e coloco a musica pra tocar de novo, agora só falta três quarteirões.

Eu gosto de ir andando pra escola porque posso pensar, e também porque é um momento de ficar sozinho comigo mesmo. De poder pensar em coisas como ser shipper Percabeth, sobre quais livros quero ler, sobre as séries que vão ser lançadas ou sobre as que assisto, ou sobre meus livros favoritos.

“Awkward” é minha série favorita, eu simplesmente amo a Jenna e a Sadie, e não me canso de falar sobre a série – e é Pit que sofre com isso. O meu livro favorito é “Perdão, Leonard Peacock”, eu simplesmente amo o modo como aquele livro foi escrito e de como o Leonard foi criado com todos os seus pensamentos e tudo mais.

Tomei um susto ao chegar à escola, eu estava tão perdido em meus pensamentos que nem percebi o quanto havia andando. Como um carro não me atropelou quando eu atravessei a rua?

Parei por um momento na entrada da escola, eu não havia saído muito durante as férias, mas quando sai em nenhuma vez eu passei em frente à escola. Parece estar tudo como antes: as paredes pintadas de branco e verde, e a grama sempre verde na parte da frente por dentro das grades; alunos andando de um lado para o outro fofocando sobre algo que acontecera em suas férias; e os funcionários fazendo seus variados trabalhos.

Olho para cima em direção a grande placa na entrada da escola é a única coisa que parece ter mudado, ela foi pintada novamente e tem até certo brilho. Se uma coisa tão insignificante como uma placa muda, por que minha vida também não pode mudar?, penso enquanto tiro os fones e os guardo no bolso. Talvez minha mãe esteja certa, talvez esse ano possa ser diferente.

–O que você ta fazendo ai? – Pit pergunta vindo em minha direção, ele já estava dentro da escola.

Pit e eu conversamos desde a quinta série, mas só foi a partir do ano passado que nos tornamos amigos de verdade, isso porque somos os mais anormais da sala: O garoto viciado em vídeo-game e O maluco viciado em ler. Mas o fato é que confiamos o bastante um no outro, eu sei que posso contar qualquer coisa para ele assim como ele sabe que pode contar para mim. Olhando por outro ponto nós não temos quase nada em comum, eu amo ler e ele detesta, ele ama vídeo-game e eu prefiro nem tentar; e além de tudo a família de Pit tem bastante dinheiro, enquanto a minha família sobrevive com o salário de ginecologista da minha mãe e uma ajuda mensal que meu avô nos envia todo mês. Pit tem o cabelo todo raspado e eu tenho os cabelos encaracolados, Pit é alto e eu sou um pouco baixinho. Nós com toda certeza não somos desses amigos que podem ser confundidos como irmãos.

–Você percebeu que pintaram? – aponto para a placa.

–Não. Mas vamos entrar, quero marcar lugar quando tocarem o sinal.

–Ta bom, mas vamos sentar próximo as janelas.

A gente entra na escola e vai em direção á nossa sala, Pit havia olhado a lista no dia anterior e eu saí na mesma sala que ele – graças a Deus.

De repente viramos entrando no corredor das primeiras salas e alguém esbarra em mim, é uma garota – sei disso por causa do grito que ela deu em meu ouvido.

–Você não olha por onde anda? – Ela grita, olho para frente... MERDA é a Karen Franco.

Karen tenta seguir o estereótipo dessas patricinhas que vemos em filmes para adolescentes, e isso tudo só porque ela namora o filho do prefeito, Asher Beal.

–Foi você que esbarrou em mim – Falo mais baixo que o tom que ela usou ao falar comigo – Você nunca ouviu que se deve ir andando do lado direito? – Acho que aquela regra só serve quando se trata de alguma coisa como carro ou moto, mas falei mesmo assim, só pra ter algo a mais para dizer.

–Eu até pensei que não veria pessoas como você esse ano João Lourenço – Ela fala quase gritando e eu percebo que as pessoas estão olhando para nós –, mas pelo visto eu não tive tanta sorte.

–Pessoas como eu?

–Sai da minha frente! – Ela grita e continua andando com suas amigas.

Olho para frente e percebo que as pessoas estão me olhando.

–Perderam algo na minha cara?

Eu não disse aquilo realmente, pareceu legal na minha cabeça, mas eu não tinha coragem. Com toda certeza fazer isso não seria nada normal.

–Como ela sabe seu nome? – Pit pergunta e nós seguimos andando.

–Ela se sentou atrás de mim um dia no ano passado quando você faltou... – Digo olhando os números escritos á cima das portas das salas, a nossa é a 13 – E me pediu cola de um exercício de português. Ela achava que meu nome era José Floriano.

Pit solta uma risada ao meu lado, eu olho pra ele tentando dar aquele tipo de olhar de assassino, mas acabo rindo também.

O corredor de onde fica as salas não é bem um corredor, do lado direito ficam as salas, e quando se olha para o lado esquerdo se vê o pátio com todas as mesas espalhadas encima da grama verde, cada mesa fica junta á uma árvore que protege a gente do sol no horário do intervalo.

O sinal toca. Eu e Pit corremos para a nossa sala; nos sentamos na segunda fila a partir do canto da parede onde ficam as janelas, eu na terceira carteira e ele na quarta.

–Não me interessa se estamos na primeira semana de aula – Jonas, nosso professor (chato) de inglês entra na sala falando – eu não vou dar moleza para vocês. Já preparei um exercício de revisão e vou começar a entregar. – Ele começa a entregar as folhas de atividade na fileira do canto perto da porta.

–Você cancelou sua matricula no cursinho de inglês? – Pit pergunta e eu me viro para ele.

–Sim, eu fui lá ontem de tarde. – Falo – Demorei mais de trinta minutos para fazer a secretária entender que Lourenço é meu sobrenome e não parte de um nome composto.

Ele acha graça e ri.

–Então você desistiu mesmo de fazer um curso de inglês?

–Por agora sim, eu aprendo mais inglês assistindo a séries legendadas do quê estudando... –Paro ao perceber que Pit fica com a expressão fechada.

–É muito bom saber que você acha minhas aulas muito produtivas, João – Jonas diz atrás de mim e eu me viro para ele.

–Não é isso... – Eu começo a dizer, mas ele coloca a folha encima da minha mesa e segue em frente. – Homem chato – murmuro.

–Disse alguma coisa, João? – Ele pergunta da mesa de Pit.

–Não, Senhor! – Senhor?

Primeiro eu fico igual a um retardado parado em frente à entrada da escola, depois eu esbarro em uma “Maria Barraqueira”, e agora quase começo uma discussão com o professor chato de inglês. É mãe, o ano começou bem.


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