Ao nascer de uma nova Esperança escrita por Rafú


Capítulo 37
Capítulo 37


Notas iniciais do capítulo

OIZINHO! Desculpa o atraso, minha formatura foi na sexta e passei a semana toda nervosa, mas foi perfeito. Bem, o capítulo está aí. Não me matem (vocês entenderão quando lerem). Boa leitura. Bijus.



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Eu sabia que este dia chegaria. Eu sempre soube. E me certifiquei quando Alice adentrou a cozinha aos prantos e jogou um livro aberto em cima da mesa.

– POR QUE VOCÊS NUNCA ME CONTARAM? – grita ela antes de sair correndo novamente.

Puxo o livro e vejo várias fotos minhas e de Peeta na arena, além de uma minha com o traje do Tordo. Nas páginas seguintes há toda uma explicação sobre os Jogos Vorazes, a Revolução e a minha importância nisto tudo. O telefone toca e eu atendo.

– Alô? – falo ainda perturbada.

– Oi, poderia falar com a mãe da Alice, por favor?

– É ela quem fala.

– Oi, senhora Mellark, é que a Alice saiu correndo da sala de aula e...

– Ela já chegou aqui em casa, obrigada pela preocupação.

– Oh, tudo bem. Desculpa incomodar.

– Incômodo nenhum. Obrigada. Tchau.

Ligo para padaria.

– O que Alice tem, mamãe? – pergunta Ray.

– Ray, vá assistir televisão. A mamãe não pode falar com você agora.

Ele sai do escritório e ouço a voz de Peeta no outro lado da linha.

– Bom dia, padaria Mellar...

– Peeta!

– Katniss? O que houve?

– Vem pra casa. Alice descobriu. – não precisei falar o resto, ele sabia do que se tratava.

– Estou indo.

Subo ao quarto de Alice mas a porta está trancada.

– Alice. – bato na porta. – Abra a porta, meu amor.

– NÃO! VÁ EMBORA!

Desço até a cozinha e dou uma lida no que diz o livro. Há uma página com as fotos de outros tributos. Rue está em uma delas. Leio a legenda abaixo da foto: “Rue, uma jovem tributo do Distrito 11. Na arena foi amiga de Katniss, mas, assim como tantos outros, teve sua vida arrancada cedo demais. “Ela não foi só minha aliada, foi minha amiga”, afirmou Katniss na parada ao Distrito 11 na Turnê da Vitória.”

Uma lágrima caiu na foto de Rue. Ela ainda é minha amiga.

Sinto as mãos de Peeta me puxaram para um abraço.

– Não chora, vai ficar tudo bem.

– Eu não posso... Eu não consigo... Peeta... Eu não consigo fazer isso.

– Shhh, tudo bem. Vamos pro banheiro lavar o rosto. – ele me puxa pela mãos até o banheiro. Lava o meu rosto mas as lágrimas não pararam de cair, da mesma forma que os soluços não cessam. – Katniss, amor. Você precisa ir lá comigo. Você sabe que minha cabeça é uma mistura de memórias reais e não reais.

– Não... Peeta...

– Você sabe que se eu pudesse faria isto sozinho.

– Me dê cinco minutos. – falo saindo do banheiro e sentando na cama.

Peeta senta no meu lado e fica passando a mão nas minhas costas. Eu fecho os olhos pensando em várias coisas boas. Me concentro na mão de Peeta subindo e descendo nas minhas costas. Consigo esvaziar minha mente e fazer o choro e soluços pararem. Abro os olhos novamente. – Tudo bem, vamos.

Passamos pelo corredor e batemos na porta do quarto de Alice.

– VÁ EMBORA! – ela grita.

– ABRA ESTA PORTA, ALICE! – grita Peeta.

– NÃO!

– VOU PEGAR A CÓPIA DA CHAVE LÁ NO ESCRTIÓRIO.

Não temos uma cópia da chave no escritório. Mas a artimanha funciona. Ouço a chave virar na fechadura e a porta se abre, Alice senta na cama com o rosto vermelho.

– Por que nunca me contaram? – pergunta ela.

– Você era muito nova. Não iria entender. – responde Peeta.

– E por que isto aconteceu?

– Bem, há muito tempo ouve algo chamado Dias Escuros... – e Peeta contou toda a história de como surgiram os Jogos Vorazes. - ... e sua mãe se voluntariou no lugar da irmã dela, sua tia Prim.

– Tia Prim? E por que nunca a conheci?

– Porque ela morreu. – respondi. – Morreu enquanto tentava salvar outras pessoas.

– O livro falou que o papai foi telessequestrado. O que isso quer dizer?

– Sabe, Alice. Havia pessoas chamadas Idealizadores dos Jogos. Eles que planejavam a arena entre outras coisas. Eles criavam coisas chamadas bestantes, feras ou coisas horríveis que serviam para matar ou machucar alguém. Um muito comum e menos fatal eram vespas chamadas teleguiadas. Dependendo da quantidade de picadas, a pessoa poderia ter fortes alucinações e ver coisas que não são reais. O que fizeram comigo foi: me prenderam em uma cadeira e injetaram veneno de teleguiadas nas minhas veias, enquanto passavam vídeos modificados da sua mãe em uma televisão. O veneno me fez acreditar que a sua mãe era uma daquelas bestantes. E que era meu dever mata-la. Você ainda lembra de quando eu quase matei a sua mãe na Capital?

– Não tem como esquecer. – responde Alice e eu fiquei em choque ao saber que Alice ainda lembra daquilo.

– Bem, aquilo se chama flashback, acontece quando a parte de mim criada pela Capital domina a minha mente e eu acredito novamente que sua mãe é uma bestante.

– É por isso que às vezes você se tranca no ateliê?

– Sim, para proteger não só sua mãe, mas você e seu irmão também.

– Isso é horrível, pai.

– Eu sei, mas é a verdade. É o passado meu e de sua mãe, um passado que fará com que levemos sequelas para toda uma vida, Alice.

– Os pesadelos da mãe...

– Também são por causa dos Jogos. – completo o pensamento de Alice.

– Oh. Mas por que o Presidente... Hã... Presidente...

– Snow? – pergunto.

– É, o Presidente Snow telessequestrou o papai?

– Pra me fazer sentir culpada. – respondo. – Foi a forma que ele achou de eu não ser o Tordo.

– Uau. Então antes de você ser o Tordo, Panem era um lugar horrível?

– Exatamente, mas graças a coragem da sua mãe...

– E as boas palavras de seu pai. – complemento.

– Panem é um lugar incrível hoje.

– Então vocês são heróis. – conclui Alice.

– Pode-se dizer que sim.

– Uau. – Alice dá um pulo da cama. – Estou louca pra esfregar isso na cara do Joe.

E ela sai correndo porta a fora.

Eu atiro minhas costas na cama de Alice e suspiro de alivio.

– Eu falei que ela iria entender. – afirma Peeta.

– Sim, você falou.

– Eu disse alguma mentira?

– Não.

Descemos e vemos Ray no sofá. Peeta o coloca sobre o ombro como se fosse um saco de farinha. Ray começou a rir.

– Quer me ajudar a fazer uma torta de nozes? – pergunta Peeta.

– Querooooooo – responde Ray entusiasmado.

Peeta o leva no ombro até a cozinha e eu me sento para ver o noticiário na televisão. Alice volta meio chateada.

– Que houve? Por que está com esta cara? – pergunto.

– Esqueci que Joe não está em casa. Ele está na escola ainda.

– Ah sim, ele não participou da fuga com você. – falo rindo.

– Onde está o papai?

– Na cozinha, fazendo uma torta de nozes com o Ray.

– Mas nem me chamaram pra ajudar, estes impacientes. – diz ela indo em direção a cozinha emburrada.

– Olha quem fala. – sussurro para que ela não ouça.

Saio do sofá quando sinto o cheiro gostoso da torta. Vou até a cozinha onde Peeta está fatiando a torta.

– Hmmm, eu ganho um pouco disto também? – pergunto.

– Claro, a parte mais gostosa fica com você. – responde Peeta. – Esta torta o Ray nunca comeu. Então, de quem será a primeira fatia?

– Vamos dar ao Ray, ele vai comer uma torta de nozes pela primeira vez. – respondo.

– Que assim seja. – diz Peeta colocando a fatia no prato e empurrando em direção ao Ray.

– Espera, vou tirar uma foto. – digo rindo.

– Ah, Katniss! Sério? Desnecessário. – reclama Peeta.

– É só um minuto. – falo e subo correndo as escadas ao encontro da câmera.

Desço novamente e bato a foto enquanto Ray coloca a colher na boca.

– Hmmm, gostoso. – afirma ele. – Posso comer na sala?

– Pode, mas só desta vez.

Alice pega uma fatia e acompanha Ray até a sala. Peeta e eu comemos na cozinha.

– Você e suas fotos. – diz Peeta.

– Você e seus quadros. – devolvo.

– Ok, estamos quites. Mas não precisa de tantas.

– Não temos muitas fotos de Ray. E temos um monte de Alice.

– E mil minhas. – ri Peeta.

Só de birra, ligo a câmera e tiro uma foto dele rindo do próprio comentário.

– Mil e uma. – falo rindo.

– Você é impossível.

– Você é insuportável.

– Você gosta de retrucar, não é?

– E você gosta de reclamar, não é?

– Olha, estou ficando irritado. – afirma Peeta, tentando parecer sério.

– Olha, estou ficando chateada.

– Tá! Chega! Agora você vai ver. – diz Peeta se levantando.

– Não! Eu paro! Desculpa! Desculpa!

– Desculpa nada! Venha cá. – ele me puxa pela cintura e eu tento me soltar dele.

Mas ouvimos os gritos de Alice.

– RAY!!!! RAY!!! MÃÃÃE!

Corremos até a sala e vemos Ray deitado no chão, o rosto inchado e tentando sugar o ar que parecia não entrar em seus pulmões.

– AI MEU DEUS! RAY!!!

Me jogo no chão, mas não sei muito bem o que fazer. Mas Peeta é mais ágil e o ajunta do chão.

– Katniss pega a chave do carro! Vamos para o hospital! Vem Alice!

Busco a chave e entrego a Peeta. Alice senta no banco da frente, enquanto eu pego Ray e sento com ele no banco de trás. Coloco ele deitado com a cabeça em meu colo e começo a chorar.

– Tá tudo bem! Tá tudo bem! – tento tranquilizar mais a mim do que a ele.

– O que ele tem, mamãe? – pergunta Alice assustada de joelhos no banco e virada para nós.

– Eu não sei. – digo.

– Alice, senta direito neste banco. – ordena Peeta e ela obedece.

Ray tenta falar algo.

– Shhh, fica quietinho. Vai ficar tudo bem, meu amor. Está tudo bem. – digo passando a mão nos cabelos dele.

Parecia que havia passado uma eternidade até chegarmos ao hospital. Peeta pula do carro e abre a porta, puxando Ray para si enquanto Alice e eu corremos atrás dele.

– ALGUÉM AJUDA! – implora Peeta.

Vários médicos se aproximam e tiram Ray dos braços de Peeta.

– UMA MACA! – grita o que pegou Ray.

Uma maca surge e Ray é colocado nela enquanto é empurrado para dentro de uma porta. Alguém nos barra na porta.

– Desculpa, vocês não podem entrar aqui. – diz um segurança segurando meu braço. – Traremos noticias daqui a pouco.

– NÃO! – eu grito puxando meu braço. – EU PRECISO FICAR COM ELE. ME DEIXA ENTRAR. – Peeta me puxa por baixo dos braços, me arrastando para a rua. – ME SOLTA! EU QUERO FICAR COM ELE! EU NÃO POSSO PERDER O MEU FILHO. EU NÃO POSSO PERDER O MEU FILHO!

Peeta me abraça.

– Shhh, tudo bem. Não vamos perde-lo. Está tudo bem.

– Eu não posso perder meu filho. Eu... Não...

– Shhh.

– Pai? – chama Alice, Peeta e eu nos soltamos e vejo as lágrimas escorreram pelo rosto dela. – O Ray vai morrer?

– Não! Alice... Vem cá, meu anjo. – Peeta a puxa a abraçando.

Peeta abraça Alice com um braço e me abraça com o outro.

Quando nos acalmamos, entramos, e ficamos em silêncio vendo o tempo passar no relógio que estava debochando de nós, com o ponteiro vermelho dos segundos passando em câmera lenta. Peeta ligou para Haymitch pedindo que levasse Alice para a casa dele. Finalmente uma médica saiu pela mesma porta que fomos barrados.

– Quem são os pais que trouxeram um garoto todo inchado?

– Estamos aqui. – Peeta se levanta imediatamente e me puxa junto, vamos de encontro a Doutora.

– Como ele está bem? Ele está respirando? Desinchou? Ele está vivo, não é? – despejo as perguntas.

– Calma, está vivo sim. – diz a médica pacientemente – Ele teve uma crise alérgica terrível. Qual foi a última coisa que ele comeu?

– Torta de nozes. – responde Peeta.

– Isso nunca aconteceu quando ele comeu outras tortas?

– Não.

– Ele já havia comido nozes antes?

– Não.

– Então, nunca mais deixe ele chegar perto de nozes de novo. A menos que queira ver seu filho morto.

– De forma alguma. Eu amo meu filho. – reponde Peeta.

– Podemos ver ele agora? – pergunto.

– Sim, me acompanhem.

Seguimos a médica por um longo corredor e entramos em uma das portas. Ray estava numa cama. Com tubos enfiados na boca. Eu quase caio vendo seu estado.

– Meu Deus, Peeta! – exclamo abraçando Peeta.

– Por que ele está cheio de tubos? – pergunta Peeta.

– Foi como eu disse antes: ele teve uma crise alérgica terrível. É uma sorte ele estar vivo, sabiam? Ficou tempo demais sem conseguir fazer o ar entrar nos pulmões.

– Ele terá sequelas? – pergunto.

– Só iremos saber quando ele acordar.

– Quando ele vai acordar?

– Provavelmente daqui a uns dois dias. Agora vou deixar vocês ficarem com ele, volto mais tarde.

A Doutora sai da sala e fecha a porta. Peeta, que até então estava com um braço em minha cintura, me soltou, caminhando a passos lentos até a cama de Ray. Ele acaricia os cabelos do menino e solta um soluço. Ele senta na cadeira ao lado e afunda a cabeça no colchão chorando.

– É culpa minha. Fui eu que tive a ideia de fazer a torta. – afirma Peeta com a voz abafada.

Eu me aproximo, fazendo um carinho em seus ombros e segurando as minhas próprias lágrimas.

– Não é sua culpa. Não tinha como você saber que ele é alérgico a nozes. – o consolo.

Mas meu consolo não ajuda em nada. Só fico ouvindo seus soluços e olhando para Ray deitado na cama. A mesma Doutora entra no quarto para ver como Ray está.

– O que é aquilo no pescoço dele? – pergunta Peeta.

Só então noto que há algo enfiado na garganta dele.

– Ele não estava respirando, foi preciso fazer um furo e colocar aquele aparelho pra ele respirar.

– Mas vocês vão tirar, não é? – pergunto.

– Sim, amanhã tiraremos isso.

Peeta não deixou Alice visitar Ray, disse que seria traumatizante para ela ver o irmão naquele estado. E que ela já havia tido traumas demais para tão pouca idade. Peeta quase sendo morto, eu quase sendo morta por Peeta, descobrir que fui o símbolo de uma revolução, a entrevista a Capital. Fomos informados por Haymitch que Alice não ficou nada feliz com a proibição de Peeta. E ainda insinuou que fez um escândalo “a moda Katniss”. Eu teria retrucado mas minha única preocupação agora era Ray.

No outro dia tiraram aquele aparelho do pescoço dele e fecharam o pequeno furo. Um dia após era para ele ter acordado, mas não acordou. A Doutora nos tranquilizou dizendo que como ele é muito novo, talvez demore um pouco mais para acordar. Mas isso não nos deixou calmos, nos deixou mais ansiosos pois queríamos ver os olhos cinzentos dele novamente. Voltávamos para casa toda noite, mas toda manhã, bem cedo, deixávamos Alice com Haymitch para leva-la a escola e partíamos para o hospital na esperança de ver Ray com seus olhos abertos. Mas ele continuava em seu sono profundo. Lembrei das histórias que Peeta conta a Alice. A princesa que acorda após muito tempo de seu sono profundo com um beijo de amor verdadeiro. Uma semana se passa e Ray não reagiu ainda. Foi colocado um tubo em seu estômago para ele poder se alimentar. Estou assustada com estes tubos. O que havia na boca não foi retirado, pois ele precisa daquilo para ficar vivo.

A Doutora nos chamou para a sala dela. Somos levados até lá por um médico.

– Sentem –se, por favor. – nos diz a Doutora apontando para as cadeiras que se localizam na frente da mesa. Nos sentamos, apreensivos, sem saber o motivo de sermos chamados na sala da Doutora. – Bem, estamos preocupados com o Ray. Ele já devia ter acordado faz algum tempo, mas ainda não acordou. Passou-se duas semanas e isto é muito tempo quando se trata da saúde de uma criança. Hoje, fizemos uma reunião para falarmos sobre o estado de Ray. Todos nós decidimos que, para o bem dele, se Ray não acordar até amanhã, desligaremos os aparelhos e daremos fim ao sofrimento de seu filho.

Peeta se levanta imediatamente a bate a mão na mesa com força, fazendo tudo que havia em cima tremer, inclusive eu, que me assustei com o baque.

– COMO ASSIM!? VOCÊS NÃO PODEM TIRAR A VIDA DO MEU FILHO!!! TERÃO QUE ME MATAR PRIMEIRO ANTES DE DESLIGAR OS APARELHOS! SE ATREVAM A FAZER ISTO E VERÃO O QUE FAREI COM VOCÊS! – Peeta berra completamente fora de si e furioso.

A Doutora se levanta também, e mostra-se tão irritada quanto Peeta.

– SENHOR, ENTÃO VOCÊ PREFERE QUE SEU FILHO VIVA NUMA CAMA DESACORDADO O RESTO DA VIDA?? É ISSO QUE O SENHOR QUER? QUER VER SEU FILHO EM COMA VEGETATIVO PARA SEMPRE? SE ELE NÃO ACORDAR ATÉ AMANHÃ, NÃO ACORDARÁ MAIS! EU SEI QUE É DIFICIL, MAS É A REALIDADE E EU SINTO MUITO POR ISSO, PORQUE MINHA EQUIPE E EU FIZEMOS TUDO QUE ESTIVESSE AO NOSSO ALCANCE PARA SALVA-LO.

Peeta e a Doutora continuaram a gritar um com o outro. Não prestei atenção aos gritos de nenhum dos dois, pois a única coisa que não saia da minha cabeça é que amanhã eu poderia não ter mais meu filho. Não veria mais ele acordar cedo e já com um sorriso no rosto. Não passaria mais a mão em seus cabelos quando Peeta xingava ele por suas artes. Não o veria acertar o alvo com uma flecha. Não veria Alice, Peeta e ele, rolarem na grama enquanto eu assistia a tudo apenas rindo. Não veria mais o reflexo dos meus olhos nos olhos dele. Não veria a minha família completa nunca mais. Entrei em um estado de estupor. Ouvi quando Peeta falou: “Vamos, Katniss!”, mas não consegui reagir, foi como se ele estivesse falando com outra Katniss, não comigo. Como se eu fosse uma pessoa invisível vindo xeretar um assunto que não é da minha conta, mas infelizmente é da minha conta. Pois é o meu filho, o meu menino que está em risco, e não o garoto loiro de olhos cinzas de outra Katniss que tenha por aí. Peeta me puxa pela mão como se eu fosse uma criança retardada e eu apenas me deixo ser levada. Meus pés trancam, quando a ficha cai por completo e puxo a minha mão de Peeta enquanto esmurro a parede, tamanho é o ódio que estou sentindo. Peeta me puxa de frente pra ele e me prensa na parede, me mostrando as lágrimas que até então não notei que estavam presentes em seu rosto.

– Calma, ele vai ficar bem. Eu prometo. Nós não vamos perde-lo. Eu prometi pra você que cuidaria da nossa família e vou cumprir esta promessa até morrer.

– Ele vai morrer, Peeta. – falei aos prantos. – Ele vai ficar em coma vegetativo, ele vai ficar comendo por um tubo. Eu não quero que meu filho vire uma planta.

Peeta me abraça com força demais, me mostrando que estava procurando algum consolo também.

– Não diz isso. Ray não vai virar um planta. Ele virá pra casa com a gente e vai brincar e fazer arte com a Alice como sempre foi. Confia em mim. Nós vamos sair daqui com o Ray vivo.

Começo a perder o ar, Peeta não conseguiu me enganar com suas palavras desta vez, vejo nos seus olhos o tamanho da mentira que ele está me dizendo. Ele mesmo notou que não foi suficientemente convincente desta vez ao olhar com uma profunda tristeza para mim.

Me desvencilho de suas mãos e corro até o quarto do Ray. Sento na cadeira. Vou passar o resto do tempo que tenho com ele sem sair daqui. Beijo a mão pequenina dele e com a outra acaricio seus cabelos.

– Por favor, acorda. Eu não posso te perder, meu amor. Eu te amo tanto, sabia? Eu nunca mais vou sorrir se você não acordar mais. Por favor, abra os olhos.

Mas ele não abriu os olhos, ele não se mexeu, continuou parado e imóvel. Peeta surgiu sem eu nem perceber e passou as mãos pelos meus ombros, desta vez ele não falou nada.

A tarde se passou e Ray continuou da mesma forma. A cada minuto que passava eu ficava cada vez mais desesperada. Peeta ficou parado na janela, olhando para o nada. Acho que agora ele que entrou no estado de estupor. Acabei acompanhando ele, mas meus pés doeram de tanto ficar de pé e acabei sentando novamente. Deitei a cabeça na cama, sem largar a mão de Ray e caí no sono. Dormi até sentir a mão de Ray ser puxada de mim. Me ergui assustada achando que haviam vindo desligar os aparelhos. Mas não havia médico nenhum no quarto. Olhei pra janela vendo que já era de manhã cedo. Ouvi alguém murmurar algo. Peeta continuava na janela, parado e olhando para o nada.

– Peeta! Peeta! – ele não se virava. – PEETA!

– Que?! – ele se vira e vejo os olhos dele já cansados. Ele não dormiu nem um pouco.

– Pare de murmurar. – digo.

– Não estou murmurando. – responde ele e logo após boceja.

– Você está quase caindo, deite nesta cama vazia aí e durma um pouco.

– Não. Estou bem.

Ouvi alguém murmurar de novo quando me virei.

– Então para de murmurar. –falo novamente me virando para Peeta de volta.

– Não estou murmurando! Mas que droga! – fala Peeta irritado.

– Então quem está...? – paro ao ouvir uma voz bastante conhecida.

– Mamãe?

Me viro para a cama e vejo Ray com os olhos abertos e assustados a me olhar. Meu sorriso foi instantâneo, me aproximei e acariciei seus cabelos.

– Oi, meu amor.

– Oi, mãe. – diz ele.

Peeta corre até a cama e se debruça nela.

– Ei, filho. Como está, campeão?

– Sabe, pai. Descobri uma coisa.

– Ah é? O que você descobriu?

– Que eu não gosto de torta de nozes.

Nós rimos.

– Que bom, porque você não poderá comer. – afirmo.

– Dá pra tirar esta agulha do meu braço? – pergunta ele.

– Daqui a pouco.

A Doutora entra no quarto e Peeta aponta para Ray enquanto fala:

– Está vendo isso? Ele acordou. Ele vai viver. Chupa essa, médica desgraçada.

– Peeta! Não diga isso. Foi ela quem salvou Ray, lembra?

– Oh não, tudo bem. – interrompe a Doutora. – Estou acostumada com isso, sempre me sobra a pior parte. Afinal, ninguém quer ouvir os gritos dos parentes dos pacientes, mas alguém precisa passar por isso. Vejo que ele tirou o tubo da boca.

– Ah, droga! Nem notei. – falei ao notar o tubo no lado do menino.

– Tudo bem, ele está respirando normal. Vamos fazer mais alguns exames e ele será liberado.

Ray passa por mais alguns exames, inclusive um de sangue. Doeu em mim ver ele chorar quando colocaram a agulha no braço dele. Voltamos para casa, eu dirigi desta vez, já que Peeta estava caindo de sono.

– Onde está, Alice? – pergunta Ray quando entramos em casa.

– Está na escola. – respondo.

– Vai demorar muito pra ela chegar? – pergunta ele.

– Um pouquinho.

– Vou fazer o almoço. – diz Peeta arrastando os pés em direção a cozinha.

– Não vai não. – digo o puxando e empurrando para as escadas – Você vai dormir, está parecendo um zumbi.

– Você é muito chata. – reclama ele.

– Isso que você falou prova o quanto estou certa. Vai logo, bons sonhos. - ele sobe a escada reclamando. Eu faço o almoço, Ray e eu comemos. Depois de lavar a louça, convido Ray para ir a farmácia comprar o remédio que foi receitado pra ele. – Vamos na farmácia com a mamãe?

– Pode ser.

Deixo um bilhete para Peeta na mesa da cozinha e coloco um peso em cima, para o caso do vento levar o bilhete e Peeta ficar irado novamente.

Quando chego na farmácia estendo a receita para o farmacêutico e ele rapidamente acha o remédio. Como pode? Achou tão rápido no meio de um monte de outros! Pago o remédio e voltamos para casa. Peeta já acordou e está sentando a mesa, comendo seu almoço.

– Oi. – digo a ele.

– Oi.

– Leu o bilhete desta vez?

– Sim.

– Eu coloquei um peso em cima pra não voar.

– É, eu notei. Dava pra ter colocado um copo em cima do bilhete, não a panela do almoço. – ri ele.

– Precaução. – rio junto.

Peeta foi buscar Alice mais tarde na escola. Não tem como descrever a felicidade dela ao ver o irmão em casa.

– Ray!!! – ela corre até o garoto e abraça ele. – Senti sua falta.

– Eu também senti, ou não. Sei lá, eu estava dormindo este tempo todo. – ironia, traços de Peeta.

De noite assistimos televisão juntos. Peeta entre mim e Alice, com os braços nos nosso ombros e Ray sentado entre as pernas de Peeta. Alice troca de canal e ouço uma música que tenho a impressão que já ouvi em algum lugar. Peeta se levanta rapidamente, acho que ele também reconheceu a música.

– Lembra dessa música, Katniss? – pergunta Peeta.

– Não sei, acho que sim, lembro de ter ouvido em algum lugar.

– A gente dançou com esta música na Capital, durante a Turnê da Vitória.

– Ah, é mesmo. - falo me recordando. Mas ao invés de recordar da dança, lembro do relógio de Plutarch.

Peeta estende a mão para mim.

– Me daria a honra de uma dança, Senhora Mellark? – pergunta Peeta.

– Não, não daria.

– Daria sim, vem! – ele me puxa, fazendo eu bater o meu corpo no corpo dele.

– Ai, você é violento.

– Violento não. – ele se aproxima do meu ouvido e sussurra – Apenas selvagem.

Peeta me conduz a uma dança, enquanto as crianças aplaudem e nós rimos. Ray se levanta e fica de pé na frente da irmã, do mesmo modo que Peeta ficou.

– Me daria a honra de uma dança, Senhora...

– Senhorita. – corrige Peeta.

– Oh, certo. Desculpa. Me daria a honra de uma dança, Senhorita Mellark?

– Ah não, que nojo. Você é meu irmão.

– Eu sei disso, vem logo. – Ray tenta puxar Alice, da mesma forma que Peeta me puxou. Mas Alice é mais forte que ele e nem sacudiu de seu lugar.

– Jura que é forte, né? – implica Alice.

– Ah, vamos. Por favor, por favor por favor.

– Eu não quero.

– Eu não vou parar de falar por favor enquanto você não aceitar. Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor.

– Ah, como você é chato. – grita Alice.

– Tudo bem, chega de briga. – diz Peeta me soltando. – Alice vai dançar comigo e Ray vai dançar com a mamãe.

– Eba, agora eu gostei. – diz Alice pulando do sofá.

Nós dançamos mais duas músicas até decidirmos que já estava na hora de ir pra cama. Depois de confirmar se Alice estava mesmo dormindo. Vou ao quarto de Ray. Vejo ele dormindo de bruços na cama e sorrio, pois ele vai acordar amanhã. Ele poderia não estar mais aqui. Mas acho que temos sorte. Não noto Peeta entrar no quarto, só sinto seus braços ao redor da minha cintura.

– Tudo bem? – sussurra ele.

– Agora sim. Nada de nozes nesta casa.

– Estou de acordo. Vamos dormir.

– Vamos.

Vamos para nosso quarto e Peeta se atira na cama. Eu tiro a minha roupa para trocar pelo pijama. Peeta me olha de cima a baixo.

– Bela lingerie.- diz ele apontando pra minha lingerie vermelha. – Quer ajuda pra tirar ela?

– Eu não pretendia tira-la.

– Oh, mas eu pretendia. E ainda pretendo. – diz ele sorrindo maliciosamente.

Caminho até a porta e a fecho virando a chave.

– Então venha. – digo me escorando na porta.

Ele levanta e caminha pé por pé até chegar em mim.

– Você tem noção do quanto é linda?

– Acho que você nunca se olhou no espelho.

Ele sorri antes de me beijar e me puxar para a cama.

Talvez a vida nunca seja fácil, mas sempre haverá seus momentos que valem a pena. E é desses momentos, dos momentos bons, que eu quero recordar. Talvez minha adolescência tenha sido torturada, mas agora, não pensei que seria tão feliz. Nunca pensei que conseguiria fazer outra pessoa feliz. Nunca pensei que a felicidade faria parte do meu cotidiano.


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Notas finais do capítulo

Oh não. Eu nuca mataria o Ray, se alguém achou que eu faria isso, já anuncio que as crianças não morrem. Foi só um susto. Quero deixar um recado: a fic está chegando ao seu fim (lágrimas, lágrimas...) Não sei quantos capítulos mais terá. Mas poderemos nos encontrar em outras fic’s que eu escrever. ;) Comentem, meus anjos. Beijocas da Tia Rafú pra vocês. ;)